You Only Live Once escrita por Vero Almeida


Capítulo 39
Tomando certas atitudes


Notas iniciais do capítulo

Oi gente, tô viva! Espero que gostem.

Beeijos



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/472379/chapter/39

PDV do Ryan

Estar com Alícia em meus braços era um misto de sensações viciantes e torturantes ao mesmo tempo. Estávamos num parque arborizado, ela estava recostada em meu peito, eu podia sentir o aroma de seus cabelos, e o toque macio de suas mãos em meus braços. Meu nariz passeava pela curva do pescoço dela enquanto eu distribuía beijos na região.

Eu me arrepiava com cada toque, por mais singelo que possa parecer. Ela me transmite uma calma que eu nunca tive na minha vida, e ao mesmo tempo me deixa sempre alerta para o próximo furacão, já que com ela inevitavelmente uma hora ele vai chegar. E essa era a parte torturante.

Já sofria antecipadamente pelo momento em que teria que deixá-la de volta naquela casa, longe de mim, ou de qualquer pessoa que realmente se importe com ela.

– Volta pra república. – Sussurrei em sua orelha, pela milésima vez aquele dia. – Lá é a sua casa, sempre vai ser. Lá ninguém vai te tratar como intrusa.

Ela demorou a responder. A demora me deu certa esperança de que dessa vez a resposta fosse diferente, pelo menos agora parecia ponderar a idéia.

– Eu sinto falta de vocês todos os dias, de cantar, e até mesmo daquelas aulas chatas de direito. – Sorriu meio nostálgica. – Mas sabe que eu não posso voltar, eles vão me matar. Eu não me sinto segura em lugar nenhum, nem mesmo fora do campus, imagina lá dentro!

– Lá dentro eu vou estar sempre por perto, não vou deixar nada acontecer com você. Aqui eu não consigo fazer isso. – Eu praticamente suplicava. Era horrível a eterna espera pela próxima ligação, a incerteza sobre a segurança daquela casa ou a maneira como a estavam tratando ali. Não queria passar por tudo aquilo de novo.

– É justamente isso que me preocupa. Eu quero você o mais longe possível dessa gente, mesmo que pra isso eu tenha que tomar medidas extremas.

– Medidas extremas? – Pisquei algumas vezes, confuso. – Que medidas são essas?

Ela não respondeu, nem mesmo conseguia me encarar mais. Não era um bom sinal, era um péssimo sinal, e eu acho que sabia o que se passava naquela cabecinha minúscula.

– Você vai embora... – E essa certeza tinha um peso esmagadoramente maior do que eu pensei que teria. Eu tinha falta de ar só de pensar nessa possibilidade. – Não, você não pode ir...

Peguei-a pelos ombros e a sacudi levemente, sem muita consciência do que estava fazendo. Ela arregalou os olhos por um segundo, mas no momento seguinte já estava com as mãos em minha nuca, sussurrando palavras aleatórias que provavelmente tinham a função de me acalmar, mas não estavam funcionando bem.

Eu só conseguia pensar na maneira como a beijei em minha casa horas atrás, quando ela afirmou e reafirmou que daria uma chance pra nós dois, e em como eu queria e precisava que isso desse certo, eu precisava estar perto dela como nunca precisei estar perto de ninguém antes. Se existe alguém nesse mundo que pode juntar meus caquinhos, esse alguém é ela. Se não for ela, não vai ser mais ninguém.

– Não! No, cariño mio, eu não vou embora. – Os dedões alisavam minhas bochechas quase de maneira maternal, os olhos de jabuticaba me encaravam preocupados. – Eu penso nisso todas as noites quando as luzes se apagam e eu não consigo dormir, ou quando escuto um barulho na janela e tenho vontade de me esconder no armário. Penso nisso quando vejo a faca que eu escondi embaixo da cama e penso nisso também quando escuto você falar que vai atrás dessa gente, Ryan! Eles são perigosos! – Ela tagarelava de novo, de maneira rápida e urgente. – Mas nunca tenho coragem de ir, não posso ir porque você está aqui! E droga, eu não tenho nenhuma história do passado ou algo que me impeça de amar você. – Ela se calou por um instante. – Oh, não estou tentando te pressionar nem exigir nada, eu sei que nós não temos nada sério, eu só...

– Alícia.

– Eu só quis dizer que mesmo que eu quisesse, não conseguiria ficar longe de você, porque você fica aí me olhando com esses olhões profundos e tão absurdamente sinceros e protetores...

– Alícia. – Ela não parecia me escutar, apenas desembestou a falar.

– E aí você não pode dizer que me ama, mas fica tendo esses ataques quando eu falo de ir embora, então eu fico cheia de esperanças de que um dia você venha a me amar. E como você acha que eu posso ir embora sabendo de tudo isso? Já reparou quantas vezes repetidas eu usei a palavra você? É o que eu faço quando fico nervosa. Ta vendo? Fiquei nervosa. Eu não sei mais o que eu faço da minh...

Eu a agarrei de repente, entre uma palavra e outra e desviando de seus braços que gesticulavam freneticamente. A beijei desejando que aquele beijo pudesse explicar pra ela tudo o que eu não conseguia explicar em palavras. Eu estava confuso, e perdido, mas ela de alguma forma era o farol no meio da escuridão, a única certeza que eu tinha na minha vida no momento. Esperava que ela entendesse que eu também sinto a conexão, eu também sinto meu peito arder em chamas, e eu tenho absoluta certeza de que estou apaixonado por ela, mesmo que não seja o momento ideal. Será que um beijo, por mais intenso que seja, consegue passar essa mensagem? Eu esperava que sim, porque era complicado demais pra explicar.

Quando cessamos o beijo, minha tagarela preferida parecia ter perdido a vontade de falar.

– Você é maravilhosa. Eu sei que tá tudo uma bagunça agora, mas eu vou arrumar minha vida, e vou tirar esses malucos do seu pé, e então nós dois vamos finalmente estar juntos em paz. Eu prometo. – Parecia surreal, maluquice, até ontem eu estava tentando ficar longe dela e agora estava prometendo que nunca mais ficaria longe dela. Era maluco mesmo mas eu não me importava. – E então, quando tudo isso terminar, e você se formar na faculdade de música, eu vou pra qualquer lugar do mundo com você.

Ela sorriu. O sorriso mais aberto e cheio de dentes do mundo.

– Você é louco. – E o sorriso se desfez com a mesma rapidez com que apareceu. – E vai me deixar louca também. Ryan, tudo isso é muito lindo, mas pelo amor de Deus esquece essa idéia de ir atrás dessa gente!

– Vamos esquecer esse assunto vai. – A abracei pelos ombros, beijando-lhe a face demoradamente. – Não podemos deixar isso estragar o dia. Eu ainda tenho um restaurante para almoçarmos e um lugar pra te mostrar, mas ele só abre às 18h. E eu espero não ouvir nunca mais essa história de ir embora.

– Por mim está ótimo, se eu não ouvir mais essa história de perseguir criminosos.

Teimosa, tinhosa, insistente. Resolvi não insistir no assunto, mas ficava cada vez mais claro que nenhum de nós dois teria paz enquanto não nos livrássemos desses caras.

_/_/_

PDV do Adam

– E aí eu passo anos e anos dando monitoria pros alunos daquele senhor ingrato que eu tenho o desprazer de chamar de mestre, sem nem ao menos sonhar em tocar nos seus instrumentos de trabalho, pra ele entregá-los nas mãos de um iniciante qualquer e ainda me pedir pra vigiá-lo. – Aaron estava naquela ladainha há mais de meia hora, rodando de um lado pro outro em meu quarto e mexendo incessantemente nos cachos de sua cabeça. Deixei escapar um bocejo, o que me rendeu um belo de um olhar de repreensão. – Desculpa, eu te entedio com a minha desgraça? – Disparou, mau-humorado.

– Não é uma desgraça, Aaron. É só um estagiário, como você já foi um dia.

– Exatamente! É esse o problema. – Estava indignadíssimo com o malabarismo de Faros para arrancar informações do tal novo estagiário, veio pra cá assim que foi comunicado das novidades e nem ao menos aceitou o café descafeinado de Marie, que todos odeiam, menos ele.

– Sabe o que eu acho? – Levantei-me da minha cama e caminhei devagar até ele. – Acho que você adorava ser o aluno preferido do Faros, e esse estagiário está atingindo seu ego. – O guiei até a cadeira da escrivaninha, ele se sentou, e passei a massagear suas costas da maneira mais despretensiosa que consegui, mas já não estava mais funcionando. Eu buscava os menores pretextos para tocar nele, e já não resistia mais quando o via fazer o mesmo. Meu tempo estava terminando, precisava dar um jeito nessa situação. – Mas no fim, ele só aceitou esse cara porque precisava da informação que ele poderia dar. E confiou em você pra ficar de olho nele.

Aaron relaxou com meus toques, eu apertei os nós tensos que tinha nos ombros.

– É, acho que você tem razão.

E olha que escutar essas palavras da boca dele não era um acontecimento muito comum.

Eu tinha vontade de descer as mãos em torno de seu peitoral magro e beijar-lhe a face, a nuca, a orelha. Eram pequenas coisas que estavam cada vez mais difíceis de controlar.

Meu Deus, que minha família entenda que meu sentimento por Aaron não muda em nada a minha fé. Que eles me aceitem, e me perdoem, porque eu já tomei minha decisão.

Pra começar, eu o apresentaria a Lyla. Se ela não entendesse, então certamente ninguém mais entenderia.

– O que vai fazer no fim de semana? – Perguntei, dando continuidade à massagem.

– Dormir pra sempre. E olhar o estagiário idiota.

– Ah... – Desci os dedos por suas costas, tateando a roupa em movimentos circulares. – Se eu te pedisse umas duas horinhas desse “dormir pra sempre”, seria pedir demais?

– Sim. – Respondeu no ato, direto e reto como sempre fora. – Mas eu nunca mais dormi direito desde que te conheci mesmo, porque claro, além de você estudar durante o dia, ainda tinha que ser à tarde.

Eu ri, balançando a cabeça em negativa.

– As vezes eu me pergunto se sua vontade de reclamar acaba de vez em quando ou funciona 24 horas. – Brinquei. Ele não se deu ao trabalho de responder ao meu comentário, então continuei a falar. – É que eu pensei que seria legal se você conhecesse alguém. É uma pessoa muito importante pra mim.

– Oh, arrumou uma namorada de fachada? – Ele pareceu se divertir com a brincadeira, mas eu não achei graça nenhuma. Fechei a cara.

– Você é um imbecil. – Ralhei. – Não, energúmeno. To falando da minha irmã.

Ele arqueou a sobrancelha de maneira incrédula e deu uma risadinha. Eu o vira sorrir poucas vezes, tirando é claro as risadas sarcásticas. Os dentes eram bem brancos e alinhados. De repente tive vergonha dos meus próprios dentes, que apesar de não serem ruins, também não eram tão bonitos.

– Quem é você? Alguma força alienígena que abduziu o Adam? – Ele se levantou da cadeira e ficou de frente pra mim. Me encarava com os olhos escuros, acho que esperava que eu começasse a gaguejar e dissesse que me arrependi da proposta, mas isso não aconteceria.

– Não, sou só eu mesmo, ainda me borrando de medo, mas decidido, apesar de tudo. – Ele continuou a se aproximar, e aquela parte de mim que sempre ficava desconfortável com as aproximações, não estava mais lá. Eu finalmente tinha parado de me lamentar por Faros tê-lo escolhido pra me acompanhar ao observatório, e passado a agradecer por isso. – Eu gosto de você, quero ficar com você.

O medo não diminuía, pelo contrário, só crescia. As dúvidas é que iam embora aos pouquinhos, e isso de certa forma me ajudava a fazer o que precisava ser feito.

– Você gosta de mim? – Riu de maneira debochada, mas apesar da rabugentisse de sempre, parecia genuinamente feliz com o meu súbito surto de coragem. – Voltamos ao primário? – Jogou os dois braços em torno do meu pescoço, e eu o puxei pra perto pela cintura.

– Você é muito chato. – Reclamei entre risos.

– Um chato que “também gosta de você” – Caçoou. Estávamos próximos como nunca estivemos antes. Os narizes quase se tocavam, e a consciência de seus dedos brincando com meus cabelos da nuca era quase perturbadora, mas não de uma maneira ruim. Ele estava me provocando, os olhos me desafiavam a tomar uma atitude e acabar de vez com aquela tortura de evitar, mal nos tocar e nunca beijar.

E eu estava prestes a aceitar o desafio, queria mais do que qualquer outra coisa beijar aqueles lábios que nunca sorriam. Colei nossos narizes, e o observei fechar os olhos. Fiz o mesmo em seguida, mas o barulho estrondoso da porta sendo aberta nos assustou, e logo uma Marie em prantos escandalosos invadiu meu quarto sem aviso prévio.

Eu cerrei os punhos e contei até 10, voltando meu olhar pro chão. Aaron afastou-se alguns centímetros, e eu resolvi que era melhor contar até 20.

Quando ergui os olhos para encarar Marie, todo e qualquer vestígio de irritação sobre a súbita interrupção se fora instantaneamente. Ela estava péssima, seus olhos eram duas bolas pretas de maquiagem borrada, e havia batom rosa espalhado por todo o seu rosto.

Meu Deus, não tinha nem uma hora que eu a deixara tomando café na cozinha, o que raios podia ter acontecido nesse tempo?

– Eu atrapalhei, não é? – Lamentou, chorosa. – Droga! Todo mundo tem uma vida amorosa menos eu. – E desandara a chorar de novo.

Aaron revirou os olhos, impaciente como sempre em relação ao drama alheio. Piscou pra mim e sorriu de lado, pegando sua mochila ao lado da minha cama.

– Eu vou nessa, a gente se fala depois. – Beijou-me a face e me encarou de maneira significativa. – Claramente, ela precisa mais de você do que eu no momento. Me avisa quando conseguir marcar algo com a sua irmã.

Acenei afirmativamente e o observei sair. Todas as reações que meu corpo tinha a ele, os arrepios, o calor, ainda estavam presentes, E eu tinha que dar um jeito de ignorá-las para ajudar o ser em prantos à minha frente.

Abracei-a pelos ombros e a sentei na minha cama, em seguida rumei até o banheiro e voltei com um lenço molhado.

– O que aconteceu, Marie? – Ajoelhei-me em sua frente e limpei seu rosto vagarosamente. Passei o pano o mais delicadamente que pude em volta dos olhos e ao redor da boca.

– Ele vai terminar comigo, Adam. – Eu mal limpara as lágrimas borradas e ela já derramava outras. Decidi cessar seu choro antes de tentar limpá-la. – Noah vai terminar comigo.

Sentei-me ao lado dela e a abracei novamente, beijando-lhe o topo da cabeça.

– Ele nunca vai terminar com você. – Sussurrei de maneira tranqüilizadora. – Ele te ama, sua bobinha. Ama muito.

– Mas pensa que eu me envergonho dele. Não é isso, você conhece minha mãe, sabe que não é isso! – Ela deitou a cabeça no meu ombro e chorou, sem dizer mais nada por um tempão. Eu ainda tentava entender o que tinha acontecido, nunca pensei que Noah a faria chorar dessa maneira.

– O que aconteceu? Porque ele acha que você se envergonha dele?

– Minha mãe o convidou pra jantar em casa no sábado, e eu disse que tinha que deixá-lo apresentável. Mas ele não entende que ela vai fazer o impossível pra que meu pai o odeie, Adam. Ele acha que é só implicância, mas é bem pior que isso!

Ah, eu conhecia a Sra. Etienne, e sabia exatamente do que Marie estava falando.

– Ok, mas convenhamos que você escolheu palavras meio ingratas pra dizer isso a ele né? Podia ter explicado melhor. – Ela piscou os olhos, confusa. – Marie, Noah foi criado de outra maneira. Ele tem pais influentes que nunca deram a mínima pra sociedade, então pra ele, seus pais o aceitarem como é não é tão difícil assim. Tenho certeza de que ele sabe que vai ter problemas, mas não entende o quanto a alta sociedade pode ser ingrata. E não espere colocá-lo num terno, já seria pedir demais do garoto.

– Mas o que eu faço então? Como vou fazer aquela criatura cabeça dura entender que eu não me envergonho dele? Eu me envergonho muito mais de todo esse universo nojento dos meus pais do que da simplicidade dele. Eu o adoro exatamente por isso.

Ela mal percebia o quão contraditórias eram suas atitudes diante do que estava dizendo, mas eu a conhecia o suficiente para entender sua linha de raciocínio, e aposto que Noah também, quando esfriar a cabeça e pensar a respeito.

– Fazê-lo sair de sua simplicidade pra usar roupa social não é uma boa maneira de mostrar isso a ele. Está passando a mensagem contrária.

– Eu não fiz nada! Ele que aceitou o jantar, eu teria dado uma desculpa qualquer se não tivesse me atropelado.

– Exatamente. Marie, eu sei que não se envergonha dele, mas precisa superar esse medo da sua mãe. Enfrente a fera, e não subestime Noah.

Ela suspirou longamente e ajeitou uma mecha de seus cabelos pra trás.

– Mas o que será que minha mãe está dizendo ao meu pai sobre ele, Adam? Eu tenho tanto medo que ela me mande pra longe! Eu sei que se dependesse dela, eu estaria estudando balé na frança há muito tempo já. Tenho medo que ela distorça as coisas e o convença a lhe dar permissão para me tirar daqui. – Seus olhos expressavam um pavor genuíno, as lágrimas ainda rolavam, embora agora em menor intensidade.

Foi minha vez de suspirar. A vida de Marie seria tão mais fácil se ela simplesmente entendesse que não é um boneco marionete! Já era hora de ela acordar pra vida e tomar as rédeas da situação.

– Você já é maior de idade. Legalmente, ninguém pode te obrigar a nada que você não queira. Ela tem o poder de te tirar daqui, já que é ela quem paga o curso, mas não pode te mandar pra longe se não quiser ir. Diga não a ela, Marie! Aproveita e diz também que você ama o teatro e não quer ser bailarina. – Engraçado, naquele momento eu me sentia a pessoa certa a dar esse conselho a ela, afinal, também tinha uma revelação bombástica a fazer para os meus familiares. Estávamos no mesmo barco. – Se não assumir o controle da sua vida, vai acabar perdendo tudo, inclusive o namorado.

Ela meneou a cabeça, pensativa. Não falou nada por longos minutos, apenas me encarou com os olhos distantes.

– Acho que tem razão. – Suspirou. – Bom, vou tentar falar com ele, e acender uma vela pra todos os santos pra que tudo dê certo nesse jantar.

_/_/_

PDV da Ana

Não seria prudente ligar pro Ryan sem apurar as coisas primeiro. Se eu não tivesse todas as informações para lhe dar, ele as procuraria feito um furacão desgovernado e quebraria pelo menos meia dúzia de narizes para isso.

Acontece que eu precisava saber o nome do tal garçom que flertou com Alícia, era mesmo coincidência demais um cara tão generoso e bonitão dando mole pra garota no momento em que ela mais precisava de ajuda. Ok, coincidências acontecem, mas agora essa história do aluno do Faros mudava tudo.

Existia o bonitão ajudante de cozinha e garçom do restaurante que flertara com Alícia, e o ajudante de cozinha e garçom do restaurante que conhecia bastante bem o bolsista morto na praça.

Eu diria que na melhor das hipóteses, era uma coincidência que merecia ser apurada a fundo. E na pior das hipóteses, esse puto vai conhecer a fúria de uma baixinha contrariada!

Só que eu não faço a menor ideia de quem seja o cara, por isso preciso do nome para procurar.

– Por que não liga pra ela e pergunta? – Faros perguntou, com a atenção voltada para a estradinha de terra enquanto dirigia. – Cruz credo, esse lado de vocês do campus é muito abandonado! Vou ter que mandar lavar o carro. – Reclamou, enquanto fechava o vidro para impedir que a terra que subia lhe viesse aos olhos.

– Porque ela está com Ryan, e aquele lá tem as antenas bastante ligadas quando convém. – Olhei-o de rabo de olho. – E vê se para de reclamar, veio comigo porque quis. Você por acaso não tem aulas a dar não? Vai trabalhar e sai do meu pé.

– Não Kailis, não leciono de manhã, ao contrário de você que deveria estar trabalhando.

Grunhi. A presença daquele homem detestável já estava me dando nos nervos. Não lhe devo satisfações da minha vida, e dos meus horários! Das minhas aulas cuido eu, e elas são muito bem ministradas, obrigada pela preocupação! De qualquer maneira mandaria uma mensagem a Marie mais tarde pra avisar que me atrasaria para o ensaio da peça.

Bom, não me restavam muitas opções além de ligar pra Alícia. De qualquer maneira, tentaria ser o mais discreta possível.

Peguei meu celular no porta luvas do carro de Faros. Não havia uma única partícula de sujeira por ali, pelo menos por enquanto. Ele que espere eu abrir o salgadinho que tenho na minha bolsa.

Disquei o número, enquanto maquinava uma maneira de conseguir a informação que queria sem deixar o grandalhão histérico saber do que se tratava. Era capaz que chegasse naquele restaurante antes de mim e estragasse tudo.

– Hola! – Alícia cantarolou do outro lado da linha. Era reconfortante saber que estava feliz, mesmo que momentaneamente.

– Eita, já estão assim é? – Brinquei, entre risos. – Rola pra você também.

Ela bufou.

– Ligou só pra fazer essa piadinha infame ou tem mais alguma coisa? – Retrucou.

– Ai, foi só uma brincadeira. – Mas o assunto pedia certa seriedade, então tratei de refazer minha postura. Estudava maneiras de conseguir a informação que queria sem causar alarde, mas apenas a menção do nome que precisava certamente traria rebuliço com Ryan. – Escute, eu preciso de uma informação. Não me pergunte porque, e tente não fazer escândalo. Eu preciso saber o nome do ajudante de cozinha que flertou com você.

– Ana, foi só fogo de palha, tem semanas que não temos contato....

– Fica quieta, não falei pra você não fazer alarde??? – A interrompi, de repente. – Você sabe que Ryan tem o ouvido treinado pra essas coisas.

“Semanas que não tem contato com quem?” – O escutei perguntar ao fundo da ligação. Que merda, preciso ensinar a essa garota o significado da palavra discrição.

– Diz pra ele que é... O Joseph! – Não consegui pensar em nada melhor.

– Ana o que está acontecendo? – Ela perguntou, ao invés de dizer o que eu mandei. Grunhi em resposta.

– Olha, só me fala logo de uma vez o nome do cara. – Suspirei longamente, já prevendo grandes confusões por aí.

– Landon Williams. – Respondeu simplesmente. Ouvi um barulho do outro lado da linha, Alícia ralhou, e eu soube que Ryan tinha lhe tomado o telefone das mãos. Que beleza, tudo o que eu não queria.

– O que você está tentando esconder de mim? – A voz rouca soava tensa, o cara parecia ligado na adrenalina 24 horas por dia.

– Não é nada. – Tentei parecer casual. – Eu gosto das rosquinhas que ele faz.

Ele riu de maneira sarcástica.

– Tente de novo, você pode encontrar uma desculpa melhor que essa. – O silêncio que se seguiu foi quase sepulcral, Me fugiam as palavras naquele momento, eu não conseguia pensar em nada que desligasse o pisca alerta que com certeza fora acionado na cabeça dele. – Ana... – Recomeçou com a voz arrastada. – Me diz o que você quer com esse cara.

– Relaaaaxa. Eu só quero ter uma conversa com ele, sondar o terreno. – Esperava que meus talentos meio enferrujados na arte de atuar me servissem de alguma coisa no momento. Tinha muito tempo que eu não dançava em musicais, mas atuar é como andar de bicicleta. Só que não quando o nervosismo está presente pra atrapalhar. – Preciso falar com todas as pessoas de fora que tiveram algum tipo de contato com ela, só pra ver se eu descubro alguma coisa.

Não era inteiramente mentira. Eu detestava deixá-lo de fora, justo ele que foi o primeiro a acreditar nessa seita maluca e agora está mais envolvido do que nunca nessa história, mas eu simplesmente não podia contar com o controle emocional dele. Ryan tem muitas coisas, e sangue frio não é uma delas.

–... Tem certeza? – Perguntou de maneira hesitante. A pulga certamente estava lá, plantada atrás da orelha, mas acho que a desculpa colara o suficiente para mantê-lo onde estava. – Não quer que eu vá com você?

– De jeito nenhum! Ela precisa de você agora. Eu dou conta de um ajudante de cozinha, depois eu te conto tudo.

Ele não respondeu de imediato, escutei-o inspirar e expirar profundamente, e era capaz de apostar que estava repuxando o cabelo pra trás, num velho cacoete que sempre indicava que estava impaciente. Eu o conhecia bastante bem.

– Ok. – Respondeu por fim. – Mas você vai me contar cada vírgula do que esse imbecil disser.

– Eu prometo. – Devia pelo menos isso a ele. – Não tire os olhos de Alícia, e quando for deixá-la em casa, leve-a a até a porta.

– Não vou deixar nada acontecer com ela.

Claro que eu sabia disso, todos sabiam disso. Ultimamente estavam passando tanto tempo juntos que era até difícil imaginar Ryan sem Alícia, ou o contrário.

Nos despedimos, e desliguei o telefone. Faros parecia focado na estrada, mas seus ouvidos certamente estiveram bastante concentrados na conversa. De qualquer maneira, eu não tinha vontade nem tempo a desperdiçar com nossas briguinhas inúteis. O futuro de uma jovem de 20 anos, com uma vida inteira pela frente, depende dos resultados que eu obtiver na minha “Conversinha” com Landon Williams.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "You Only Live Once" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.