Secrets escrita por Yukii


Capítulo 10
Secret 10 - Innocence


Notas iniciais do capítulo

~ Este capítulo se passa durante o episódio 94 de YYH, após a derrota de Sensui e o retorno de Yusuke, Kuwabara, Kurama, Hiei e Koenma para o Ningenkai.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/46003/chapter/10

O vento do fim de tarde trazia uma calmaria agradável, como se anunciasse dias melhores. De fato, as coisas estavam melhorando. O grupo de amigos caminhava satisfeito em meio à floresta, num ritmo calmo de caminhada. Enquanto pisava a grama verde-amarelada, Botan sentia uma felicidade intensa e saltitante fluir dentro dela. Estava tudo calmo, mais uma vez. Era maravilhoso andar por ali, acompanhada pelas pessoas a quem ela mais queria bem no mundo, com a certeza que o mundo não acabaria tão cedo assim. Aquilo orgulhava a ferry girl: seus amigos haviam derrotado um homem perigosíssimo, e o buraco aberto por ele provavelmente já deveria estar fechado, ou se fecharia dali a algumas horas. Os cabelos azulados agitaram-se enquanto a garota inspirou com calma o ar primaveril de fim de dia, o canto dos pássaros ressonando em sua mente.

 

Com um rápido olhar ao redor do grupo, Botan viu Yusuke, caminhando ao lado de Keiko, que parecia bastante preocupada com ele. Os cabelos incrivelmente longos e cheios e as marcas por todo o corpo davam ao garoto uma aparência engraçada e diferente, mas, de alguma forma, era ele, e isso bastava para aliviar Botan. Na sua diagonal esquerda, Genkai andava junto com os garotos vindos de Mushiyori, orientando o grupo para seguir para seu templo, que era a residência mais próxima dali, onde poderiam tratar dos ferimentos e descansar por algum tempo, antes de retornarem para suas vidas normais. Kurama ia um pouco atrás da mestra, acompanhado por Kuwabara. Por um momento, Botan quis se perguntar onde estava Hiei, e sentiu um horror ao pensar que talvez algo tivesse acontecido a ele, e ninguém tivesse reparado. Estava prestes a verbalizar suas preocupações, quando lançou um segundo olhar para Kurama e Kuwabara, e percebeu um par de braços caídos frouxamente nos ombros de Kuwabara; esticando um pouco o pescoço, reconheceu os cabelos eriçados e negros de Hiei. O que diabos havia acontecido? Por que ele estava ali, caído daquele jeito?

 

- Aconteceu alguma coisa, Botan-san? - questionou a voz calma de Kurama.

 

- Huh? - Botan piscou, assustada. Sem perceber, estivera caminhando com a cabeça virada na sua diagonal traseira, mirando o que se podia ver de Hiei por cima do ombro de Kuwabara, o que deu um ar engraçado à ferry girl. Ela sorriu, sem graça, tentando arranjar alguma desculpa convincente:

 

- Não...! Eu... estava vendo se todo mundo estava aqui - não chegava a ser uma mentira.

 

- Ah, não precisa se preocupar quanto a isso - garantiu o youko. - Estamos todos aqui, e bem. Hiei está meio debilitado, mas logo ficará bem.

 

Meio debilitado. As palavras ecoaram tristemente na mente de Botan. Ela voltou a olhar para frente, os orbes fixos na cabeleira castanha de Yusuke, apenas para se distrair. Lembrou-se de quando o koorime usou aquelas chamas pretas e engraçadas durante o Torneio das Trevas, e o jeito como ele dormira depois. Bem, devia ser a mesma coisa. Seu coração se apertou ao lembrar do momento em que haviam se encarado, antes que o koorime entrasse na caverna Irima. As bochechas dela esquentaram, e a ferry girl encarou furiosamente o chão abaixo dos seus pés, tentando desanuviar os pensamentos. De fato, as coisas não eram mais como antes. Sentia que, no próximo instante que encarasse Hiei, seu estômago despencaria e ela nunca mais conseguiria proferir uma única palavra. Eram simples olhares, mas tão fortes e tão cheios de palavras, que os pensamentos um do outro ficaram parecendo água na luz; eram simples e sinceros, muito claros. E a afeição ondeava e dançava dentro dela, uma afeição muito grande e sem fim, que emergira das sombras, por aquele youkai de fogo. Aquilo a fazia sentir-se culpada e irritada: desde quando seus sentimentos tinham o direito de atravessar o limite da amizade? Ou melhor, que amizade? Ela e Hiei mal trocavam algumas palavras - sendo 90% destas proferidas por Botan. A relação deles existia apenas pelos segredos nunca antes verbalizados que compartilhavam, e dos quais ela mal se lembrava, por medo ou simples vergonha. Nunca se sentira no direito de gostar muito de ninguém. Aquilo parecia tão errado... e Hiei era tão frio. Ele jamais entenderia aquilo dentro dela, tinha certeza.

 

PAF! O ruído seco interrompeu o murmúrio das conversas, quando Botan acabou batendo com tudo em uma viga de madeira que sustentava uma das extremidades do telhado do templo de Genkai. Zonza, a guia espiritual olhou em volta, surpresa que seus pés a tivessem levado ali sem ela notar, sentindo os olhares assustados de seus amigos em suas costas.

 

- Está tudo bem, Botan-san? - quis saber Keiko, preocupada.

 

- S-sim! - respondeu a ferry girl, massageando a testa com uma careta encorajadora para os amigos.

 

Todos entraram no templo de Genkai, conversando e rindo, satisfeitos. Hiei ainda dormia, largado nas costas de Kuwabara. Genkai orientou Botan, Yusuke, Kuwabara - com Hiei nas costas - e Keiko, que fez questão de acompanhar Yusuke, a uma sala no canto do pátio principal. Ali, Keiko ficou cuidando de Yusuke junto com a anciã. Num outro canto da sala, Kuwabara colocou Hiei no chão sem muito cuidado - ganhando uma repreensão da irmã - e saiu ansioso para ver Yukina, que estava no templo. Botan permanecia em pé em um canto, sem saber o que fazer; seus olhos nervosos corriam do koorime para Yusuke.

 

- Eu estou bem, Baa-san¹! - insistia o garoto, tentando se livrar dos cuidados de Keiko e da mestra. - Não aconteceu nada! Eu estou bem!

 

- Fique quieto para ela cuidar de você, Yusuke! - repreendeu Keiko.

 

- Mas eu não preciso de cuidado nenhum!

 

- Precisa sim!

 

- Que nada! Estou bem! Me deixem sair daqui!

 

Houve tanta confusão e discussão entre o Detetive Espiritual e as duas que elas resolveram tirá-lo dali e levarem-o para um quarto com cama, para poderem tratar melhor dos seus ferimentos, mesmo contra a vontade dele. Botan acabou ficando sozinha no quarto de madeira escovada, com um Hiei adormecido largado contra a parede.

 

Os orbes rosados circundaram todo o quarto, como se ela esperasse encontrar alguma sombra espionando-a, ou qualquer coisa assim. Não havia ninguém. As paredes de madeira estavam nuas, e as tábuas do chão sustentavam apenas a ela e ao youkai do fogo. Em passos hesitantes, ela se aproximou. Não sabia ao certo o que queria fazer. Talvez apenas... tocá-lo. Ter a certeza que estava ali. Por mais que aquilo a deixasse envergonhada e pertubada, ela gostava. Não era apenas um enfeite na história da vida de Yusuke. Ela tinha sua própria vida, seus próprios sentimentos, seus próprios segredos. E não poderia mais mascará-los. Hiei gostava de mascarar o que sentia, mas ela não sabia muito bem como fazer isso; era sensível demais para isso. Ajoelhando-se ao lado do corpo caído dele, Botan olhou ao redor, nervosa, esperando topar com alguém lhe vigiando a qualquer momento. Os sons de conversa entre Yusuke, Genkai e Keiko ressoavam muito longe; deviam estar do outro lado da casa. Botan voltou os olhos para o koorime jogado ali, precariamente apoiado na parede. "Deve estar desconfortável", pensou a ferry girl, mordendo o lábio inferior. "Acho que vou botá-lo em alguma posição melhor. Não importa o quanto mal ele seja, ou qualquer coisa assim, não posso deixá-lo todo torto num canto".

 

Pretextos. A palavra soou forte dentro de Botan. Era isso, estava arranjando pretextos para tocá-lo, para senti-lo. Ignorou e esqueceu aqueles pensamentos; estava fazendo aquilo apenas pelo bem-estar de um aliado seu e de Yusuke. Apenas por isso. Não chegou a se dar conta que, mais uma vez, estava mascarando o que sentia por detrás de Yusuke; ela puxou Hiei delicadamente pelos ombros e deitou a cabeça dele no seu colo, corando furiosamente. "Por que estou fazendo isso? Ah, bem, eu faria isso com Yusuke ou Kuwabara, até com o Kurama, se estivessem nessa situação", refletiu Botan. Os pensamentos pinicavam sua cabeça com uma intensidade horrível. "Mas por que é tão constrangedor fazer isso com o Hiei...? Deve ser porque não tenho muita intimidade com ele".

 

Ou por causa de todas aquelas coisas que estavam escritas nos olhos dele. A ideia não pôde deixar de lhe ocorrer, feroz e tentadora. Bem, de qualquer forma, estavam quites; havia muita coisa escrita no olhar dela também. A guia espiritual sacudiu a cabeça, tentando espalhar aqueles pensamentos tão incomuns. Voltou os olhos para Hiei, que ainda dormia profundamente, a cabeça apoiada no colo dela. Nunca parara muito tempo para analisar a aparência dele, e agora o tinha inteiro para si. O rosto dele tinha um desenho suave e agradável, ornado pelos olhos tão majestosos - agora escondidos pelas pálpebras cerradas - e pelo nariz pequeno, acompanhado da boca. Ela ergueu um dedo curioso para tocar aquela boca fina e clara; estava seca. O que era óbvio, já que ele estava adormecido. Mas ainda estava quente. Botan afastou a mão depressa, reeprendendo sua curiosidade ilimitada. Ele estava tão pálido e quieto que pareceria morto, se olhado de longe. Mas ela conseguia sentir a respiração muito leve e compassada em suas pernas, e isso a tranquilizava. Mesmo com os olhos fechados, ele conseguia exercer um certo hipnotismo sobre ela. Não sabia se era certo ou errado admitir aquilo, mas ele era bonito. Por nenhum instante, os olhos dela desviaram da face calma do koorime; tinha medo de nunca mais vê-lo, naquele momento tão inocente, onde as sobrancelhas não se contraíam em linhas irritadas, e os olhos não lhe lançavam chamas de desprezo. "Ou chamas de qualquer outra coisa", brincou consigo mesma, tentando ignorar os diversos sentidos que aquela frase tinha.

 

- Ah, ele está aqui!

 

Se essa frase tivesse sido gritada a todo o volume, provavelmente a alma de Botan teria se descolado de seu corpo e ido se desmanchar em algum lugar do infinito, agonizante em desespero. Mas a frase tinha sido pronunciada num tom leve e normal, por um jovem de longos cabelos ruivos e olhos verdes que estava entrando no quarto naquele exato instante.

 

- K-K-Kurama-kun! - ela gaguejou. Seu impulso foi saltar dali e fugir, para se livrar de qualquer culpa. Acabou optando por não fazê-lo, o que foi uma bênção, pois se não a cabeça de Hiei teria caído com tudo no chão.

 

- Eu estava procurando por ele, já que o Kuwabara-kun disse que tinha o largado em um canto qualquer - explicou Kurama, sorrindo para a garota. - Ainda bem que você está aqui com ele! Não tem mais muitas camas disponíveis, e ele está precisando de uma boa soneca.

 

- E-eu só botei no colo porque f-fiquei com pena, entende! O chão é muito duro e desconfortável, e ele estava todo torto, e devia estar sentindo dor, poderia estar tendo um pesadelo, e...

 

- Eu entendo, tudo bem, você não precisa se explicar tanto - apressou-se em dizer o youko, sorrindo um pouco assustado para ela. Ela abriu um sorrisinho sem graça, sentindo que seu rosto corava. "Um dia eu vou fazer você me ensinar a mentir decentemente, Hiei", ela pensou com seus botões. - De qualquer forma, não se sinta obrigada a ficar aí, ele pode demorar horas para acordar.

 

- Tudo bem, eu devo sair daqui a pouco para ajudar as meninas na cozinha, já que pelo visto vamos passar a noite aqui...

 

- É. Estou indo ver Yusuke e Kuwabara-kun, qualquer coisa nos chame. - Botan assentiu com um sorriso, e o youko saiu do quarto.

 

"Ah! Eu nem soube o que falar!", lamentou-se silenciosamente a ferry girl. Baixou os olhos para Hiei. Queria poder por alguma culpa nele, mas naquela ocasião, ele era completamente inocente. Não sabia ao certo porque gostava de jogar a culpa nele. Talvez gostasse da reação irritada que ele sempre demonstrava. No momento, porém, ele não tinha condição de demonstrar reação alguma.

 

Botan fixou os olhos por alguns instantes nos cabelos negros e lisos de Hiei. Eles tinham uma curva macia e pareciam ser bem leves. Ela não sabia, nunca tinha tocado neles. Era a sua chance! Decidiu experimentar, sem se importar se aquilo fosse errado ou não. Kurama já havia flagrado-a em um momento tão estranho, não poderia acontecer nada pior, poderia?

 

Os dedos finos dela mergulharam nos fios um pouco compridos e espetados. Sentia uma certa vergonha, mas não voltava atrás em suas atitudes. Os fios negros eram realmente macios como aparentavam; haviam muitos deles, e as mãos da ferry girl quase desapareciam no meio daqueles cabelos. Eram leves e agradáveis ao toque: Botan os acariciou com leveza, sentindo uma felicidade estranha. Aquele segredo deveria ser só dela. Botan recostou-se na parede, fechando os olhos e deixando as mãos repousarem nos cabelos do koorime. Estava cansada; a noite em claro que passara vigiando a entrada da caverna Irima não lhe fora favorável, e o cansaço se abatia sobre ela. Aquele momento raro e único lhe proporcionava uma certa paz, uma calmaria suave. Ela desejou poder dormir tão profundamente quanto dormia Hiei. Talvez eles se encontrassem nos sonhos... que coisa errada de se pensar.

 

- Eu vou acabar dormindo de novo se você continuar fazendo essa coisa em mim, Onna.

 

Sim, podia acontecer coisa pior do que Kurama lhe flagrar com Hiei adormecido no seu colo. A ferry girl mal acreditou no que ele dizia, ao ouvir a voz sonolenta vinda alguns centímetros abaixo dela. Puxando as mãos como se tivesse se queimado, ela abaixou a cabeça para olhá-lo com um ar levemente desesperado. Com a cabeça ainda no colo dela, ele lhe lançava um olhar desafiador e calmo.

 

- H-Hiei! - o nome custou a sair da sua boca. Seu rosto parecia uma chaleira de água fervendo. Os olhos do koorime desviaram-se para o lado esquerdo, fugindo dos olhos dela. Não queria se perder naquela imensidão rosada daqueles orbes novamente. Ele se levantou, esfregando o olho esquerdo.

 

- Me desculpe! - pediu ela em tom urgente. Hiei quis olhá-la, mas não quis, ao mesmo tempo. Era tão constrangedor. Odiava aquela vergonha fazendo cócegas dentro dele. - Eu estava... seu cabelo estava todo sujo! Acho que foi por causa da luta.

 

- Hn.

 

"Ótimo, eu não consigo mais parar de mentir", pensou a ferry girl. O silêncio pairou pesado ali, enquanto Botan torcia as mãos no colo e Hiei buscava olhar para qualquer coisa.

 

Não estava dando certo aquilo, Botan tinha certeza. Ela levantou-se maquinalmente para sair e fazer qualquer outra coisa que fosse, nem que tivesse que ir cortar repolhos. A voz de Hiei prendeu-a ali:

 

- Onde estão os outros?

 

Botan se virou quase num giro. Os olhos dele encaravam-na abertamente. Afinal de contas, Hiei adorava desafios. As pupilas vermelhas pareciam querer encorajá-la para qualquer coisa, ela pôde perceber disso. Demorou um ou dois minutos para responder a pergunta dele; o intervalo foi ocupado com olhares, e nenhum dos dois se incomodou com a demora.

 

- Ah... Genkai-san e Keiko-chan foram cuidar do Yusuke, eu acho... e... bom, eu não sei...

 

A resposta murcha e cheia de pausas não desviou o olhar de Hiei, ainda preso nos dois olhos da guia. E, de repente, ela sentia todas aquelas palavras surdas quererem voltar para sua boca. De repente, ela quis repetir tudo aquilo que nunca chegara a dizer, na entrada da caverna Irima, quando se olharam a fundo pela primeira vez. De repente, contentar-se com sentimentos mascarados e apenas a presença dele lhe pareceu muito pouco.

 

As sobrancelhas de Hiei se estreitaram em um pequeno vinco. Ela viu os olhos rubros se esconderem por detrás das pálpebras, enquanto ele soltava o ar suavemente pela boca. Ele ia dizer algo; ela nunca quis tanto escutar algo em sua vida.

 

- Onna.

 

Ele chamou, em voz baixa e leve. Ela escutava, imóvel. Era impressão sua, ou o rosto dele estava com um tom rosado muito leve?

 

O koorime ficou longos momentos apenas fitando-a, em silêncio. Ela percebeu que ele procurava palavras, e talvez alguma coragem nos olhos dela. Isso foi o que fez com que ela mantivesse os olhos fixos na face do youkai de fogo.

 

- Ah, você já acordou, anão?

 

A voz veio por detrás de Botan. A guia espiritual observou a face do koorime se metamorfosear de uma concentração séria para uma irritação imaterial e densa. A ferry girl não sabia o que sentir. Decididamente, aquele dia não estava sendo a seu favor. Com um movimento ondulado dos cabelos azuis, a ferry girl se virou para trás, deparando-se com Kuwabara - o autor da fala -, Yukina e Kurama, todos parados na entrada do quarto.

 

- Como está o Yusuke? - quis saber Botan. Por alguma razão, sentia Hiei soltando fagulhas atrás dela; podia ser só impressão.

 

- Está bem, aquele ali não morre tão cedo, entende - respondeu Kuwabara com um ar despreocupado.

 

- É uma sorte que todos estejam bem. Pensei que alguma coisa tivesse acontecido ao Hiei-san e ao Yusuke-san - comentou Yukina, com sua habitual gentileza. Kurama tossiu baixinho.

 

- Ha! Yukina-chan, não se deixe iludir por eles. Aquele cabeludo do Urameshi não presta, mesmo com cabelos arrastando no chão como ele está, continua o mesmo valentão de sempre. E esse baixinho é uma praga, não morre nem com exorcismo.

 

- Continue assim e eu vou lhe matar, idiota. - sibilou Hiei calmamente.

 

- Ha! Não estou dizendo? Já está me ameaçando! - acusou o melhor amigo de Yusuke, enquanto Yukina ria docilmente.

 

- Eu vou na cozinha preparar alguma coisa para o jantar! - disse Botan, retirando-se rapidamente do quarto. Agora que tudo passara, a situação parecia tão constrangedora.

 

- Botan-san, eu quero ajudar! - Yukina foi atrás dela.

 

Hiei olhava por cima do ombro de Kuwabara, onde os cabelos azuis desapareceram na dobra do corredor. Decididamente, o koorime sentia algo desconfortável dentro de si. E devia ser culpa daquela Onna. O que ele tentava tanto dizer? Não sabia.

 

----------------------------------------------------------------------------------------------

 

A noite penetrava pelas frestas da madeira, pela janela aberta e por todas as aberturas possíveis. O templo de Genkai se unificava sob o silêncio, interrompido ocasionalmente por alguma agitação na floresta ao redor. Em um quarto simples, a garota de cabelos azuis mirava o teto, sem conseguir dormir. Os cabelos de Botan estavam soltos, e os tons pareciam brilhar no escuro. Ainda vestia a mesma roupa; não havia nada pela qual trocar, afinal de contas. O corpo vestido dela se escondia por debaixo de um lençol pousado por cima de uma cama de pano em estilo tradicional oriental. A ferry girl não conseguia dormir, encarando o teto enquanto se revirava à procura de uma boa posição. Estava há tanto tempo acordada que sentia sede, uma sede chata e incômoda, que pedia para ser sanada. E além de tudo, aquele quarto não lhe deixava dormir em paz. Mais cedo, naquele mesmo aposento, um certo koorime havia estado dormindo, e havia trocado olhares com ela também. O cheiro dele estava ali. E nunca um cheiro pareceu tão viciante para Botan. Ela se levantou quase de um salto, mordendo os lábios compulsivamente, cheia de sede. Depois de amarrar os cabelos azuis de qualquer jeito atrás de cabeça, a guia espiritual se levantou na ponta dos pés, tentando ser o mais silenciosa possível. As dobradiças da porta soltaram um pequeno gemido ao serem giradas pela porta, mas o barulho pareceu não afetar ninguém. O corredor tinha um ar de vazio, o que agradou Botan, que achava que provavelmente enlouqueceria se continuasse sentindo o cheiro leve daquele youkai de fogo em seu quarto.

 

Na cozinha escura, a ferry girl apanhou um copo de plástico - os de vidro poderiam ser quebrados pelos seus dedos incautos no meio do escuro - e se dirigiu ao pequeno filtro de água. Os restos do jantar ainda estavam em cima da bancada de pedra lisa, e a louça suja se empilhava na pia. Ela suspirou baixinho, depois de pousar o copo na pia e sair dali, atravessando os corredores compridos e escuros de volta a seu quarto.

 

O cheiro dele, novamente. Ela não sabia descrever aquele cheiro; já o sentira algumas outras vezes, mesclado ao cheiro de todo mundo, ao cheiro de todos os seus amigos. O cheiro dele sozinho, porém, mostrava-se bastante perigoso. Botan resolveu escancarar a janela, sem se importar que estivessem no meio da noite. Pela abertura, o vento gelado entrou no quarto, despenteando os longos cabelos azuis, presos frouxamente.

 

Ela não ouviu o murmúrio das folhas de uma grande árvore cheia de galhos retorcidos à sua frente. Não reparou no que a copa verde escurecida pelo céu abrigava. Hiei estava ali, apenas por distração. Não imaginava que o quarto em que ele dormira há algumas horas era o mesmo ocupado por Botan agora, e a visão da Onna de cabelos azuis abrindo a janela e respirando com certa angústia aquele ar novo lhe prendeu totalmente a atenção. Odiava admitir, mas ela não era apenas bonita. Ela era linda. E qual era o problema admitir isso? Ela era linda mesmo, oras. Mas, para Hiei, e tratando-se de Botan, admitir qualquer coisa era cem vezes mais difícil.

 

"Estamos respirando o mesmo ar, Onna", pensou ele, observando a cabeça meiga da garota se curvar de sono. "Que coisa mais idiota".

 

Observou os dedos finos dela apertarem o parapeito da janela. Maldito fosse aquele pedaço de madeira, aquele parapeito. Os dedos dela haviam sido só dele, algumas horas mais cedo, quando ela gastara seus momentos brincando com os cabelos dele. Hiei mentia para si mesmo, dizendo que não gostara daquilo. Mas não era mentira o fato de ele não entender o gesto. Ao lembrar daquilo, ele corava. E dizia a si mesmo que estava corando de raiva.

 

E Botan ia se esconder de novo atrás daquela janela fechada. Os olhos dele seguiram as mãos dela, fechando a janela; desejou que ela não fosse. Que aquela baka Onna continuasse ali, com os seus pensamentos idiotas e chamativos. Tão idiotas e chamativos quanto ela. Hiei sentiu uma pulsação desconfortável no coração.

 

"Você vai dizer o que tiver de dizer, ou eu terei de fazer isso, Onna?"


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

¹Baa-san = vovó.

Capítulo sem ação[?] e muito estranho XD me desculpem por isso, estou ansiosa para chegar no 11 e acabei fazendo esse capítulo apenas como uma transição. Fiquei em dúvida entre colocar logo o que aconteceria no 11 nesse capítulo aqui, mas ficaria muito corrido, então resolvi dar uma esticada, me desculpem de novo XD apesar disso, eu queria usar a cena do Hiei dormindo depois da luta contra o Sensui, porque eu adoro as cenas dele dormindo() e tenho poucas chances de usá-las. Espero que tenham gostado! O 11 virá em breve, no mesmo intervalo de dias que costumo lançar os outros, e será bem mais interessante, porque as coisas em si vão começar a acontecer! XD Ah, queria convidar também quem quiser a ler minha fanfic de Natal HieixBotan, se chama "It Is Snowing" e está lá no meu perfil, é tosquinha, mas tentem ler! XD Obrigada pelo carinho das reviews, me incentivam muito e são a única coisa (além de gostar muito de HB) que me fazem querer levar essa fic em frente. Obrigada mesmo! Até a próxima!