Tiny heart escrita por Bilirrubina, Hannyh


Capítulo 3
Frágil




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Fazia muito tempo que eu não ouvia aquela voz, mas não precisou nem de um segundo para eu reconhecer de quem era,

– Tá bom, vó. – olhei para Lysandre – Obrigada.

Ele sorriu e acenou enquanto eu entrava no carro. Depois de alguns minutos, vi o prédio em que eu moro e o carro passou por ele. Olhei para trás e minha avó colocou sua mão em meu ombro.

– Sua mãe me ligou, querida. Ela me contou que vocês brigaram e eu tomei uma decisão. Uma que devia ter tomado há muito tempo. Você vai morar comigo.

Olhei para aquela senhora de cabelos grisalhos sentada ao meu lado. Ela conseguia manter aquele sorriso doce mesmo depois de tudo...

– Tá bom, vó.

Eu não queria voltar para aquela casa e a minha avó tinha resolvido tudo para mim. Cerca de vinte minutos depois, chegamos na casa dela, que agora ia ser a minha também. Era uma casa antiga, com um enorme jardim na frente. O carro passou pela alameda e algumas memórias de minha infância vieram à mente. Encostei-me ao banco e suspirei, talvez ir para aquele lugar não tenha sido uma boa ideia...

– Não se preocupe, vai ficar tudo bem, querida. – ela sorriu ao segurar minha mão.

A última aula era de educação física. Eu estava vestida com um moletom vermelho e uma blusa branca, assim como meus tênis. Infelizmente, tinha esquecido meu atestado médico, mas como era só uma aula de aquecimento, não tinha problema participar. Depois de uma série de alongamento, fui beber água e lavar o rosto. Quando voltei, os alunos estavam jogando futebol, meninos contra meninas. Desta atividade eu não poderia participar. Sentei num banco e fiquei olhando.

– Hey, você! – o professor de educação física apontou para mim – Não fique aí fazendo corpo mole, entre logo no jogo.

– Eu não posso. Eu t – ele me interrompeu.

– Não me venha com uma desculpinha como “tô com cólica, fessor...”. Anda logo e vem.

Eu não me movi. Eu não podia jogar.

– Vai ficar aí? Qual o seu nome? – ele olhou na prancheta que segurava.

– Catarina.

Os outros alunos já tinham parado de jogar e olhavam para mim e para o professor.

– Muito bem, menos 10 pontos, senhorita Catarina... – ele deu uma pausa antes falar – Shermansky...

– Ah então ela só quer usar o parentesco com a diretora e não fazer nada, professor... – disse o ruivo, no meio do campo.

– Não, Castiel. – minha avó falou atrás de mim – Minha neta tem asma e sempre que faz alguma atividade física pesada, ela tem crise. Eu trago o atestado mais tarde. – olhou para o professor.

Ele assentiu e colocou os alunos de volta para a atividade. Minha avó sentou-se ao meu lado e juntas assistimos o jogo.

– Você devia ter falado logo, Caty.

– Eu tentei, ele não me deixou falar. – disse sem tirar os olhos do jogo.

Ela ficou mais uns minutos e saiu, dizendo que tinha que fazer algumas coisas. Quando o jogo terminou, percebi vários olhares em minha direção. Ignorei todos eles e fui até o professor. Expliquei melhor minha situação e perguntei como eu seria avaliada. Ele disse que teria que fazer trabalhos e me entregou as datas de entrega. Já estava indo para o vestiário quando Íris veio falar comigo.

– Nem pra falar que era neta da diretora, hein?

– Isso não é um fato para eu me gabar. – continuei andando.

– Hum... Tem razão... Ah, antes que vá embora, vá pra biblioteca.

– Pra quê? – perguntei

– Pra gente decidir nosso trabalho do professor Faraize, ué?! Vamos nos encontrar numa das salas de estudo em grupo, tá bom?

Fiz que sim com a cabeça e fui para a parte do vestiário que tinha uns armários. Coloquei meu uniforme, sim eu ainda estava com ele, não queria “gastar” minhas roupas na escola e já que eu tinha um uniforme, por que não usar? Antes de ir para a biblioteca, peguei um caderninho no meu armário e um lápis. Depois de algumas voltas, achei o tal lugar e as salinhas de estudo em grupo. Como tinham uma parede de vidro, passei olhando em cada sala para encontrar Íris. Algumas pessoas se assustaram comigo, talvez pensaram que eu era um fantasma... Só faltava uma sala e assim que eu apareci, vi a garota de cabelo lilás. Ela deu um pequeno pulo na cadeira, e como era a única virada para mim, os outros olharam para trás e me viram. Íris era um “deles”. Ela levantou-se e abriu a porta para mim.

– Oi Catarina, entre... Esses são Violette, – a menina se encolheu um pouco – Lysandre – ele acenou – e Castiel, mas acho que esse você já conhece.

Eu já “conhecia” todos.

– Muito prazer. – disse e me sentei no lugar vago – Era isso que você queria falar ontem, Lysandre?

Ele demorou um pouco para lembrar, mas no fim falou:

– Ah sim... Era isso mesmo.

– Bom... – Íris também se sentou – Vamos começar... O que vocês têm em mente?

Passamos um bom tempo a discutir, mas no fim, não decidimos nada. Era um projeto muito difícil e ainda bem que Íris pediu para ter mais pessoas nos grupos. O professor queria que a gente fizesse um curta sobre nossos sonhos e esperanças para o futuro, mas não queria que a gente fizesse entrevistas ou que coletasse nossos depoimentos. Como isso poderia ser feito?

No caminho da sala da minha avó, enquanto respondia as mensagens da Rafaela, uma ideia me veio à mente. Uma crônica! Se a gente escrevesse uma crônica com o tema dado pelo professor e depois transformasse num roteiro... Talvez pudesse dar certo. Íris tinha criado um grupo no WhatsApp e eu escrevi minha ideia. Lysandre foi o primeiro a responder e logo depois, os outros.

– Querida, não pode usar o celular nas dependências da escola.

– Vó?! – ela me assustou – A gente tá resolvendo o nosso trabalho... E vó, bem que a senhora podia mudar isso. Hoje em dia o celular tem muito uso, até os professores sabem disso.

– Eu sei querida, mas eu conheço vocês muito bem... Não duvido nada que se eu permitir isso, os alunos vão usar os celulares para “ajudarem” na prova.

Eles já faziam isso, mas não seria eu a falar isso para ela.

– Ok, vó... Vamos pra casa almoçar?

No último dia da semana,na hora do intervalo, Íris sentou-se na minha mesa. Olhei para ela, como se pudesse dizer “não sente na minha mesa”, ela sorriu e continuou ali.

– O que você espera para o seu futuro? Quais os seus sonhos, Catarina?

O que eu esperava do futuro... Eu já tinha certeza do que ia acontecer e por isso não tinha um sonho sequer. Olhei bem para ela e respondi:

– A morte.

Ela ficou parada, olhando para mim com uma expressão surpresa.

– V-você só pode estar brincando, Catarina...

– Não estou. Aconteceu com meu avô, com meu pai, é só uma questão de tempo até que aconteça comigo também.

– Pera aí... – ela ficou de pé – Tá certo que todo mundo vai morrer um dia, mas Catarina... Você não acha que está sendo um pouco...

– Não Íris. – não deixei que terminasse – Você não entende. Na minha família, todo mundo morre cedo.

– M-mas e a diretora?!

– Porque quem tinha miocardiopatia hipertrófica era meu avô, que passou para meu pai... Que passou para mim.

Ela ficou me olhando com uma expressão “não entendi nada, mas deve ser muito grave” e eu levantei e saí. Tinha esquecido meu dinheiro em casa, teria que pedir para minha avó. Quando estava perto da máquina de refrigerante, Íris chegou correndo e foi logo dizendo:

– Eu realmente não sei o que é isso, mas Catarina, você não pode viver assim!

Íris estava ofegante e com os cabelos desalinhados. Eu apenas olhei para ela, com minha usual expressão vazia.

– Não fale comigo como se me conhecesse.

Ela ficou quieta por um tempo, mas depois disse:

– Você fala que eu não entendo, mas Catarina, é você que não entende. Você já pensou se todos vivessem assim? Ninguém sabe o dia de amanhã!

Ficamos nos encarando um pouco, algumas pessoas estavam em nossa volta e esperavam que a gente brigasse. Íris não estava errada, porém eu sabia que a morte era o meu destino e que não adiantava eu fazer vários planos, porque eu sabia que não teria tempo. Meu avô morreu com 38 anos, meu pai com 28 e segundo minhas contas, eu tinha mais ou menos três anos. Na verdade eu só estava indo à escola por causa da minha avó, já que não tinha nenhuma expectativa.

– Íris...

Quando eu ia começar a falar, Castiel apareceu no meio de nós duas e saiu puxando a ruiva pelo braço.

– Não adianta, Íris. Ela não vai te ouvir... – disse a ela.

O sinal tocou e voltei para a sala. Não nos falamos pelo resto do dia e assim foi o fim de semana inteiro.

Segunda-feira pela manhã eu estava de volta à escola. Íris passou ao meu lado no pátio e senti que ela queria falar comigo, só que Castiel deu um leve empurrão para que ela continuasse a andar. Eu não era “tão” amiga dela, mas isso me deixou um pouco triste.

– Catarina. – Lysandre me chamou – Hoje depois das aulas vamos terminar o roteiro, ok?

– Ok.

Dei mais alguns passos e meu celular tocou.

– Sim, sou Catarina.

A informação que veio em seguida me chocou e muito... Caí de joelhos e meu celular se espatifou no chão. Íris veio correndo até mim e junto com ela, o resto do grupo.

– O que aconteceu?! – Íris perguntou.

Eu estava tão atordoada que demorou um pouco para entender sua pergunta. Pisquei os olhos algumas vezes e olhei para ela. Sua imagem estava um pouco distorcida e não entendi o motivo. Meus olhos estavam queimando e um pouco depois senti lágrimas quentes descendo pelo meu rosto.

– O que aconteceu?! – desta vez foi Castiel e me sacudiu um pouco.

– E-ela morreu...


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Notas finais do capítulo

Se tiver alguma palavra as.sim ou [i]assim[/i] é porque eu coloquei pra facilitar minha vida no AD



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