Secrets escrita por Yukii


Capítulo 7
Secret 7 - Apart and Together


Notas iniciais do capítulo

Novamente, este capítulo se passa entre os episódios 66 e 67 de YYH.



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Era mais um dia, apenas mais um deles. Mais um daqueles dias mornos e sem graça, apenas cheios de trabalho e solidão. Botan não gostava de nenhum dos dois. De alguma forma, ela gostava de ser uma ferry girl do Reikai, e ao mesmo tempo, não gostava. Levar gente morta não era o seu forte. E desde quando aquilo importava para ela? Sempre ela era quem abria as portas do Reikai para todas aquelas almas desconsoladas, voando em seu remo cheia de alegria. Mas agora, aquela vida se tornara insuficiente para ela. Tinha seus amigos e amigas antes, e sentia uma saudade horrível de cada um deles. Até mesmo de Hiei, por mais obscuro que ele parecesse a ela.

 

- Ahh! Puxa! - ela falou em voz alta enquanto voava por cima da cidade barulhenta e movimentada. Tão barulhenta e movimentada quanto ela mesma. - Quando será que Koenma-sama vai passar uma nova missão para Yusuke? Eu nem tive chance de me despedir de todo mundo direitinho quando voltamos do Torneio!

 

Por alguns instantes, Botan permaneceu olhando para o vazio do céu, como quem espera alguma resposta. Não veio nenhuma. Ela fez uma careta, massageando a têmpora nervosamente.

 

- Não aguento mais! Não aguento mais esse tédio! Eu odeio rotina! - gritou, inconformada. Mas nada lhe respondeu, mais uma vez. O remo girou no ar e acelerou sua velocidade, enquanto a ferry girl se preparava para começar seu trabalho de cada dia. Mais uma vez.

 

 

 

~

 

 

 

Dor. Ele gostava um pouco disso. Gostava da dor, quando era ele mesmo que a infligia, fosse em outros, ou no seu próprio corpo. A dor psicológica não era algo bom; mas a dor física, sim. A dor física fortalecia e enfraquecia, destruía e preservava, e era apenas sentida naquela estreita superfície que se podia chamar de corpo. Toda a dor física morria junto com o corpo, se este morresse. A dor psicológica, não. Ela ainda permaneceria muitos séculos, de pé, impregnada na alma morta, preenchendo-a da forma que quisesse. E ela era ridícula, porque só fracos cultivavam a dor psicológica. Hiei a odiava.

 

A dor física, no entanto, não era ruim. Era efêmera, intensa e poderia conduzir a morte de uma forma muito mais brutal que a dor psicológica. E deixava cicatrizes visíveis. Hiei pôde perceber isso enquanto observava seu braço direito, sem as bandagens. Estava dolorido, mas estava muito mais forte que o resto daquele corpo. E Hiei se orgulhava dele. A sua volta, um terreno vazio e morto, com velhas estruturas de prédios em construção abandonados. As periferias do Ningenkai eram tristes e vazias, por isso Hiei gostava delas. Mas não tanto quanto gostava de lugares altos; a única coisa que lhe privava do tédio - além de treinar - era subir em qualquer prédio enorme e inatingível e ficar ali, sozinho, sem ser visto por ninguém, mas vendo todos. E aquela velha periferia do Japão parecia ser perfeita: deserta, abandonada, pobre e cheia de prédios, mesmo que estes não tivessem acabados. Ali, ele podia treinar, certo de que estaria sozinho e ninguém lhe encheria a paciência.

 

- Ei, Aniki¹! O que você faz aí sozinho?

 

Hiei ouviu, mas não desviou os olhos do braço. Estava recostado numa velha pilha de material de construção abandonado, e seus cabelos negros e rebeldes ficaram um tanto desordenados com o vento. O chamado vinha de trás.

 

- Ei! Estou falando com você! - a mesma voz rude e grossa. "Um humano metido a idiota", imaginou Hiei sem se alterar. Não olhou para trás em nenhum momento, até sentir uma mão áspera pousar no seu ombro com certa rigidez.

 

- Aniki! Você está surdo? - o homem deu uma risada de escárnio. Fedia a álcool. Logo ele parou de rir. - Sabe, essa área é da minha gangue. Não quero nenhum fedelho aqui.

 

Hiei olhou. Virou o rosto levemente, ainda na mesma posição, escorado no monte de alvenaria e concreto, a mão do outro lhe apertando o ombro. O koorime não pôde evitar um olhar de descaso. Mais que homem idiota.

 

- Você escutou, não escutou?! - berrou o humano. Haviam mais sete atrás dele; Hiei contou sem mal usar os olhos. - Ou tá querendo briga?!

 

 

 

~

 

 

O remo levantou voo outra vez, carregando uma ferry girl de cabelos azuis, feliz e satisfeita. Ao longo do dia, Botan fizera pequenas pausas no trabalho para visitar os amigos e tentar matar toda aquela saudade e o tédio que a consumiam. Primeiramente, visitou a escola de Yusuke e Kuwabara, onde encontrou Keiko também - para sua extrema felicidade - e acabou descobrindo que Yusuke e Kuwabara continuavam a não dar a mínima para as aulas do colégio. Em seguida, foi até a escola de Kurama, que não ficava muito longe dali, e conversou alegremente com o youko por alguns poucos minutos, antes de voar até a casa de Shizuru, a irmã de Kuwabara, e visitá-la também. Já averiguava se valia a pena voar até o Norte, onde ficavam as geleiras e onde Yukina morava, quando se lembrou.

 

- Ah! É mesmo! - a guia espiritual piscou, assustada. - Onde será que anda o Hiei? Eu também queria poder encontrá-lo... devia ter perguntado para o Kurama-kun! - lembrou-se da cena vivenciada entre ela e o koorime no navio durante a volta do torneio, e ficou um pouco nervosa. Rapidamente, sacudiu a cabeça, espantando aqueles pensamentos enquanto voava no céu sem nuvens do meio-dia: - Ah! Que seja. Vou procurá-lo, mas se eu não encontrar, não vai fazer diferença para ele.

 

Botan disparou no céu, o remo cortando o ar.

 

 

 

~

 

 

 

Enquanto observava o homem caído no chão, Hiei sentiu um desprezo se remexer dentro dele por aquela mísera criatura. Se todos os humanos fossem como aquele, então eles mereciam ser vomitados em algum buraco negro, ou algo do tipo. Bastaram apenas 2 movimentos rápidos e certeiros com a mão esquerda para que Hiei derrubasse o homem no chão, após cortar a veia jugular que pulsava no pescoço do outro apenas com as pontas dos dedos.

 

Os sete homens que seguiam primeiros encaravam o koorime cheios de medo, os rostos deformados pelo susto sem se preocupar em esconder a aflição. Hiei soltou um pequeno "Hn" por entre os lábios secos, antes de se levantar do terreno arenoso e limpar as vestes desinteressadamente com as mãos.

 

- P-por favor! - pediu um dos homens que estava mais perto. Seus olhos quase saltavam das órbitas. - Não nos mate! N-nós... nosso chefe... v-você pode ficar com esse espaço todo para você! - mal havia gaguejado essas palavras, ele fugiu, junto com os outros.

 

- Até parece que eu iria querer sujar minhas mãos com sangue de escória como vocês. Hn. Um já basta. - Hiei murmurou com desprezo, enquanto observava os homens fugirem como camundongos.

 

Cinco minutos depois, estava tudo solitário e calmo novamente. Hiei odiava perder tempo com todos aqueles malditos que achavam que tinham alguma importância. Refletia calmamente sobre isso, quase se perdendo nos próprios pensamentos vazios e mórbidos, quando um som lhe despertou.

 

Era um estouro seco e alto; um barulho daquilo que chamavam de "armas de fogo", por uma razão que Hiei desconhecia, já que não parecia haver nenhum fogo nas tais armas. Olhou na direção de onde vinha o barulho e enxergou uma estranha pertubação no solo: a areia se levantava em nuvens de poeira, atirada pela força de passos grosseiros de gente que corria aos montes. Eram pouco mais de 20 homens. Na frente deles, correndo no mesmo ritmo e segurando armas, estavam alguns dos sete que haviam fugido há pouco tempo. Um sorriso irônico escapou dos lábios de Hiei.

 

- Não aprenderam. Estão pedindo para morrer. Essa gente me enoja. - o koorime se levantou, os olhos frios fitando os bandidos que corriam e berravam em sua direção.  Por que eram tão teimosos?

 

 

 

~

 

 

 

Já estava no fim da tarde; o sol se recortava por detrás dos prédios, num amarelo avermelhado infinito. E Botan já começava a perder as esperanças de achar Hiei. "Ah, que seja!", pensou ela, enquanto voava pelos arredores da cidade. "Ele não ia gostar mesmo. Eu acabaria incomodando ele". Botan soltou um suspiro mal-humorado, enquanto pensava no que fazer. Talvez já fosse a hora de voltar ao Reikai...

 

- O que é isso?! - Botan quase caiu do remo: à sua frente, um monte de almas subiam, em turbilhões, procurando algum auxílio. A ferry girl ponderava a hipótese de ter que alugar um verdadeiro ônibus para carregar toda aquela gente, quando olhou para baixo e viu algo que a assustou ainda mais.

 

- Kurama-kun! Hiei! - ela deu um gritinho ao divisar os dois amigos no solo arenoso, e, ignorando as almas à sua volta, vergou o remo para baixo e pousou.

 

-Botan-san! Você também sentiu? - quis saber Kurama. Estava do mesmo jeito que Botan o encontrara há algumas horas, naquele uniforme de colégio. Hiei estava um pouco atrás, aninhando o braço esquerdo no direito e olhando a cena com desinteresse.

 

- Senti o quê? - quis saber a guia.

 

- O reiki de Hiei. Eu estava voltando para casa, e senti o reiki dele se elevando muito, e vim saber o que estava acontecendo. Quando cheguei... - ele fez uma pequena pausa e olhou preocupado para Hiei, como se pedisse autorização para continuar a falar. Hiei agora olhava para baixo, emburrado. - Quando cheguei, ele tinha queimado todo mundo.

 

- Quêêê? - Botan piscava com um olhar confuso. Hiei murmurou "Baka Onna", lançando-lhe um olhar mal-humorado.

 

- Parece que uns bandidos tentaram atacá-lo. Ele disse que estava sem paciência e... queimou todo mundo - concluiu Kurama com simplicidade. Atrás dele, Hiei erguia o rosto, com um orgulho próprio.

 

- Ah... Bem... - Botan fazia força para não rir. Nunca pensou que ia ter vontade de rir de uma série de homicídios. Mas imaginar Hiei queimando um bando de gente furiosa e descontrolada era demais para ela. - Não foi uma grande perda para a a humanidade, afinal... eram só bandidos... mesmo assim... - ela não se aguentou e começou a rir histericamente.

 

- Qual é a graça que você vê, Baka Onna? - resmugou Hiei com os dentes cerrados e os olhos ferozes. - O seu cérebro pequeno não consegue entender como algo assim acontece?

 

- Eu não tenho cérebro pequeno! - protestou Botan, ainda rindo.

 

- Pare de rir! - disse o koorime com irritação. Kurama não sabia dizer se o rosado que surgira nas faces de Hiei era de raiva ou de vergonha.

 

- Mas...! - Botan não conseguia terminar suas frases. E logo começava a rir de novo.

 

- Vou fazer essa Onna desmiolada parar de rir - sussurrou o koorime com ferocidade, enquanto avançava para cima de Botan. Kurama o impediu, segurando-o pelas costas do manto que ele usava.

 

- Hiei, se acalme - pediu Kurama, que fazia força para se manter sério, apenas pela consideração que tinha para com o amigo. - Ela não está fazendo nada de mais.

 

- Ela está rindo de mim! - disse Hiei em tom histérico.

 

- Ela não está rindo de você, está rindo da situação - garantiu o youko.

 

- Mas não tem nada de engraçado em droga de situação nenhuma!

 

As almas dos bandidos mortos por Hiei começavam a rodear Botan, como se soubessem que ela poderia levá-los.

 

- Ah! - exclamou a ferry girl, materializando seu remo e limpando as lágrimas de riso. - É minha hora de trabalhar. Desculpem meninos, eu tenho que ir...

 

- Tudo bem, Botan-san. Até mais - respondeu Kurama com simplicidade. Por cima do ombro dele, Hiei lançava olhares assassinos para a guia espiritual.

 

- Até! - ela se virou para Hiei com uma cara manhosa: - Você não vai se despedir de mim, churrasqueiro? - e começou a rir outra vez.

 

- Hn. Saia daqui, Baka Onna. Não suporto mais ver a sua cara na minha frente.

 

Sem se abalar, Botan curvou-se na direção do koorime e disse:

 

- Não fique com raiva de mim, ne? - ela disse em tom de brincadeira, e deu um beijinho na bochecha do colega. - Até mais, gente!

 

Botan montou no remo e ganhou os céus - agora quase escuros - rapidamente, seguida pelas almas que deveria guiar. Kurama suspirou, com um leve sorriso no rosto.

 

- Bem, agora é a nossa vez de ir, Hiei.

 

Mas o koorime continuava pregado no mesmo lugar, o cenho franzido mirando o chão e os punhos cerrados.

 

- Hiei? - chamou Kurama, incerto.

 

- Você viu o que ela fez? - a voz de Hiei soou pausada e irritada.

 

- Bem, é verdade que a Botan-san riu, mas...

 

- Não isso. Aqui - resmungou o koorime em resposta, apontando uma das bochechas com um dedo em riste. Parecia que estava contando sobre um assassinato brutal.

 

- Aí? - foi a vez de Kurama franzir a testa. - Não tem nada aí, Hiei.

 

- Mas você não viu o que ela fez aqui? - insistiu Hiei, indignado.

 

- Não vi nada - o youko arregalou os olhos verdes, um pouco surpreso. - O que ela fez?

 

Hiei mordeu os lábios. Ele não fazia ideia que Botan fizera aquilo na maior das suas inocências, sem perceber o que aquilo poderia deixar ou não de significar. Enquanto voava no céu, Botan se lembrou do que acontecera, e sorriu satisfeita. "Acho que não tem problema. Todas as pessoas no Ningenkai se cumprimentam daquele jeito", pensou a guia. A única coisa que ela esquecia era que Hiei não era do Ningenkai, e ignorava totalmente os costumes daquele mundo.

 

O koorime decidiu guardar para si o que acontecera.

 

- Nada - respondeu.

 

- Nada? - Kurama franziu a testa. - Mas você estava insistindo que ela fez alguma coisa...

 

- Eu me confundi - mentiu Hiei. Apesar de Kurama ser seu melhor amigo, ele não admitia aquilo, e não sentia nenhuma vontade mais de contar. Não fazia mal guardar mais aquele segredo; já haviam tantos outros.

 

- Ah - o youko olhou para o céu com um ar pensativo, um sorriso leve no rosto. - A propósito, Hiei, seu rosto está um pouco corado. Será que é a luz do pôr-do-sol?

 

- Hn. Que piada mais sem graça, Kurama.

 

 

 

 

 

¹Aniki: vocativo japonês, utilizado entre homens, na maioria das vezes. "Aniki" significa algo como "irmão", mas não vem a ser um tratamento carinhoso; é como chamar alguém de "cara" ou algo do tipo.


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Notas finais do capítulo

N.A.: Esse capítulo foi um dos mais chatos de escrever, porque ele é apenas um capítulo de transição e acabou ficando muito enrolado. De qualquer forma, espero que gostem, eu garanto que o próximo será melhor! xD