Guinea P escrita por Gaby Molina


Capítulo 5
Capítulo 5 - Térreo


Notas iniciais do capítulo

Um pouco mais do britânico misterioso para vocês...



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Jess

Derek me acompanhou até o dormitório.

— Então... — sorri levemente. — Isso foi legal.

— É, deveríamos definitivamente repetir.

— Certo. Qualquer hora está ótimo — falei, e depois percebi que provavelmente soara muito atirada e desocupada (apesar de ele saber exatamente qual era a minha ocupação). — Quero dizer... Tenho que checar a minha agenda.

Derek riu um pouco.

— Posso surpreendê-la?

— Você pode tentar.

Ele sorriu e beijou minha bochecha.

— Bom dia, Jessica.

— Até... Até.

Observei-o se afastar.

Coraline

— Nem pense nisso — falei enquanto Jess tentava se esgueirar para dentro do dormitório sem ser notada.

— Porra, você não dorme?! — ela ergueu uma sobrancelha para mim.

— Onde você estava?

— Não é da sua conta, pirralha.

— Eu tenho quatorze anos, não sou pirralha. Por que você está com um sorriso bobo no rosto enquanto me insulta?

— Que sorriso?

— Você estava num encontro?

— Não sei se percebeu, mas aqui não é exatamente um lugar para encontros.

— Mas você queria que fosse um encontro?

— Não — disse ela. — Sim. Talvez. Não. Talvez.

— Admitiu!

— Eu disse talvez. Merda, Sarah, vá dormir.

Estreitei os olhos.

— Sarah?

— Eu disse Cora.

Jess não havia dito Cora.

—... E não fale sobre isso com Kristen.

— Por que não? Aaaaah! Já sei! — dei alguns pulinhos. — Você estava se agarrando com James!

— Não! Não, não, não! Eu não estava me agarrando com ninguém. Vá. Dormir.

Suspirei, sentando-me em minha cama.

—... Cora — Jess completou baixinho, mais consigo mesma do que comigo.

James

— E aí? — fitei Jess quando ela sentou-se ao meu lado no café-da-manhã.

— E aí? — ela continuou nossa tradição, mas sem sorriso.

Ótimo, o sorriso do dia anterior já havia sido estranho o suficiente.

— Você sabe que eu odeio trazer essas conspirações antes do almoço — ela abriu meu pão francês, pegando o miolo para si e enfiando-o na boca.

— Até parece.

— Enfim — ela me encarou com a boca meio cheia. — No dia do teste, eu não enxergava nada porque estavam testando a minha audição. E você?

— Érrr... Venho tomando um outro tipo de remédio, o médico achou que poderia interferir.

— Então, você não fez o teste?

— Não.

— Então por que estava lá?

Revirei os olhos, evitando olhar para ela.

— Achei que isso fosse bem óbvio.

Eu podia ver no olhar de Jess que ela não achava tão óbvio assim, mas não ia admitir. Às vezes eu realmente agradecia por ela ser tão orgulhosa.

— Afinal... Você disse que um médico não deixou que aplicassem o soro em você? — repetiu ela. Assenti. — Isso é novidade. Achei que aqui embaixo só houvesse capitães de exército e cientistas malucos.

— Tem muita coisa que você não compreende — repliquei.

— Sem discussão antes do almoço, por favor — Valerie revirou os olhos. — Entãão... Como está o Muay Thai?

— A Jess é uma bela porcaria em luta — falei com a boca meio cheia de pão.

— Você não ensina nada — Jess retrucou.

— Não? Chutes circulares, defesa usando o cotovelo... Tudo aquilo foi o quê?

— Érrr... Ok, pode ser que você tenha ensinado alguma coisa.

— Obrigado. Falando nisso... Richard está preocupado com o fato de que você está atrasada em relação aos outros, então pediu que fizéssemos um treino extra individual hoje. Te encontro no tatame às cinco?

— Hã... Claro.

Jess

— Vai sair de novo? — perguntou Coraline mais tarde.

De novo? Foi só quando ela disse que percebi que talvez estivesse passando muito tempo com Derek.

Eu não estava indo a nenhum lugar específico, só talvez andar por aí à procura de Derek. Eu nunca conseguia encontrá-lo, mas ele sempre me encontrava.

Não respondi à pergunta de Coraline. Ela vinha fazendo muitas perguntas desde que eu a chamara de Sarah, e eram perguntas que eu não queria responder.

* * *

— Você vai aplicar o teste hoje à noite? — perguntei a Derek quando estávamos no Térreo.

— Não tenho certeza.

— Acha que vou enxergar dessa vez?

— Acho que, independente disso, você vai se sair muito bem. Eu gostaria de estar lá, mas não sei. As coisas têm estado um pouco complicadas com o meu chefe.

— Como, exatamente, você acabou aqui?

— Sou excelente em Química — disse ele, mordendo uma maçã que havia trazido.

— É mesmo?

— Sim. Falam que, quando eu for mais velho, vou ser o futuro do desenvolvimento dos soros.

— Que legal — menti.

Ele riu.

— É uma bosta.

— Quantos anos tem?

— Dezenove. Faz quase um ano que estou aqui. E você? Como veio parar aqui?

— Invadiram minha casa com um mandato e me enfiaram em um carro preto.

— Como seus pais reagiram?

Desviei o olhar.

— Não tenho pais.

— Todo mundo tem pais — contestou ele. — Eles faleceram?

Dei de ombros.

— Não sei. Fui adotada quando tinha sete anos por uma família de asiáticos.

— Está brincando.

Fiz que não com a cabeça.

— Acontece que eu não sou excelente em Química, e eles nunca estavam satisfeitos comigo. Minha mãe adotiva disse que, se eu não conseguisse um A na prova seguinte, não precisava me incomodar em voltar para casa.

— E você tirou o A?

— Não importa. Saí de casa na mesma hora — funguei. — Faz um ano. Deus, esqueça que te contei tudo isso.

Derek abriu um sorriso gentil e me abraçou.

— Fico feliz que tenha contado. Parece que precisa de alguém para conversar.

Assenti, secretamente agradecida pela compreensão. Quando nos afastamos, falei:

— Provavelmente vou ficar trancada neste lugar para sempre. Não tenho ninguém para me tirar daqui.

— Eu tiraria você daqui, se soubesse como.

— Mas não sabe. Todo mundo fica surpreso com o quão normalmente eu estou lidando com tudo... Mas isso aqui não é nada. Eu sou um desastre de trem. Jessica, a estranha sem família, amigos, teto... Sei lá.

— Eu sou seu amigo — defendeu ele, cravando os olhos verdes nos meus.

— E não acho que seja estranha. Acho que você é linda.

Fitei-o, surpresa. Ele riu um pouco com a minha expressão e afastou uma mecha de meu cabelo do rosto. Depois de me fitar por um momento como se pedisse permissão, ele se inclinou e me beijou nos lábios.

Um calor bem-vindo me envolveu quando Derek colocou uma mão em minha cintura e grudou nossos corpos. Minhas mãos acariciavam os cabelos dourados e desalinhados dele, bagunçando-os ainda mais. Quando o ar acabou e nos afastamos, eu mal conseguia recuperar o fôlego.

— Bem... Talvez eu não seja exatamente seu amigo — ele abriu um leve sorriso, sem desviar os orbes verdes dos meus. — Asiáticos idiotas.

E então me beijou novamente. Quando nos separamos, ele entrelaçou os dedos da mão nos meus. Encostei minha cabeça em seu ombro e ficamos assistindo ao pôr-do-sol.

James

— Entra — falei ao ouvir uma batida na porta da sala onde treinávamos Muay Thai. Quando me virei, surpreendi-me ao me deparar com Kristen. — Ah, oi. Achei que fosse a Jess.

— Eu estava procurando por ela, na verdade. Está desaparecida desde as quatro.

— Eu marquei com ela às cinco, e já são sete.

— Então, o que ainda está fazendo aqui?

Dei de ombros.

— Não tenho outro lugar para estar.

— Bem, o jantar é daqui a pouco. E então o teste.

Suspirei.

— Tinha me esquecido do teste.

— Se corrermos agora, podemos pegar o primeiro jantar.

Fitei-a por um momento.

— É, tudo bem.

Jess

— Boa noite — Derek cumprimentou o Grandão Número Um com um aceno de cabeça quando chegamos ao subsolo.

— Oi! — acenei, sorrindo levemente.

Os olhos do Grandão Número Um se intercalavam entre eu e Derek.

— Boa noite.

Algo no olhar dele me deu a certeza de que ele tinha uma boa noção de tudo o que havia acontecido entre eu e Derek lá em cima. Só então percebi que ainda estávamos de mãos dadas. Soltei-as rapidamente.

Quando chegamos ao corredor, fitei Derek.

— Boa noite? Que horas são?

Ele olhou em seu celular. Senti uma pontada de inveja.

— Sete e quarenta.

— Está brincando comigo. Porra, o Sabe-Tudo vai me matar!...

— Quem?

— Meu instrutor de Muay Thai. Eu tinha uma aula marcada com ele às cinco.

Por algum motivo, eu não queria falar de James com Derek. Talvez fossem as constantes suposições de Cora quanto a eu estar saindo com o Rivers.

É, era isso mesmo.

— Então... Suponho que você tenha de correr?

Mordi o lábio.

— Tipo isso. O teste é em vinte minutos, e eu não jantei.

— Merda! Desculpe, eu não...

— Relaxa. Tenho que ir.

— Vejo você depois — ele beijou minha bochecha e se afastou.

Corri para o refeitório, mas James não estava lá. Engoli a comida e corri para o Térreo.

Foi só quando corri até James que percebi que conseguia enxergar.

— James, eu sinto muito — falei, sincera. — Eu perdi a noção do tempo. Não foi de propósito.

— Não tem problema — disse ele, mas seu tom de voz sugeria que tinha problema, sim. — Consegue me ver, então?

— Bem... Mais ou menos. Não é como a luz do dia. Eu vejo os contornos, mas não os detalhes. Como uma espécie de penumbra. Afinal, o que você está fazendo aqui?

— Ainda acho que é bem óbvio — ele resmungou, mais seco do que o normal. — O que ficou fazendo a tarde toda?

— Desde quando se importa com o que eu faço? — ergui uma sobrancelha.

— Desde que passei duas horas sentado num tatame esperando por você.

— Eu realmente sinto muito.

— Tá, já disse que não faz mal.

Boa noite — disse aquela voz rouca e conhecida com o sotaque britânico sedutor. Meu coração começou a bater mais rápido. — Vou aplicar o teste de vocês hoje. De novo. Tender achou que seria bom que eu desse prosseguimento ao teste, para avaliar alguma melhora em relação ao anterior.

— Ninguém liga! — James berrou, bufando.

Fez-se silêncio por um momento.

Sua opinião é como uma pizza que eu não pedi, Rivers. Às vezes útil, mas sempre vem na hora errada. Até onde sei, você nem tem motivo para estar aqui, então cale a boca antes que eu o chute de volta para o subsolo. Agradeço.

Eu tinha quase certeza que eles se odiariam, só não sabia que já se conheciam. E já se odiavam.

... Número 1128, você é o primeiro.

Fiquei algum tempo esperando antes de ser chamada.

Número 1124.

— Boa sorte — disse James.

— Valeu — caminhei com mais facilidade até Derek.

Eu não conseguia vê-lo direito, mas seus olhos eram como um farol na escuridão, assim como sua lanterna. Fiquei imaginando se o soro fora construído daquela maneira.

— Sua ficha diz que é boa em arco e flecha — ele abriu um leve sorriso.

Ergui uma sobrancelha.

— Não pratico há pelo menos dois anos.

— Dizem que algumas coisas não dá para esquecer. Como... andar de bicicleta. Espero que arco e flecha também seja o caso — ele me entregou um arco e uma aljava.

— Tem que estar brincando comigo.

— Na verdade, não. Ali estão os alvos — ele apontou para cinco alvos comuns à direita. — Tudo o que tem que fazer é acertá-los. Consegue enxergar?

— Mais ou menos.

— Bem, já é um avanço.

Mirei. Errei um alvo completamente, acertei um em cheio e os outros três foram parar mais ou menos perto do centro.

— Não foi ruim — elogiou Derek. — Agora...

Ele mirou a lanterna em um dos alvos e me fitou. Certo, isso ajudava. Mirei outra flecha e acertei em cheio. Joguei mais três flechas com o auxílio da lanterna, que foram parar bem perto do centro.

— Isso fazia parte do teste? — ergui uma sobrancelha.

— Sabe que não posso falar disso.

Suspirei, devolvendo-lhe o arco e a aljava.

— Terminamos?

— Sim.

Quando me virei para voltar ao Alfa, Derek me puxou pela mão, fazendo-me virar, e então me beijou nos lábios calma e gentilmente. Ao nos separarmos, ele sussurrou:

— Eu estava me sentindo mal até agora por aquele beijo de despedida na bochecha mais cedo.

Abri um leve sorriso.

— Acho que isso conserta as coisas.

Ele me fitou.

— Espero que sim. Vem, temos que voltar.

James

Senti uma mão apertar meu pulso.

— Oi — disse Jess em algum lugar à minha direita.

— Oi. Como foi? — tentei olhar para ela, mas mal a enxergava.

— Acho que bem.

— Que bom. Vamos, eu te acompanho até o dormitório.

Ela soltou um riso.

— Considerando que eu enxergo e você não, suponho que eu é que vou acompanhar você.

Revirei os olhos com um leve sorriso no rosto. Coloquei o braço em volta de seu pescoço, puxando-a para baixo a fim de enforcá-la, e ela mordeu meu braço.

— Ei!

Eu não fazia ideia exatamente de como, mas eu sabia que ela estava sorrindo. Jess me arrastou até o Alfa, e descemos para o subsolo. Ela parou em frente à porta de meu quarto e me encarou.

— Podemos remarcar a aula de Muay Thai?

— Claro — falei instantaneamente. — Quero dizer... Vou ter que checar quando é que posso ter um tempo livre.

— Tudo bem — ela desviou os olhos brilhantes.

— Me avise, certo?

— Pode deixar. Boa noite, Jess.

— Boa noite. Até amanhã — ela me deu licença e entrou no próprio dormitório.

Jess

— Tudo bem? — fitei James no café-da-manhã, que comia furiosamente seu cereal. — Não coma de boca aberta.

— Tanto faz — ele murmurou. — Se eu tiver outra reunião com o Woopert Jr. hoje, vou acabar inusitadamente cortando a garganta dele com a minha faca de manteiga.

— E então vai direto para o Ômega — argumentou Valerie.

— Val. Se eu matasse o Woopert, seria considerado um serviço benéfico à humanidade. Provavelmente me dariam a chave da cidade ou sei lá.

— De que adianta? Você continuaria trancado aqui embaixo.

— Afinal, quem é esse cara? — perguntei, já cansada de ouvir falar sobre o tal Woopert.

Valerie olhou em volta, procurando.

— Ah, ali está — ela apontou. — Woopert Jr., filho de um dos maiores sócios, investidores e patrocinadores do Projeto Guinea P. Atualmente um estagiário seguindo os passos do papai Woopert.

Aquilo não teria nenhuma influência na minha vida, não fosse o fato de que Valerie estava apontando para Derek.


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Notas finais do capítulo

... E a mente da Jess fez PUF!