Tiny heart escrita por Bilirrubina, Hannyh


Capítulo 4
Uma pequena luz




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Estava deitada na minha cama, olhando para o teto. Meus olhos estavam vermelhos e inchados, meu vestido preto já estava todo amarrotado, mas porque eu ligava para isso? O enterro tinha sido naquela manhã e realmente foi um momento muito difícil. Até agora eu não consegui me dar conta de tudo. Ninguém esperava que ela morresse. Era tão viva, tão alegre, tão “o contrário de mim”. Ela não merecia aquilo. Ela tinha que viver, tinha que realizar seus sonhos. A vida era realmente muito injusta, por que ela morreu e eu continuava viva? Se eu pudesse trocar de lugar com ela...

Estiquei minha mão até a cabeceira da cama e peguei o vidro de remédios da minha avó, tirei dois comprimidos e os engoli. Se estivesse certa, ia dormir até amanhã. Quem dera se eu pudesse dormir até a dor em meu peito sumir. Escrevi um bilhete para minha avó, dizendo “não me matei, só estou dormindo”, afofei os travesseiros e fechei os olhos. Acordei no dia seguinte com o som do celular. Desliguei o despertador e vi que havia algumas mensagens para ler. Eu não me sentia nenhum pouco melhor, mas ao menos não estava cansada.

Levantei da cama e fui até o banheiro. Tomei um longo banho e como não pretendia ir à escola, o tempo não me preocupava. Aliás, o tempo nunca me preocupou de fato. Eu sempre pensei que não devia me preocupar com o meu tempo aqui, e que por isso, não devia fazer planos para o futuro. Eu sempre achei que ia morrer cedo e que Rafaela ia ter uma vida completa, só que não foi isso o que aconteceu. Um carro em alta velocidade a matou e uma parte de mim foi com ela. E o pensamento de que era eu a pessoa certa a ser atingida por aquele carro não me deixava em paz. Eu já ia morrer mesmo, mas ela tinha toda a vida pela frente.

Quando voltei para o quarto, vi que a empregada havia deixado uma bandeja com meu café da manhã em cima da mesa que eu usava como escrivaninha. Olhei para aquela comida e me senti enjoada. Era Rafaela que devia comer aquilo e não eu. Sentei no chão, perto da minha cama e abracei meus joelhos. As lágrimas que eu prometi não chorar insistiam em cair. Não conseguia evitar.

Eu não sei por quanto tempo eu fiquei ali, mas em algum momento parei de chorar, como se tivesse ficado seca. Olhei para o chão úmido e para minha roupa molhada, logo vi porque me sentia “seca”. Passei as mãos em meu rosto e sentei-me na cama. Assim que me joguei para trás, a porta se abriu. Nem me dei o trabalho de ver quem era.

– Caty, querida, você tem visita...

Continuei deitada e ouvi passos. Eles pareciam um pouco hesitantes e pararam do nada, sem ao menos chegar perto da cama. Levantei e vi que era Violette que estava ali, com seu jeito tímido olhando para mim. Eu não disse nada e nem ela. Calmamente veio até mim e me abraçou. Eu queria soltar, mas ela não deixou.

– V-você não precisa ser forte agora.

Eu não entendi muito bem o que ela disse, mas voltei a chorar. Passei meus braços em volta de seu corpo, como se quisesse me apoiar nela e chorei ainda mais. Eu chorei como uma criança. Como daquela vez que tinha prometido não chorar mais e aceitar meu destino: morrer como meu pai. Morrer como meu avô. Os dois eram jovens e cheios de sonhos e em nenhum momento a vida teve pena deles, os levou e deixou a família destruída. Eu não queria que isso acontecesse quando eu morresse. Eu não esperava que Rafaela se fosse e isso me deixou sem chão. Eu não chorava só por ela, eu chorava por mim e como pude ser tão limitada ao pensar que as coisas seriam mais fáceis se eu simplesmente aceitasse meu destino.

Quando Violette foi embora, eu me sentia de algum jeito mais leve. Não que a dor não estivesse em meu peito, eu só me sentia... Diferente... Ao entardecer, eu ainda estava em meu quarto, desta vez, olhando o horizonte pela janela. Ouvi a porta se abrir atrás de mim e disse:

– Não estou com fome, Hilda.

– Não é a Hilda, sou eu, Íris.

Ela entrou no quarto, sentou-se na janela ao meu lado e olhou para o nada, segurando minha mão que estava sobre o batente. Ficamos em silêncio até minha avó nos chamar para o jantar. Eu não tinha fome, porém só desci para a sala de jantar porque minha avó insistiu muito, dizendo que eu não comia há dois dias. A comida não tinha sabor e tudo descia arranhando minha garganta. Comi apenas o que consegui e minha avó não falou seus “come mais, querida”, “tá tão magrinha”. Ela entendia como eu me sentia.

– Os meninos queriam vir também... – Íris disse quando estàvamos à porta.

Dei de ombros.

– Então amanhã a gente vem te visitar depois da aula. – ela sorriu, me abraçou e foi embora.



Na tarde seguinte, Hilda foi até o meu quarto e disse que eu tinha visita e que eles estavam esperando na sala de estar. Era só mais uma forma dela me tirar do quarto. Meu rosto estava menos inchado e me senti aliviada por isso, pois não queria que os meninos me vissem tão disforme.

– Até que ela não tá tão mal assim...

Assim que disse, Castiel recebeu um empurrão de Íris.

– Eu não te perguntei nada. – olhei de soslaio para ele e fui cumprimentar os outros.

O tempo passou rápido. Nós não falamos nada de importante e muito menos resolvemos algo do nosso trabalho, mas eu pude notar que no fundo eu me sentia um pouco feliz. Claro que não era por Rafaela, era porque eu gostava daquelas pessoas e elas me faziam bem. Mesmo em meio a minha dor, eles me davam conforto, me faziam sentir como parte do grupo. Pela primeira vez, meu seleto grupo de amigos não tinha apenas duas pessoas. Eu queria que tivesse seis, mas o destino não permitiu isso.

Logo depois que eles saíram, enquanto eu subia as escadas, fui avisada de mais uma visita. Estava cansada e tudo o que queria era tomar um banho e dormir. Com passos lentos voltei para a sala e quando vi quem era, dei meia volta e voltei para a escada.

– Espere!

Ela veio correndo e me puxou pelo braço.

– E-eu sinto muito, filha... – e me abraçou.

Eu juro, eu não queria chorar. Mas eu simplesmente não consegui me segurar, de novo. Eu senti que não era só por Rafaela que eu me lamentava. Era pelos momentos em que eu passei sozinha em meu quarto enquanto Sabrina estava com alguém em casa, era pela solidão que sentia mesmo quando não estava sozinha, era pela falta de compreensão que os outros tinham comigo. Era por tudo o que guardei em meu coração por causa daquela promessa ridícula de não chorar. E mais uma vez chorei por várias coisas que tinha guardado em meu coração e nada tinham a ver com Rafaela. Era como se uma lágrima fosse puxando outra e outra...

– Eu sinto muito, Caty... – ela também estava chorando – De verdade...

Minha vontade era sair correndo e me trancar no quarto, mas eu sabia que se fizesse isso, ia ter uma crise de asma. Ao invés disso, fiquei com ela mais um pouco, sem nada dizer, apenas chorando, sentada nos degraus da escada enquanto minha mãe acariciava meus cabelos.


Às 06:55h eu estava em frente ao portão da escola. Parecia meu primeiro dia de aula. Respirei fundo e dei um passo, e depois outro. Porém eu parei perto do lugar que eu tinha recebido a notícia. Ainda era muito difícil para mim. Senti duas mãos me empurrando pelos ombros. Olhei para trás, era Castiel.

– Não fica aí de moleza, senão você vai chegar atrasada.

– Ok...

Deixei que ele me empurrasse até perto do meu armário. De lá, ele foi para o dele e assim que peguei meu material, Íris e Violette apareceram. Fomos juntas até a sala de aula e assim ficamos até o final do dia, resolvendo coisas do nosso trabalho. Cheguei em casa já na hora do jantar e encontrei com minha avó no caminho para a sala.

– E então querida, como está a sua tarefa do professor Faraize? – ela perguntou ao se sentar.

– Indo... – sentei ao seu lado.

– Hum... Ele me disse que era sobre perspectivas para o futuro...

– Isso mesmo, mas ele não quer uma entrevista ou um depoimento. – disse olhando para a travessa com arroz.

– Ah Caty, ele só quer que vocês pensem um pouquinho mais. – ela se serviu da salada – E falando nisso, qual é o curso que você quer fazer na faculdade?

Eu não queria ter essa conversa com ela e muito menos mentir. Eu nem tinha pensado nisso, ou melhor, escolhi não pensar nisso.

– Eu não quero ir para a faculdade, vó.

Ouvi o som do talher batendo no prato e olhei para ela. Decidi falar tudo de uma vez.

– Vó, eu não quero fazer faculdade porque eu sei que meu tempo de vida é curto.

– O q-quê?! De onde você tirou isso, menina?

– Você sabe da minha doença, vó, eu achei que seria fácil para você entender... Meu avô morreu com 38 e meu pai com 28, a próxima na sequência sou eu e tenho apenas uns 3 anos de vida. Mesmo se eu quisesse, eu não poderia fazer faculdade. Eu não teria tempo para terminar.

Minha avó ficou me olhando por um tempo e depois começou a rir, o que me deixou um pouco irritada. Eu falei a ela sobre o meu destino e ela ria de mim?

– Ai ai... Você é igualzinha a ela...

– Oi? – levantei uma sobrancelha.

– Minha sogra, a Catarina original... Mas vamos deixar isso de lado. Vou explicar uma coisa pra você, querida. Nem todo mundo que tem miocardiopatia hipertrófica, tem morte súbita. Seu avô e seu pai foram os únicos na família a morrerem assim. E o seu caso é leve, já que você não tem sintomas e toma seus remédios direitinho. O médico falou isso numa das suas consultas, querida... E se você acha que vai morrer aos 18, sinto em lhe dizer, mas você vai viver muito mais que isso, Caty. E de onde você tirou isso de 38, 28 e 18? Isso é um absurdo! As idades que eles tinham não têm nada a ver com o que aconteceu, foi apenas uma infeliz coincidência. Agora, pare de pensar nessas tolices, ninguém sabe o dia de amanhã. Devemos viver o máximo o quanto pudermos. Rafaela viveu assim.


A conversa com minha avó mexeu comigo, que sempre pensei que tinha os dias contados. Eu nunca imaginei que poderia ser de outra forma e agora que minhas convicções estavam ruindo, sentia medo. Não consegui dormir muito bem e os sinais eram visíveis no dia seguinte.

– V-você está bem? – Violette perguntou.

– Acho que sim... – olhei para baixo.

– Bom gente, – Íris ficou de pé – temos que terminar logo nosso roteiro.

– E quem te colocou como líder? – Castiel perguntou enquanto cruzava as pernas em cima da mesa.

– Eu mesma! – ela empurrou as pernas dele – Eu sou a diretora, você o câmera man, Violette vai fazer as edições e os protagonistas do filme vão ser Lysandre e Catarina.

Não fizemos nenhuma divisão de trabalho dessas, até então todos faziam todas as coisas juntos. Olhei para Lysandre e vi que ele também não estava ciente disso.

– Não façam essa cara. – ela continuou – Já tenho tudo em mente! Já reservei o equipamento do clube de cinema para o próximo mês e...

– Por que eu? – interrompi Íris.

– Porque... – ela se inclinou sobre mim – Você tem algo que eu quero aproveitar na telona...


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