Uma Balada para Lionor escrita por Anya Tallis


Capítulo 40
De Feridas não Cicatrizadas


Notas iniciais do capítulo

Último capítulo, e eu não poderia estar mais feliz, mas ao mesmo tempo mais saudosa. Mas este não é o fim das minhas aventuras, de forma alguma. Tenho muito mais material para ser postado nesse cenário, e pretendo ir revisando e publicando assim que tiver tempo.
Gostaria de agradecer verdadeiramente a cada pessoa que leu esta história, mesmo que não tenha lido até o final ou tenha guardado para terminar mais tarde. Eu realmente gostaria de citar o nome de cada um, mas sei que tem gente que lê a história depois de concluída, e não quero ser injusta. Espero que tenham gostado da história, e que possam dar uma chance aos outros textos que já postei ou que postarei no futuro. Tenho tanta coisa a dizer, que até parece que essa é a primeira história que concluo na vida. Enfim, vamos parando com as despedidas. Muito obrigada e boa leitura.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/473021/chapter/40

Sem se importar com o sol forte que se erguia no ponto mais alto do céu, Hermes não tirou o pesado casaco e nem as luvas que impediam que as garras do falcão arranhassem ainda mais seus braços. Subiu em uma pedra alta que avançava sobre o lago; os garotos costumavam usá-la para pular na água fria e plácida, mas ele não tinha o menor interesse em se molhar. O rei também permanecia sentado à beira do lago, parecendo satisfeito em somente observar o reflexo prateado do sol nas pequenas ondulações da água causada pelos mergulhos de Alonzo e Vicente alguns metros adiante. Nigel permanecia próximo, com as pernas mergulhadas na água fria, mas se recusava a mergulhar, depois que os seus companheiros lhe disseram centenas de vezes para não fazer movimentos bruscos, sob o risco de reabrir os ferimentos que já haviam cicatrizado.

— Hermes! — Alonzo gritou, emergindo da água com Vicente sentado em seus ombros — Pretendo derrubar meu real primo em uma batalha justa, mas para isso preciso de alguém que aguente erguê-lo nos ombros.

— Não tenho interesse — fez Hermes. Desde a morte de Lionor, voltara a ter a expressão amargurada da época em que ficara viúvo e perdera os filhos. Não havia nada que o animasse, embora fosse seu dever acompanhar os rapazes nos passeios apenas para fazer a segurança do rei. Jamais participava de qualquer brincadeira. Era sempre Alonzo que insistia para que ele se envolvesse nas diversões, tendo ouvido uma centena de nãos desde que decidira se empenhar em distraí-lo.

— Talvez Nigel... — sugeriu Vicente.

— De jeito algum — o Duque o repreendeu — Ele pode parecer saudável, mas ainda está ferido por dentro. Feridas que os olhos não podem ver, mas que ainda não estão completamente curadas.

As duas flechas que o haviam atravessado haviam lhe causado dores intensas mesmo quando o ferimento já estava fechado. Havia mancado e usado uma tipoia a um braço por tanto tempo que mal conseguia se lembrar de como era poder correr e treinar. Sentia-se inútil, nem mesmo podia participar de uma brincadeira idiota como uma batalha na água.

— É uma pena — Alonzo lamentou, com um suspiro, atirando Vicente na água desajeitadamente. O garoto deixou escapar um grito antes de afundar, e emergiu sacudindo os cabelos com ar bravo, mas nada disse. O lago era raso demais para fazer valer a pena uma discussão sobre aquela brincadeira.

O conde caminhou lentamente até a beira do lago, onde o primo estava sentado. Miguel esquivou-se, com as mãos à frente do corpo, mas relaxou ao perceber que Alonzo passara direto por ele e escalava as pedras, firmando os pés molhados no limo escorregadio.

— Majestade — ele se ajoelhou atrás do rei — por que está molhado deste jeito.

— O que... eu? – Miguel ergueu os ombros — Não estou molhado.

— Ainda.

Ao ser empurrado pelo primo, o jovem rei tentou se agarrar ao braço de Nigel, ao seu lado. Caíram os dois, e Alonzo por cima deles, depois de escorregar na pedra lisa. Lama e areia se misturaram à água cor de chá, numa confusão de xingamentos e risos. Mas, quando Nigel emergiu da água rasa, o som que fez ao sugar o ar fez parecer que estivera se afogando. Percebeu que Hermes havia pulado na água e o puxara pelas costas da camisa, e que todos o olhavam com preocupação. Foi somente neste instante que compreendeu que havia passado mais que alguns segundos submerso, tempo suficiente para fazer com que cessassem as brincadeiras.

— Se sente bem? — Hermes continuava segurando sua roupa de uma forma que quase o estrangulava.

Nigel sentia uma dor latejante no braço que Miguel agarrara para tentar impedir a queda, mas fez o possível para não demonstrar. Não queria fazer ninguém se sentir culpado pela brincadeira. Tentou falar que estava bem, mas cuspiu areia e terra. Nem mesmo percebera que havia caído com o rosto no fundo do lago.

— É muito maduro de sua parte fazer uma coisa como essas — a ironia de Hermes era uma crítica a Alonzo. O conde retrucou-lhe com mais sarcasmo.

Maturidade acaba com toda a nossa diversão. Hermes, o lago é raso! O menor de nós — apontou para Vicente, que se afastara do grupo com receio de que caíssem por cima dele por acidente — fica com água pela cintura.

— Águas rasas são mais perigosas que as profundas em caso de quedas.

— Não foi nada — Nigel tossiu, se libertando do duque, que ainda o mantinha pendurado pela camisa — Estou bem.

Hermes ainda parecia aborrecido quando sentiu-se obrigado a estender as roupas molhadas para que secassem em uma pedra. E, enquanto o fazia, Miguel torcia a própria camisa molhada.

— Eu deveria te obrigar a trazer uma roupa seca para mim, primo — resmungou para Alonzo, que não se abalou.

— Deveria, mas não vai. Sei que não vai. O perdão e a misericórdia são as dádivas mais louváveis de um monarc...

Foi calado pela camisa molhada que lhe foi atirada ao rosto. Até Vicente, o mais novo do grupo, com metade da idade de Hermes, conseguia ser mais sério que o rei e seu primo. Nigel gostaria de estar no meio das brincadeiras, mas mal podia correr ou receber alguma pancada sem que achassem que ele iria se desmanchar. Desviou o olhar, aborrecido, e viu Hermes, terminando de colocar as camisas para secar. Sem virar o rosto ou sequer o olhar, o duque resmungou.

— Não fique me encarando.

— É que... — Nigel franziu as sobrancelhas, ao ver as cicatrizes dos tiros que o duque levara, em meio a tantas outras causadas por acidentes de caça, treinos, e causas desconhecidas.

O rei pareceu adivinhar os pensamentos de Nigel, e intrometeu-se.

— É que tem tantas cicatrizes, Hermes! Eu não tenho nenhuma. Com exceção do meu caro primo, todos têm medo de me ferir e perder a cabeça na praça da execução. Não que eu esteja reclamando, não quero uma.

— Cicatrizes são provas de que você é um guerreiro — Hermes deu-lhes as costas, como se quisesse esconder algo.

Miguel torceu a boca, desdenhoso.

— Não sou um guerreiro. Nem quero ser. Quero ficar sentado no trono com uma caneca de vinho que nunca acaba.

Mas, na metade da tarde, quando as roupas já estavam suficientemente secas para serem vestidas, e Hermes voltou a se debruçar sobre a pedra a fim de recolher sua camisa negra, não percebeu que o rei se aproximava para fazer o mesmo. Miguel estreitou os olhos em sua direção, com curiosidade.

— O que foi isso?

O comentário espantado chamou a atenção dos outros. Só então Nigel viu que, entre as recentes cicatrizes de bala que Hermes carregava, havia uma marca de um corte em seu peito, como se ali houvesse sido enfiada uma lâmina. A largura do corte combinava exatamente com a largura de sua própria lâmina. Não se lembrava de tê-lo visto ferido no peito, em nenhum momento, e passou pela sua cabeça que ele pudesse ter tentado ferir a si mesmo. Não teve coragem de lhe perguntar, não na frente dos outros.

— Quem foi o homem que conseguiu te ferir no peito? — insistiu o rei, boquiaberto.

— Nenhum homem o fez.

Todos os rapazes naquele lago, até mesmo o escudeiro, conheciam a fama de Hermes e já o haviam assistido durante os treinos. Era muito difícil ser atingido por uma espada e, em todo o reino, apenas Nigel, o Invicto, era páreo para ele, embora fosse bem menor e mais magro. Na realidade, apenas uma pessoa derrotara o rapaz de Frills em um torneio, e havia sido a sua então noiva. E, se ela podia derrotar Nigel, e Nigel podia derrotar Hermes...

— Não foi um homem — Nigel concluiu, com um aperto no peito — foi uma mulher.

— E ela literalmente cortou-lhe o coração – Alonzo fez o gesto de uma faca cortando um pedaço de bolo qualquer. Estava tão convicto de que o ferimento havia sido provocado pela falecida Claire Diaz, durante algum confronto entre os dois, que acrescentou — Só podia ter sido a mulher mesmo, pois o irmão dela não teria conseguido se aproximar o suficiente. Deve ser bem atraente, para ter permitido que chegasse tão perto.

Falava somente para provocar. Alonzo nunca havia visto Claire pessoalmente. Mesmo no dia da execução, estava com Caridad, já recuperada da convalescência, e não se interessara em presenciar o enforcamento. Ainda fingia cortar alguma coisa invisível, mas sua mão ficou parada no ar quando ele sentiu o olhar desgostoso de Nigel sobre si, e pôs-se a conjecturar se havia dito algo inconveniente.

— E doeu? — Vicente fez uma careta.

— Como não? Mas com o tempo, se você sabe que não vai morrer, acaba não se importando mais com a dor. É ela que te mantém consciente de que não já está morto.

Nigel não conseguiu tirar aquilo da cabeça em momento algum, nem mesmo quando a conversa mudou o rumo e o grupo retornou para o castelo no final da tarde. Deixou-se ficar na retaguarda, com o ar desolado de quem implora que um dos amigos tenha a bondade de olhar por cima do ombro e atrasar a própria montaria para perguntar-lhe o que acontecera. Foi o próprio Hermes que o fez.

Deve ser bem atraente, para ter permitido que chegasse tão perto. — Nigel repetiu as palavras do conde, em resposta, com uma expressão de dor.

— Está com ciúmes, Nigel? - Hermes franziu as sobrancelhas — Queria ter tido uma espada enfiada em seu coração também?

— Eu tive.

O duque tinha razão. Estava ferido por dentro. Feridas que os olhos não podem ver, mas que ainda não estão completamente curadas.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Para quem shippava Lionor e Hermes, acho que daria até para ficar feliz com esse finalzinho, não é? Mas não, eles não eram apaixonados... existem outros tipos de sentimentos, afinal de contas.
Bem, já fiz todos os agradecimentos e despedidas nas notas iniciais, então termino por aqui, mas espero vê-los novamente em outras histórias. Afinal, este não é o fim...



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Uma Balada para Lionor" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.