Jogo a peruca de volta na cama e me volto para o guarda-roupas, decidindo colocar o vestido mais simples que encontro: amarelo. Deixo meus cabelos soltos e coloco tudo o que vejo pela frente na mala. Acabo conseguindo levar uma só. O mais incrível é que eu não acho que estou esquecendo alguma coisa.

Corro para fora do apartamento, seguindo caminho até o terminal. O trem partirá dentro de uma hora. Espero que cheguem cedo. À medida que corro à procura de um taxi, sinto meu coração bater mais forte. Haymitch. Preciso dizer tudo para ele. Dizer como fui tola e medrosa em não aceitar o que estava na minha frente.

Quando saio do prédio, percebo quase todas as pessoas olhando em minha direção de um modo estranho. Imagino o que devem estar pensando. Devem achar que estou fugindo ou algo do tipo, justamente por não estar como elas. Provavelmente quase todas sabem que eu sou, mas não me reconhecem agora.

Paro na calçada para decidir que lado seguir, até que vejo uma das minhas vizinhas, Emma, que, ao encontrar meu olhar, pareceu ter encontrado um fantasma.

– Emma! - chamei-a, indo a passos rápidos em sua direção.

– É quem estou achando que é? - pergunta boquiaberta. Abro os braços em resposta, sorrindo. - Effie Trinket! Não posso acreditar! O que houve com você?

– Digamos que estou dando um novo rumo a minha vida – respondo.

Emma me lança um olhar de dúvida.

– Estou indo embora, Emma – completo.

– E para onde está indo, posso saber?

– Distrito 12 – minha resposta a atinge como uma bomba. Emma põe a mão na boca e eu não entendo se essa surpresa é boa ou ruim para ela.

– Agora eu preciso ir, Emma – continuo, dando-lhe um abraço. - Ainda tenho coisas para acertar.

Quando olho para Emma, ela ainda está boquiaberta. Ela acena devagar para mim.

Finalmente encontro um taxi e faço sinal para que pare. Ele me olha de uma forma estranha e digo para me levar ao termial. Sinto minhas mãos suarem e começo a roer as unhas. Ah, que ótimo, penso. Estou nervosa.

Assim que chegamos ao meu destino, dou o dinheiro ao taxista e digo para ele ficar com o troco. Puxo minha mala às pressas e consigo ouvir um “obrigado” quando estou andando a passos largos até lá. Falta pouco, Effie! Falta pouco!

Chego a plataforma e, como eu já esperava, nenhum deles estava lá. Olho para o relógio no meu pulso e vejo que ainda faltam um pouco menos de uma hora para pegarmos o trem.

Não consigo ficar quieta, então me forço a ficar sentada num banco qualquer e apoio meuc cotovelos nas pernas, esperando que o tempo passe, mas parece que ele parou. Começo a imaginar que eles não vêm mais.

Pensando bem, eu era a única na equipe que se importava com a hora.

– Vamos nos atrasar para o programa do Caersar! - eu disse, vendo que Katniss e Peeta ainda não tinham sequer tinham terminado de comer.

– Calma Effie! - resmunga Haymitch, sentado do outro lado da mesa. - Ninguém se importa com isso mesmo – então soltou uma risada desagradável.

Bufei e fui marchando até o meu quarto. Não estava nem um pouco a fim de iniciar mais uma das minhas discussões com Haymitch. Aliás, eu odiava ter que discutir com ele, mesmo que nossas discussões sempre acabassem em beijos.

Ouvi duas batidas na porta. Sabia exatamente quem era.

– O que você quer, Haymitch? - perguntei, virada para o espelho, tentando retocar minha maquiagem.

– Calma princesa – ele disse enquanto fechava a porta. - Eu não vim brigar. Eu vim em paz – então levantou a mão direita aberta, fazendo cara de inocente.

Olhei para o seu reflexo no espelho e respirei fundo, voltando a retocar a maquiagem.

– Por que está tão nervosa? - perguntou, chegando mais perto. Pude vê-lo pousar seu copo na minha frente, deixando suas duas mãos de cada lado, prendendo-me.

– Não estou nervosa – respondo, voltando a levantar as mãos no mesmo nível do meu rosto, mas Haymitch me impede, segurando-as.

– Você está se maquiando... de novo – ele disse, baixando minhas mãos. - Você está nervosa – então ele fechou suas mãos nas minhas, abraçando-me por trás. - Não precisa se preocupar. Vai ficar tudo bem.

– Não, não vai – respondi. - Eles vão voltar para a Arena. Nada vai ficar bem.

– Ei, olha para mim – ele disse, virando-me de frente para ele. Pôs, então, as mãos no meu rosto. - Está tudo sob controle.

– Como pode ter certeza? – perguntei.

– Eu conheço a Arena muito melhor do que você e venci o Segundo Massacre – acrescentou, descendo suas mãos até a minha cintura e me puxando um pouco mais para perto. – Eu sei do que estou falando.

Sem esperar por mais nada, Haymitch grudou seus lábios nos meus e posso garantir que aquilo acalmou os meus nervos. É, ele sabia como me acalmar. Pousei minhas mãos nos seus ombros, mantendo-o o mais próximo possível.

– Agora é melhor voltarmos – disse entre os beijos. – Antes que nos atrasemos – deu uma piscadela. – Satisfeita?

– Bastante – respondi.

Me pego sorrindo enquanto ainda estou sentada no banco. Faltam trinta minutos para o embarque e nenhum sinal de...

– Effie? – ouço uma voz bastante conhecida. Meu coração erra uma batida e sinto meu estômago congelar. Isso responde de quem se trata.

Me viro para vê-lo. Haymitch está com um braço enfaixado, acompanhado por Katniss e Peeta, boquiabertos. Até que me toco que eles nunca me viram dessa forma.

– Quem é você e o que fez com Effie Trinket? – pergunta Peeta, sem esconder um grande sorriso nos lábios.

Abro os braços em resposta e recebo um abraço apertado de Peeta que, por alguns segundos, me deixa sem ar.

Katniss dá dois passos em direção a mim, desacreditando. Dessa vez sou eu quem toma a iniciativa e a abraça, sentindo-a retribuir de imediato.

– Agora é com você, Effie – ela sussurra no meu ouvido e eu entendo na mesma hora. Na verdade, entendo do meu jeito. Até onde me lembro, Katniss e Peeta não sabem de... bem, Haymitch e eu.

Assim que nos separamos do abraço, me viro para Haymitch e vou até ele, hesitante. Nos afastamos um pouco até ficarmos fora do campo de visão dos garotos.

– O que houve com seu braço? – pergunto, tentando tocar no braço enfaixado, tentando adivinhar se ele deixaria ou não. Decido arriscar e ele não reluta.

– Eu me desequilibrei e quebrei uma garrafa – responde, olhando também para o braço. – Alguns cacos fizeram um estrago no meu braço.

– Achei que iria dar um tempo na bebida – digo, agora olhando para ele.

– Não tenho mais motivos para não beber – retruca.

– Tínhamos um acordo.

– Que foi quebrado a partir do momento em que você me mandou ir embora – diz Haymitch, com a voz firme. Recuo um passo, desarmada. Ele está certo.

Respiro fundo e decido abrir o jogo.

– É sobre isso que eu quero falar com você: eu pensei muito sobre tudo o que aconteceu e...

– Effie, você não tem mais o que pensar – diz Haymitch, friamente. – Você já fez a sua escolha, e a sua escolha foi ficar aqui.

– Não! – respondo. – Eu disse que precisava pensar! E foi o que eu fiz!

– Ah é? – ele dá alguns passos em minha direção e eu não recuo. – E o que você decidiu?

Hesito antes de responder. Toda essa frieza na sua voz me deixou com raiva. Minha raiva é grande demais para decidir com que palavras eu responderia a esta pergunta, então a única coisa que me vem à cabeça é puxá-lo pelo colarinho da sua camisa e prensar meus lábios nos dele, não me importando com qual seria sua reação. Mas ele corresponde ao meu beijo e passa os seus braços ao meu redor enquanto nossas línguas brincam.

– Effie, por que tem uma mala...? – ouço a voz de Peeta começar a dizer, mas ele se interrompe. Eu e Haymitch nos afastamos a tempo de ver os rostos assustados de Katniss e Peeta olhando em nossa direção. Não consigo conter uma risada breve.

– O que está acontecendo aqui? – pergunta Katniss. Peeta nos lança um sorriso de triunfo. Começo a achar que ele desconfiava de alguma coisa – ou andou tendo conversas com Haymitch.

– Bom – começo, segurando a mão de Haymitch. Nos olhamos por alguns instantes e percebo que nem tudo está resolvido. - Eu explico para vocês depois. Ainda estamos, bem... acertando algumas coisas.

Faço sinal para que se afastem e Peeta consegue captar a informação. Logo, ambos voltam ao banquinho e somem de vista.

– Mala? - Haymitch pergunta, parecendo confuso. Assinto com a cabeça.

– Bom – começo, tentando encontrar as palavras certas. Fico olhando para os meus pés por um momento. - Achei que fosse a coisa certa a fazer... Mas... Como você está? Sem contar com o braço, claro – acrescento, parecendo um pouco desconcertada.

– É, eu estou indo – responde, sem manter o contato visual, o que me deixa um pouco aflita. - E você?

– Estou bem – respondo, parecendo nada convincente. - Eu estive pensando sobre... - ah, que droga! Como vou dizer isso a ele?– sobre tudo. Sobre você, sobre nós... - me interrompo novamente, passando a língua nos lábios. Percebo que agora ele está olhando para mim. - Então... Se você não...

Sou interrompida mais uma vez, porém dessa vez é por Haymitch me puxando para um beijo profundo e intenso. Ele me pega desprevenida, mas o abraço com todas as minhas forças, retribuindo o beijo na mesma intensidade.

É bom ter essa sensação novamente. Sentir seus lábios nos meus, suas mãos me segurando, nossas respirações no mesmo ritmo. Eu senti falta disso.