Red Velvet escrita por Lena Saunders


Capítulo 2
Boulevard of Broken Dreams




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– Você os conhece, Astryd? - Khyra perguntou, arqueando sua sobrancelha e demonstrando sua insatisfação.

– Nunca os vi antes. - Menti, controlando minha respiração e prestando atenção para evitar qualquer movimento que pudesse me denunciar. - Mas eles são bonitos. Quem é aquele da frente?

Tentei puxar o assunto para o garoto de óculos escuros, por quem Khyra parecia não sentir absolutamente nenhum apreço. E que, é claro, devia me odiar pelo simples fato de eu ter espionado-o descaradamente.

– O nome dele é Ethan. Fique longe dele, Astryd.

Woah. Temos uma fêmea possessiva aqui. Levantei as mãos, simulando uma rendição e Peter abafou um riso.

– Desculpe, não quis ser grossa. Eu apenas não suporto ele.

Todos pareceram se interessar subitamente por seus pratos e eu permaneci com minhas teorias rondando silenciosamente meu cérebro.

Ex-namorado? Dela ou de uma amiga? Melhor amigo de infância que fora para o lado negro da força? Um idiota que insistia em ficar com a vaga dela no estacionamento? Um vizinho que gostava de dar festas barulhentas de madrugada?

Não importava. Eu não me aproximaria dele de qualquer forma, já que estava cercado pelos meus irmãos.

Aaron. Alec. Aideen. Garotos que a natureza e os genes de nossos pais haviam abençoado. Mais de uma vez, provavelmente. Seus cabelos ruivos eram o mais chamativo, fora seus tamanhos e o fato de serem idênticos, claro. Ou pelo menos tão idêntico quanto era possível para pessoas de personalidades diferentes.

Voltei a comer, não prestando atenção à conversa, enquanto os garotos desfilavam pela cantina, como se fosse, os donos do lugar. "Tem que ser diferente. Tem que ser."

O que andava frente, com os óculos, caminhou até nossa mesa.

– Bom dia, Khyra. - Ele sorriu, seus dentes brancos e covinhas aparecendo. - Eccho. Peter. Maeve. Isaac. Cora.

Ele os cumprimentou com um aceno de cabeça e virou sua cabeça para mim. Senti seus olhos queimando minha pele através dos óculos. Seu sorriso fora de vagamente simpático à desafiador em milésimos de segundo.

– Mascote nova, Khy? Não é um pouco baixinha demais? Você costumava ter um gosto melhor.

– Saia Ethan. - Khyra praticamente cuspiu.

– Porque? Estamos nos divertindo, não é pessoal? - Todos os seus seguidores afirmaram com diferente níveis de empolgação, enquanto meus irmãos me olhavam com um misto de tristeza e preocupação.

– Essa mesa é nossa, Ethan. Saia e leve seus renegados com você.

– Quem vai me obrigar? Você? Ou um de seus bichinhos?

Ela tentou se levantar, mas ele segurou o ombro dela, forçando-a a permanecer sentada. Aquilo foi como um tapa na cara para mim. Ela havia sido gentil comigo e estava tentando me ajudar. Khyra parecia ser uma boa pessoa, mas esse idiota, muito mair do que ela estava sendo um babaca.

– É sério isso? - Eu não sei porque me manifestei. Na verdade, olhando para trás, talvez tudo isso pudesse ter sido evitado se eu simplesmente tivesse ficado quieta. Mas não. Minha boca grande e meu hábito de se intromenter nos problemas alheios sempre falaram mais forte do que meu bom senso. - Você é um babaca. Saia de uma vez, Ethan.

Pronunciei seu nome da mesma forma que se diz pedófilo. Ou verme. E ele notou. Ele voltou a olhar para mim, seu ódio quase palpável. Esperei pelo tapa que não veio.

Podem ter se passado milésimos de segundos ou décadas. Tudo o que eu pensava era no quanto eu odiava seus óculos escuros, que não me permitiam ver seus olhos.

– Olhe só. A menininha sabe falar. Eu não esperava uma capacidade tão avançada de uma mascote.

Ele estalou a língua e soltou o ombro de Khyra. Ele se virou para sair, mas novamente meu ego e minha língua foram mais fortes do que eu.

– A menininha tem nome. Mas tudo bem. Pensar não parece ser o seu forte.

Ele me ignorou como se eu fosse o verme que ele queria que eu fosse. Ele parecia até divertido na verdade. Garoto idiota. Continuou andando, como se nada tivesse acontecido. Eu provavelmente teria atirado meu potinho de gelatina na nuca dele se Khyra não tivesse dito nada.

– Está tudo bem, Astryd. Ele é apenas um idiota. Pode comer em paz. Lidarei com ele depois.

– Mas ele te maltratou. E ele foi grosseiro. Gelatina faz bem para o cabelo. - Tentei argumentar, com o potinho na mão.

– Ele não merece toda essa atenção. Aproveite sua gelatina.

No fim, ela estava certa. Comer a gelatina valeu bem mais a pena, principalmente com os pedacinhos de frutas no meio.

Depois do almoço nossas aulas eram reservadas para "aperfeiçoarmos nossos talentos". Khyra desapareceu tão rapidamente que nem cheguei a perguntar o dela ou os dos outros. Fui para as salas de música que eu vira mais cedo, e encontrei uma vazia.

Os instrumentos pareciam não ser usados há décadas e, como eu estava adiantada, escolhi um violino negro que parecia ainda mais abandonado do que os outros. Afina-lo foi difícil. Uma das cordas estava arrebentada e, quando finalmente encontrei uma para substitui-la, uma moça pequena, de longos cabelos negros, entrou na sala. Deduzi que seria mais uma aluna e terminei de arrumar o violino. Fiz o melhor que pude, mas ainda não parecia perfeito. Daria para o gasto.

Meus dedos se moviam pelas cordas, o arco deslizando a cada acorde e a musica fluindo como meu sangue. Eu demorei a perceber que estava tentando tocar a musica que ouvira mais cedo. Não deveria ser a mesma coisa no violino, é claro, mas parecia mais errada do que o esperado. Como se pela primeira vez, minha alma não estivesse ali. Parei de tocar, o arco no ar, pronto para continuar. Minha alma. Devolvi o violino no lugar e notei que a moça desaparecera. Mas eu jamais poderia ficar entediada em uma aula de musica.

O violão, como o resto dos instrumentos ali, estava desafinado, mas pelo menos tinha todas as cordas. Minha alma. Onde estava minha alma? Talvez com meus irmãos. Meus dedos correram de corda em corda, dedilhando os acordes.

"I walk this empty street

On the Boulevard of broken dreams

Where the city sleeps

And I'm the only one and I walk alone"

"Ah sim. Ai está." Não há palavras para descrever a sensação de se sentir parte da musica. "Todos os problemas esquecidos. Todos os cortes curados. Todas as lembranças apagadas. Estar bêbada deve ser assim."

Quando abri os olhos a moça retornara, e me encarava de perto. Muito perto. O que houve com meu espaço pessoal?

– Ãh... Oi?

– Oi, desculpe, eu não queria atrapalha-lá, mas acho que vai perder a aula, se não correr. Você precisa ir para o bloco B, se seu talento for música.

– Eu pensei que a aula fosse aqui.

– Oh não. Este é apenas o depósito. Venha, vou te levar até a sala.

Ela se virou e saiu, sem esperar pela minha resposta. Guardei o violão e andei com passos rápidos para alcança-la.

– Depósito? Mas aqueles instrumentos estão funcionando. Porque estão em um depósito?

– Essa é uma escola cara, menina. E nem todos dão valor ao que tem. Basta que os alunos peçam, e os pais dão seus próprios instrumentos. Em pouco tempo eles querem novos, e os antigos são enviados para o depósito. O mesmo acontece com os computadores e todo o resto.

– Mas porque vocês não vedem os antigos? Ou doam para alguém? É um crime mantê-los lá, abandonados.

Sua risada era rouca e baixa, quase tímida.

– Essas crianças são como um ex-namorado ciumento. Eles não querem aquilo que ficou no passado, mas não suportam vê-los com outras pessoas. Você tem talento e quero que saiba pode usá-los, sempre que quiser, mas não deixe ninguém saber. Aqui. Essa é uma cópia da chave do depósito quatro. Fique com ela, mas me devolva se mudar de escola.

A chave era maior do que eu esperava, e era personalizada. A parte de cima, onde se segura, era uma pedra vermelha em forma de coração, do tamanho de uma uva, e asas prateadas de anjo, com pequenos brilhantes pretos se fechavam sobre ele. Era linda e parecia cara.

– Ah, muito obrigada, de verdade, é linda. Mas não posso aceitar, eu mal te conheço. Sinto muito.

– Bem, esqueci de me apresentar de novo não é? Me perdoe, eu ando um pouco distraída ultimamente. Sou Allysa, sua professora de piano e canto. Qual seu nome?

Ela sorriu, seus longos cílios semicerrados.

– Astryd. Mas você não tem idade para ser...

– Oh, obrigada, querida. Mas acredite, eu sou a professora. E, se você não se sente bem em ganhar a chave, eu a emprestarei. Veja, chegamos na nossa sala.

Ela abriu a grande porta de madeira com força, assustando alguns alunos.

– Astryd, sente-se ali, perto do piano, por favor.

Caminhei até a cadeira vazia, apertando a chave entre meus dedos, tão distraída que não vi Ethan ao piano, sua boca torcida em desgosto. Me sentei em silêncio e assim permaneci até o fim da aula. Allysa se concentrou principalmente na teoria, chamando ocasionalmente alguns alunos para praticarem na frente da sala. Para minha completa felicidade ela não me chamou, respeitando meu status de novata que não quer chamar atenção.

Ao fim da semana, eu já me sentia mais tranqüila. "Dessa vez tudo está sendo diferente." Eu almoçava com Khyra, Peter, Eccho, Maeve, Cora, Isaac, e com um garoto chamado Derek, que conheci ao longo da semana. Eles eram gentis e não me faziam perguntas sobre a minha vida, respeitavam minha privacidade. Me adaptei à usar o depósito quatro durante parte do almoço e depois das aulas.

Khyra e eu rapidamente nos tornamos mais próximas, e ela sempre me acompanhava entre as trocas de aula. Embora estivesse sempre com ela e com mais dos seus amigos, eu me sentia vazia enquanto caminhávamos pelos corredores, como se faltasse uma parte minha. Mas faltavam três. Suponho que não seja tão fácil se separar de quem te acompanha desde sempre.

Eu assistia meus irmãos, Ethan e seus outros amigos almoçando juntos, andando pelos corredores e conversando entre as aulas. Mas meus irmãos mantiveram a palavra, e nem sequer olhavam para mim na escola. Lá, éramos completos estranhos.

Todas as noites eu, Alec e Aaron nos sentávamos e conversávamos enquanto Aideen preparava nosso jantar. Depois, Alec limparia a cozinha e Aaron passaria as roupas que estavam na máquina. Eu alimentaria os animais, arrumaria as camas para dormirmos e colocaria a roupa suja para lavar. Quando terminávamos, cantávamos algumas músicas, juntos novamente e, finalmente, íamos dormir.

Eu era grata à rotina que estabelecera, mas não me sentia em paz. Parecia tudo muito frágil e instável, prestes a ruir. Eu passava metade do tempo pensando em como as coisas poderiam dar errado, e a outra metade pensando em como evitar que isso acontecesse.

Foi na sexta feira. Eu passara as aulas da tarde praticando violino mas, ao fim do dia, eu senti que precisava do violão. Precisava de uma música que pudesse ser tocada e cantada, para me tranqüilizar. Como de costume, eu tranquei a porta após entrar, e me sentei no banco que estava encostado na parede. Depois da terceira música, meus dedos ardiam, já que eu passara a tarde com um violino na mão. Nem mesmo os calos que conquistei durante anos de esforço pareciam protege-los.

Eu não o ouvi chegar. Mas senti sua presença e, quando parei subitamente de tocar, Ethan sorria malignamente. Em sua mão esquerda, respondendo minha pergunta silenciosa, estava uma chave. Um coração vermelho, com asas douradas de morcego e pequenos brilhantes negros. Parece que eu não era a única privilegiada então. Encostei o violão e me levantei, em um pulo.

– Eu já estava de saída. - Respondi.

– Ainda não, menininha. - Sua voz era carregada de orgulho, como o resto dele. Como se tivesse encurralado um rato em sua própria toca e, pela segunda vez na semana, era isso que eu era. Um rato.

Continuei caminhando para a saída. Se eu tivesse sorte ele esqueceria minha presença e me deixaria sair, impune. não sou uma pessoa muito sortuda, afinal de contas.

– Eu sei o seu segredo, menininha.

Senti o sangue sumir de meu rosto, embora meu coração tivesse acelerado. Parei, e, em um impulso de adrenalina, o enfrentei.

– Já disse que eu tenho nome.

– Verdade. Mas também é verdade que você não quis me dizer quem era em nosso primeiro encontro, menininha.

Seus olhos se estreitaram, me desafiando a continuar.

– Sou Astryd. Astryd Arabesk. E estou indo embora agora.

– Oh não. Você é bem mais do que isso. Você é Astryd Arabesk Valentine. E provavelmente tem alguma estação no meio, como seus irmãos, não é?

Eu acho que devo ter engasgado com minha própria saliva nesse momento. Ele sabia. E eu estava acabada.

– Vejamos... - Ele olhava para cima, fingindo pensar. - Alec Winter. Aideen Autumn. Aaron Summer. Astryd... - Ele virou sua cabeça na minha direção. - Spring?

– O que você quer, Ethan?

– Sua ajuda.

– Para que?

– No fim de todo semestre há uma competição de duplas, e quero que participe comigo.

– Uma competição do que?

– Varias coisas. Corrida. Levantamento de peso. Tiro ao alvo.

– E porque quer minha ajuda?

– Eu te vi correr aquele dia. Foi impressionante. Também te vi acertar bolas de papel no lixo, do fundo da sala. Ninguém mais vai aceitar ser minha dupla e eu realmente quero o prêmio. O treinamento começa amanha, use algo confortável.

– E o que te faz pensar que vou te ajudar?

– Você não tem escolha.

Minha mão atingiu o rosto dele tão rápido que eu não pude para-la. Eu nem queria realmente bater nele. Foi instintivo. O óculos caiu de seu rosto e eu finalmente descobri o motivo deles. Abaixo do olho esquerdo havia um corte, quase cicatrizado e, ao redor do olho, uma mancha em tons de roxo e amarelo. Mas não foram os machucados que me surpreenderam. Foram a cor de seus olhos. Aquele tom especifico, que eu só vira algumas vezes. Pouquíssimas, na verdade. Ele se abaixou, pegou os óculos e caminhou até a porta sem olhar para trás.

– Amanhã. Não se esqueça.

E saiu, me deixando perplexa. Aqueles olhos, ligados á reação dos amigos de Khyra só poderiam significar uma coisa. Uma brincadeira do destino, disfarçada de acidente. Eu não era a única que mantinha segredos no fim das contas.

Khyra e Ethan eram irmãos.


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