Minha mãe não queria me largar por nada nesse mundo.

-Mãe, ta bom, chega... Eu preciso embarcar...

Minha blusa já estava marcada com as lagrimas dela. Uma fila de formava ao nosso lado. Eu precisava embarcar e minha mãe já tinha feito milhares de recomendações, principalmente “volte com a mesma quantidade que vai!”. Isso ela já repetiu umas 30 vezes...

Desde bem pequena, sempre soube a faculdade que queria fazer: medicina. E ao mesmo tempo, sempre fui apaixonada por dança. Eu sei, não parece ser algo que combine, mas... Enfim, no tamanho desespero para passar em um vestibular super concorrido, acabei me inscrevendo em mais de 15 universidades. Consegui passar em nove, e nenhuma na minha cidade. A única solução era me mudar.

Tenho uma irmã que esta morando longe por causa do trabalho e um meio irmão. Na verdade, ele é um primo que mora comigo. Assim que os resultados saíram, tratamos de começar a arrumar as coisas para minha mudança. Pesquisei qual delas era a melhor e acabei escolhendo uma. Procurei algum apartamento que coubesse no meu orçamento, e não achei nenhum. Por sorte, o Sam se lembrou de uma amiga que morava sozinha. Ele ligou e ela disse que desde que eu contribuísse com as contas, estava tudo bem. Não me animei muito com a ideia de dividir apartamento com alguém que não conhecia, mas era isso ou perder minha vaga. Faltava um mês para a viagem...

Duas semanas...

Três dias...

Acordei, tomei um banho e vesti a roupa que já estava separada em cima da mala já trancada. Eu só teria que levar minhas roupas mesmo... Dei a ultima olhada no quarto, meu olhos encheram. Eu não sabia quando veria minha casa novamente.

-Ta dando uma de menininha Manu?

Levei um susto com o Sam. Olhei com deboche e de um murro de leve no seu braço.

-Ta de sacanagem? Sou macho rapaz! Agora anda, coloca no carro pra mim.

Ele riu e pegou minha mala. Seguimos para o carro, minha mãe não disse uma palavra o caminho inteiro, enquanto eu e Sam cantávamos em plenos pulmões as musicas que tocavam no radio, como se não fossem 7:00 horas da manha.

Meu voo saia em duas horas, e por todo esse tempo minha mãe não calou a boca. Falou mil coisas, chorou, deu bronca... Uma das filhas já tinha ido para longe, e a outra estava indo agora. Meu pai havia falecido há uns anos já. O Sam morava com a gente desde pequeno, era realmente meu irmão. Eu sabia que por ela, eu nunca iria embora. Era sua caçula e seu braço direito. Mas ela sabia que era meu sonho... E não tinha coragem de me impedir de segui-lo.

E lá estávamos nós, faltando quinze minutos para o embarque, minha mãe já estava em pânico. Repetia as mesmas recomendações de forma descontrolada e me abraçava com medo de me perder.

-Mãe, ta tudo bem... Eu volto nas férias, e ligo sempre, prometo.

10 minutos.

-Se alguma coisa acontecer pode voltar pra casa entendeu Manuela?! E não quero saber de você fazendo nada de errado, você esta indo pra estudar, e só! E fica esperta, uma garota como você nova na cidade... Não se deixa levar pelos espertinhos viu!

O mesmo papo de “não volte grávida”.

-Mãe, fica tranquila, sei me cuidar...

Ela me olhou como se dissesse “ah sabe mesmo viu”.

Cinco minutos.

-E arranje um emprego bom por lá, não te coloquei naquele curso de inglês pra você fazer qualquer coisa. E me liga quando chegar. E me liga sempre, se não apareço por lá, e sei que não vai querer isso.

Ela me largou e secou as lagrimas. Me olhou dos pés a cabeça e acenou a cabeça em negativa. Sabia que ela ia falar dos meus tênis...

-Não acredito que veio com essa porcaria... No mínimo tinha que ter lavado!

Eu apenas dei um sorrisinho, iria sentir falta da sua implicância com meu all star quase sempre sujo.

Dois minutos.

Ela me olhou novamente. Dessa vez não havia critica em seu olhar. Ficou na pontinha dos pés e me deu um beijo entre os cabelos.

-Te amo filha, fique bem.

Foi a minha vez de chorar agora.

-Também te amo mãe, por favor, não surte ok?

Ela fez que sim com a cabeça e virou as costas pra mim. Coitada da minha mãe... Eu sabia que ela morreria de chorar agora, da mesma forma que fez com minha Irma.

Sequei a lagrima que desceu e olhei para o Sam. Ele não havia falado nada com minha mãe por perto, esboçava um sorriso de canto de boca, me olhando com ternura. Sam não era nada do que aparentava, assim como eu. Era alto, forte, tinha o corte sempre certo e um sorriso de arrancar suspiros de qualquer uma. Já havia passado muita raiva por causa daquele sorriso. Eram tantas menininhas atrás dele, e basicamente, nenhuma prestava.

Ele se desencostou da pilastra e arregaçou as mangas da blusa.

-Vou sentir sua falta.

Foi à única coisa que saiu da minha boca.

-Que droga Manu...

Ele xingou baixinho e me puxou para um daqueles abraços de urso. Comecei a chorar de verdade enquanto ele fazia carinho na minha cabeça. Escondi meu rosto no seu peito e respirei fundo.

Meu voo foi anunciado, estava na hora.

-Cuida dela pra mim ta? Fica de olho se ela vai tomar os remédios ou só te enganar, e se ela der outra crise...

-Eu dou conta dela, relaxa...

Nos soltamos e eu peguei minha bagagem de mão no carrinho.

Ele me deu um beijo na testa e eu fui. Não pude evitar olhar para trás uma ultima vez, ele ainda estava lá parado, e acenou com o celular na mão. Na mesma hora, senti o celular vibrar no bolso. No caminho para a aeronave, abri o torpedo.

“Por favor, não me odeie quando chegar lá”.

Do que raios ele estava falando?

Eu não tinha ideia, mas tinha medo de descobrir quando chegasse.