– Mamãe, esse ficou lindo em você! – Mariah exclamou enquanto batia palminhas em aprovação.

Era domingo e eu precisava ficar o mais longe possível de Matt. A culpa e a repulsa me embrulhavam o estômago pelo simples ato de vê-lo. Para manter a distância entre eu e meu marido, chamei Mariah para um dia de garotas: ida ao salão de beleza pela manhã, almoço no seu restaurante preferido e por fim compras a tarde. Minha filha, como esperado, adorou a ideia e ainda deu uma ajudinha extra na hora de convencer o pai a não nos acompanhar. Apesar da companhia de Mariah, eu usaria esse dia de folga para pensar no que faria da minha vida.

– Obrigada, meu anjo. Vou provar a próxima roupa. – estávamos apenas na terceira loja, porém as sacolas já pesavam.

– Está bem.

Na noite anterior eu havia me feito uma promessa. Promessa essa que eu pretendia cumprir, todavia eu não me sentia preparada para encarar um divórcio, isso afetaria minha pequena. E acima do meu bem, eu pensava no bem de Mariah. Porém eu não podia conter o desejo que supria por Damon. Seus toques se faziam necessários, e a sua falta já me doía o peito. Cada minuto sem vê-lo, sem ter ao menos notícias suas já me cortava o coração.

– Esse não, mamãe. O outro ficou muito melhor.

– Esse era o último, espera eu me trocar que a gente já paga e vai pra próxima loja.

– A gente pode ir numa pra mulheres do meu tamanho? – perguntou jocosa.

– Claro, minha pequena mulherzinha. – beijei sua testa e voltei ao provador para por minha roupa original.

Seguimos para o caixa onde paguei apenas por uma calça social branca e por uma camisa de tecido fininho que combinava. Estava renovando meu guarda roupa profissional, afinal a partir de amanhã começa uma nova fase na minha carreira.

Seguimos para a loja infantil onde Mariah se encantou por três vestidos. Pagamos por eles e por uma sapatilha que já estava sendo necessária há tempos.

Por causa do peso decidimos fazer uma parada no carro para guardar as sacolas antes de seguirmos em diante com nosso passeio. Pedi para Mariah esperar quieta, enquanto eu guardava as diversas compras no interior do veículo.

– Olha mamãe – minha filha me chamou a atenção -, é o tio.

Tirei a cabeça de dentro do carro e olhei na direção em que Mariah havia apontado para descobrir de quem ela falava. Era Damon. Meu coração pareceu saltar do peito no instante que pus meus olhos nele e, num reflexo, pus a mão acima do seio esquerdo, onde se encontra o coração.

Mariah correu até Damon, que caminhava na direção oposta de nosso carro. Instantaneamente fechei a porta do carro, ativei o alarme e corri atrás dela. Apesar do susto inicial de ver meu ex-amante, minha filha era prioridade. Alcancei ambos, apenas alguns segundos após Mariah alcançar Damon.

– Mariah Gilbert Donovan, você está louca em sair correndo assim no meio do estacionamento? E se viesse um carro?! – perguntei atônita, porém severa.

– Desculpa, mamãe. Eu só queria dar oi pro tio... – Mariah olhou para os pés arrependida.

– Está desculpada, mas nunca mais faça isso. – passei a mão em seus cabelos – Desculpe por isso... – sussurrei para Damon, olhando para ele pela primeira vez.

– Não tem problema, crianças são assim. – sorriu sincero.

– Ahm... – tentei pensar numa maneira de continuar perto dele mais alguns minutos – Nós íamos agora tomar um sorvete, gostaria de nos acompanhar por favor?

Damon não parecia saber se aceitava, movi os lábios “por favor”.

– Ok. – suspirou parecendo estar lutando com algo dentro de si, provavelmente o instinto que dizia para se afastar.

Mariah se encarregou de não deixar brechas para o silêncio constrangedor durante todo o percurso. Tagarelou sobre como amava sorvete e sobre suas roupas novas. Damon pareceu genuinamente interessado, fazendo perguntas a ela, por mais bobas e desnecessárias que fossem.

– E a mamãe comprou várias roupas bonitas também, é pra usar lá no trabalho de vocês já que agora ela é uma advogada. - Damon pareceu confuso.

– Eu não estava sabendo disso, Mariah.

– É verdade. Ela vai ser a advogada mais bonita da empresa.

Senti minhas bochechas queimarem e agradeci por chegarmos ao destino final. Mariah correu até a vitrine de sorvetes para escolher o seu, apesar de já saber qual seria. Quando decidiu, pelo de sempre, e eu paguei por ele.

– Filha, você pode se sentar aqui quietinha enquanto come o seu sorvete? Preciso conversar umas coisas de trabalho com o tio, pode ser?

Minha pequena assentiu com a cabeça já que sua boca estava cheia e me dirigi até Damon.

– Preciso falar com você. – anunciei.

– Não precisa falar nada Elena. Tudo ficou explicado ontem.

All the leaves on the giving tree have fallen (Todas as folhas da árvore doadora caíram)

No shade to crawl in underneath (Não tem sombra para nos ajeitarmos embaixo)

– Não, Damon, nada ficou explicado. – eu tentava manter o volume da conversa baixo.

– Elena – o modo como ele se esforçava para usar o meu nome, ao invés do apelido, me entristecia – eu já disse que entendi. Nada passou de noites de diversão escapando da rotina do casamento.

I've got scars from a pocket knife (Tenho cicatrizes do canivete)

Where you carved your heart into me (Onde você entalhou seu coração em mim)

– Não! – exclamei alto, algumas pessoas ao redor se viraram em nossa direção, tentei me controlar – Não foi nada disso, Damon. Eu gosto de você, foi tudo muito real entre nós. E eu sinto muito por não ter esclarecido tudo antes.

– Sente muito? – ele respirou fundo e eu senti lágrimas se formando em meus olhos – Sente muito pelo que exatamente? Por ter mentido? Me usado? Ou por ter mentido para o seu marido? Por ter traído ele? Ou sente muito por sua filha? Por ser fruto de um casamento que claramente não está mais vingando? – Damon despejava suas palavras em mim – Pelo o que, exatamente você sente muito?

If all you wanted was love (Se tudo que você queria era amor)

Why would you use me up (Por que me usou?)

Cut me down, build a boat, and sail away (Me serrou, construiu um barco e foi navegar)

– Damon…

– Não, Elena, agora você vai me ouvir. Eu tinha planos para nós! Me chame de adiantado, iludido, qualquer coisa dessas, mas é a verdade. Eu queria namorar com você, dai casar com você, quem sabe poderíamos ter filhos? - riu irônico - Não sei! Ficaríamos juntos pela eternidade, aguentaríamos manias e trejeitos um do outro que não suportaríamos e sabe por que? Por que nosso amor seria maior que qualquer coisa! Mas eu descobri que tem uma coisa que nosso amor não pode superar: você já tendo essa vida com outro homem!

When all I wanted to be was your giving tree (Quando tudo o que eu queria era ser sua árvore doadora)

Settle down, build a home, and make you happy (Sossegar, construir um lar e te fazer feliz)

– Damon... – tentei novamente chamá-lo. Eu queria lhe explicar, ou melhor tentar. Mas ele continuava falando e tudo que eu conseguia fazer era escutar perplexa.

– Eu me martirizei tanto ontem imaginando que o errado era eu! Mas não, a errada é você. Você decidiu seguir com essa coisa de vida dupla, você mentiu, enganou e continuou como se fosse a coisa mais normal, mas não é normal ou certo! Você faz o que quiser da sua vida, trai seu marido se quiser, mas não comigo! Eu tô fora dessa! Quer estragar sua vida? Estrague, mas não afunde junto as pessoas que se importam com você. – fez uma pausa e continuou – Você é tóxica, Elena. E eu tenho o direito de permanecer longe. Tente salvar seu casamento, tente educar sua filha e cria-la num lar estruturado. Não tente arruinar a única coisa boa que restou após nosso desastroso... caso. – mediu as palavras.

– Eu não vou desistir de você, Damon. – sussurrei em meio as lágrimas.

– Você não tem outra escolha. Até amanhã, Elena.

Damon saiu com passos firmes e eu observei meu reflexo na vitrine da loja a minha frente. Apesar de acabada emocionalmente, meu exterior não aparentava o que meu coração sentia. Agradeci por isso, afinal não teria que responder questões de Mariah.

Voltei de encontro a minha filha que ainda tomava seu sorvete.

– Filha, o tio Damon me contou que preciso fazer algo antes de ir ao trabalho amanhã. Você ficaria muito triste se a gente continuasse as compras outro dia?

– Não tem problema mamãe. Já comprei a roupa pra usar no aniversário da Duda, que era o importante.

– E o presente, isso sim era o importante, filha. – ri – Vamos!

Mariah me fez esquecer do confronto com Damon no caminho para casa, mas no instante que adentrei meu prédio as lembranças voltaram a tona, seria impossível não lembrar de Damon ao entrar no prédio dele.

– Olha quem chegou, minhas duas princesas! – Matt exclamou ao nos ver entrando no apartamento. Sorri em retorno e Mariah correu para os braços do pai.

– Matt... – chamei sua atenção e ele olhou para mim – Acho que estou ficando doente, vou ficar deitada quietinha no quarto, está bem?

– Claro amor, mais tarde eu levo uma sopa para você, melhoras.

Sempre compreensivo, meu marido não fez mais perguntas. Segui para o nosso quarto e depositei as sacolas em cima da cama. Tirei minhas peças novas e provei, uma por uma, confirmando que havia adorado todas, menos um vestido que pareceu justo demais para um ambiente profissional, o guardei na sacola para trocar outro dia. Guardei as demais peças, já separando a roupa que usaria no dia seguinte: uma saia justa azul marinho que batia abaixo dos joelhos e uma camisa branca com detalhes prateados.

Com tudo organizado resolvi ir para o banho, peguei um conjunto de lingerie e imediatamente lembrei ter usado-o na minha primeira transa com Damon. Bastou essa lembrança para que lágrimas rolassem em minha face.

Agarrei aquele conjunto e meu pijama de flanela e tomei um demorado banho, não me incomodando em cessar o choro.

Sai do banheiro e Matt me aguardava segurando uma bandeja.

– Você estava chorando, meu anjo? – perguntou preocupado.

– Não foi nada, Matt.

– Não se chora por nada, Lena... – insistiu.

– É que hoje, no shopping, descuidei por um segundo e Mariah correu no meio do estacionamento. Estava me lembrando e senti um aperto no coração. – menti.

– Sei... Foi só isso? - perguntou desconfiado.

– E eu estou de TPM! – incrementei minha mentira.

– Ah, meu amor, devia ter dito logo! Coma sua sopa e depois posso te trazer chocolates e mimar você até dormir. – Matt sempre me tratava bem quando eu estava nesses dias.

– Não precisa cuidar de mim, cuida da Mariah que eu me viro. Só quero comer e dormir, amanhã é um longo dia.

– Você tem razão! Bom apetite.

Matt saiu, me deixando sozinha com a sopa. Me aninhei nas cobertas e tomei aquele delicioso caldo de feijão. Vou sentir falta da comida de Matt quando eu me separar!