Guinea P escrita por Gaby Molina


Capítulo 7
Capítulo 7 - Tão Gentis


Notas iniciais do capítulo

Pelo menos UMA pessoa acertou! Vivi, muita pizza pra você! ^^
Eu gosto desse capítulo ;3 Quero a opinião de vocês nesse aqui, hein?



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/441770/chapter/7

Jess

— Jessica, se eu puder ter um minuto...

Bufei e me virei para encarar Derek quando percebi que ele realmente não ia desistir.

— Tudo bem, mas só porque quero ver qual mentira você vai inventar agora.

Caminhamos até o Térreo. Ele se sentou ao meu lado e me fitou.

— Primeiro, eu não menti.

— Certo, só convenientemente esqueceu de me contar que seu pai basicamente manda nessa porra toda.

— Por que acha que não contei? — ele bufou, frustrado. — Você jamais me daria uma chance! Ninguém nunca me dá uma chance! Eu não sou o meu pai. Eu não quero estar aqui, estou trabalhando de graça e nem posso falar com ninguém sem que achem que estou coagindo alguma revolta e me processem por terrorismo. Meu pai não dá a mínima para mim, Jessica. Ele só quer que eu faça o que ele manda e pronto.

— Eu contei a você toda a minha história — falei, sem olhar para ele. — Acha que foi fácil para mim? Porque não foi. Eu nunca contei nada daquilo a ninguém, mas confiei em você. Eu só esperava que você fizesse o mesmo. Você é um estranho para mim. Não sei nada sobre você.

— Meu sobrenome não muda tanto as coisas.

— Esse não é o problema. Eu realmente não sei nada sobre você. Não sei de onde é, não sei do que gosta, do que não gosta, não sei qual é sua cor favorita, nem mesmo a sua porcaria de aniversário. Não conheço você.

Seus olhos verdes continuavam cravados em mim.

— Quer conhecer? — perguntou ele.

Eu sabia que, se olhasse para ele, cederia, então não o fiz. Derek aproveitou minha hesitação e começou a falar:

— Meu aniversário é dia 17 de Julho, sou de Londres, minha cor favorita é verde. Não verde-musgo ou algo do tipo, mas verde como esse gramado. Eu odeio nozes e, apesar de gostar de ler, sinto um enorme desprazer em ler livros sem diálogos frequentes. E quanto ao que eu gosto... — eu sentia seu olhar ainda fixo em mim. — Gosto de ficar ao ar livre. Gosto de surpreender as pessoas. Gosto de música indie bem desconhecida e, há algum tempo, gosto muito de você.

Mordi o lábio.

— Legal. Escuta, eu preciso de um tempo para assimilar tudo.

— Depois vou ganhar uma posição?

Levantei-me.

— Tenho quase certeza de que você vai me encontrar antes disso.

Corri de volta para o dormitório ainda pior do que quando saí de lá depois do almoço. Quando cheguei, deitei-me direto em minha cama e fechei os olhos.

Virei-me para o lado e, quando abri os olhos, uma latinha de Coca me esperava.

— É para você — disse Cora, que lia O Sol É Para Todos em sua própria cama. — Tem um bilhete.

Sentei-me direito, pegando o bilhete.

Não sei o que você tem ou como pode melhorar, mas imaginei que pudesse precisar de uma Coca.

Tenho essa teoria que qualquer problema que você não possa solucionar com uma Coca-cola ou música boa é insolúvel ou não é um problema.

Abri um leve sorriso, apesar de não saber por quê. Não havia assinatura, mas não era necessário.

— Quando ele veio? — perguntei a Cora sem desviar os olhos da Coca.

— Há mais ou menos uma hora, um pouco antes da aula de Muay Thai.

Arregalei os olhos, encarando-a.

— Puta merda!

James

— Sabia que encontraria você aqui — disse Valerie na porta da sala onde se treinava Muay Thai, com um belo sorriso vitorioso no rosto. — Já são duas e meia.

— Acha que não sei disso? — resmunguei.

— Me pergunto, então, o que você ainda está fazendo aí nesse tatame.

— Encarando o teto, como pode ver.

Ela revirou os olhos e deitou-se ao meu lado.

— Por que apenas não admite?

— Admitir o quê?

— Que gosta da Jess, idiota.

Soltei um riso alto.

— Não gosto da Jess.

— Então, por que ainda está aqui?

Dei de ombros.

— Não tenho outro lugar melhor para estar. Não gosto da Jess. Não gosto de ninguém. Meu coração é tão metálico quanto o lado esquerdo da tabela periódica.

— Bem, isso é verdade. Mas que você quer pegar ela, você quer.

— Valerie, cale a boca.

— Calei.

Ficamos em silêncio por um minuto. Olhei para minha irmã.

— Sabe onde ela está?

Ela hesitou.

— Bem, já que não sente nada pela Jess, acho que não vai se importar...

Ergui uma sobrancelha.

— Valerie Amanda Rivers. Onde a Jess está?

Valerie riu.

— Não é onde. É com quem.

Jess

— VOCÊ TEM QUE ESTAR TIRANDO UMA COM A MINHA CARA — ouvi a voz um pouco alterada de James dentro da sala. Bem, pelo menos ele estava lá. Espere. Por que ele estava lá?!

Depois de passar em seu dormitório, aquele era o lugar mais óbvio, apesar de não ser óbvio. Bati na porta e a abri.

Valerie e James me encararam por um minuto.

— Eu vou indo — disse Valerie, se retirando rapidamente.

Os olhos escuros de James continuaram cravados em mim.

— O que está fazendo aqui?

— Eu poderia te fazer a mesma pergunta — repliquei, deitando-me ao seu lado no tatame.

— Qual é a desculpa dessa vez?

— Sem desculpa. Foi um dia cheio e eu esqueci. Obrigada pela Coca, falando nisso. Me fez sorrir.

— Não sei por que ainda me dou ao trabalho — ele revirou os olhos.

Sentei-me, encarando-o.

— Olha, eu entendo que esteja bravo porque eu me atrasei, mas estou aqui agora. E você não precisa ficar descontando tudo.

Ele se sentou também.

— Acha que isso é por causa do atraso? Não é. O problema é: por que você se atrasou?

Quando abri a boca para falar, percebi o olhar dele por trás dos óculos. De algum jeito, tive a certeza de que ele já sabia a resposta.

— Olha, eu sei que vocês dois não se gostam, mas...

— Mas...? — ele ergueu uma sobrancelha.

— Mas eu não entendo qual é o grande problema. Isso não afeta nada na sua vida. Eu falar com Derek não afeta nada na sua vida, você não tem o direito de dar palpite. Se está reclamando tanto, ao menos seja honesto comigo: disse que ia se mandar em cinco minutos se eu não aparecesse. O que o fez mudar de ideia?

James respirou fundo.

— Achei que fosse óbvio.

— Porra, James! Eu não sei o que é isso que parece ser tão óbvio o tempo todo, mas não é óbvio para mim!

Ele bufou, frustrado, e se levantou. Fiz o mesmo.

— Por que acha que eu fui nos testes? Porque sei que é uma bosta no começo, e eu queria ter certeza de que você ia entender e conseguir uma nota boa. Que não ia travar. Eu me ofereci para te ensinar Muay Thai porque você é esforçada e eu acho que merece aprender com alguém que dê a mínima para o fato de você estar assimilando alguma coisa ou não. Acha que eu tenho cara de ONU? Eu não fico fazendo caridade com novatos.

Aproximei-me, ignorando a diferença óbvia de altura, e estreitei os olhos, encarando-o.

— Então por quê? — indaguei. — Você não é meu pai. Nem meu irmão. Então por que se importa tanto?!

James não desviou os olhos de mim. Eles não eram gentis e não faziam com que eu me sentisse segura e confortável. Muito pelo contrário, seu olhar era tão feroz e letal que por um minuto pensei que ele fosse aplicar outro Dteh em mim ou me xingar.

Mas, ao invés disso, apenas segurou minha cintura, grudando meu corpo no dele, e selou nossos lábios.

Ele afrouxou as mãos em minha cintura como se me desse a opção de recuar. Quando não o fiz, ele aprofundou o beijo. No fundo, eu sabia que recuar não era uma opção. Nunca pensara muito no assunto, mas, naquele momento, eu queria aquilo. Queria tanto quanto queria oxigênio, tanto quanto queria uma Coca-Cola depois de dias no deserto.

James não foi gentil ou cuidadoso, como se eu fosse de porcelana e pudesse quebrar a qualquer momento. Eu sentia seu desejo cada vez que seus lábios se movimentavam, e os pequenos sorrisos maliciosos enquanto ele me pressionava contra a parede. Seus óculos deslizaram quando ele baixou a cabeça, e encostaram na ponta de meu nariz.

Aquele era James. Aqueles éramos nós, duas bombas de calor em choque, dois trens em direções opostas a ponto de colidir. Nada nunca seria simples e Sparkiano com James, seria sempre a eterna história de amor e ódio.

O único aspecto em que James se parecia com qualquer cara de qualquer livro de Nicholas Sparks era o fato de que beijava maravilhosamente e surpreeendentemente bem.

Quando finalmente nos separamos e abrimos os olhos, encontrei aquele par de olhos escuros cravado no meu.

— Diga ao Woopert que mandei lembranças — ele piscou e começou a caminhar até a porta.

— Você não consegue não ser um babaca? — ergui uma sobrancelha.

Ele se virou, sorrindo.

— Mas é a melhor parte! E, só para deixar claro — ele me encarou. — Eu não sou a segunda opção de ninguém. Até o jantar, Jess.

E então apenas observei-o se afastar.

* * *

Ainda havia pelo menos umas quatro horas até o jantar, mas eu consegui matá-las apenas olhando para o teto e ouvindo música no iPod.

Kristen gastou aquelas quatro horas me encarando e silenciosamente imaginando o que tinha de errado comigo. Eu não ia contar. Primeiro porque não queria que ninguém criasse expectativas de nada, porque eu não estava criando. Segundo porque eu sabia que ela tinha um fetiche por James, o que talvez fizesse de mim uma amiga ruim por tê-lo beijado, mas nós não éramos amigas. E terceiro...

Algumas coisas são simplesmente preciosas demais para serem compartilhadas.

— Tive uma conversa com James que não envolveu nenhuma teoria ou conspiração — comentei de repente.

— É mesmo? — Kristen franziu o cenho.

— Oh, sim. Mas envolveu muitos gritos e respostões, então acho que está valendo — dei de ombros.

— Deus, vocês dois algum dia vão chegar num consenso?

Dei de ombros.

— A gente se entende eventualmente.

* * *

— Pode me passar o sal, Jess? — pediu James gentilmente na hora do jantar.

— Hã... Passar... o... Ér, claro — passei o tempero rapidamente, quase derrubando tudo no chão.

Pensei que James fosse ficar mandando indiretas, ou me provocando, ou qualquer coisa. Mas ele não precisava. Podia apenas sentar e se divertir com o quanto eu estava desconfortável.

Sádicos.

James

Posso ter um minuto da atenção de vocês, por favor? — pediu Dylan Tender com um microfone. — O Projeto Guinea P. tem o orgulho de informar que conseguimos desenvolver um soro que reajusta o foco de luz que o olho recebe, corrigindo o problema na refração.

— Blá blá blá — Jess resmungou baixinho.

— James, pode vir aqui um instante?

Eu e Jess levantamos instantaneamente. Ergui uma sobrancelha para ela.

— Mas ninguém nos chama pelo primeiro nome aqui — ela defendeu.

Eu estou chamando. Queira sentar-se, srta. James — disse Tender.

Jess suspirou, se sentando.

— Nerds são sempre queridinhos.

Caminhei até Dylan, que tirou meus óculos e anunciou:

— CURAMOS A MIOPIA DELE!

— Que incrível! — Jess bateu palmas, fingindo estar admirada. — Nem é como se tivéssemos um aparelho laser que faz exatamente a mesma coisa! Não, espera... É sim.

— Porém, há riscos graves envolvidos na cirurgia — Dylan argumentou. — Não há riscos com o soro, e atinge potencial total em poucas semanas.

* * *

— Por que ainda estava usando os óculos no jantar? — perguntou Jess enquanto voltávamos ao dormitório.

— Não são os mesmos óculos de sempre — torci o nariz, tirando-os do bolso para mostrar. — As lentes não têm grau. Deus, é estranho ficar sem eles. Uso óculos desde os seis anos.

— Por isso não se importa quando tiro sarro de você?

Eu ri.

— As crianças de Detroit podem ser muito mais malvadas e irritantes do que você.

— Aposto que aplicou uns Dtehs muito incríveis nelas.

Dei de ombros.

— Não até fazer treze anos. Quase fui expulso do colégio uma vez por bater em um cara.

— Blé, as pessoas exageram demais.

Jess

James hesitou.

— Provavelmente é porque um dos dentes do garoto ficou preso no meu punho.

Ergui uma sobrancelha.

— Está tentando me impressionar ou o quê?

— Ou o quê. Se eu quisesse mesmo te impressionar, não seria dizendo que retirei cuidadosamente o dente de um cara com meu punho quando tinha quinze anos.

— Bom saber — encostei na porta de meu dormitório. — Até depois.

— Até — ele abriu um leve sorriso e se afastou, entrando no próprio quarto.

Entrei no meu e deitei-me em minha cama.

— Era o James? — indagou Kristen.

— Sim.

— Ele tem sido bem gentil com você de uns tempos para cá.

— Eu acho que as pessoas deveriam ter o direito de ser gentis umas com as outras — defendeu Coraline. — Sabe, sem nenhuma segunda intenção. Todo mundo deveria ser gentil. Se não, vamos passar o resto de nossas vidas competindo e brigando e nunca vamos confiar em ninguém. Aí podemos acabar não sendo felizes e tal.

Coraline

Jess se levantou abruptamente, me dando as costas. Eu não estava supondo nada, até que ouvi um soluço.

— Jess? — aproximei-me dela, suavizando o tom de voz. — Você está...?

— Sente-se — pediu ela, mas soou como uma ordem.

Eu o fiz. Ela fungou e sentou-se ao meu lado.

— Desculpe. É que você soou muito como ela agora — ela abriu um leve sorriso, de cabeça baixa.

— Sarah?

Ela demorou para responder.

— Sim. Olha, depois que eu saí de casa... Passei uns dois meses sozinha, até que, numa noite, ouvi passos na calada da noite. Tenho sono leve, sabe. Levantei-me com meu taco de beisebol que eu pegara da minha família adotiva a fim de me defender, mas me deparei com um garoto e uma garota. Damon e Sarah. Ele devia ter uns onze anos, e ela era três anos mais nova do que eu, como você. Tinha treze e eu tinha dezesseis. Acabei aceitando dividir o lugar com eles. Sarah tinha uma voz maravilhosa, ela costumava cantar em praças e bares por algum trocado. Ela era a pessoa mais incrível que eu já tive o prazer de conhecer.

Era?

Jess me ignorou e continuou a história:

— Sempre gentil, sempre positiva. Só que ela tinha uma doença meio rara. A doença nunca se manifestara, então ela nunca fora checar, mas acabou se espalhando e piorando e tal. E, quando vimos, já era quase fatal. Tentamos levá-la a hospitais e tal, mas todos os tratamentos eram absurdamente caros. Além do mais, com toda a grande revolução do tal Tristan, tudo estava uma zona, e os médicos não tinham vontade nem condição de fazer caridade. Aí Sarah morreu.

Encarei-a por um momento, surpresa pelo final sintético. Cada palavra da história parecia tomar um pedaço da alma dela como um aspirador de pó de almas, então era compreensível que ela quisesse acabá-la rapidamente.

Além do mais, acho que foi assim que aconteceu na mente dela. Tudo se desenvolvendo calmamente, e do nada bum.

— Eu me pareço com ela? — perguntei. Não conhecia a tal Sarah, mas, pelo jeito que Jess falava, eu sentia que queria me parecer com ela.

— Sim. Mesmo cabelo louro, voz aguda, estatura pequena, jeito hiperativo e otimista e totalmente adorável.

Ouvimos uma batida na porta.

— Se for James, eu vou seriamente começar a achar que ele está apaixonado por você — disse Kristen.

Balancei a cabeça.

— Não é James.

Abri a porta e, como esperado, lá estava Derek.

— Esqueci de te contar uma coisa — ele me fitou. — Quando eu era pequeno, queria ser um astronauta. Ou o Homem-Aranha.

Eu sorri.

— Não está inventando isso?

Ele afastou o cabelo louro do rosto, sorrindo.

— Sei que estou um pouco longe de alcançar esses objetivos no momento, não precisa jogar na minha cara.

— Jess, quem está aí? — perguntou Kristen, e a ouvi levantando.

— Você deveria ir — encarei Derek. — Tchau.

— Tchau, Jessica. Até...

E então bati a porta.

— Ninguém — sorri para Kristen.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!