Felizes... para sempre? escrita por Enthralling Books


Capítulo 26
- O que aconteceu, Ames?


Notas iniciais do capítulo

Hey, dears. Ainda lembram de mim?
Não vou falar aqui para não atrasar ainda mais a leitura de vocês, mas por favor, leiam até o final. É importante!
Boa leitura, amores...



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Permanecemos desfrutando dessa nossa estranha e tensa calmaria por quase uma hora, tempo suficiente para que uma enfermeira cuidasse dos nossos ferimentos em batalha.

Mas como nada que é bom dura para sempre, a porta se abriu subitamente e todos nos pusemos em pé instantaneamente.

– Pai?

::

Eu me pus em frente à cama de Shalom instintivamente, deixando as mulheres atrás de mim e percebendo a aproximação dos homens ao meu lado. Revezava os olhares entre meu pai e a porta aberta, temendo que soldados invadissem o quarto também.

– Ora, o que temos aqui? Uma família feliz. – Ironizou.

– Uma família, com certeza, mas seríamos mais felizes sem você aqui. – Astra respondeu sem titubear com a clara provocação dele.

A resposta atrevida da minha sobrinha chamou a atenção do meu pai de uma forma nada agradável a julgar pelo olhar que ele lhe lançou.

– Sem dúvidas uma Singer. E uma mini America, pelo que vejo. Desrespeitosa e tola.

– Não fale assim da minha filha. – Magda se manifestou.

– Nem da minha. – Kenna completou.

Meu pai avaliou a situação, olhando por alguns segundos para cada um de nós até fixar o olhar em mim.

– É exatamente por isso que não posso permitir que reine. Você fica calado enquanto as mulheres dessa família agem sem o mínimo de bom senso. Se você não pode governar a própria casa, não pode governar sobre Illéa. – Vociferou, acusando-me e lançando olhares de repulsa aos Singer.

– Eu poderia dizer o mesmo, pai. – Disse calma e friamente - Porque o senhor não é bem o que se pode chamar de exemplo de pai de família. Onde está sua esposa mesmo? Ah, sim... Trancada num quarto qualquer do palácio. E onde está seu herdeiro? Lutando para reconquistar o trono que o próprio pai usurpou. E sua neta? Onde está? Sendo protegida, dia e noite, contra o próprio avô. Lave sua boca antes de falar da minha família. – Meu pai ficou completamente transtornado com as verdades que eu o obriguei a ouvir.

Senti uma forte ardência do lado esquerdo do meu rosto e olhei espantado para o homem a minha frente.

– Você é um grande idiota, Maxon. America foi a ruína da nossa família. Foi ela quem incitou sua rebeldia.

– Você é um covarde. Eu não estou aqui como seu filho disposto a aceitar correções. Se quiser me ferir, faça isso como um adversário e veremos quem se sairá melhor em um combate singular. Mas garanto que não estou disposto a perder para um velho. – Despejei o que me veio à mente. Nunca tinha me expressado tão livremente, mas já que estou aqui, vou dizer o que preciso.

– De todos os erros que eu cometi você é o maior deles. O pior é que você não vê que está arruinando o país, não vê que Illéa precisa de ordem, não de revoltas e revoluções. Aquela mulher te cegou e você não se importa em estar cego desde que ela fique. Você está cada dia mais parecido com ela: incapaz de reinar.

– Ao contrário. Eu realmente espero estar mais parecido com ela em seu amor por Illéa, em sua influência com os líderes das grandes nações, mas principalmente em sua coragem para mudar.

– Os rebeldes se foram, a Guerra com a Nova Ásia acabou. O que tinha para ser mudado já foi. O que mais você quer, Maxon? – Perguntou incrédulo. Seu tom parecia ser o que usamos para questionar a uma criança malcriada.

– Eu quero apenas o que for melhor para Illéa. – Vi quando sua expressão beirou a fúria por um mero segundo e, logo depois, transformou-se em outra mais serena e resignada.

– Nisso estamos de acordo. Façamos um trato. Sei que nenhum de nós quer mais mortes desnecessárias.

Reprimi a vontade de negar qualquer coisa que ele pudesse me oferecer quando me lembrei de Jenna, do seu filho morto, do seu filho vivo e apavorado, dos soldados que estavam lutando ao mesmo tempo em que levávamos essa conversa, das suas famílias, das crianças correndo pela mansão Singer e de todos os outros que eu devo proteger.

– Estou ouvindo.

– Estou disposto a ser generoso. – Começou, mas eu estava sem paciência.

– Diga o que tem que dizer. – Apressei.

– Acabe com essa revolta estúpida e volte para casa. – Abri a boca para dizer não, mas ele fez um sinal com o indicador, pedindo um minuto mais. Consenti relutante e ele seguiu falando. – Voltará a ser o príncipe herdeiro até que me prove que posso confiar em você no trono. Eu oferecerei anistia aos soldados desertores e até permito que sua filha vá viver no palácio. Não sou tolo para não reconhecer as vantagens de tê-la por perto. E America pode ficar em Illéa com a família, ou voltar para a Itália ou qualquer outra coisa que queira desde que fique longe do palácio. Convenceremos aos conselheiros para que possa se casar novamente. Não vou pedir que viva uma vida celibatária. Esqueça todas essas tolices e volte para casa...

– CHEGA! Ainda tem coragem de dizer que isso é generosidade? America é minha noiva, Nicole é mais do que uma vantagem política, os meus soldados desertaram voluntariamente e por lealdade aos meus ideais, bem diferentes dos seus a propósito, e o povo quer mudanças. Não vou abaixar a cabeça e voltar para casa como se nada houvesse acontecido. Você fez isso. Você usurpou meu trono, pai. Agora que sabe que não vou desistir sem lutar não venha tentar me dissimular como se eu fosse um rebelde, um traidor da Coroa. EU SOU A COROA, quer queira, quer não. E não vou desistir, não agora que cheguei tão longe.

Minha voz era o som do completo repúdio. Não era possível que ele realmente acreditasse que eu faria algo assim.

Meu pai estava visivelmente furioso e aquela veia na sua garganta estava prestes a explodir, mas, de alguma forma absurda que eu desconheço, ele simplesmente inspirou pesadamente e olhou por cima do meu ombro, fixando seu olhar sobre...

Segui sua linha de visão.

...Shalom!

– Uma lástima o que aconteceu com o senhor Singer, não é verdade? Uma verdadeira tragédia.

Seus olhos faiscaram, e eu conhecia aquele olhar. Pelos céus, eu conhecia aquele olhar e não era nada bom.

– Ele vai ficar bem. É um nobre de Illéa e vai contar com todos os recursos para sua recuperação.

– Recursos? Espera que eu pague os custos do Hospital, ao que parece. A pergunta é: Por que eu faria isso?

– Não espero nada que venha de você.

– Talvez não, mas precisa morar de favor e depender da caridade alheia. Onde está o seu orgulho, Maxon? Se voltar comigo, tudo o que eu tenho será seu um dia. Se continuar com esse esquema de traição, então não terá nada.

– Ao contrário do que o senhor pensa, pai, eu tenho orgulho, sim. Tenho orgulho dos meus ideais, do meu povo, da minha família. Eu estaria me rebaixando se curvasse a cabeça e negasse tudo o que realmente importa para mim. Não farei isso, pai. Não perca o seu tempo tentando me fazer mudar de ideia.

– Já que você insiste...

Franzi as sobrancelhas, confuso, e percebi, aterrorizado, que meu pai apertou um pequeno botão em seu cinto. O mesmo botão que eu colocava em meu cinto todas as manhãs, antes de ser deposto, e que enviava um sinal de alerta para todos os soldados que estivessem num raio de 500 metros de distância. Qualquer que fosse sinalizado entenderia uma mensagem bem simples: "O rei está em perigo! Venham, AGORA!".

Percebi que James, Kota e Gerad olharam para mim apreensivos, sabendo exatamente do que se tratava, e encararam a porta, colocando-se em posição de combate.

Kenna puxou Astra para trás de si, e Jenna fez o mesmo com Matthew. Magda se aproximou mais da cama de Shalom e me olhou assustada esperando que eu pudesse protegê-lo.

Ainda tive tempo de ver uma pequena torsão no lado esquerdo da boca do meu pai, um lampejo diminuto de um sorriso, mas em seus olhos encontrei uma expressão que eu conhecia de longa você acha que consegue dar conta sem mim, Maxon? Então tente. Resolva, se for capaz!

Foi o suficiente para me enfurecer.

– Não sou uma criança esperando por sua aprovação, pai. - Murmurei entredentes, mais porque eu precisava dizer do que pela necessidade de que alguém pudesse ouvir.

E então aconteceu.

Ondas de soldados caíram sobre nós, nenhum deles, no entanto, ousou portar armas de fogo. Nenhum deles é idiota o suficiente para correr o risco de ser culpado pela minha morte ou pela morte do usurpador que chamo de pai.

Há muito em jogo.

Lutávamos como destemidos, porque sabíamos que provavelmente seria o último dia de nossas vidas e, se fosse para morrer, morreríamos como quem havia lutado bravamente. Não lutávamos por nós mesmos, lutávamos por nossas famílias, por cada pessoa que precisava de nós e que nós amávamos. Quatro homens e a força de um povo, uma nação.

Durante algum tempo, conseguimos defender nossa posição e matar todos que entraram no quarto. Tão logo algum deles irrompia no cômodo, era recebido por espadas e punhais de homens que lutavam a vista de sua própria família. Num espaço tão limitado, quatro nobres de Illéa não ficavam tão perdidos contra dezenas de oponentes quanto ficariam no Grande Salão do Palácio.

Se não morremos nos primeiros cinco minutos foi devido a uma única circunstância: estávamos dentro de um quarto de hospital e um quarto costuma ter porta. Não importaria se entrasse uma centena de soldados, se eles continuassem entrando dois a dois. Não haveria força no número.

Não há vantagem numérica que supere a vantagem em um terreno.

Mas nem todos os soldados que entravam eram tolos. No momento em que alimentávamos esperança de sairmos vivos, dois soldados invadiram o quarto trazendo reféns. As duas enfermeiras que se encontravam nesta posição choravam de desespero e nos olhavam assustadas. Em seus olhos havia o desejo de viver e a certeza de que suas vidas não estavam mais em suas próprias mãos. Estavam nas nossas.

Eu estava ofegante pelo exercício e tentando raciocinar um jeito, qualquer um, de contornar a situação, mas não conseguia pensar em nada. Aos poucos, mais guardas entraram no quarto e, embora o cômodo não suportasse muitos deles, estavam em vantagem.

Vi quando meu pai se moveu para mais perto da cama de Shalom e sustentei seu olhar quando ele me encarou, certo de que eu havia perdido. Não sei se o momento durou um segundo ou um século, mas quando ele terminou, eu estava decidido a não deixar que ele tivesse razão.

Analisei o local e, com a determinação restaurada a cem por cento, percebi que Kota não estava muito longe do meu pai. Troquei um olhar com ele e, de repente, ele soube o que fazer.

Não levou mais do que dois segundos para que Kota prendesse meu pai pelo pescoço em uma chave de braço e vi, um tanto horrorizado até, seu rosto ficar vermelho por não conseguir respirar.

– Soltem-nas – Disse, tentando deixar minha voz o mais imperiosa possível.

Os soldados se olharam entre si e depois encararam seu rei e, relutantemente, soltaram as mulheres, que correram para o lado de Magda.

Recomeçamos a lutar, Gerad, James e eu, mas Kota teve que trocar de posição para não matar meu pai. Colocou uma arma apontada para sua cabeça e ordenou que colocasse os braços para trás, segurando-os em seguida.

De uma forma estranha, Kota sempre foi o Singer que meu pai tolerava mais. Quando America e eu nos casamos, ele era quem melhor se portava conforme os costumes da realeza e depois que ele deixou de pensar como um alpinista social e passou a ser um ser humano mais agradável, virou o mais calado dos Singer, aprendendo o que deveria aprender, aparecendo nas recepções que deveria aparecer, e sendo educado e prestativo.

E agora, estava, impiedosamente, com uma arma apontada para a cabeça do meu pai.

Dei um soco no soldado a minha frente e ouvi o barulho do seu nariz se partindo, aproveitei o seu momento de dor para dar uma cotovelada em sua orelha. Ele perdeu o equilíbrio por alguns segundos e foi o suficiente para que eu o nocauteasse com um soco direto de esquerda.

Ainda tive um vislumbre dele batendo a cabeça numa maca desocupada que tinha ali antes de enfrentar o próximo soldado que não parecia muito impressionado com o meu feito. Ele veio quase que bufando na minha direção e me deu um soco terrível na barriga. Tive que me segurar para não cair no chão e me encolher num canto de tanta dor.

Mas eu não podia fraquejar.

Quando ele tentou desferir um soco no meu rosto, segurei seu punho e contorci seu braço num ângulo que poderia ser qualquer coisa, menos natural. Ele soltou um grunhido de dor e eu golpeei sua garganta, fazendo com que ele perdesse sua capacidade de respirar por alguns instantes. O soldado ainda pôs uma mão na garganta e ofegou em busca de ar, mas eu dei um soco no seu rosto forte o suficiente para deixá-lo desacordado.

Num único segundo em que parei para respirar, um soldado conseguiu me prender pelo pescoço em uma chave de braço, da mesma forma em que Kota havia feito com meu pai. Tentei me soltar, golpeando com o cotovelo e com o calcanhar o armário que me segurava, mas ele era forte demais. Eu ofegava, tentando respirar a qualquer custo, pensando no rosto da minha America, para quem eu precisava voltar vivo. Meus sentidos adormeceram e minha visão embaçou, mas eu não podia falhar. Não podia.

Eu me recusava a falhar com America, a falhar com minha filha. Já estava prestes a enviar um pedido silencioso de desculpas as duas, quando, num ato de mais profundo desespero, joguei as mãos para trás, segurei a cabeça do meu agressor e pressionei meus dedões contra seus olhos com toda a força que ainda dispunha. Ele gritou de dor e me soltou, colocando as mãos sobre os olhos logo em seguida. Eu me curvei ofegante e ainda desorientado, me dando o luxo de ter um segundo para me recuperar. Segurei a primeira coisa que estava em meu alcance, no caso, um pequeno monitor de beira de leito, e o golpeei na cabeça, sem dar tempo para que ele visse de onde veio o ataque. Não estava forte o suficiente para desacordá-lo, mas ele cambaleou e caiu aos pés de Jenna e de Matthew, que usou um gerador de marca-passo para gerar um hematoma no lado esquerdo da cabeça do homem, agora caído.

Não pude voltar minha atenção a ele, porque James estava encurralado. Precisei, a contragosto, confiar que aquele soldado estava atordoado o suficiente para não causar problemas por enquanto.

Dei o soco mais forte que consegui no soldado que segurava James pelos braços, liberando-o para enfrentar o soldado que o golpeava no estômago. Na covardia é fácil!

Empurrei o soldado contra a parede pelos ombros e o puxei para baixo acertando uma joelhada na sua barriga. Eu só não esperava pela cabeçada no queixo que ele me deu, então recuei dois passos ainda encarando o homem a minha frente, que cuspiu um pouco de sangue no chão. Antes que eu pudesse voltar a atacá-lo, Gerad lançou outro soldado em cima dele, fazendo com que os dois caíssem no chão. Ainda consegui ouvir James murmurar um palavrão enquanto chutava o soldado que ele apagou.

Sem trocar sequer um olhar com meu cunhado, avançamos para terminar o serviço com aqueles dois brutamontes, mas não chegamos a tanto. Gritos desesperados nos fizeram parar e voltar nossa atenção para as mulheres que nos assistiam, apavoradas.

– Astra! – Murmurei, enquanto via o soldado que me segurou pressionar um bisturi contra a garganta da minha sobrinha. Com um medo absurdo, só consegui me concentrar no filete de sangue que escorreu pelo corte aberto no pescoço de Astra e na sua expressão contorcida de medo e dor. Naquele momento, eu poderia jurar que era capaz de ouvir meu coração batendo desenfreado.

– Solta a minha filha, maldito! – James gritou, mas não ousou se mexer. Magda chorava enquanto segurava Kenna, que parecia querer avançar sobre o homem, que ainda lançou um sorriso malicioso.

– Vou soltar, vou soltar. Seria um desperdício matar uma coisinha tão linda. – Disse, passando aqueles lábios nojentos pela nuca de Astra, que se encolhia o quanto podia. Reflexivamente, segurei o pulso de James quando percebi que ele começara a se descontrolar. Todo cuidado agora era pouco.

– Solte-me! – Ouvi a voz grave que eu reconheceria em qualquer lugar. Kota olhou amargurado para Astra e sem interrogar a nenhum de nós para ver se concordávamos, começou a negociar. Não que fôssemos fazer diferente, se estivéssemos em seu lugar, é claro.

– Mande seu soldado soltar minha sobrinha antes.

– Acham que sou idiota? Quem me garante que vão me soltar depois que a pirralha estiver livre?

– Eu garanto. – Intervi – Não quero o seu sangue, pai. Não precisamos de mais nenhuma morte. Solte minha sobrinha e vá embora.

– Nós dois sabemos que você não terá outra oportunidade de me ter preso. Por que eu deveria acreditar que abriria mão de tudo o que quer por causa de uma garota que nem é do seu sangue? Está tentando me enganar, Maxon?

– Astra é tão valiosa quanto qualquer um aqui. Deixe-a ir. – Ordenei sem pausa para discussão. Meu pai anda me dirigiu uma expressão de desconfiança, mas acenou para o soldado, que a soltou com um empurrão para Kenna. Kota afastou a arma da cabeça do meu pai e soltou seus braços.

Não sei se por alguns segundos ou se por horas, mas um silêncio tenso se formou na sala, sendo interrompido somente por nossos ofegos de cansaço. Eu lançava olhares desconfiados ao meu pai e ao soldado que capturou Astra e eles nos olhavam da mesma forma, até o momento em que os passos do meu pai em direção à saída se juntaram ao som de nossos ofegos. Ninguém ousou falar nenhuma palavra até que estivessem fora da sala, como se ainda estivéssemos esperando o momento certo para respirar tranquilamente outra vez.

E o momento não chegou. Não chegaria por muito tempo, porque assim que todos os soldados cruzaram a porta, Clarkson – que agora recuso a chamar de pai – se virou de volta para nós, e atirou.

Nem mesmo ouvi o som do tiro, por causa do silenciador na arma, mas o som do grito de Magda foi igualmente terrível. Clarkson havia disparado em direção a Kota, que olhou confuso para onde a bala o atingiu, mas permaneceu bravamente em pé até que todos se viraram e saíram.

Não me preocupei em ir atrás deles. Ainda tínhamos soldados lá fora, que sabiam o que tinham que fazer. Corri em direção a Kota, assim como os outros e o amparei quando ele se deu por vencido e caiu no chão. Uma das enfermeiras que tinham sido feitas de refém e ainda estava no quarto apareceu ditando ordens, tentando salvá-lo.

– Sr. Singer, - olhou para Gerad – por favor, acompanhe a senhorita Bridget até a sala 14 e chame o médico.

Gerad apenas acenou confirmando e chamou a outra enfermeira, que foi atrás dele a procura do médico.

– Mantenha-o imóvel e afrouxe as roupas dele – Disse, movendo-se pelo quarto e pegando ataduras em um armário no canto.

– Me... Me perdo... Perdoem - Kota tentou falar, respirando pesadamente e nitidamente sem forças. Parou para tossir quando a enfermeira rasgou sua camisa e pressionou uma atadura na ferida no peito e outra nas costas, na saída da bala. Magda chorou ainda mais quando viu que Kota estava tossindo sangue e ficou acariciando seu cabelo. Olhei para a enfermeira, que não disse nada, mas era óbvio que tossir sangue não era um bom sinal. Ela encostou a cabeça no peito dele e tentou ouvir alguma coisa que eu não perguntei o que era.

– Vai ficar tudo bem, filho. Você vai sair dessa, meu amor. – Magda falou, ainda acariciando o cabelo dele. Kota olhou fixamente para a mãe enquanto seus olhos enchiam de lágrimas.

– Perdão pelo tem... Tempo perd... Perdido.

– Kota, me ajude, sim? Respire fundo e prenda a respiração, por favor. – A enfermeira disse e ele obedeceu.

Ela fez, rapidamente, um curativo de três pontas com gaze vaselinada – que eu reconheci da época em que precisava fazer meus próprios curativos – enquanto ele prendia a respiração.

– Isso, assim mesmo. Pode soltar a respiração agora.

– Há algo que nós possamos fazer? – Perguntei.

– Conversem com ele. – Disse para ninguém em particular e voltou a pressionar os dois lados do ferimento.

– Eu a... Eu amo vocês!

– Nós também te amamos, meu irmão. Sempre te amamos. – Kenna disse, chorando também.

– É só... Só o que imp... Importa agora.

Gerad ainda irrompeu o cômodo e se aproximou de Kota antes que seus olhos ficassem opacos e sem vida.

– Kota? KOTA? – Magda começou a gritar desesperada, debruçando-se sobre o corpo do filho.

– Afastem-se todos. – O médico recém-chegado ordenou. James precisou arrastar Magda, que se recusava a sair de perto do filho.

NÃO! JAMES, ME SOLTA! KOTA! MEU FILHO! KOTA!

O médico inclinou a cabeça de Kota para trás e elevou o queixo, esperando que Kota respondesse, mas nada aconteceu. Imediatamente, ele começou a fazer a massagem cardíaca, apertando o tórax de Kota com as mãos e usando o peso do corpo para garantir força aos movimentos em um ritmo constante.

– Preparem o desfibrilador externo automático. – A enfermeira Bridget correu para pegar e ligar o pequeno aparelho. Quando voltou, o médico não perdeu tempo e aplicou as pás sobre o peito nu do meu cunhado. Estávamos todos tensos nesse momento, como se estivéssemos presos em um filme de suspense, apenas assistindo a todos os movimentos do médico e das enfermeiras.

– Afastem-se!

Vimos quando o aparelho deu um choque em Kota, vimos o doutor retomar as massagens cardíacas por dois minutos antes de dar outro choque nele. Esperávamos o momento em que ele diria que o nosso pesadelo tinha finalmente acabado. Mas nossas esperanças foram por água abaixo quando em algum momento – não sei dizer quando precisamente – o doutor olhou para o relógio de parede do quarto.

– Hora do óbito: 1h27min.

– Não! – Ainda ouvi o sussurro angustiado de Magda antes que ela caísse de joelhos sendo amparada por Gerad. Kenna e Astra se esconderam no abraço de James, Jenna e Matthew ficaram sem reação, apenas olhando tudo com o olhar vazio e perdido, assim como as enfermeiras. Eu não sabia o que fazer, mas ficar parado certamente me enlouqueceria, então fui até o médico, que me olhou com uma expressão cansada, como se tivesse um imenso fardo sobre os ombros.

– Toda vez que alguém morre em minhas mãos, uma parte da minha alma morre também. – Ele disse, olhando para Kota antes de suspirar e fechar seus olhos para sempre.

– Eu acho que isso resume a forma como eu me sinto. Tantas vidas em um único dia... – Balancei a cabeça, tentando afastar tais pensamentos. Ainda não era hora para isso – O que fazemos agora?

– Temos que levá-lo ao necrotério. – Disse, levantando-se.

– É longe daqui?

– Não, mas tem soldados lutando por todo o Hospital.

Peguei a arma de Kota, caída em um canto do quarto e a recarreguei, colocando-a na cintura em seguida.

– Vamos. Eu o acompanho.

Peguei o corpo imóvel de Kota em meus braços e o levei cuidadosamente para a maca vazia do quarto. Não sei dizer o que senti ou pensei ao sentir sua pele fria, mas se eu tiver que supor, diria que estado de choque me definiria muito bem. Não, eu não estava paralisando, suando – bem, suando sim, mas por causa da luta – ou fraquejando, mas era como se minha mente tivesse parado de processar as informações, me deixando apenas reagindo a estímulos, como um animal irracional, mas instintivo.

O doutor, que eu ainda não sabia o nome, porque não era o mesmo que estava cuidando de Shalom, o cobriu com uma coberta até a cabeça. O choro de Magda e agora o de Kenna e Astra se sobressaíam em meio aos apitos dos equipamentos ligados ao corpo também imóvel, mas ainda vivo de Shalom.

O doutor se encaminhou para a ponta da maca, para empurrá-la e enfermeira que prestou os primeiros socorros veio ajudar, para que eu pudesse ficar com as mãos livres caso precisasse nos defender depois que atravessássemos a porta.

Não tenho vergonha de admitir que senti medo ao encarar a porta e saber que talvez tivesse que enfrentar os soldados “inimigos” sozinho. Quando nos deparamos com a morte tão de perto, nunca sabemos qual momento é o último e eu torcia para que o meu último momento não chegasse antes de eu voltar para minha Ames e minha filha. Parei por um momento quando me lembrei das duas.

– Alguém pode avisar à America? – Perguntei. Não era algo que eu gostaria de ser avisado por telefone, mas eu conhecia America o suficiente para saber que ela prefere saber exatamente o que está acontecendo. Apesar de querer estar lá para oferecer meu ombro quando ela receber a notícia, sei que não suporta ser deixada no escuro.

Magda, apesar de estar abraçada a Gerad, como se disso dependesse sua sobrevivência, olhava para mim quando fiz a pergunta, e acenou afirmativamente ao mesmo tempo em que soltou mais um soluço.

Resignado, abri a porta calmamente, enquanto apontava minha arma para fora do quarto. Abaixei-a levemente quando percebi que o corredor estava vazio, ou melhor, vazio de pessoas vivas. Engoli em seco ao ver homens uniformizados caídos, poças de sangue no chão, paredes manchadas... Quase um cenário apocalíptico. Suspirei, tentando me conformar com o fato de que aquela seria uma visão bem corriqueira dali para frente.

– Para onde?

– Vire à esquerda no final do corredor. – O médico respondeu.

A enfermeira precisou afastar os corpos do caminho para abrir espaço para a passagem da maca, e enquanto isso, eu fui verificar o caminho à esquerda aonde teríamos que ir, aproveitando para verificar também o caminho à direita, para que não fôssemos atingidos pelas costas de surpresa.

– Limpo. Vamos? – Virei-me em tempo de vê-la afastar o último corpo e do doutor empurrar a maca. As rodas estavam rangendo um pouco e o barulho estava me irritando. Não conseguia afastar o pessimismo, que me dizia que a qualquer momento alguém ouviria aquele ruído e viria até nós. O cheiro do hospital também não estava contribuindo para melhorar meu estado de humor. Eu particularmente nunca gostei do cheiro de hospitais. Aliando isso ao cheiro de sangue e suor... Bem, já deu para entender. Felizmente os corpos espalhados pelo chão ainda não tinham o cheiro ruim de decomposição ou a situação estaria praticamente insuportável.

Segundo o médico, teríamos que seguir até o fim do corredor e pegar o elevador para ir até o andar de baixo, o que nos fez parar várias vezes para tirar corpos do caminho e averiguar os corredores transversais ao que estávamos.

Esperar o elevador foi uma tortura psicológica e quando finalmente ouvimos o apito informando que ele estava no nosso andar, o doutor e a enfermeira se abaixaram e eu me posicionei, apontando a arma para as portas de metal do elevador. Quando elas se abriram, apenas mais três corpos nos recepcionaram. Precisei apertar o botão de emergência, que travaria o elevador, nos dando o tempo necessário para tirar os corpos e entrar com a maca.

Fiquei mais tranquilo ao perceber que a luta já tinha regredido dos andares superiores, o que provavelmente significava que estava se encaminhando para o fim.

– Descansem um pouco, eu tiro eles daqui. – Disse quando vi meus dois acompanhantes se dirigirem para os corpos no elevador. Eles assentiram e eu guardei a arma no coldre preso à minha perna direita.

Arrastei os corpos para fora do elevador enquanto o doutor procurava sinais vitais nos homens, assim como ele vinha fazendo desde que saímos do quarto. Mais uma vez ele sacudiu a cabeça negativamente e nos encaramos em um reconhecimento silencioso.

Desviei o olhar e puxei a maca para dentro do elevador, posicionando-me perto da porta assim que os dois entraram.

Puxei a arma novamente sem saber o que encontraria do outro lado das portas metálicas. Senti meu maxilar travado devido à expressão tensa que eu ostentava em meu rosto. E esperei. A música tranquila do elevador contrastava com minhas emoções e me tencionava mais do que me tranquilizava. Quando o apito soou, percebi a enfermeira se abaixar pela minha visão periférica.

– Seja o que Deus quiser. – Ainda ouvi o médico sussurrar, antes de ver as portas se abrirem e um homem armado surgir apontando para nós.

A enfermeira gritou e o doutor cobriu sua boca com uma das mãos. No susto, acabei disparando. Felizmente, o susto também me fez desviar a pontaria do alvo, fazendo com que a bala errasse sua trajetória até o coração de Avery. O susto e o reflexo.

– Eu venho aqui arriscar minha vida por vocês e ainda tentam me matar? Eu realmente preciso de um aumento. – Brincou depois de se recuperar do susto, recobrando sua feição séria assim que se deu conta da presença da maca e de um corpo coberto.

– Quem...? – Não conseguiu completar a pergunta. Apenas me olhou, sabendo que eu a entenderia.

– Kota.

Avery assentiu, tirou o capacete e abaixou a cabeça.

– Minhas condolências, majestade.

– Obrigado. Precisamos transportá-lo até o necrotério. – Reassumi minha postura. Lidar com o perigo, naquele momento, me pareceu um terreno mais seguro do que lidar com meus próprios sentimentos em relação à morte.

Avery assentiu mais uma vez e nos seguiu.

– Como está a situação? – Perguntei, estranhando não termos nos deparado com ninguém vivo nos corredores.

– Evacuamos o prédio. Os soldados de Clarkson recuaram e agora só temos mais alguns focos de luta no térreo.

– E quanto às baixas? – Não sabia ao certo se queria ouvir a resposta para aquela pergunta, mas sabia que, de qualquer modo, precisaria fazê-la em algum momento. Avery suspirou visivelmente abatido.

– Até agora? Ao menos metade dos que vieram conosco. Os outros, ou estão feridos ou ainda estão lutando.

Engoli em seco.

– É ali. Terceira porta à direita. – O médico informou.

Não entramos com eles, apenas ficamos guardando a porta enquanto eles faziam seu trabalho.

– O que aconteceu com ele?

Ambos sabíamos a quem ele se referia.

– Clarkson atirou nele. – Avery me olhou, com a sobrancelha arqueada e eu completei – A sangue frio.

– Por quê?

– Porque Kota foi quem o deteve quando ele ameaçou Shalom. Grande parte do que é ser um rei diz respeito à própria imagem real, sabe? – Expliquei, depois de uma breve pausa – Conhecendo-o como eu o conheço, sei que ele pensou que ficaria ridicularizado entre seus soldados, caso deixasse seu “agressor” impune. Isso foi tudo reputação... E talvez um pouco de orgulho ferido, admito.

– Faria algo assim, se estivesse na mesma situação? – Olhei para ele e suspirei.

– Não desse jeito. – Avery me olhou indignado e me apressei em explicar – Todos precisam passar por um julgamento, Avery. Se a lei me obrigasse a sentenciar alguém à morte, eu teria que fazer. Não posso passar por cima das leis de Illéa. A questão é que jamais assassinaria alguém da forma como aconteceu com Kota. Já basta a quantidade de pessoas que morreram pelas minhas mãos hoje.

– É diferente. Isso é uma guerra.

– Eu sei. Infelizmente isso é uma guerra.

– Mas... Se tivesse um julgamento, Kota seria mesmo sentenciado à morte? – Perguntou duvidoso.

– Não em um julgamento justo. Qualquer advogado alegaria legítima defesa. Além disso, ele apenas imobilizou Clarkson. Não houve agressão por parte dele, no sentido real da palavra.

– Entendi.

Ficamos em silêncio por bastante tempo, até que Avery recebeu um chamado no seu transceptor de rádio portátil.

– Comandante Avery, na escuta? – Ouvi a voz de Aspen e pedi para falar com ele.

– General Leger, aqui é o comandante Avery. Rei Maxon está aqui do meu lado e quer falar com você. – Era estranho ouvir tantas formalidades depois do período que ficamos na Mansão Singer, mas Aspen preferia que fosse assim durante o trabalho. Segundo ele, era mais prático.

– Passe pra ele.

– Eu realmente espero que você esteja deitado na sua cama ao lado de Lucy, se recuperando do seu ferimento, Leger.

– Eu não sei onde estavam com a cabeça ao me esconder algo assim! Eu não sou um maldito inválido. Já estou a caminho com mais cem soldados. Preciso saber qual é a posição de vocês para saber onde me posicionar.

– Não adianta virem ao Hospital agora. Comandante Avery disse que só restam alguns focos de luta no térreo, mas eles já recuaram. – Olhei para Avery, que acenou positivamente concordando com o que eu disse.

– Certo. Se queremos ter alguma chance, não podemos permitir que cheguem muito perto do palácio, ou chamarão reforços e estaremos encurralados.

– Então é melhor agir rápido.

– Maxon, Meri me contou o que aconteceu. Como estão todos aí?

– Não muito bem. Magda está inconsolável, Kenna e Astra também. Os outros estão tentando ser fortes até poderem se dar ao luxo de ficar de luto como se deve. Tudo é muito frustrante. E ainda tem Shalom em coma no meio disso. Se algo acontecer ao meu sogro, eu não sei como será... – Confessei.

– Nada vai acontecer. Ele vai acordar e o acidente terá sido só um pesadelo. É como diziam os antigos: nada como um dia após o outro.

– Assim espero. E America?

– Está mal. Se recusa a sair do lado do telefone ou a dormir. Parece uma estátua, parada fixando os olhos em um ponto qualquer. Lucy está com ela agora.

– Nicole?

– Dormindo. Estava no colo da Meri com o rosto inchado do choro, antes de eu levá-la para o quarto, então ela também já sabe.

– Queria estar com elas. – Murmurei, lamentando que Ames e Nicole tenham que passar por tudo sozinhas. Agora que elas voltaram da Itália, era suposto que eu estivesse lá nesses momentos para confortá-las.

– Então venha. Se Clarkson já recuou, não há mais o que fazer aí. Volte para sua família, Maxon. Elas precisam de você. Nem deveria estar aí, para início de conversa.

É claro que, sendo Aspen falando comigo, eu deveria esperar uma alfinetada a qualquer hora.

– Vou ver se há algo mais que eu possa fazer por aqui e depois eu vou.

– Tudo bem. Tenho que ir antes que seja tarde. Sinto muito por isso, Maxon.

– Eu também.

Esperei o médico sair do quarto, antes de tentar resolver as coisas que ainda faltavam.

– Doutor, por favor, quando a luta acabar, cuide para que todos os mortos cheguem ao necrotério. Se não houver espaço aqui, encaminhe-os ao Hospital mais próximo, o mais rápido que puder. Deixarei meus homens que restaram para ajudá-lo.

– Sim, majestade.

– Os andares superiores já estão vazios. Não desça e não deixe ninguém descer até o térreo, enquanto não avisarem que é seguro. Vou voltar para o quarto de Shalom Singer e vou resolver outros assuntos. O que precisar reporte ao comandante Avery.

– Sim, majestade. – Ele fez uma reverência, assim como Avery, e eu fui avisar aos outros que estaria indo embora.

Ao entrar novamente no quarto de Shalom na Ala Oito, vi todos praticamente na mesma posição, com um silêncio sepulcral assustador, sendo interrompido apenas pelo som das máquinas que garantiam a sobrevivência do meu sogro.

– Estou voltando para a Mansão Singer. America não recebeu a notícia muito bem, e precisa de mim agora. Magda, por que não vem comigo? – Perguntei – A senhora precisa descansar um pouco. Está aqui há dias.

– Obrigada, querido, mas eu não vou sair daqui. Acabei de perder meu filho, não vou conseguir ficar longe do meu marido, sabendo que posso perdê-lo a qualquer momento. – Disse, com a voz falha, que não passava de um sussurro.

Aproximei-me dela e a abracei.

– Não há palavras que eu diga que poderão diminuir sua dor, mas tente se lembrar de que Kota sabia por quem estava lutando. Depois de tantos anos longe de casa, ele veio defender sua família. Não tire o mérito dele. Ele será honrado como o nobre de Illéa que é. Eu prometo isso a você.

Seus olhos transbordavam lágrimas silenciosas, mas tudo que ela fez foi segurar meu rosto entre as mãos e dizer.

– Obrigado, meu filho.

Assenti e soltei um cansado sorriso de canto para aquela mulher, que acabara de perder o filho e tinha o marido em coma, mas ainda não sucumbira. Estava lutando bravamente contra seus próprios sentimentos. E ela nunca me pareceu tão forte.

– Maxon, - James se aproximou – tire Astra daqui, por favor. Kenna é teimosa demais para ir junto, mas Astra já passou por mais do que deveria. Todos nós passamos, mas eu preciso saber que minha filha está segura longe desse cenário de guerra.

– Vou protegê-la, James. Não se preocupe.

– Promete?

– Pela minha vida. Astra chegará segura à Mansão Singer.

– Obrigado. – Ele suspirou aliviado.

– Vamos, querida? – Abracei Astra de lado e juntos fomos andando em direção à saída dos fundos do Hospital. Andamos por um bom tempo, até que encontramos um cavalo selado perdido do seu cavaleiro. Consegui segurá-lo antes que se assustasse e ajudei Astra a montar, montando logo em seguida. Passei meus braços ao redor dela, abraçando-a fortemente. Em parte porque queria que ela soubesse que eu estava ali, em parte para que ela não caísse do cavalo, literalmente.

O caminho foi silencioso e demorado. Chegamos à Mansão mais de uma hora depois. Beijei a testa da minha sobrinha e pedi para que ela tentasse dormir um pouco, mas ressaltei que se ela precisasse de qualquer coisa, a qualquer hora, ela poderia me chamar.

Astra apenas assentiu e subiu as escadas, saindo da minha vista.

Finalmente me direcionei para America, que estava deitada no colo de Lucy. Ambas no chão, ao lado do telefone. Lucy acariciava seus fios vermelhos com o carinho de uma amiga leal, mas minha Ames parecia petrificada, alheia a tudo ao seu redor.

– Ela se recusa a sair daqui.

Nem sequer tive tempo de responder, quando o telefone tocou e America atendeu no primeiro toque.

– Alô... O QUE?! Ah meu Deus, não acredito!

Aproximei-me, tentando entender o que estava acontecendo.

– Tudo bem, eu digo. Obrigada, Aspen. Por tudo.

– O que aconteceu, Ames?

Ela olhou para mim, com os olhos sobressaltados.

– Capturaram Clarkson. Ele está preso, Maxon. Acabou o pesadelo.

********* Nota da autora:

Hey, dears. Faz muito tempo desde a última vez que eu atualizei, não é? Provavelmente muitos (as) de vocês estão relembrando as ameaças de morte que pensaram para mim, mas não se preocupem. Eu já me sinto mal o suficiente para que vocês tenham pena de mim e desistam de me torturar lenta e dolorosamente. Eu não quero explicar o que aconteceu, não quero mesmo, porque é muito pessoal. Fui criada acreditando que problemas de casa ficam em casa. Mas o mínimo que merecem é uma explicação, certo? Então lá vai... Preparem-se para uma longa história.

Vocês precisam saber algumas coisas sobre mim.

Ano passado eu fiz o ENEM (um pesadelo na minha vida) e fiquei com uma média razoável (mais de 750 o/). Tirei 920 na redação e isso eu devo a vocês e a essa fic, com toda a certeza. Mas na hora de me inscrever no Sisu, eu fiz uma burrada, errei a ordem de um negócio lá... Enfim, não passei. Chorei horrores. E eu acho que não contei a vocês, mas sou cristã (por isso tb que vocês não vão encontrar palavrões ou obscenidades na minha fic) e acredito que Deus sabe de todas as coisas. Logo depois disso que aconteceu, minha mãe ficou doente. Teve crises e convulsões e precisamos levá-la à emergência várias vezes. Mas os exames não davam nada. Descobrimos que minha mãe tinha problemas psicológicos (não, gente, ela não é maluca). Depois disso, começamos uma longa jornada com psicólogos, psiquiatras e neurologistas. Minha mãe tomando remédios fortíssimos (os conhecidos “tarja preta”) ficou sem apetite, fraca, com insônia... Irritando-se com facilidade, chorando por tudo... Por causa disso, eu tive que ficar cuidando dela. Meu pai tem que trabalhar e eu sou filha única. Lembram quando eu disse que acredito que Deus sabe de todas as coisas? Imaginem como seria se eu estivesse na faculdade.

Mas, Josy, você não teve nenhum tempo para escrever? Tive, é claro que tive.

Então por que não escreveu?

Desde que eu descobri a leitura, ela foi meu refúgio. Desde que eu descobri a escrita, ela foi minha paixão. Com o problema da minha mãe, ela também ficou mais agressiva (verbalmente. Ela não me bate, nem nada... Não precisam discar 190, não se preocupem) e me disse coisas que eu prefiro não escrever. Ao mesmo tempo, os grupos que eu participo na Igreja passaram a ter alguns problemas (igreja pequena, os problemas de um afetam todo mundo. Os problemas pessoais acabaram afetando os grupos) e eu absorvi muito disso. Comecei a achar que a culpa era minha (sou a líder de um desses grupos, foi inevitável pensar assim) e, somando ao que eu ouvi em casa, mais o fato de eu não ter passado pra faculdade, comecei a ter pensamentos de que sou um fracasso e de que nada que eu faço dá certo. Por isso, em todo o meu tempo livre eu fugi para as realidades dos livros, onde tudo é mágico e se encaminha para o final feliz. Escrever ficou sufocado no meio de tudo. Não pensem que eu não tentei. Foi desesperador sentar para escrever, reler toda a Fanfic várias vezes, e ficar horas e horas para digitar duzentas palavras nos melhores dias. Tinha dias que eu não conseguia escrever nenhuma palavra e me debulhava em lágrimas. Isso contribuiu com meus pensamentos negativos e eu acabei parando de tentar e sinto muito por isso.

Mas depois de oito meses (quase nove) sem atualizar, eu recebi uma recomendação. Pode parecer injusto com algumas pessoas que comentaram e que foram me procurar no pv ao longo dos meses, mas gente, quando os comentários chegaram, eu estava muito mal. Eu tentei, já disse. Mas não consegui. De qualquer forma, a recomendação da Manu Schreave me fez ver que, de certa forma, eu consegui tocar pessoas com as minhas palavras e que, mesmo que nem tudo dê certo, algumas coisas podem dar. Por isso, eu voltei a escrever. Por vocês que ainda estão aí pela minha estória e talvez até por mim.

Não foi fácil, não tive um surto de inspiração ou algo do tipo. A primeira vez que sentei para escrever depois da recomendação, digitei exatas oitenta e uma palavras e isso me machucou, gente. Muito! Mas eu finalmente consegui e estou aqui pra vocês agora.

E, para tranquilizar você que está lendo até aqui, as coisas estão seguindo seu próprio rumo. Minha mãe descobriu que o problema dela é na verdade de nascença, uma malformação do cérebro. Isso fez com que uma parte do cérebro assumisse a função da outra durante toda a vida dela e depois simplesmente desse um piripaque por sobrecarga. Estamos lidando com isso, mas ela já está bem melhor, caso queiram saber. Eu me inscrevi no Sisu 2º semestre e adivinhem? Passei! Vocês estão diante de um texto da nova caloura de direito da UFRJ. Os grupos da Igreja ainda estão com problemas, mas eu decidi apenas confiar que Deus sabe o que faz, como faz e quando faz. Eu não sei como essa declaração pode parecer caso um de vocês não acredite em Deus, mas para todos os efeitos, pensar assim me acalma. Estou mais tranquila em relação à minha baixa autoestima. Ainda não cheguei ao meu “felizes para sempre”, mas é como a America disse à Nicole uma vez: a história ainda não acabou. Sei que existem muitas páginas em branco para serem escritas.

Obrigada, obrigada, obrigada para vocês que comentaram, favoritaram, recomendaram e me procuraram no pv. Vocês me fizeram sentir importante e me fizeram acreditar que, de certa forma, sou especial. Não duvidem quando eu digo que amo vocês, porque eu definitivamente amo.

Não, vocês não vão precisar esperar mais nove meses para o próximo capítulo. Pretendo começar a escrevê-lo amanhã mesmo, ainda que oitenta e uma palavras por vez. Vocês me ajudaram a não desistir, e mesmo que eu tenha começado a escrever por mim, se faço isso agora é só por vocês. Faltam cerca de cinco capítulos para acabar a fic. Começaremos a contagem regressiva, okay? Okay.


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Notas finais do capítulo

Digitei a explicação junto com o capítulo, porque não sabia se cabia tudo isso aqui nas notas finais, então é isso aí.

Para quem não percebeu, o que está em itálico é o que está na prévia.

Capítulo sem revisão, porque quando eu FINALMENTE consegui terminar de escrever, eu precisava postar imediatamente ou eu surtaria. Vou revisar amanhã, prometo.

Dedico esse capítulo à minha amiga Karly Emanuely/ Manu Schreave/ Ka/ Manu/ Amora. Neste momento, ela deve estar se achando, porque conseguiu trazer essa fic de volta ao mundo dos vivos. Mas fazer o que? Ela merece!

O número de acompanhamentos caiu, mas isso eu já esperava. Já éramos quase cem e agora somos pouco mais de sessenta. Mas eu não consigo nem expressar o tamanho da minha gratidão a você que faz parte desses pouco mais de sessenta que não retiraram seu voto de confiança na minha primeira fic. Amo vocês com uma parte muito especial do meu coração, mesmo sem conhecê-los.

Se ainda acharem que eu mereço um mero oi depois de tudo (vocês tem todo o direito de me odiarem, eu sei), digam o que acharam do capítulo. Agora é quando as coisas ficam divertidas para aqueles que me cobravam o fim da tirania do Clarkson, amores.

Enfim, acho que é isso.
Beijos, e até o próximo capítulo!
EBooks.