The system of factions escrita por Bruh Sevilha


Capítulo 15
Capítulo 15


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo está EXTRA grande, exatamente pelo motivo de: vou ficar um tempo sem postar por que ficarei 3 dias sem poder ESCREVER, porém depois eu tento escrever algo, mas sem muita pressa, claro, para não ficar ruim e mal-feito. Mas farei meu melhor, prometo.
Aliás, o capítulo não está enorme à toa. Está bem emocionante.
Hahahaha'
Boa leitura!



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Eu falto no café da manhã por causa da minha cabeça que está explodindo. Acordo, no dormitório coletivo dos iniciados transferidos, vou para o almoço. Minha cabeça está explodindo, ainda. Vou descalça com um short jeans preto e um suéter preto e o tênis de pano.

Chegando ao refeitório, empurro a cabeça de Uriah e ele solta uns resmungo.

— Você fez mal ao me apresentar a bebida. — eu digo.

— Não faz isso, minha cabeça ta estourando. — ele diz. — Onde foi quando o Zeke te tirou da pista?

Me sento ao lado de Zeke e o encaro um pouco apreensiva.

— Ela foi dormir. — ele diz.

— Onde? — pergunta Marlene.

— Hum... O Zeke me levou para o apartamento dele, por que de dia o dormitório é muito agitado e eu estava em meio a uma ressaca...

Eles começam a gargalhar e eu coro.

— Foram para o apartamento? Hum... Sei. — diz Lynn, rindo com todos.

— Não aconteceu nada, que droga! — eu digo batendo na mesa.

— Está bem, fingimos acreditar. — diz Uriah.

O encaro séria e com um olhar raivoso. Seu sorriso se desfaz e ele levanta as mãos em modo de rendição.

Tris entra no refeitório de cabeça baixa e lança um olhar para a mesa de Edward e Peter, abaixando a cabeça novamente. Ela está fingindo, e sei disso por que seus punhos cerram, mesmo que seus ombros estejam encolhidos.

Ela está com o olho inchado e levemente roxo, um lábio cortado e o canto esquerdo da testa até a têmpora vermelho. Arregalo os olhos e ela se senta na mesa.

— Tris... O que aconteceu? — pergunta Christina.

— Peter, Drew e... Al. — Tris diz baixo, com a voz esganiçada mas de dor, eu acho.

Olho para Peter, que se diverte com os amigos.

— Eles realmente fizeram isso com você? — pergunto entredentes.

Tris assente com a cabeça.

— Com licença, preciso cuidar de uma coisa. — eu digo me levantando e sinto os olhares queimarem sobre minhas costas, o barulho deles se levantando apressados, mas nada me faz parar.

Arregaço as mangas do meu suéter e encaro furiosamente Peter, que está de costas. Molly repara minha chegada mas não dá tempo de avisar ninguém. Agarro a camisa de Peter, o fazendo levantar e então soco sua têmpora direita. Molly fica confusa com tudo.

— DESGRAÇADO! — eu grito e dou uma joelhada no meio de suas pernas, fazendo ele se envergar de dor. — É TÃO BOM APANHAR QUANDO NÃO TEM NINGUÉM PARA TE DEFENDER, NÃO É?

Molly tenta deferir um soco em mim mas eu defendo. Não o agrido pois tenho certeza que não consigo lutar contra duas pessoas. Apenas defendo os golpes.

Mãos seguram meus dois braços, prendendo-os nas minhas costas e viro meu rosto para ver quem é. Will.

— ME SOLTA, VOCÊ NÃO PERCEBEU O QUE ELE FEZ? — eu pergunto tentando me debater. — SE VOCÊ ENCOSTAR MAIS UM DE SEUS DEDOS IMUNDOS EM QUALQUER UM DOS MEUS AMIGOS, INCLUSIVE EU, VOU TE CASTRAR. E VOU CASTRAR SEUS CAPANGAS TAMBÉM.

Ouço Uriah, Marlene e o resto do refeitório rindo. Olho ao redor, incrédula. Acham que estou brincando?

Ofego. A adrenalina para de correr pelas minhas veias e já sinto a dor no joelho e no punho latejando. A cabeça volta a dar pontadas e minhas pernas quase cedem, se Will não me sustentasse apenas segurando meus braços.

— Obrigada. — murmuro por cima do ombro e ele assente.

— Posso te soltar? — pergunta Will.

— Uhum. — eu murmuro.

Ele me solta e antes de me virar e sair andando, lanço um olhar que poderia causar um pouco de medo em Edward e Peter, que permanece envergado no chão.

Olho para a mesa e os únicos que permanecem lá é Tris, Christina e Zeke.

Me sento novamente e Tris diz:

— Eu nem tentaria impedir.

— Nem eu. — diz Christina e Zeke em uníssono.

— Obrigada. — sussurra Tris, porém alto suficiente para eu ouvir.

— Ele mereceu. — diz Zeke dando de ombros.

— Você é forte. — diz Will, se sentando. — Ai meu braço!

Dou risada e me desculpo.

— Mas... Al? Tem certeza? — pergunta Chris. — Meu Deus!

— Você está bem? — pergunta Uriah, a Tris.

— Não muito. — ela responde para Uriah.

— Mas você é apenas... — Uriah contrai os lábios. — Não é justo. Três contra um?

— E todos sabemos que Peter é a pessoas mais justa do mundo. Por isso ele atacou Edward na cama e enfiou uma faca em seu olho. — Christina bufa e balança a cabeça.

— Espera, como? Edward levou uma facada no olho? Por isso não está aqui? — eu pergunto perplexa. — Como Peter pôde? Ele era um de seus melhores amigos!

— Foi ontem. — diz Will. — Enquanto você estavam de farra.

— Mas Al? Você tem certeza, Tris?

— Sim. — digo. — Tenho certeza.

— Só pode ser desespero. — fala Will. — Ele tem agido... Não sei. Como uma pessoa diferente. Desde o começo do segundo estágio.

Tris repara em alguém entrando no refeitório e deixa a torrada cair, espantada. Olho para a entrada do refeitório e vejo um Drew todo estraçalhado entrando no refeitório. Dizer que ele está machucado é pouco.

Olho para Quatro, assim como Tris e ele ostenta um sorriso de satisfação.

— Você fez isso? — pergunta Will para Tris.

— Não. Alguém, que não consegui ver, me encontrou logo antes... Que eles me atirassem do abismo.

Engasgo com o suco de tanto dar risada. Faço um sinal com a mão para que não liguem. Esse "alguém", eu já até sei quem é.

— Eles iam matar você? — diz Christina baixinho.

— Talvez. — diz Tris levantando um ombro. — Ou talvez estivessem apenas planejando me pendurar do abismo para me amedrontar. Só sei que funcionou.

A encaro desconfiada. Não funcionou, eu sei. Lembro-me de seu punho cerrado e de seu maxilar trincado, por mais que estivesse com o corpo encolhido. Péssima atuação.

— Precisamos fazer algo com isso. — diz Uriah.

— Fazer o quê? Espancá-los? — Christina sorri maliciosamente. — Parece que duas pessoas já se encarregaram disso.

— Não. Eles conseguiram se recuperar de uma dor assim. — responde Uriah. — Precisamos derrubá-los na classificação. Isso manchará seus futuros. Permanentemente.

Sorrio diabólica e Uriah não precisa nem perguntar para saber. Estou dentro.

+++

No final da tarde, voltamos para o dormitório dos transferidos. Adentramos e vemos que Al está lá.

Will se posiciona atrás de Tris e toca seu ombro para assegura-lá de que está lá.

Al está com olheiras e inchado de tanto chorar.

— Tris. — ele diz com a voz trêmula. — Posso falar com você?

— Você está falando sério? — pergunta Will. — Você nunca mais poderá chegar perto dela, entendeu?

— Não vou machucar você, nunca foi minha intenção... — ele cobre o rosto com as mãos. — Eu só queria pedir desculpa. Lamento muito. Eu não... Não sei o que há de errado comigo. Eu... Por favor, perdoe-me, por favor.

Ele estende a mão e cerro os punhos, porém não sou agressiva, só quando as pessoas mexem com meus amigos, é um caso à par. Deixo que eles se resolvam e apenas observo.

— Fique longe de mim. — diz Tris baixinho. — Nunca mais chegue perto de mim. Se você chegar, juro por Deus que te mato. — ela faz uma pausa e o olha com desprezo. — Seu covarde.

+++

Após a cena toda, saímos do dormitório e eu até senti pena de Al. Ele mereceu esse gelo. Tris é só uma amiga e garanto que a palavra dela não precisa ter um efeito tão grande. Após a iniciação, ele nunca mais precisará ouvir o que ela tem a dizer ou coisa do tipo. Reconheço que o que ele fez foi horrível mas não teria a capacidade suficiente para fazer isso.

Conversamos por muito tempo até que fico exausta, pesada e com sono. Me despeço junto com Christina e Tris indo para o dormitório, juntas. Conversamos mais um pouco no dormitório e então caímos no sono.

Algumas horas depois, sou acordada por Christina e ela acorda Tris também. Chris está com a maquiagem borrada, espalhada pela bochecha, em lágrimas secas.

— É o Al — ela diz. — Vamos.

Nós corremos até o Fosso. Vamos até perto da beirada do abismo, onde há dois homens puxando uma corda e erguendo algo pesado. A corda desliza dificilmente pela grade.

A forma desaba com um ruído seco contra a pedra. Braços inchados, pernas atrofiadas e ossos das costelas expostos, fora da pele. Uma aparência macabra. Mas quando olho o rosto, cabeça, da forma, vejo quem é. Al. Ele... Ele... Está... Morto. Olhos abertos e vazios, sem vida. Escuros. Olhos de porcelana. Lábios azuis porém manchados com o sangue seco. Ele não é o Al. Não é aquele cara alto, inseguro, e inutilmente chorão. Ele é só um brinquedo quebrado, uma miniatura do Al.

Mas preciso me conformar que não tenho o direito de sentir nada. Simplesmente não posso. Al não era um amigo tão próximo, portanto não tenho esse direito. Aliás, parece que as coisas na Audácia funcionam assim. As pessoas morrem cedo e não tem a chance de conhecê-las mais.

Mas sinto muito. Sinto mesmo.

Lembro-me de seus desespero e fragilidade quando Tris o magoou. Por mais merecido que fosse, ele não deveria ter se matado por isso. Ele deixou de ser um corpo com vida e passou a ser uma memória. Todos somos marionetes controladas pelo destino, que uma hora ele simplesmente nos solta. Deixa tudo em nossas próprias mãos e somos obrigados a dar nossos próprios passos. Al tinha esta liberdade mas não soube usá-la. Portanto, deixou que esse peso da vida se desvencilhasse, não movendo as cordas e as deixando cair. Ele não faz mais parte de um destino de mais ninguém. Cortou suas cordas para que não desenhasse ou escrevesse interrompendo nenhum destino. Ele só é mais uma existência tênue do espaço mútuo.

Fico frustrada e saio dali como um furacão e esbarrando em Uriah e Marlene sem querer. Eles me respeitam e me deixam eu sozinha. Nenhuma lágrima escorre por meu rosto. Sinto raiva de Al. Apenas raiva.

— PORRA! — eu berro em um dos corredores vazios.

Me sento no chão mas contenho as lágrimas. Não vou chorar, não posso. Aqui na Audácia... Chorar significa ser covarde? Não. Me recuso a acreditar nisso, porém não vou chorar. Não posso derrubar lágrimas por alguém que eu sequer fui amiga. Não desconsiderando-o, mas é verdade. Tris, Christina e Will podem chorar por ele, mas eu não.

Me levanto, respirando fundo e vou até o bebedouro. Tomo alguns goles de água e volto para o dormitório. Me afogando no mundo dos sonhos. Ou dos pesadelos.

+++

No dia seguinte, acordamos todos do dormitório com um silêncio tão intenso que é quase palpável. Parte desse silêncio é pelo que houve ontem com Al e hoje tem a paisagem do medo.

Mas Tris consegue, surpreendentemente, amenizar o clima. Ela está abobalhada. Como eu sou todos os dias, com exceção de hoje por que estou nervosa.

— O que há com você hoje? — pergunta Christina a caminho do café da manhã.

— Bem, sabe como é. — diz Tris. — O sol está brilhando. Os pássaros estão cantando.

— Estamos num túnel subterrâneo... — eu começo dizendo. — Ah, não, deixa. Eu te apoio nessa alegria.

— Deixe a menina ficar de bom humor. — diz Will, entrelaçando os braços com Christina. Quase tenho um ataque de felicidade vendo isso. — Talvez isso nunca mais aconteça.

Tris se apressa em ir na frente para o refeitório, andando com tanta felicidade que quase saltita. Ela escolhe um lugar estratégico com sua esquerda vazia e fica olhando para os lados, como se esperasse alguma coisa. Me sento a sua direita, Uriah está em minha frente, Zeke chega, me dá um beijo rápido e se senta ao meu lado e Will e Christina ao lado de Uriah e em frente a Tris.

Eu começo a passar geléia na manteiga e Tris faz o mesmo, porém com um entusiasmo excessivo.

— É tão legal passar geléia na manteiga, não é? — diz Uriah, também reparando no entusiasmo de Tris.

— Espera... Zeke, você está com a Sam? — pergunta Tris.

— Faz tempo! — diz Marlene, chegando e se sentando ao lado de Uriah.

— E nem me contou! — ela diz. — Isso me magoou.

A abraço e peço desculpas e ela diz que deixa essa passar.

Então, Tobias entra no refeitório. Tris sorri e levanta a mão, o... Chamando. Mas ele se senta em outra mesa, sem sequer encarar Tris. Ela encara sua torrada, com o cenho franzido, parecendo triste. Arregalo os olhos.

— Tris, preciso falar com você. — eu digo quase engasgando.

Me levanto e peço que ela me siga. Saímos do refeitório e eu pergunto:

— Posso tentar adivinhar uma coisa e você só assente se eu acertar?

— Uhum.

— Você e o Quatro se beijaram ontem depois de tudo... Que aconteceu, e agora ele nem sequer te encarou no refeitório.

Ela olha para os sapatos e diz:

— Na verdade, não. Faz dois dias, mas não sei o que houve comigo hoje.

— Não vou insistir no assunto. — eu digo. — Só queria ter certeza. Desculpa.

Eu a abraço e ela acomoda a cabeça em meu ombro.

— Ele não é um idiota, por mais que seja o contrário disso que eu deveria falar. — ela diz.

— Eu sei que ele não é um idiota, todos sabemos, porém ele é meio... Ingênuo. Vamos voltar.

Então voltamos para o refeitório e nos sentamos nos nossos respectivos lugares.

— Hoje é o dia da paisagem do medo. — diz Will.

— O que acham que vão ver? — eu pergunto curiosa.

Todos balançam a cabeça.

— Eu acho... Que terei de ficar no escuro. — eu digo quase conversando sozinha. — Alguém, em algum dia da história de Chicago, já teve um ataque cardíaco na paisagem do medo?

— Não, mas nas simulações do segundo estágio, sim. — diz Will.

— Hum... Talvez eu seja a primeira.

+++

Depois do almoço, Tobias pede, rudemente, para que todos o sigam. Ah, não sei mais como chamá-lo, portanto, em meus pensamentos ele é Tobias. Se eu começar a me confundir muito eu vou chamá-lo de Zé da Paçoca! Mas... Não dá pra tratar a Tris pelo menos um pouco melhor? Qual é o problema desse cara? Nós vamos para a mesma sala de antes, mas desta vez há várias maletas pequenas de metal no canto da sala. Tobias pega uma delas e começa a dizer:

— Pois bem... Hoje teremos a paisagem do medo, de vocês próprios. Encararão seus piores medos e vocês já sabem o resto.

Ele pega uma das maletas e abre. Há uma seringa lá.

— Como podem ver, serão monitorados pelos líderes da Audácia. — diz Eric. — Portanto, façam bonito. Começarão do pior para o melhor. Transferidos, é o seguinte; primeiro Drew e por último, Tris. E nascidos da Audácia; primeiro April e por último, Uriah. Vai ser um transferido, um nascido da Audácia, um transferido e assim vai... Drew, venha.

Eu nem reparo nas pessoas que vão, só vejo-as saírem perturbadas, porém obrigadas a ficarem nesta sala devido ao resultado da classificação que será depois da paisagem do medo.

Só saio dos meus devaneios quando ouço meu nome sendo chamado por Tobias:

— Sam.

Me levanto do chão e caminho, nervosa, para em frente a porta que me levará a enfrentar meus maiores e menores medos.

— Sam, Sam... — diz Eric, dando petelecos no tubo da seringa. — Aposto um bolinho de abacaxi que você vai chorar.

— É, eu também aposto. — eu digo dando de ombros.

— Que legal. — ele pressiona o líquido no meu pescoço e eu engulo seco, entrando na paisagem do medo. — Te veremos chorar pela primeira vez.

Fecho os olhos mas tenho certeza que Zeke olhou para mim. Ele já me viu chorar, de desespero e raiva, mas já.

( Coloque Radiactive — Imagine Dragons para tocar )

Abro meus olhos, não gosto nem do escuro que minha pálpebras fazem em minha visão. Não consigo nem me preparar para o medo do escuro, mas não é isso que vejo quando sinto minha mente começando a entrar em sintonia com a paisagem. Tento me lembrar de alguma informação sobre a ordem... Ah, claro. "Os últimos medos são sempre os piores, das profundezas de sua sub-consciência."

Então me vejo dentro de uma... Sala rústica. Olha, eu amo coisas rústicas e nem que essa paisagem do medo me deixe com trauma dessas coisas, eu continuarei amando.

Mas então me lembro.

Esta casinha.

Um velho aparece com um tipo de facão na mão. Uma peixeira. Ele vem em minha direção e então dois iguais a ele aparecem ao lado. Cinco. Dez. Vinte.

Suor escorre pela minha testa e pescoço.

Só imagino uma arma carregada. É apenas isso que preciso, e urgente. Então sinto o metal frio na mão e o levanto. Atiro no primeiro, segundo, mas não dou conta. Esqueço como fazê-los saírem. Minhas balas acabam. Droga!

Um facão raspa em meu braço esquerdo e grito mais pelo susto que pela dor, que por acaso é horrível e agonizante. O velho faz uma expressão de dor e dá um passo atrás.

GRITAR! EUREKA!

É o grito que faz eles se afastarem. Grito em plenos pulmões, até tossir, mas eles não saem da casa, como antes. Eles apenas largam as peixeiras por alguns instantes e se recompõem. Então precisarei mesmo de um tempo para me acalmar. Imagino uma porta atrás de mim, com trancos do outro lado. Pisco forte e o velhos já começam a se agachar para pegar a peixeira, já aproveito este curto tempo para normalizar a respiração e consigo. Imagino estes velhos de aparência macabra que uma hora podem se cansar. Sei que talvez o poder da minha mente não alcance tanto assim, mas isso me acalma. Imagino-os vendo seus filhos escolherem a facção de onde eles são e eles se orgulhando. Funciona, o cenário desaparece e eu suspiro, aliviada.

Espero o próximo cenário já tentando me acalmar novamente enquanto os batimentos aceleram novamente. Não chorei. Talvez eu ganhe um bolinho.

Meu irmão aparece. Ah, não. Ah, não. Meu bolinho! Eu vou chorar! Droga, não vou. Me contenho.

Zeke aparece à minha esquerda. Já até imagino o que vá acontecer. Meu pés, como antes, estão fincados no chão e Zeke me aponta a arma, mas não atira.

Ele vira a mira para Cameron e atira em seu braço e ele grita. Mas a dor vem em mim também e grito.

— ZEKE! PARA! — eu berro. — Ah, você não vai me ouvir. Ninguém me ouve, que droga. Vou virar uma adolescente mimada desse jeito.

Lembro-me dos olhos escuros e vazios. Aqueles olhos me despertam, mas eu não os vejo por seu rosto estar virado.

— Zeke, só olhe para mim, é só disso que eu preci... — eu começo mas ele dá um tiro no joelho de Cameron e a dor vem em mim novamente, tão forte que eu consigo realmente acreditar que isso não é uma paisagem do medo e sim a realidade. Caio no chão.

Então Zeke se vira para mim e atira em meu ombro, na clavícula. Uivo de dor mas só escuto os gritos sôfregos de dor do meu irmão, que me tira a concentração.

Me concentro em seus olhos, só seus olhos. Seus olhos vazios e sem vida que me lembram até o Al. Um brinquedo. Não é real. A dor, meu irmão sofrendo, eu sei que nada disso é real. Só preciso... Me concentrar.

Suspiro. Controlo minha respiração. Coloco dois dedos no pulso direito para ver se está funcionando, e está.

O cenário some mas o último grito sôfrego de meu irmão ecoa em minha mente.

Dois medos. Ainda faltam... Muitos?

— Sam. — eu ouço uma voz suave me chamar.

— Pois não? — eu pergunto olhando ao redor mas só vejo... O vazio branco.

Vejo alguém vindo desse vazio branco e tremo ao imaginar que possa ser uma entidade ou algo assim, mas é só uma garotinha de aparência simples e roupas da Abnegação.

— Me ajuda? — ela pergunta inocentemente.

— Claro, mas em que? — eu pergunto me aproximando dela e ajoelhando em sua frente.

— Preciso achar alguém. — ela diz. — Zeke, o conhece?

Gelo por dentro e engulo em seco.

— Como... Achar? — eu pergunto.

— Achar o corpo dele.

Ela me estende fotos. Zeke está estraçalhado em todas elas. Suas pernas viradas em ângulos estranhos, braços estilhaçados e os ossos das costelas atravessando as costas, que não ficam retas em relação ao quadril.

— Ali! — ela diz apontando para algo atrás de mim.

Me viro e vejo do mesmo jeito que as fotos, mas com sangue fresco saindo por todos os buracos de seu corpo.

Cubro minha boca com as mãos e corro até ele. Me ajoelho em seu lado mas me contenho sobre chorar.

— Foi ela! — a mesma garotinha grita, mas dessa vez com uma multidão enfurecida atrás dela.

— Não! — eu lamento. — Zeke...

Lembro-me; ISSO É UMA SIMULAÇÃO. NÃO É REAL.

Começo a conter os batimentos e normalizar a respiração, olhando para cima, para evitar olhar para o corpo de Zeke.

Olho ao redor. Tudo sumiu e voltou a ser apenas branco.

Três medos.

Me vejo rodeada de mato, grama alta que chega até o tornozelo.

Então aparece um ganso. Mas um ganso enorme! Que bate até minha cintura, a quase dez metros de distância. Ele vem na minha direção, grasnando e eu começo a correr.

GANSOS SÃO MACABROS! Já ouviu aquele grasnado? Parece que eles vão te comer vivo, e é isso que parece que esse ganso vai fazer comigo. Me comer viva!

Corro o mais rápido mas ele está quase me alcançando imagino um buraco para este ganso cair e então vejo um pouco distante a minha frente. Chegando perto, eu dou um grande pulo, pois o buraco é extenso. Quase caio, portanto saio rolando. Esfrego a mão na cabeça e me levanto.

Uma parede de vidro fica em minha frente e estou no Fosso.

Meus amigos — Tris, Uriah, Will, Zeke, Christina, Marlene, Lynn e Tobias — aparecem do outro lado do vidro.

— Ainda bem! — diz Tris e todos riem.

— O que... — eu começo.

— Estávamos esperando esse dia chegar. — ela diz. — Finalmente é sua execução.

— Como assim, Tris? — eu pergunto suplicante.

— Ninguém liga se você morrer ou não. Tanto faz. Você não vale uma lágrima. — diz Zeke.

Me sento no chão, encolhendo minhas pernas. Olhos vazios. Apenas se lembre dos olhos vazios.

Acalmo minha respiração, é fácil, só esvazio minha mente. Não estou numa situação de perigo, é só... Frustrante.

Cinco medos já foram.

Controle mental, é apenas disso que preciso. O terceiro estágio é uma mistura de conhecimentos dos dois primeiros, portanto, posso fazer melhor proveito principalmente do segundo, se eu conseguir apenas focar em me controlar. Eu consigo. Não vai ser difícil.

O próximo medo vem e eu não temo, apenas me concentro na respiração. Estou no mato, novamente, e vejo minhocas, não normais, mas pegajosas e quase verdes se aproximarem em montem perto de mim. Se eu fugisse seria pior. Apenas fico sentada e engulo em seco, contorcendo o rosto em desgosto e nojo. Presto atenção nos meus pensamentos, controlando-os para mantê-los calmantes. Normalizo a respiração aos poucos. Meu medo é apenas minhocas subindo, entrando em meus cabelos, ouvidos... Só minhocas. Apenas minhocas.

Elas somem, mas ainda consigo senti-las sobre mim, como um formigamento. Suspiro e sinto calafrios.

Seis medos.

O próximo deve ser algo tão inútil quanto este. Encaro o branco a minha frente esperando pelo próximo.

Fogo. A minha frente, vejo fogo. Tão nítido que imagino até o fogo refletindo em meus olhos. Isso é calmante, não atemorizante. Mas o fogo vem vindo até mim. Me acalmar, é apenas disto que preciso. Me acalmar. Expiro. Inspiro. Expiro. Inspiro. Tento dar passos para trás, pensando que se eu me afastar terei mais tempo de me acalmar, mas é claro, meu pé está fincado no chão. Se eu corresse, aceleraria meus batimentos então tudo bem. O fogo não pode chegar a tempo.

Consigo normalizar meus batimentos mas sinto o fogo perto de mim.

A ardência deixa rastros de sentidos no meu corpo, mas para. Encaro o branco a minha frente e então... Então... O branco vai virando cinza e vira preto. Estou no escuro. Começo a suar e não consigo controlar mais meus batimentos, nem os forçando.

Ranjo os dentes e algo corta a lateral do meu corpo, causando dor, ardência e mais pânico. Não basta eu passar meu pânico no escuro sozinha, a paisagem do medo precisa incrementar as coisas e deixá-las piores do que já são.

Me encolho no chão. Não consigo nem desejar uma luz. Vejo olhos surgindo vermelhos e se aproximam de mim. Lágrimas salgadas rolam de meus olhos.

— Por favor... — eu peço baixo. — Por favor...

Soluços e lágrimas. Soluços, lágrimas e vultos. Vozes. Olhos brilhantes no escuro. Tudo isso junto. Não consigo nem organizar meus pensamentos. Grito, mas meu grito ecoa, fazendo apenas parte do medo. Fico cada vez mais frustrada.

Respirar... Como se faz isso mesmo? Argh.

Não consigo me concentrar! Droga! Mais coisas raspam em várias partes do corpo mas não consigo me concentrar na dor e só no pânico. Minhas próprias unhas cravam em minhas canelas, já que estou sentada no chão, e eu me arranho. Não sei por que faço isso, não é nada suicida, nem algo que alivie, é apenas um tipo de frustração misturado com o pânico e o medo.

Grito novamente. Ninguém me escutará. Minhas unhas raspam na minha perna cravando nas próprias e tento me concentrar na dor ao em vez do pânico das vozes ao pé do ouvido que não são palpáveis.

Consigo finalmente pelo menos prestar atenção em inspirar e expirar e acaba.

Meu choro continua e continua, mesmo que a simulação tenha acabado.

— Não aguento mais! — eu digo com a voz totalmente chorosa e trêmula. — Por favor, não consigo!

Soluços fazem meu corpo chacoalhar, mas permaneço no chão, com as pernas junto ao corpo e, desta vez, as mãos segurando os próprios tornozelos.

A porta da paisagem do medo se abre com Eric na porta. Vejo, Uriah, Will, Tris, Marlene e até mesmo Lynn e Shauna com expressões assustadas, mas Zeke está com uma aparência conturbada, todos atrás de Eric.

— Ah meu Deus, Quatro chame a enfermeira, mas não a leve para a enfermaria, todos precisam ficar aqui. — diz Eric.

Continuo dentro do lugar.

— Hum... Alguém tira ela dali? — diz Eric.

Todos olham para Zeke e ele se apronta, me carregando no colo. Ele se senta no chão, mas permanecendo comigo no colo.

— Shh... — ele sussurra ao meu ouvido. — Estou aqui. Prometo que vou cuidar de você. — ele passa as mãos pelo meu cabelo mas eu só fico com a cabeça enterrada em seu pescoço, lamentando, murmurando coisas que nem eu mesma sei o que digo, chorando desesperadamente. — Calma, passou. Acabou.

Mesmo não olhando para o rosto de ninguém, sinto os olhares cravados em mim.

Tobias chega com a enfermeira em seu encalço e ela pede para que eu saia de onde estou mas não consigo mover um músculo sequer.

— Ahn... — diz Zeke. — Será que não da para cuidar dela nesta posição?

— Claro, seria melhor esticada, mas assim também é possível. Não se preocupe. — diz a enfermeira num tom gentil.

— Obrigada. — eu murmuro quase inaudível. — Obrigada.

— De nada. — responde Zeke e a enfermeira em uníssono.

O agradecimento foi aos dois mesmo.

— Me desculpe, Zeke. — eu digo com a voz fraca e até mesmo resmungona, os olhos ainda fechados e o rosto ainda enterrado em seu pescoço. — É a quarta vez que você tem que me carregar e ficar se preocupando. Desculpa por te dar tanto trabalho.

— Não precisa se preocupar. — ele diz. — Não precisa pensar em nada agora.

Continuo chorando e soluçando enquanto a enfermeira trata de meus arranhões nas pernas e Zeke sussurra palavras reconfortantes ao meu ouvido, mesmo não adiantando muita coisa.


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Notas finais do capítulo

Legal?
Comentem o que acharam! Até o próximo!