Destinados escrita por Lucy Myh


Capítulo 26
Capítulo 24. SONHOS E PESADELOS


Notas iniciais do capítulo

Eu escrevi esse capítulo depois de dois meses sem postar nos outros sites, então ele está bem maior. Depois desse capítulo, a postagem nesse site estará igual aos outros. Boa leitura



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CAPÍTULO 24 – SONHOS E PESADELOS

Edward POV

Havia muito tempo que eu não me importava com o clima. Não me importava se chovia ou se fazia sol. Algumas vezes até agradeci os dias ensolarados que nos impedia de enfrentar o tédio que era o colégio, mas na maioria das vezes, eu não me importava.

Dessa vez foi diferente. Essa semana intera ensolarada se tornou uma tortura para mim. A cada dia que passava, eu ficava mais e mais agoniado. Eu queria vê-la. Por mais que eu me esforçasse a negar, eu queria estar perto dela, nem que fosse somente durante o intervalo do almoço.

Não voltei a visitar seu quarto à noite. Não saberia se conseguiria me controlar o suficiente para não tomá-la em meus braços e beijá-la.

Não queria ser fraco, mas eu não conseguia. Ficar longe da sua presença era algo que não conseguia mais fazer. Era por isso que eu a observava, escondido pelas sombras da floresta, como o ser da escuridão que eu sou. Via ela se sentar no gramado do jardim, os raios do sol colorindo seus cabelos de um vermelho-sangue e fazendo seu rosto corar. Era a perfeita imagem da tentação.

E ela sorria. Parecia gostar do sol. Estava feliz. Deslumbrante.

O livro que lia no primeiro dia me fez voltar décadas no tempo.

Jane Austen também, coincidência ou não. Ainda era capaz de lembrar daquela vez em que Bella havia dormido no jardim, naquele dia de sol.

Era quase como uma reprise, vê-la lendo rapidamente o que parecia ser o mesmo volume de anos atrás – porém um pouco mais maltratado –, cruzando e descruzando os calcanhares no ar, sobre uma coberta estendida no gramado.

E depois, a observava pelos pensamentos das outras pessoas.

Preferia os pensamentos das garotas, amigas dela. A vida parecia ter sido melhor com ela, não havia nenhuma Jessica Stanley em seu grupo de amizades.

Observei todos os ângulos possíveis, todos os sorrisos que dava para os amigos, todos os olhares que ela deu para a mesa dos Cullen. E isso fez com que algo dentro de mim se acendesse e se revirasse, algo que não era o monstro sedento por sangue, mas igualmente faminto. Faminto por ela, pela companhia dela.

Toda essa distância me torturava, me impelia a me aproximar dela. Tantos anos sem a minha droga não tinham me livrado desse vício. E eu nunca me curaria porque nunca desejaria a cura.

Mas, não. Não seria mais um fraco. Ficaria longe dela. Ela não é a minha Bella, eu repetia para mim mesmo, Ela não é. Porém, quanto mais eu repetia, menos eu acreditava em minhas próprias palavras.

Parte de mim, a parte irracional, estava tendo êxito em convencer a parte racional a se render. E a pior parte nisso tudo era que eu queria me render. Eu me mantinha firme na decisão somente pelo certo e errado. E a cada dia que passava, o certo e o errado se distorciam e se misturavam diante dos meus olhos, fazendo a irracionalidade dominar a racionalidade, fazendo o certo parecer terrivelmente errado e o errado inegavelmente certo.

E durante toda a semana, eu desejava estar ao lado dela, sem esse corpo morto, duro e frio brilhando sob o sol. Durante todo esse tempo eu reuni forças hercúleas para não visitá-la em seu quarto. E a cada dia, desejei que as nuvens voltassem para o céu de Forks.

A noite já se fazia presente no horizonte. Iríamos caçar, somente Alice e eu dessa vez. Restava-nos ainda mais dois dias de sol, a baixinha garantiu.

Eu estava mais aliviado, só mais dois dias e essa angústia acabaria. Mais dois longos dias de sol e, enfim, as nuvens retornariam. Mas ainda assim, não foi o suficiente para que a tensão me deixasse em paz.

Hoje seria o pior dia. Eu não a veria. Não havia aula e ela e seus amigos iriam a La Push. Piscinas naturais, praia e trilha eram programas que passavam pela cabeça deles. Tudo isso significaria perigo para Bella. E tudo indicava que significa a mesma coisa para Luna.

Não poderia pedir para ela ter cuidado como daquela vez. E, principalmente, não poderia protegê-la. O pacto ainda existia. E Jacob Black também. Não queria que ele a visse. Não saberia o que ele faria. Não gosto sequer de pensar na possibilidade de ela poder escolher ele, muito menos conseguia pensar no que faria se ela escolhesse ficar com ele.

E talvez ela o escolhesse. Porque ele poderia dar a ela coisas que nunca estariam ao meu alcance. Ele poderia dar a ela quantos filhos ela quisesse ter e, junto com isso, uma família completa. Ele poderia dar a ela a oportunidade de ter uma vida normal e humana, uma vida de verdade.

Eu não poderia dar nada disso. Ao contrário, eu tiraria. Tiraria dela o calor de seu corpo, a vida, a oportunidade de viver, de ter filhos, de formar uma família, tudo, inclusive sua alma. Só o que eu tinha a oferecer era o meu amor eterno e uma maldição igualmente eterna.

Vamos mais para o norte, há leões da montanha por lá. Alice sorriu. E ursos.

Fechei os olhos e apurei os ouvidos. Podia captar o pulsar do coração de um animal de grande porte se aproximando de nós.

Vamos apostar corrida? Mal ela terminara de pensar, já disparava por entre as árvores, arrancando um riso meu.

Alice, sempre Alice. Dei dois segundos de vantagem a ela para, então, segui-la. Ninguém da família era mais veloz que eu. Alice podia ver o futuro e se antecipar aos meus movimentos, mas ela não podia me vencer numa corrida.

Corri o mais rápido que podia, sentindo o vento se tornar uma cortina que me separava do resto do mundo. Correr me fazia bem, me deixava mais leve. E fazia tempo que eu não me sentia assim. Logo eu já a tinha alcançado e a ultrapassado.

Desacelerei o passo somente para ver Alice disparar em cima da jugular de um urso. Era estranho vê-la dilacerar um predador maior que ela. Ela parecia tão frágil, uma fragilidade que não possuía. E, acima de tudo, era engraçado ver o quão graciosamente ela se antecipava aos movimentos da fera, dando-lhe seu golpe mortal e sugando todo o sangue da carcaça sem nem ao menos estragar sua roupa.

Deixei-a terminando essa refeição e parti para minha presa. O leão da montanha estava somente a alguns quilômetros ao leste, ironicamente, devia estar caçando.

Minha garganta ardia em chamas. Eu estava com sede. Permiti que os meus instintos predadores aflorassem e me deixei levar pelo leve aroma trazido pelo vento da floresta e pelas batidas fortes que o coração do animal dava. Esperei o momento oportuno até que pude, enfim, cravar meus dentes sobre sua jugular, destilando o veneno acumulado em minha boca e sentindo o sangue quente descer a minha garganta.

Senti as chamas se abrandarem, a sede estava controlada, mas ainda não estava saciada. Deixei a carcaça seca no chão da floresta.

Vamos conversar um pouco? O pensamento de Alice invadiu minha mente, enquanto ela se aproximava.

Concordei com um leve aceno de cabeça, seguindo-a. Podia ver em sua mente para onde me levaria, mas ela não me permitiu ver sobre o que conversaríamos. Fiquei um pouco receoso. Normalmente, quando Alice não queria mostrar seus pensamentos, eles eram sempre relacionados a algo que me incomodava. E ultimamente, ela sempre fechava a mente para mim.

Subimos uma montanha próxima e ela se sentou no chão, abraçando as pernas, o queixo apoiado nos joelhos. Sentei-me ao seu lado, imitando sua posição, esperando que ela começasse.

“Sabe, Edward...” ela começou, a voz baixa. Não precisávamos falar para conversar, éramos bons em manter uma conversa silenciosa somente com nossos poderes, mas parecia que o assunto em questão merecia ser exposto. “Fiquei pensando por muito tempo.” Ela deu uma pausa para então prosseguir. “Acho que você devia mesmo se aproximar da Luna.” Ela olhava para as estrelas agora. “Não acho que seja coincidência. Coincidências não existem. Veja minha história com Jasper, eu nunca o teria visto se fosse só coincidência. É o destino. Todos merecem a felicidade, ter alguém para compartilhar a vida.” Ela me encarou. “Acho que você tem uma segunda chance agora, deveria aproveitá-la.”

Senti a irritação começar a se manifestar em mim. Eu já havia dito que não. Eu já decidira. Eu não poderia. E Alice sabia disso. Ela devia respeitar as minhas decisões! Era a minha vida, minha!

Antes que eu pudesse proferir alguma palavra, Alice me encarou, a irritação também faiscava em seus olhos dourados.

“E não me venha dizer para eu respeitar as suas decisões, Edward! Você mesmo não as respeita! Você é um hipócrita!”

Fiquei em choque. Não que estivesse chocado por ouvir Alice falando daquele jeito, mesmo que ela quase nunca se irritasse. Mas sim porque o que ela dizia era verdade. Eu era um hipócrita. Exigia que os outros respeitassem minha decisão, mas nem eu mesmo a respeitava.

“Desculpe, Edward.” Alice suspirou pesadamente. “Eu não queria ter falado aquilo, mas é que...”

“Não se desculpe,” voltei meu rosto para frente, mantendo o olhar fixo no horizonte. Os primeiros raios de sol já ameaçavam aparecer. “Você está certa. Absolutamente certa. Eu sou um hipócrita.”

“Eu só... eu só queria que você deixasse essa idiotice de lado.” Ela suspirou se explicando. “Só queria Bella de volta nas nossas vidas. Só queria que você voltasse a ser feliz como era com ela.”

Pude ver as imagens que passavam por sua cabeça. Eu e Bella, juntos, abraçados, felizes. Sacudi a cabeça bruscamente. Eram outros tempos, os melhores.

“Não queria que nada daquilo tivesse acontecido.” Desabafei. “Bella não merecia morrer. Eu devia ter fugido no primeiro dia, devia ter ficado no Alasca.”

“Não diga isso.” Senti seu pequeno braço envolver meus ombros. “É claro que você devia ter voltado. Aposto que Bella também pensaria assim.”

Soltei um riso sem humor. “Claro, Bella preferiria ter morrido a não ter me conhecido.” Ri ironicamente. “Eu a destruí, Alice, a magoei e, ainda por cima, causei a sua morte. Acha mesmo que ela não teria preferido uma vida longa e normal sem nenhum vampiro egoísta para destruí-la?” Toda a repulsa por minha conduta estava exprimida em minhas palavras, eu nunca me perdoaria.

“Edward, Bella podia ser humana, mas não significa que não pudesse sentir um amor com a mesma intensidade que nós sentimos. Eu a conhecia muito bem para afirmar, com toda a certeza, que ela preferiria mil vezes ter te conhecido brevemente a ter ficado com Mike Newton numa vida longa e normal. Creio que até você tem essa certeza, mesmo que seja lá no fundo e você se force a reprimi-la.” Ela sorria. “Bella é Bella, afinal.”

Suspirei. Quanta saudade sentia dela. Quanta saudade sentia de seu rosto corado, de seu perfume tentador, de seus olhos profundos e intensos tentando buscar respostas nos meus.

“Mesmo assim... Eu não posso. Não posso destruir mais uma vida.”

“Você não vai destruí-la.” Ela disse confiante.

“Você não pode ter certeza.” Rebati.

“Argh! Edward! Pare de ser tão pessimista!” Ela se levantou bruscamente, e respirando fundo para recuperar a calma. Não que isso ajudasse, mas era o costume. “Eu só queria abrir os seus olhos para o que você está fazendo.” Ela dizia com as sobrancelhas unidas e os olhos estreitos, uma mão em sua cintura e a outra apontando um dedo para minha cara. “Não cometa o mesmo erro de anos atrás. Fugir disso não adiantará nada. É o seu destino, de vocês dois. Lutar contra isso só vai trazer mais sofrimento. Pra você e para ela.” Ela deixou os braços caírem ao lado do seu corpo. “Você tem uma segunda chance. Não a desperdice.”

Me levantei silenciosamente. Queria acreditar nisso. Mas eu podia?

“Não quero mais falar sobre isso.” Encerrei o assunto.

“Tudo bem.” Ela suspirou, desanimada. “Vamos para o norte, há mais predadores por lá.”

Descemos correndo a montanha e nos embrenhamos novamente na floresta. Alice estava concentrada no caminho que deveríamos percorrer para termos nossa última refeição.

O clima havia ficado um pouco tenso, a velocidade já não me trazia a leveza de antes. E mesmo a claridade do sol penetrando a densa copa das altas árvores não fazia eu me sentir melhor. Pelo contrário, o sol só me fazia lembrar que eu não era igual a ela. Eu não era humano.

Depois de algum tempo em completo silêncio, Alice se aproximou de mim.

Desculpe. Podia ver que não estava muito bem. Não gosto de ficar brigada com você.

Revirei os olhos. “Você não gosta de ficar brigada com ninguém, baixinha.” Disse baixo como se a desculpasse, fazendo um sorriso sincero brotar em seus lábios.

“Mais uma corrida?” E ela já estava muito a frente, deixando um rastro de risos no ar.

Eu a segui, novamente. Aquela baixinha tinha algo contagiante.

Dessa vez, ambos havíamos pegado ursos. E apostávamos corrida de volta para casa.

Embora algo ainda se remexesse lá no fundo, despertado pela conversa de hoje com minha irmã, a tensão já me abandonara. Era algo que Alice conseguia com freqüência, quando ela queria, é claro.

A mente dela vaga por Jasper, agora. Sempre preocupada, visualizando seu futuro. Mas algo diferente aconteceu. Seus pensamentos começaram a vagar por rumos que eu ainda não a tinha visto tomar. Alice já não me escondia mais nada, pelo menos não por hoje. Parecia que ela já vinha pensando muito sobre aquele assunto. Não era uma coisa nova para ela.

Seus pensamentos foram direcionados para outras pessoas e, então, visões começaram a se formar em sua mente, até que uma se consolidou e ela parou, os olhos desfocados, se concentrando no que via. Parei ao seu lado, a claridade na floresta já estava bem mais intensa, mas ainda assim, não havia raios de sol que conseguissem ultrapassar a densa camada de folhas sobre nós.

Luna!” Era Gabriella Smith quem gritava. “Luna! Cadê você?”

Ela estava numa trilha no meio de uma floresta.

Luna! Onde você se meteu?! Aparece, por favor!” A garota estava angustiada, andando de um lado para o outro.

A visão se foi e Alice arregalou os olhos.

O desespero já fluía por meu corpo.

Luna se perderia na floresta. O que poderia acontecer a ela?

Se ela tivesse a mesma sorte de Bella, isso significaria muitos problemas.

Eu estava decidido a encontrá-la, nem que tivesse que revirar todas as florestas de toda a América! Eu iria encontrá-la, protegê-la. Nada aconteceria a ela!

Mas antes que eu pudesse me mover, Alice já havia me segurado firme, me impedindo de prosseguir.

“Eu não a vejo.” Ela disse. “E isso significa duas coisas: ou ela encontrou um dos quileutes ou ela...” sua voz sumiu.

“Não! Isso, não!” Senti que, se pudesse, já teria enfartado.

“Ela deve ter se encontrado com alguém do bando. Ela e os amigos foram a La Push, não foram?” Alice tentou me acalmar. Essa era a melhor opção que eu tinha e mesmo que eu não gostasse dessa idéia, preferia que Luna tivesse encontrado alguém do bando e que eles descobrissem sobre a existência dela a nunca mais vê-la.

“Veja, Alice!” Pedi desesperado. “Tente ver o futuro dela! Tente ver o futuro de qualquer um próximo a ela!”

“Eu não consigo ver nada no futuro dela, ele desapareceu.” Eu via o quanto Alice se esforçava e o quanto ela se frustrava por não conseguir ver nada. “É como se ela não existisse mais.”

“E a família, os amigos?” Pedi em agonia.

“Não há nada também. Pelo menos, não está morta.” Estremeci ao ouvir a última palavra. “A menos que ninguém a tenha encontrado ainda...”

Quis desesperadamente correr à sua procura, mas Alice me impediu.

“Se ela está em La Push, não podemos fazer nada. Ainda temos que respeitar o pacto.” Disse decidida, embora pudesse ver uma fraca chama de indecisão em seus olhos.

“Eu preciso vê-la. Saber se ela está bem.” A dor, já conhecida por mim, ameaçou retornar.

“Acalme-se. Vai dar tudo certo.” Ela sorriu fracamente. “Não acontecerá nada de grave com ela.”

“Você nem ao menos consegue vê-la! Como pode afirmar isso tranquilamente?”

“Eu posso não ver, é verdade.” E fez uma careta que, se a situação não fosse tão séria e desesperadora, teria me feito rir. “Mas posso sentir. E eu sinto que ela está bem.” E sorriu.

Estranhamente, suas palavras me fizeram relaxar um pouco. Ainda estava tenso e ansioso, mas não estava mais desesperado. Ela estava bem. Tinha que estar.

Já havia se passado horas e o futuro de Luna ainda estava em branco, mas ao que tudo indicava, não havia acontecido nada de realmente grave. A espera me deixava nervoso e ansioso e Jasper tentava de todas as formas me acalmar, eu sabia que eu estava sendo difícil para ele, tamanha era minha preocupação.

Só pude livrá-lo de suportar minhas emoções, quando Alice surgiu com a visão de Gabriella Smith conversando com Luna numa praia de La Push.

Agora me conta tudo! O que aconteceu entre vocês dois?” Gabriella perguntava empolgada.

Eu, hein. Não aconteceu nada demais, ele só me ajudou.” Luna deu de ombros.

Ah, sei.” A visão vacilou um pouco entre várias questões que poderiam ser feitas até que a amiga se decidiu por uma, com um sorriso malicioso no rosto. “E aquele olhar dele em cima de você não é nada demais?”

Que olhar? Você está imaginando coisas.”

Várias possibilidades de respostas embaçaram a visão até que a garota se decidiu por uma não muito grosseira comparada às outras.

Não me diga que você não reparou que ele está fascinado por você.”

Não inventa.” Luna revirou os olhos.

Uma nova oscilação, mas antes que Gabriella pudesse replicar, Luna encerrou. “Vamos logo, vamos voltar para junto da turma. O que eu perdi?”

Nada de importante.”

E a visão se foi. Ao que parecia, ela era quase instantânea.

Fiquei imediatamente aliviado. Luna estava viva e estava bem. Exceto pelo curativo que tinha na testa.

Foi quando enrijeci e trinquei o maxilar, cerrando os punhos com força. Algo ferveu dentro de mim quando, de fato, percebi o teor da conversa. Elas conversavam sobre um garoto. Um garoto que parecia interessado em Luna. Tive a insana vontade de matá-lo, quem quer que fosse ele. Eu estava me corroendo de ciúmes.

Voltei a mim com Jasper e Alice trocando um olhar cúmplice e segurando o riso. Bufei.

“Ela está bem, Edward.” Alice disse por fim.

“Eu vi.” Respondi seco, fazendo-a rir.

“Mas ainda estou preocupada com ela.” A duendezinha se acalmou, assumindo um semblante preocupado. “Aquele curativo parecia ser grande demais para ser um simples corte. E aposto como ela não vai ao hospital.” Ela sorriu. “Vai ver se ela está bem?” O brilho de excitação estava ali em seus olhos.

Ignorei-a e fui para o meu quarto. Ela já sabia a resposta.

Ótimo! Mais um defeito para minha quilométrica lista: Eu sou um hipócrita.

Luna POV

Abri os olhos num lugar já familiar. A luz verde da floresta fez um arrepio subir minha coluna. Não tinha boas recordações desse lugar. Ao fundo conseguia ouvir o som das ondas se chocando contra as rochas e esperei que aquele pesadelo se repetisse e acabasse logo.

Mas ele não se repetiu. O barulho das ondas foi aumentando e aumentando. Fechei os olhos com força e quando os abri, o cenário havia mudado.

Estava na First Beach. Na praia, havia um tronco caído, com raízes que se projetavam para fora, como as pernas de uma enorme aranha branca. Pude perceber que havia alguém sentado nas raízes, me esperando. Caminhei até lá e encontrei o menino Jacob, sem os músculos enormes ou a altura de gigante, vestido dos pés à cabeça. Ele olhava para as pedras, com um sorriso nas extremidades dos lábios grossos.

Sentei no tronco e esperei o que estava por vir.

Conhece alguma de nossas histórias antigas, sobre de onde viemos... quer dizer, dos quileutes?” ele começou.

Na verdade não”, me peguei dizendo.

Bom, são um monte de lendas, e dizem que algumas datam da grande inundação... Ao que parece, os antigos quileutes amarraram as canoas nos topos das árvores mais altas da montanha pra sobreviverem como Noé e a arca.” Ele sorriu pra mostrar o pouco crédito que ele dava a essas histórias. “Outra lenda diz que descendemos de lobos... E que os lobos ainda são nossos irmãos. É contra a lei da tribo matá-los. E há histórias sobre os frios.” A voz dele ficou um pouco mais baixa.

Os frios?”, perguntei, intrigada.

É. Há história dos frios tão antigas quanto as lendas dos lobos, e algumas são mais recentes. De acordo com a lenda, meu bisavô conheceu alguns. Foi ele quem fez o acordo que os manteve longe de nossas terras.” Ele revirou os olhos.

Seu bisavô?”, eu o estimulei a falar mais.

Ele era um ancião da tribo, como meu pai. Olhe só, os frios são os inimigos naturais dos lobos... Bom, não do lobo, mas dos lobos que se transformam em homens, como nossos ancestrais. Você pode chamar de lobisomens”.

Os lobisomens têm inimigos?”

Só um”.

Eu olhei pra ele com seriedade, esperando disfarçar minha impaciência como admiração. Eu não sabia por que estava fingindo para ele, só sabia que era isso que eu deveria fazer.

Então veja você”, ele continuou. “Por tradição, os frios são nossos inimigos. Mas aquele bando que veio para nosso território na época do meu bisavô era diferente. Eles não machucavam como os outros da espécie deles faziam... Não deviam ser perigosos para a tribo. Então meu bisavô fez uma trégua com eles. Se prometessem ficar longe de nossas terras, nós não os revelaríamos aos caras-pálidas”. Ele me deu uma piscadela.

Se eles não eram perigosos, então por quê...?”, eu tentei entender, esforçando meu cérebro a processar as informações. Senti a dor de cabeça chegando. Mas por quê? Era só um sonho... Muito real, mas, ainda assim, um sonho.

Sempre há um risco para os seres humanos que ficam perto dos frios, mesmo que eles sejam civilizados, como este clã. Nunca se sabe quando podem ficar famintos demais para resistir”. Ele deliberadamente assumiu um tom de ameaça.

Como assim, ‘civilizados’?” perguntei com dificuldade. A dor de cabeça só aumentava, mas eu sentia que ainda não podia deixar esse sonho ir embora. Tinha algo que eu precisava descobrir.

Diziam que eles não machucavam seres humanos. Supostamente, de algum modo, conseguiam caçar só animais.”

Nesse instante, a dor explodiu em minha cabeça, me fazendo gemer de dor. Eu queria ouvir mais, tinha algo que eu esperava ouvir há muito tempo, algo que meu coração ansiava, mas que eu ainda desconhecia. Algo que eu não conseguia ouvir, porque alguma coisa bloqueava meu sonho.

Eu tinha consciência de ter feito uma pergunta ao menino Jake, mas eu não sabia o qual era. A dor era muito intensa, uma dor que eu não sabia poder sentir até nos sonhos. E Jake não percebia, parecia estar alheio ao meu sofrimento. Ele continuava a falar coisas que eu não conseguia captar.

Minha cabeça latejava, mas eu precisava saber. Havia milhares de perguntas dentro de mim que precisavam de respostas.

Mas ainda doía tanto, mas tanto, que eu já sentia o suor frio correndo minha face, despertando em mim uma urgência estranha em obter uma resposta que, não sei por que, era de alguma forma crucial para minha sanidade. E, então, reunindo toda a concentração que ainda me restava, soltei a pergunta num fio de voz, ansiosa pela resposta.

O que são os frios?”

Ele sorriu de um jeito sombrio antes de responder.

Bebedores de sangue”, respondeu, e mesmo com a voz sumindo em algum canto da minha mente, não pude deixar de sentir calafrios.

O sonho começou a se desfazer numa névoa. Me levantei apressada do tronco em que estava sentada. A dor de cabeça, embora presente, já estava controlada. Não queria que acabasse agora, havia tanto a perguntar ainda. Mas a última coisa que pude ouvir antes que tudo se apagasse foi a voz sombria de Jacob pronunciando uma única palavra, “vampiros”.

Abri os olhos novamente, esperando me encontrar deitada em minha cama, no meu quarto, mas, para meu desespero, me encontrava na mesma floresta, com a luz verde iluminando o ambiente de modo sombrio e o barulho das ondas mais uma vez ao fundo.

Minha cabeça ainda latejava. Eu queria acordar, mas não conseguia, havia um torpor que me impedia de despertar.

Nem percebi que estava andando até me deparar com um Jacob Black, com rosto de menino assustado, o cabelo bonito preso em um rabo-de-cavalo na nuca, me pegando pela mão e me arrastando para a parte escura da floresta.

Jacob, qual é o problema?”, perguntei. Eu resistia a ele, não queria ir para a escuridão.

Corra! Bella, você tem que correr!”, sussurrou ele, apavorado.

Estaquei. Eu não me lembrava desse sonho, mas tinha certeza que já o tivera antes. Era como um déjà vu.

Logo em seguida, Jacob soltou minha mão, crescendo e se transformando no Jacob alto e musculoso que conheci, até que tremendo e se contorcendo, caiu no chão a meus pés.

Jacob!” eu gritei, vendo-o ser substituído por um imenso lobo castanho-avermelhado, com olhos escuros e inteligentes.

Quando meu olhar encontrou o do lobo, várias imagens invadiram minha mente ao mesmo tempo como flashes de um passado distante, fazendo minha cabeça explodir de dor. Os mesmos olhos negros inteligentes numa clareira, uma alcatéia correndo atrás de alguma fera, um Jacob saltando no ar e se transformando no enorme lobo castanho-avermelhado à minha frente. Imagens demais na minha cabeça.

Quando voltei a mim, eu ofegava, o suor extremamente frio descendo estranhamente pelo meu rosto e os gemidos de dor escapando por minha boca. E ao olhar para a luz que vinha da direção da praia, lá estava ele.

Edward saiu das árvores, a pele pálida brilhando fracamente e os olhos negros e perigosos. Erguia uma das mãos, acenando para que eu fosse com ele. O lobo grunhiu a meus pés.

Dei um passo a frente, a Edward. Ele sorriu e seus dentes eram afiados e pontudos.

Confie em mim.”, sussurrou ele.

Congelei enquanto caía de joelhos, reprimindo um grito. Uma nova onda de dor explodiu minha cabeça, acompanhada de imagens e sons sem nexo algum. Confie em mim, pairava em minha mente, enquanto ouvia o som de sirenes se aproximando, Edward perigosamente perto de mim, nós dois isolados do mundo por uma parede de carros. Confie em mim, logo depois de ‘É melhor não sermos amigos’, o rosto de Edward sério. Confie em mim, ele dizia e eu saía da enfermaria, o cheiro de ferrugem e sal embrulhando meu estômago. Confie em mim ‘só desta vez... Você é o contrário do comum’, dito não como uma ofensa, mas como um elogio.

Minha marca de nascença ardeu como se gelo queimasse a minha pele e, logo em seguida, senti algo frio percorrer minha face. Uma brisa fria e inebriante atingiu meu rosto, o perfume familiar se fixando em minha mente e uma canção de ninar me envolvendo, fazendo-me relaxar e a dor deixar meu corpo aos poucos. Eu me sentia cada vez melhor. O frio e a brisa não pareciam fazer parte do sonho, pelo contrário, eles me pareciam muito reais, reais demais. Mas por mais que eu quisesse, por mais que eu me esforçasse, não conseguia acordar.

Ergui o rosto a tempo de ver o lobo se atirar no espaço entre mim e o vampiro, as presas mirando a jugular dele.

“Não!”, acordei gritando, ofegante.

Me encolhi na cama quando uma brisa fria entrou pela janela aberta. Estranho, eu não tinha deixado ela aberta. Eu acho.

“Luna!” minha mãe apareceu, abrindo a porta do meu quarto e ascendendo a luz. “O que foi?” perguntou preocupada.

“Não foi nada”, me apressei a dizer, forçando minha vista a se acostumar com a repentina claridade “foi só um pesadelo. Pode voltar a dormir, mãe.”

“Certo.” Ela suspirou, aliviada. “Feche a janela, sim? Não queremos um resfriado aqui.” concordei com um aceno de cabeça e ela saiu do meu quarto, fechando a porta.

Levantei-me da cama, andando em direção à janela. Observei atentamente as sombras da floresta sob a luz da lua. A sensação de estar sendo observada percorreu meu corpo, fazendo uma descarga elétrica subir minha coluna. Eu estava ficando paranóica. Com certeza devia estar cansada demais para perceber que havia deixado a janela aberta.

Sacudi a cabeça, espantando as idéias absurdas que começavam a se formar. Fechei a janela, apaguei a luz e corri de volta para a cama.

Finalmente, a escuridão vazia tomou minha consciência. Não tive pesadelos. Pelo resto da noite, não havia mais sonhos.

Edward POV

Sob a proteção da noite, saí correndo pela floresta até chegar à casa em que tanto ansiava entrar.

À margem da floresta, concentrei-me nos pensamentos próximos. Já estava tarde, a lua estava presente no céu e as estrelas brilhavam como que refletindo minha ansiedade. Não havia uma mente desperta nas casas vizinhas. Todos dormiam, sonhavam.

Escalei a parede da casa, me segurando no batente enquanto abria a janela do quarto. Entrei silenciosamente como fazia há algum tempo. Fechei os olhos e inspirei profundamente o ar. A queimação voltou à minha garganta com satisfação. Ah, como eu havia sentido falta desse perfume! O seu perfume.

Abri os olhos e, de longe, a examinei. Os cabelos fracamente iluminados pelo luar que entrava pela janela estavam mais escuros, fazendo-a parecer ainda mais com Bella. A pele pálida e saudável brilhava para mim. O curativo em sua testa estava visível, me lembrando do porque eu estava ali.

Sua respiração era lenta e profunda, o sono era calmo e a mente vazia. Cautelosamente, fui me aproximando da cama, a ansiedade se revirando inquieta dentro de mim.

Seu coração acelerou algumas batidas e ela se remexeu sob as cobertas, fazendo-as escorregarem um pouco mais.

Estaquei, prendendo a respiração de que não precisava. O compasso do seu coração se acalmou, e todo o seu tronco estava exposto agora. As semelhanças eram gritantes, embora ela não se vestisse como Bella, com camisetas velhas e calças surradas que a deixavam encantadora, mas, ainda assim, atraente e terrivelmente tentadora com uma camiseta de alça e um short curto, colados ao corpo, mostrando todas as curvas que Bella insistia em esconder.

Tive que reprimir o rumo que meus pensamentos tomavam. Afinal, eu não era mais um adolescente de 17 anos. Meu corpo era, mas minha mente não, e é a mente que domina a matéria, não?

Mas não pude evitar admirá-la.

Perdi a noção do tempo enquanto a observava, imerso em pensamentos. O que poderia ter sido, o que não poderia. O que teria acontecido se eu fosse forte o suficiente desde a primeira vez em que eu a vi. O que teria sido se eu fosse fraco o bastante para não partir. O que aconteceria comigo se ela seguisse em frente. Perguntas sem respostas. Especulações capazes de fazer até mesmo um vampiro se perder nos labirintos da loucura. Arrependimento. Hipóteses. Sonhos e pesadelos. Mas todos irreais, futuros descartados.

Fui desperto do torpor que frequentemente me atingia, ao observar que uma ruga se formava entre suas sobrancelhas, indicando a tensão em seu corpo. Tão parecida com a minha Bella.

Com um cuidado maior do que eu já tomava, me aproximei ainda mais da cama, parando ao lado daquele rosto em formato de coração. Contive o impulso de tocar-lhe a face e tirar qualquer traço de apreensão que ela possuísse. Eu não poderia tocá-la, não se não tivesse a certeza de que ela não acordaria.

Como se seu corpo respondesse que não queria minha presença no quarto, o ritmo de seu coração se alterou minimamente, batendo mais depressa. Mais uma vez estaquei, prendendo a respiração. Me controlava para não confortá-la do sonho qualquer que estivesse tendo, mas vê-la soltar um gemido de dor abafado por seus lábios fechados e se remexer novamente na cama, inquieta, tirou a racionalidade do meu comando.

Ajoelhei-me a seu lado, no chão de madeira, preocupado com ela. Pouco me importava se ela acordaria e me acharia um maníaco por me encontrar no quarto dela. Nunca em minhas visitas noturnas havia visto Luna ter um pesadelo. Nunca a havia visto gemer de dor. Nunca até agora. E isso me machucava por dentro, e muito, de um jeito que não deveria, um jeito que não era normal.

“O que foi, Luna?” sussurrei para ela, próximo ao seu ouvido, desejando que ela também falasse dormindo para que eu pudesse, assim como com Bella, ter uma fresta por onde espiar para enxergar sua misteriosa mente – ou pelo menos uma parte dela.

Seu corpo estremeceu, ela se remexeu novamente na cama, soltando mais um gemido de dor. Os lábios tremeram e se abriram.

“Não sei”, ela resmungou. “Não... entendo.”

Suspirei, sorrindo. Fascinante. Ela falava enquanto dormia, ela respondia. E isso me deixava ainda mais curioso. Seriam apenas respostas desconexas ou não? De qualquer forma, eu não tentaria obter essa resposta agora, não por enquanto. Havia algo que queria fazer, algo que eu precisava fazer.

Hesitante, estiquei minha mão em sua direção e a depositei cautelosamente em seus cabelos, esperando que ela não acordasse.

Eu estava louco. Quantas barreiras ruí, quantas palavras quebrei em uma única noite? E o pior, eu não me arrependia disso. Na verdade, eu temia que, no fundo, eu desejasse que Luna acordasse, que disse que ela era a minha Bella, que sempre me amou e amará e que desejasse ficar comigo por toda a eternidade.

E foi com alívio e uma fração de desapontamento muito bem reprimida que ela não acordou. Ela somente suspirou, me dando confiança para sentir mais. Respirei fundo mais uma vez, a intensidade do seu perfume aumentada pela aproximação. Minha garganta ardeu em sede, mas agora eu era forte o suficiente para nem sequer cogitar a ideia de ressuscitar o monstro que existia dentro de mim. Perto dela eu me sentia vivo, como há muito não sentia. Sentia o impulso de lutar. Lutar contra o monstro, contra a sede, contra todos e o mundo inteiro. Sorri. Ela despertava o melhor em mim.

Acariciei seus cabelos macios, passando meus dedos por entre as mechas e os fios, para depois descer minha mão por seu rosto, as costas da mão acariciando a pele da maçã do rosto, sentindo uma textura tal como a da seda, a pele perfeita.

O simples toque me aquecia completamente por dentro.

Desci os dedos pela lateral da sua face, voltando a subi-los até o curativo na testa.

Luna soltou outro gemido, me fazendo retirar imediatamente a mão do machucado, receando que eu lhe tivesse causado alguma dor.

Seus lábios tremeram.

“Preciso saber mais”, ela voltou a resmungar, me enchendo de curiosidade. Uma curiosidade que, há muito, não sentia.

“Sobre o quê?” perguntei num sussurro.

“Os... frios”, ela murmurou.

Congelei com o que essa palavra em especial pudesse significar para ela.

“Bebedores... de sangue”, suspirou.

Seu coração começou a diminuir o ritmo, contradizendo as minhas expectativas.

Era agora que seu coração deveria acelerar, não era? Agora ela deveria tentar se livrar do pesadelo que a fez pensar nos bebedores de sangue. Ela deveria acordar em desespero. Mas não. Ela era como ela.

“Não”, ela pediu num resmungo antes que a respiração voltasse a se tornar profunda e o coração assumisse um compasso calmo.

Enquanto isso, minha mente fervilhava com as últimas palavras que Luna pronunciou. Frios. Nós, os Cullen, éramos frios, os frios das lendas quileutes, os bebedores de sangue. Bella conhecia a lenda, contada pelo próprio Jacob Black. Lembro-me perfeitamente do dia em que ela me revelou qual era e como havia descoberto a sua teoria sobre o que eu era, acertando em cheio. Port Angeles. Caminho de volta. Ela disse que não se importava com o que eu fosse, não se importava que eu não fosse humano, mas sim um monstro. E eu senti raiva por isso, raiva pelos seus sentidos trocados que a atraíam para o perigo, fazendo-a negar qualquer tipo de segurança, ignorando a proteção que eu tentava construir ao seu redor, fazendo-me sentir uma esperança que devia ser proibida para mim. Mas, ainda assim, mesmo com sua sanidade duvidosa – afinal, como ela podia não se importar com minha natureza assassina? – ela estava completamente certa: era tarde demais para não estarmos envolvidos.

Mas seria possível que Luna tivesse essa memória de Bella? Isto é, se ela fosse, por alguma hipótese, reencarnação dela. Ou será que ela ficou sabendo da lenda por outra pessoa? Quem sabe outro garoto quileute descrente das tradições da tribo? Talvez outro garoto que quisesse impressioná-la.

Um suspiro me trouxe de volta à realidade: Luna. Eu ainda estava me recuperando das especulações que invadiram minha mente.

“Qual é o problema?” ela murmurou, fazendo-me estacar de susto e surpresa. Se eu não tivesse certeza de que ela estivesse dormindo, poderia jurar que Luna via a confusão que tomava meu cérebro.

Estava sendo uma noite de fortes emoções para mim e, se eu não fosse um vampiro, duvido que ainda estivesse vivo. Seria mais provável que eu tivesse morrido de uma parada cardíaca, tamanha a intensidade e diversidade de sentimentos que experimentei somente nessas poucas horas, sentimentos e emoções demais para compensar todos aqueles anos de uma quase-vida vazia.

Seu coração voltou a acelerar, deixando-me ansioso. O que mais eu poderia esperar dela? Vê-la sonhar era como abrir uma pequena caixa de surpresas. Imprevisível.

Seus lábios se abriram trêmulos novamente, enquanto eu esperava.

“Jacob”, resmungou.

Uma onda de sentimentos confusos estremeceu minhas bases. O que eu poderia esperar? O que poderia pensar? Luna sonhava com ele? Era o mesmo Jacob Black que Bella conheceu? Ou seria outro garoto? Seria uma lembrança de uma vida passada? Ou um personagem de um livro qualquer que se fixou em sua memória? Ah! Como eu queria poder penetrar sua mente, saber o que realmente pensa, não somente o que deixa escapar.

Havia tantas dúvidas, tantas questões. Mas nenhuma resposta. E a cada momento em que eu procurava por respostas, recebia mais perguntas. E a cada pergunta sem resposta, eu me viciava. Um vício que já havia conhecido uma única vez e que marcou irremediavelmente a minha existência. E, ao que parece, enfim, encontrei uma nova droga viciante, um novo tipo de heroína capaz de me fazer sentir vivo novamente.

Ah! Mas o que esse nome significa para ela?

Todas as possibilidades que me passavam pela cabeça não eram nada atraentes para mim. Se fosse uma lembrança de Bella, por que ela se lembraria de Jacob e não de mim? Será que eu lhe causei um mal tão irreparável que a fez se esquecer da minha danosa interferência em sua antiga vida? Mas e se fosse um garoto qualquer, por que ela sonharia com ele? Por que – mesmo que ela só tivesse me visto nos horários de almoço – ela não sonharia comigo, como Bella sonhava?

O pior: eu queria que ela sonhasse, mesmo que isso fosse o passo inicial para nos envolvermos naquela mesma história. No meu íntimo, eu queria que estivéssemos envolvidos. O certo e o errado pareciam ter trocado os papéis agora. Tal como com Bella. E eu me odiava por isso, mesmo que no fundo, eu me encontrasse em profunda alegria.

Mas aquele nome – como qualquer outro que não fosse o meu – saído de seus lábios, atiçavam a fera ciumenta em meu interior, me fazendo desejar arremessar quem quer que fosse esse tal de Jacob contra a parede, com a maior força possível, para ouvir cada osso e cada vértebra se esfarelar, como uma sinfonia de cristais se quebrando. Momentaneamente, não era mais a sede que me queimava. Não, era um sentimento de posse completamente doentio que eu só havia sentido em relação a uma pessoa em toda a minha existência. Ciúme, eu estava me corroendo de ciúme.

E mesmo que esse fosse um sentimento nada valoroso, eu estava satisfeito. Eu podia sentir novamente. Mesmo que fosse ciúme. E o ciúme era um sentimento tão humano.

Novamente fui tirado do meu torpor de pensamentos e sentimentos. Luna gemeu de dor, mais uma vez, fazendo-me senti-la como se fosse a minha própria. Eu queria poder fazê-la parar de sofrer, mas eu não podia. E essa minha falta de ação me frustrava.

“Cuidado”, seu tom de voz soava mais aflito. “Não”, ela pedia, “não”.

“Acalme-se, meu anjo”, era a única coisa que eu podia fazer, confortá-la com palavras que eu não sabia se seriam absorvidas por seu inconsciente. E essa minha falta de ação me torturava.

E para aumentar a minha dor, algumas poucas lágrimas encontraram caminho nos cantos de seus olhos fechados, descendo pelas laterais de seu alvo rosto, ora encontrando o limite imposto pelas raízes de seus macios cabelos, ora fazendo o contorno da sua orelha.

E eu queria poder confortá-la, acordá-la de qualquer que seja o sonho ruim que estivesse tendo. Mas a única coisa que fiz – ignorando qualquer traço de racionalidade que ainda teimava em me pôr algum juízo na cabeça – foi percorrer os caminhos das lágrimas com as pontas dos dedos, secando o rastro molhado e me permitindo, mais uma vez naquela noite, sentir sua pele fina, macia, frágil e quente, aquecendo meu frio coração com apenas aquele toque.

Mais um gemido, e todo o encanto foi quebrado. Afastei a mão, me chutando mentalmente por tocá-la sem pensar que minha temperatura fria demais não fosse agradável para ela. E eu desejei poder ser quente o suficiente para não repeli-la, como já havia desejado em tempos passados.

Mas como que contrariando minha interpretação das suas reações inconscientes, seus lábios se abrem e, num suspiro, ela pronuncia o que eu quis ouvir desde o primeiro dia em que velei seu sono.

“Edward...” e, como mágica, a tensão existente em seu rosto, causada pela dor e pelo pesadelo, se desfez; a ruga de preocupação entre suas sobrancelhas não estava mais lá. Era como se eu removesse seu sofrimento, me dando esperanças que talvez fossem falsas, mas que, em meu íntimo, eu imploraria para que não fossem.

Ela sonhava comigo.

Ela sonhava comigo. Sonhava. Não era um pesadelo.

Percorri com meus olhos todo o seu corpo. Não havia tensão alguma. Não havia mais aquela ruga, nem o cenho franzido. Não havia lágrimas nos olhos, maxilar trincado ou punhos cerrados. Tampouco havia dor em seu semblante.

Voltei a atenção para o curativo. Teria de dar uma olhada nisso.

“Confie em mim”, sussurrei, como se ela estivesse acordada.

Cuidadosamente retirei o esparadrapo e a gaze. Havia um corte não muito profundo, mas bem limpo.

Repentinamente, a tensão estava de volta em seu corpo, as batidas irregulares do seu coração, os sons abafados saindo de sua boca, carregados de dor.

“Calma, meu anjo”, eu pedi antes de sair para o banheiro e retornar frações de segundo depois. Soprei o local do corte, para aliviar a sensação dolorida com meu hálito frio, antes de lhe fazer um novo curativo.

Já não gemia, mas ainda pronunciava palavras desconexas. “Confio”, “não”, “sempre” e “não” novamente.

Quis ter a certeza de que não havia deixado nenhum outro machucado passar despercebido, alguma coisa que lhe estivesse causando a dor. Os pés estavam perfeitos. Os joelhos um pouco ralados, mas sem sangue. As pernas e os ombros estavam bem. Os braços apresentavam alguns arranhões. As mãos... virei as palmas para cima. Um pouco raladas, com pequenos arranhões e... uma marca? Mas não uma marca qualquer, isso não. Era a marca de uma cicatriz.

Senti que, se tivesse um coração, esse estaria cavalgando a toda velocidade se não tivesse parado e entrado em colapso diante de tamanha surpresa.

A mesma mão. A mesma cicatriz em forma de meia lua, num tom mais pálido que o normal para sua pele, e mais fria também. O marco de um dia em que quase a perdi para James, para a morte e para mim mesmo.

Passei meu dedo indicador sobre aquela fina linha curva para ter a certeza de que ela estava mesmo ali. E estava. Eu a reconheceria em qualquer situação. Afinal, se não fosse por mim e pelo meu mundo, ela não existiria.

E então compreendi.

Não era a cicatriz. Era ela. Era Bella! Era a alma dela.

Aquela mordida marcou sua alma. E o seu corpo, como reflexo dela, preservava a marca.

Mas antes que o sentimento bom de tê-la de volta na minha existência me tomasse por completo, eu percebi o que essa revelação trazia consigo. Aquela mordida marcou a sua alma. Seria um indício de que os vampiros não a têm? Seria por isso que a cicatriz ainda permanece em Luna? Isso significa que o veneno da mordida marcou a alma de Bella de tal forma como se a cicatriz fosse um tecido necrosado, morto? Se para todas essas perguntas a resposta fosse sim, então eu nunca transformaria Luna, nem que ela fosse Bella, porque seria como se eu matasse a sua alma, a alma que eu tanto amei, e amo. Seria como se eu matasse a mim mesmo, não seria?

Mas ainda era ela. E isso não me impedia de viver ao seu lado, se assim ela permitisse. Vê-la seguir seu curso, comigo sendo seu companheiro, vivendo ao seu lado até que seus dias se esgotassem naturalmente e, consequentemente, os meus também. Porque eu só existo por ela.

A lembrança de uma antiga visão de Alice brilhou em minha memória. Uma clareira, a nossa clareira. Uma garota, a minha garota. Um novo eu, plenamente feliz. Uma esperança. E seria desse jeito até o nosso limite. Mas quando esse limite chegasse, não haveria a dor que houve quando Bella morreu. Porque haveria a certeza de que ela me amou e eu a amei. E que o nosso tempo aqui na Terra foi finalmente vivido como há muito deveria ter sido.

Sim, era isso o que eu faria. Se ela me permitisse ocupar tal lugar em sua vida.

Vi uma lágrima brotar do canto de seu olho fechado, escorrendo por sua face. Havia angústia em sua expressão, e eu não sabia o que tanto a afligia. Queria poder saber o que a incomodava para, assim, fazê-la se sentir melhor. Era uma necessidade para mim. Eu necessitava que a minha vida estivesse bem. Mas ainda assim, eu temia que a razão desse sofrimento fosse a minha presença, porque, se fosse, por mais que me doesse, eu teria de me afastar. Porque ela sempre foi a minha vida. E é ela quem realmente importa.

“Não chore”, pedi, secando uma segunda lágrima sua que seguia um caminho semelhante à primeira. “Está tudo bem. Vai ficar tudo bem”, acariciei seu rosto, “minha Bella”, suspirei, “minha Luna.” Sorri, me aproximando mais de seu rosto, cantarolando a canção de ninar que estava trancada dentro de mim como uma memória de um passado bom e feliz. Um passado, que eu julgava estar para sempre perdido, de um eu que julgava ter morrido.

Mas agora, agora eu não era mais uma casca vazia ou um vampiro-zumbi. Agora não haveria mais rotina. Não haveria mais preto e branco ou escalas de cinza. Não haveria certezas também, mas era vibrante. Haveria sentimentos, cores, chocolate, morangos, frésias, incertezas e surpresas. E haveria Luna, se ela permitisse.

Haveria uma nova chance.

Ainda haveria culpa, eu sabia. Por amar de novo. Por respeito à Bella. Mesmo que fosse irracional eu me culpar por amar a mesma alma em pessoas diferentes, duas vidas que não eram a mesma, mas que possuíam a mesma essência única.

Mas, acima de tudo, haveria algo mais. E dessa vez, daria certo. Eu me empenharia nisso.

Porque agora havia esperança e prelúdios de uma vitória. A vitória do nosso amor.

E como se Luna compartilhasse dessa minha esperança, seu corpo relaxou e, com um suspiro, toda a tensão se foi. Os cantos dos seus lábios se curvaram minimamente para cima. Ela estava bem. E feliz.

Me vi tentando não criar falsas expectativas, tentando não me iludir. Mas era difícil não pensar que minhas palavras pudessem fazê-la sorrir, que minha esperança pudesse contagiá-la, que pudesse dar certo.

Havia tantos desejos... mas tantos obstáculos.

Agora, mais que nunca, deveria manter os pés no chão. Porque, agora, a única certeza que eu tinha era a de que Luna é a minha Bella e, por isso, não poderia perdê-la novamente. Ou não aguentaria.

E refletindo meus sentimentos, a tensão estava de volta nela. Como se ela não gostasse do rumo que meus pensamentos tomavam. Como se ela dissesse para ignorarmos os obstáculos, porque eu não iria perdê-la. Como se o que ela quisesse fosse que eu me deixasse guiar por um coração que não bate mais, mas que, na sua presença, age como se galopasse. Assim como o seu batia aceleradamente.

Encurtei ainda mais a distância entre nós. Toquei-lhe a face para que ela sentisse que estava tudo bem, que não precisava se alterar, que ia dar tudo certo. Eu faria dar.

E a proximidade era tanta, que pude sentir sua respiração quente se misturando à minha fria. Pude sentir minha garganta arder novamente, a familiar dor e o perfume inebriante atiçando em meu interior o desejo, não por seu sangue, mas por ela, pela presença dela, por seus lábios nos meus. E, por um instante, a atração me pareceu inevitável, incontestável.

Edward! Edward! Podia ouvir o pensamento de Alice gritar por mim, evitando que eu cometesse uma loucura, um ato desejado, mas, ainda assim, insano nas condições apresentadas. Você precisa sair daí agora!

Ignorei o tom aflito de seus pensamentos. Por que eu sairia? Meu lugar é com ela, ao lado dela.

Você precisa sair. Ela vai acordar!

Mas não era isso o que eu queria, o que eu mais desejava? Que ela acordasse e que pudéssemos resolver tudo de uma vez?

Vamos, Edward! Não desse jeito. Você vai assustá-la! Veja!

E eu tive o vislumbre da visão que Alice me mostrou.

Nela, Luna acordava de um pesadelo com um grito e se deparava comigo em seu quarto. E ela gritava de susto novamente, se encolhendo na cama. E enquanto eu me aproximava dela para tentar explicar alguma coisa, a luz era acesa e sua mãe aparecia na porta do quarto. Uma situação inexplicável.

Não precisava ser assim.

Voltei a atenção para o presente. Luna cerrava os punhos, a respiração se tornava ofegante, os músculos se enrijeciam, ela se movia inquieta na cama. Em breve ela acordaria.

Disparei em máxima velocidade para fora da janela, ao mesmo tempo em que Luna gritava “Não” e acordava. Não poderia ter fechado a janela sem ela perceber. Talvez, afinal, eu quisesse deixar uma pista de que estive lá.

Num instante, eu estava de volta à margem da floresta. Alice estava lá, carrancuda.

Por que hesitou tanto antes de sair de lá?

Simplesmente dei de ombros.

Sempre faça o que eu mandar quando eu mandar, ok?

Revirei os olhos e concordei com um aceno de cabeça.

Sabia que devia ter vindo! Fiquei desesperada quando suas ações ficaram incertas e impulsivas e vi que você podia pôr tudo a perder. O que aconteceu com você? E todo aquele discurso de não nos aproximarmos dela? Eu sei que agora você sabe que eu tinha razão, mas se você aparecer assim, de repente, vai assustá-la...

Ignorei-a, não precisava escutar o sermão que eu sabia que merecia. Eu sabia que a minha noite foi movida principalmente pela impulsividade e que eu poderia criar problemas maiores para mim e minha família e que as coisas podiam ficar fora de controle, mas era algo que eu simplesmente precisava fazer.

Desviei a minha concentração para outro pensamento que me era muito mais interessante agora, o da mãe de Luna.

Ela olhava preocupada para a filha, que parecia assustada e confusa, mas ficou mais tranquila quando soube que era só um pesadelo. Mais um dos seus estranhos pesadelos, ela pensava. Parecia normal para ela, mas o que esses pesadelos teriam de estranhos? Me vi intrigado. E que pesadelos seriam esses? Com qual frequência eles aconteciam?

“Feche a janela, sim? Não queremos um resfriado aqui.” A mãe voltou a dizer num tom divertido, Sempre distraída, essa minha filha, ela pensava, ela não tem jeito mesmo. Vi Luna concordar com um aceno de cabeça, para então a mãe sair do quarto da filha e fechar a porta, aliviada e despreocupada.

Voltei minha atenção à janela, esperando ansiosamente ela aparecer. E logo ela apareceu.

Tudo vai mudar agora, não vai? Alice estava do meu lado.

Somente lhe dei um leve aceno que, prontamente, ela entenderia como um ‘sim’.

Tudo mudaria porque, agora que eu tinha aquela certeza, eu lutaria por ela.

Alice se despediu silenciosamente de mim, deixando-me um pouco sozinho, digerindo tudo, a seu ver.

Eu só pude observar Luna, protegido pelas sombras das árvores. Admirar o quanto seus olhos brilhavam procurando algo na floresta, o quanto sua pele pálida era iluminada à luz do luar, o quanto seus cabelos se moviam quando ela balançava a cabeça e o vento soprava em seu rosto.

E quando nossos olhares se cruzaram, numa fração mínima de segundo, havia uma corrente elétrica percorrendo meu corpo. Uma descarga elétrica que me enchia de energia e vida.

Somente quando sua imagem não pôde mais ser vista, pude me libertar do feitiço que sua presença exercia em mim, atraindo a minha atenção para ela. E, então, pude ir embora, correndo com o vento, como o vento, voltando para casa e sabendo que, dessa vez, eu não deixaria nada dar errado.


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