Faz um mês e meio desde o final de semana em que eu terminei cheia de terra, com uma foto e um bilhete que dizia “One step closer”. Desde então eu não recebi mais nada e agora acho que ou o meu admirador sofreu um grave acidente envolvendo cola e jornal, ou pode ter a ver com o fato de que Neji não precisa mais recorrer aos bilhetes, estamos nos dando bem, se ele tem algo para me revelar pode fazer isso em qualquer momento. Hoje recomeçam, ou melhor dizendo, começam os ensaios da peça — finalmente. Na segunda-feira após aquele fim de semana, recebemos um notícia um tanto engraçada, um tanto preocupante e vários tantos constrangedora — que acabou adiando o começo do ensaio da nossa peça até agora. Os professores Kakashi, Jiraiya e Nagato, junto com o coordenador Iruka estavam hospedados por três dias contando da sexta-feira em um resort na cidade vizinha. Infelizmente muitos pais de alunos também estavam e presenciaram dois professores de ensino médio e um coordenador, bêbados arrumando confusão, que dizem só não ter sido pior porque o professor Nagato impediu eles de ficarem completamente nus no meio de uma festa. Graças a esse evento, os três foram suspensos de suas atividades até que o conselho de pais se acalmasse e perdoasse o pequeno deslize de conduta, já que no fim nenhum aluno presenciou o que acontecera — mas os boatos nos alcançaram mais rápido do que a volta da viagem deles.

Já era meio de maio e a primavera estava em seu auge. A banda dos garotos ensaiou algumas vezes e eu não apareci em nenhum desses ensaios — resultando em um garoto loiro passando muitos dias invadindo o meu quarto pela janela alegando que sua melhor amiga o estava traindo. Por duas vezes nesse um mês e meio eu voltara no jardim dos Uchihas e trabalhara nele com Sasuke, que pelo menos três vezes por semana me comprava o café da manhã e depois sumia misteriosamente. Também por mais duas vezes, recebi Neji em minha casa para finalizarmos o meu jardim, e foi assim que começamos a nos falar mais na escola, por vezes até ouvindo músicas juntos no intervalo, o que levantou muitas conversinhas paralelas entre nossos queridos amigos, principalmente quando uma vez eu disse inocentemente “Mas o que tem demais? Somos como Gaara e Ino”, quando me dei conta de que acabara de nos comparar com dois apaixonados que não se assumiam — mas não se desgrudavam — nunca mais toquei no assunto.

Não menos importante — e com certeza mais complicado —, nesse tempo eu finalmente consegui estar sozinha com Itachi por pelo menos três vezes, tudo bem que em uma delas ele estava sem camisa e sujo de graxa, já que estava trabalhando muito ultimamente e eu me ofereci para lhe fazer companhia em uma dessas noites de trabalho... Já fazia uma semana e isso ainda me voltava a mente quando eu o via.

...Uma semana atrás.

— Não era melhor você estar usando uma camiseta? — Eu já não conseguia dizer se era o calor que fazia aquela noite na oficina ou se era aquele corpo seminu que estava me deixando quase febril.

— Você quer que eu coloque uma? — Ele não me olhou, mas sei que estava dando um daqueles sorrisos maliciosos.

— Nem pensar... — ele riu — quer dizer, você se sujaria menos. — Eu já não tinha mais medo de flertar com ele, mas também não tínhamos avançado mais que isso, flertes.

— Nada que um bom banho não resolva... e se eu tiver ajuda. — Agora ele parou de olhar dentro do capo aberto do carro e se virou para me encarar com aquele olhar convidativo.

— A gente ainda nem se beijou e você já quer me levar pro chuveiro? — Rebati, eu sei que estava corando muito e normalmente eu teria mudado de assunto, mas era divertido ver a reação dele quando o confrontava.

Eu estava sentada em um banco atrás dele, próximo à parede. Ele veio em minha direção e eu me dei conta de que tinha praticamente dito “me beije”. Me levantei de súbito e recuei, mas não tinha saída, só a parede. Ele esticou um dos braços e eu me vi encurralada, ele chegou bem perto e foi levando os lábios em direção aos meus, então fechei os olhos.

— Se você quiser, eu posso te beijar embaixo do chuveiro. — Ele tinha mudado o percurso da sua boca para a minha orelha e sussurrou no meu ouvido. Quando eu abri os olhos ele já tinha se afastado um pouco e me olhava como se estivesse se divertindo bastante.

— A-Acho que eu vou indo pra casa agora.

— Ah, eu te levo — ele se virou para procurar algo — só deixa eu-

Enquanto ele falava eu já tinha saído correndo da oficina.

...

— Sakura? Sakura? — Neji tocou a minha testa com as costas da mão e eu recuei junto com a cadeira para trás, quase caí.

— O que? O que foi?

— Você tá vermelha, pensei que pudesse estar com febre. Tudo bem?

— Ah, hahaha, não, eu não estou com febre, é só calor... “às seis da manhã” — Eu corei ainda mais, era uma péssima hora para estar pensando naquela oficina.

— Bom dia. — falou Sasuke se sentando na mesa, estávamos na cantina do colégio perto da entrada.

— Bom dia, Sasuke. — respondeu Neji.

— O que faz aqui? — Eu disse sem pensar quando notei que estava sentada na mesa com o Hyuuga e o Uchiha enquanto estava quase roxa pensando em um Itachi sem camisa, minha cabeça começou a girar.

— Eu acho que estudo aqui, você sabe, na sua sala e tal. — Ele bebia um café enquanto falava.

— Não, claro, eu quis dizer que está muito cedo... “é só ele aparecer que eu desaprendo a raciocinar”

— Só vocês dois podem estar aqui cedo todo dia agora? — Eu podia jurar que aquele tom era de ciúmes, pouquíssimas vezes dava pra saber o que ele estava pensando, não soube o que dizer, mas não precisei, Neji se adiantou.

— É algum tipo de crime acordarmos cedo? — Neji falou enquanto encarava a tela do seu celular.

— Eu espero que não, já que também estou aqui, ou vamos todos acabar na delegacia. — Sasuke respondeu, também sem se preocupar em olhar o Hyuuga.

Eu olhava de um para o outro e comecei a pensar em uma desculpa para simplesmente sair da mesa, “como um bom dia se tornou um caso de polícia?” pensei e foi quando de repente Sasuke segurou minha mão e disse:

— Espero que não se importe se eu roubar ela um pouquinho. — Ele disse para o Hyuuga, mas sequer esperou uma resposta e saiu me puxando.

— Para onde vamos? — Era nítido que Itachi me atraía, mas era diferente quando Sasuke me tocava, um choque atravessa meu corpo, do mais velho eu fugia, dele eu queria mais.

— Caminhar. Não quer caminhar comigo? — Ele parou de me puxar e soltou a minha mão.

— Quero, claro... — Tudo estava tão suspeito que eu não me atrevia a recusar.

— Você e o Hyuuga tem passado muito tempo juntos. — Não foi uma pergunta, era uma afirmação que eu considerei um pouco ciumenta.

— Nem tanto, quer dizer, só aqui no colégio. Minha nossa, você e o Naruto são tão possessivos com amizades...

— Sei. E o meu irmão? — Ele ignorou completamente o restante da minha frase.

— O que tem ele? — Eu sabia bem o que.

— Ele está te tratando bem?

— Sim... — eu corei — Mas não temos nada, quer dizer, não aconteceu nada demais, a gente só conversa... — Tentei ao máximo não voltar minha mente à oficina. “e sempre quase se beija...”

Ele ficou em silêncio por um tempo e então mudou de assunto.

— Obrigada pelo jardim, ficou lindo, você conseguiu até fazer o meu pai chorar. Fiz uma chamada de vídeo com ele para mostrar.

— Jura? Que bom que ele gostou, que vocês gostaram.

— Por que não tem ido aos ensaios da banda? Naruto sempre te espera e você não aparece. — Toda conversa nossa parecia mais uma sequência de ultimatos com pequenos momentos de leveza; e eu era constantemente bombardeada com perguntas que ele escolhia guardar para fazer todas de uma só vez.

— Eu sei, ele tem passado lá em casa só pra reclamar pessoalmente... — eu ri sem graça.

— Tenta ir ao próximo, estamos tocando melhor com o ruivo na bateria.

— Eu vou tentar.

— Tenho que te entregar isso. — Ele me estendeu dois envelopes. — Um é a foto que eu tirei de você no jardim, espero que não se importe que eu tenha revelado. O outro eu achei na sua porta, eu passei pra ver se você já estava vindo pro colégio, mas ninguém atendeu e isso estava lá.

— Ah, meu irmão devia estar dormindo ainda... Obrigada por me entregar, e pela foto. — Fazia mais de um mês do último bilhete, eu não sabia mais o que esperar. “então não era o Neji?”

— O que é? — Ele perguntou e meu coração quase parou.

— Anúncios, anúncios de revistas. — Eu disse muito rápido e ficou óbvio demais a mentira. “ótima atriz!”

— Mas nem tem endereço.

— Hã...

— Deixa eu ver. — Ele pegou o bilhete da minha mão, abriu e leu em voz alta.

YOU LOOK AT ME AND, BABE,

I WANNA CATCH ON FIRE.

— De seu admirador, talvez, secreto? — Quando ele terminou de ler eu senti que não tinha mais chão sob os meus pés, já estávamos perto das quadras de esportes, então apenas me sentei — despenquei — na grama e ele se sentou na minha frente.

— É... Eu não sei quem é, um mês atrás esses bilhetes começaram a aparecer misteriosamente e pararam do mesmo jeito... até agora. — Eu confessei por fim.

— “Você olha pra mim e, amor, eu quero pegar fogo”. — Ele traduziu. — Intenso.

— Intenso e sem sentido. — Se vergonha matasse, eu estaria com certeza perdendo minha vigésima vida.

— Hm... É uma música, da Lady Gaga.

— Você escuta Lady Gaga?

— Se chama “Always Remember Us This Way”, sempre lembrarei de nós desse jeito. — Ele prontamente ignorou minha pergunta. — Tem sido sempre letras de música?

— Até agora, sim.

— Pode ser coisa do meu irmão?

— Eu acho que não, você vê mesmo o Itachi fazendo algo tão indireto assim? — Ele pareceu pensar um pouco.

— Não, tem razão... Recortes de jornal parece coisa de assassino em série...

— Ah claro, isso ajuda muito, agora estou tranquila.

— Vamos descobrir quem é. Eu te ajudo.

— Sério? Por quê? — Era muito estranho e no mínimo inusitado Sasuke se envolvendo em algo tão bobo assim.

— Porque tem alguém querendo tirar minha Hérmia de mim. — Ele disse sério e quando eu arregalei os olhos totalmente chocada ele sorriu, se levantou, me entregou o bilhete e saiu.

— O que... o que rolou aqui? — Eu baixei os olhos para o bilhete e então lembrei do pacote da foto, abri o envelope e lá estava eu — ajoelhada em meio a buracos de terra e vasos de plantas, usando meu pior jeans e a pior camiseta branca, com um lenço vermelho no cabelo. Virei a foto e atrás estava escrito com a sua letra:

Hérmia trabalhando no bosque dos elfos.

de: S.U.

para: Rosinha.

Lágrimas silenciosas e sorrateiras vieram à tona mesmo antes de eu terminar de ler. Fazia quase quatro anos que ele não me chamava assim. Rosinha. Levei à mão ao meu colar, no final das contas eu voltei a usá-lo depois do jantar com os seis. Naquele momento eu tive certeza de que ele se lembrava, e que se importava, foi como se um peso oculto fosse tirado do meu peito depois de tanto tempo.

— Espera aí... — Eu sequei minhas lágrimas. — A música se chama sempre me lembrarei de nós desse jeito? O apelido. E o bilhete antes desse... Um passo mais perto... A foto.

Antes que os fios dos meus neurônios se conectassem em uma nova teoria, Sagi, Naruto, Hinata e Karin se aproximaram rindo alto e me cumprimentando — eu e a ruiva ainda passávamos metade do nosso tempo discutindo, mas nos víamos mais agora. Eu só tive tempo de guardar a foto e bilhete na minha bolsa antes de abrir o meu melhor sorriso de bom dia.

...