Sob o Brilho da Lua escrita por Bia Kishi


Capítulo 12
Capítulo 12 - Boas Mudanças


Notas iniciais do capítulo

Foi nesse exato momento que eu ouvi os passos. Eu não precisava me virar para ver quem era. Eu reconheci o cheiro, reconheci o caminhar despreocupado. Eu era muito boa com cheiros e podia conhecer qualquer um que já tivesse visto na vida, mas este, este era muito diferente. Era um cheiro familiar e confortável, como se eu já o conhecesse.
Eu engoli em seco e me virei, apenas para confirmar o que eu já sabia – Alaric Saltzman.



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Depois do meu comportamento totalmente estranho e sem noção na aula de Alaric, Matt saiu da sala ao meu lado. Pegou os dois livros que eu carregava e o levou em seu braço.

-           Então, você vai me dizer o que está acontecendo com você, ou vai continuar fingindo que está tudo bem. Porque se vai continuar fingindo, devo confessar que não funciona comigo. Eu posso ver além disto.

Eu soltei um suspiro profundo e estranho que saiu meio assoviando, meio roncando.

-           Ok Matt, se é a verdade que você quer, eu vou te contar a verdade.

Bem, sinceramente eu não ia mesmo contar a verdade para ele, mas eu ia contar tudo da verdade que eu podia naquele momento. Para falar a verdade, se eu não contasse alguma coisa para alguém eu iria enlouquecer.

Eu segurei Matt pela mão e o arrastei até uma mesinha de piquenique que ficava perto da quadra – nós teríamos aula de educação física e cabular uma aula não era uma coisa assim tão terrível.

Matt sentou-se no banco e eu na mesa, seus olhos azuis estavam ainda mais fofos com o principio de sol que começava a sair no céu. Eu olhei para ele, e me lembrei de Miguel – não sei por que eu fiz tal associação, mas eu fiz.

-           Eu briguei com Stefan.

Tentei começar a história pela parte mais fácil de explicar, mas era também a parte que mais me doía.

-           E é por isso que você está tão chateada?

-           Sim.

-           Você gosta mesmo dele, não é Ayllin?

-                      Sim Matt, eu amo muito Stefan. Brigar com ele dói muito em mim, sabe é como se doesse fisicamente.

-           E se eu estou certo, e eu acho que estou, vocês brigaram por causa de Damon.

-           Sim de novo. Você está certo.

-           Ele e o irmão não se dão muito bem, não é?

-                      Coisas do passado Matt, eu só queria que eles entendessem que eu não ligo á mínima. Não quero saber do que passou, mas eles ficam naquela disputa idiota o tempo todo.

-           E você gosta do Damon também, não é?

-           Certo de novo. Eu gosto muito do Damon.

            Matt subiu para a mesa ao meu lado e me abraçou, passando o braço em volta de mim, e encostando minha cabeça em seu peito.

-           Dê um tempo á Stefan, ele vai entender.

-           É só o que eu posso fazer, sabe, livre arbítrio.

-           E quanto ao seu pai, alguma notícia?

-           Nenhuma.

-                      Isso é o que mais me chateia sobre a briga com Stefan. Ele nem ao menos quis saber o que aconteceu. Ultimamente Stefan anda meio estranho comigo.

-           Talvez seja só ciúme.

-           Espero que sim, mas mesmo assim, a verdade é que não sei se foi uma boa idéia vir até aqui. Tenho pensado que talvez eu deva voltar para casa.

            Matt segurou meu queixo com a mão e olhou em meus olhos. Eu tentei baixar o olhar, mas ele sustentou.

-           Ei, essa não é garota que eu conheço. A garota que eu conheço é forte e decidida e enfrenta tudo e todos pelo que acredita.

Deixei meu olhar se perder no de Matt. Naquele momento era como se ele quisesse dizer mais do que disse, não sei, eu sentia como se Matt pudesse ler minha mente, como se ele soubesse mais de mim do que realmente sabia.

-           Eu não sei mais se sou a mesma garota, Matt.

-           Talvez você não seja, e isso é bom. Mudanças são boas Ayllin, você vai ver.

Eu sorri, era bom ouvir alguém acreditar tanto em mim. Eu gostava dos conselhos de Matt, eles eram tão adultos e cheios de benevolência. Mais uma vez, ele me lembrou Miguel.

-           Você falou exatamente como alguém que eu conheço.

-           É mesmo, quem?

-           Miguel.

-           Bom então, acho que esse Miguel está certo!

Matt apenas sorriu, sem fazer nenhum comentário, sem perguntar nada sobre quem era Miguel, eu também não disse mais nada. Logo em seguida o sinal do último tempo tocou e eu me despedi dele para ir embora.

Como eu tinha vindo de carona com Damon, eu tive que voltar andando para a pensão. Não que isso fosse um problema, na verdade eu estava mesmo precisando pensar e gostava de fazer isto em movimento.

Caminhei pela calçada molhada de chuva calmamente, pisando sobre as folhas do outono. Quando entrei na pensão, não encontrei nenhum dos dois vampiros. A casa estava totalmente silenciosa e eu fui direto para o meu quarto.  Vesti uma calça de ginástica e um blusão de moleton da DKNY que eu havia pegado no armário de Stefan, no dia em que dormi no quarto dele.

Eu me sentei na soleira da janela e fiquei observando as folhas do carvalho caindo com o vento. Estava frio – meu clima preferido – e o cheiro de Stefan ainda estava na blusa. Era como se ele estivesse comigo. Senti uma lágrima descer pelo meu rosto, enquanto um imenso nó saia do meu estômago em direção a minha garganta.

Eu queria chorar por um século. Tudo estava estranho e fora do lugar em minha existência, desde que eu pisei naquela bendita cidade. Eu tinha a sensação de que nada estava sob o meu controle e que a qualquer momento eu ia desabar.

Tentei organizar meus pensamentos em todos os problemas que eu tinha conseguido juntar recentemente.

Havia a história com Damon, que por mais que eu tentasse fingir, era forte e eu não conseguia mais esconder. Por mais que eu achasse errado o que minha mãe fez, a partir do momento que eu conheci Damon, eu passei a entender. Eu o amava, amava muito e tudo que eu queria, era estar com ele. Não existia certo, nem errado quando Damon estava comigo. Eu era uma pessoa diferente. Ou melhor, quando eu estava com Damon eu era realmente uma pessoa, de carne e osso e sentimentos. Para alguém que passou tanto tempo vivendo apenas a vida dos outros e se escondendo, finalmente sentir o que eu sentia por Damon era adorável. Eu gostava quando ele me beijava, gostava das reações que seu toque provocava em minha pele, eu gostava da pressão de seu corpo sobre o meu, e eu o queria. E como queria. Cada célula do meu corpo pedia Damon para mim. Eu sabia que seria apenas uma questão de tempo para que o que “tecnicamente” não havia acontecido ainda, acontecesse.

  Havia também a briga com Stefan, uma briga idiota e sem sentido. Eu sempre soube as razões de Stefan para não gostar de Damon e sinceramente, eu entendia. A questão é que eu ficar com Damon, não tinha nada a ver com Katherine. Damon não estava tirando nada Stefan ficando comigo. Eu não tinha nada com Stefan, bom, pelo menos nada do tipo que eu tinha com Damon. Eu queira o meu amigo de volta. Queria que ele me abraçasse e me dissesse que tudo ficaria bem, que eu conseguiria lidar com todos estes fantasmas, e queria que ele dissesse que estaria ao meu lado.

Eu sei que era meu dever salva-lo e por isso eu vim a Fell’s Church, e eu nem estava colocando isto em questão. Eu tinha noção do meu dever, sempre tive. O fato é que o que surgiu entre mim e Stefan era maior que tudo que eu senti por algum humano – ou vampiro – que eu encontrei em minha vida. Eu sentia uma ligação tão profunda com ele que era como se metade do meu coração estivesse morrendo com esta briga. E eu não gostava disso.

Havia ainda a questão “morte da Lexi” que levou com ela para o além todas as respostas sobre meu passado e sobre a criatura que me deu a vida – ok, eu sei que deveria ter algum sentimento por ele, mas eu nunca tive e nem teria, afinal o cara matou a minha mãe!

 E como se não fosse o suficiente, ainda apareceu aquele professor totalmente estranho por quem, por alguma razão idiota e sem sentido, eu havia ficado totalmente besta. Não que ele me interessasse romanticamente, nada disso – romanticamente eu queria mesmo o meu monstro particular. A questão era que o tal professor mexia com meus sentimentos de uma maneira estranha. Ele era bonito, ok, mas eu não sou uma deslumbrada como Híade. Não eram os cabelos levemente cor de mel, nem os olhos cor de âmbar, ou o corpo bem esculpido, ou mesmo o doce e meigo sorriso que sempre se espalhava pelo rosto dele quando eu o olhava; algo a mais existia naquele jovem professor. Algo como se eu o reconhecesse – eu sei soa bem estúpido e provavelmente é, mas era o que eu sentia. Eu precisava saber mais sobre ele, de alguma maneira.

Eu ainda estava perdida em pensamentos, quando a porta do meu quarto se abriu. Eu senti meu coração subir na goela quando olhei para a porta – Stefan.

Ele entrou e se aproximou de mim. Eu nem sabia se queria ou não falar, na verdade eu nem sabia se conseguiria falar alguma coisa que fizesse sentido, caso ele me perguntasse. E então, ele perguntou.

-           Podemos conversar?

Eu assenti com a cabeça para não correr o risco de falar alguma bobagem, já que eu sentia minha língua um tanto quanto solta naquele momento.

Stefan sentou-se ao meu lado e deslizou a mão pelo cabelo – coisa que ele sempre fazia quando estava nervoso.

-           Será que meu anjo pode me perdoar?

Eu tentei parecer calma e segura – uma vez que ele tinha me pedido desculpas, o que era ótimo.

-           Bem, eu acho que posso conversar com ela, talvez dê certo.

Ele se inclinou para mim, apoiando uma das mãos no peitoril da janela, de modo que seu corpo estava a centímetros do meu.

-           Quando conversar com ela, pode por favor dizer que eu sou mesmo um idiota e que se ela não me quiser mais eu vou entender. Só diga para ela não ir embora porque eu preciso mais da minha amiga do que do meu anjo?

      Eu sorri e ajeitei uma mexa solta do meu cabelo.

-           Eu vou dizer, mas acho que ela vai querer saber o que te fez mudar de idéia.

Stefan se levantou e andou pelo quarto com as mãos na cabeça.

-                      Na verdade não foi “o quê”, mas “quem”. Damon me procurou para conversar. Eu realmente não sabia Ayllin, eu não sabia de tudo isso, se eu soubesse.

Eu me levantei e o abracei. Era tão maravilhosa a sensação de abraçá-lo, eu sentia como se meu coração fosse completo novamente.

-           Eu sei que você não sabia. Você não poderia saber.

Ele beijou minha testa e afagou minhas costas com as mãos.

-           E quanto ao terrível irmão, acho que você está sendo uma boa influência para ele.

-           É mesmo?

-           Bem, ele me procurou para conversar por causa de você. Me disse que eu estava sendo egoísta e injusto e ele estava certo. Acho que isto significa uma mudança considerável no meu irmão do mal.

-           Então isso quer dizer que você me dá a mão de Damon em namoro?

Eu perguntei fazendo piada.

-           Na verdade eu ainda acho que você é boa demais para ele, mas sim, isto significa que será maravilhoso tê-la na realmente na família Salvatore.

            Stefan e eu ficamos abraçados ainda por um tempo, sem nada dizer. A ligação estranha e diferente que tínhamos bastava para que soubéssemos exatamente o pensar a respeito do outro. Depois de um longo tempo de ele sorriu, quebrando o silêncio.

-           Preciso ir. Te vejo mais tarde no grill?

-           Sim.

-           Ótimo, porque preciso de uma parceira de sinuca contra Matt!

Eu sorri e Stefan beijou minha testa. Ele se virou e caminhou calmamente até a porta, parando bem no batente.

-           Á propósito, fique com a blusa. Ela fica muito melhor em você do que em mim!

Foi só então que eu percebi que ainda estava com a blusa que eu paguei – sem consulta-lo – do seu armário.

Falar com Stefan melhorou consideravelmente meu humor. Eu me deitei na cama e fiquei lá, com os olhos fechados. Feito uma idiota.

-           Espero que esteja sorrindo por mim.

Eu aspirei o ar em minha volta e senti. Aquele era o melhor e mais maravilhoso aroma de toda a minha vida. Era quente e doce envolvia cada célula do meu corpo. Eu não abri meus olhos, não precisava. Eu sabia exatamente de onde vinha – Damon.

Ele caminhou delicadamente, quase sem emitir ruído pelo piso antigo de madeira de lei. Debruçou-se sobre a cama e colocou os joelhos, um de cada vez, em ambos os lados do meu corpo, envolvendo-me com seus braços. Eu sentia sua respiração no meu pescoço, o arrepio do ar quente em minha pele fria. Ter Damon tão perto era como morder um fio desencapado, as ondas de eletricidade se multiplicavam por cada pequeno espaço de pele que ele cobria com seu corpo.

-           Senti saudades, amor?

Eu segurei seu rosto e o puxei, encontrando meus lábios nos seus. Em reflexo, Damon soltou os braços, deixando seu peso cair sobre mim. Deus como era bom! Como era bom sentir seu corpo, seu gosto, sua pele. Como meu corpo se encaixava deliciosamente com dele, como eu o queria.

-           Puxa, se eu soubesse que a recepção seria assim, eu sairia mais vezes de casa.

Eu parei separei seus lábios dos meus e desci pela linha de seu pescoço, falando com ele, enquanto a ponta da minha língua tocava sua pele.

-           Stefan veio aqui. Ele me pediu desculpas. Disse que você conversou com ele.

-           Então, tudo isto é o meu prêmio? Porque se for gata, me diz logo que eu vou conversar com Stefan todos os dias.

-           Bobo.

Eu sorri, e acho que meu riso provocou arrepios em Damon. Ele me apertou com força contra ele, encaixando-se em mim, até não sobrar mais nenhum espaço.

-           Ayllin eu já te disse, não abuse!

Eu coloquei minha boca em sua orelha e falei empurrando o ar dentro de seu ouvido.

-           Porque não, amor? – eu perguntei.

Damon gemeu e suspirou profundamente. Em seguida, e apenas pra não me deixar esquecer o que ele era, ele saltou da cama em uma fração de segundos e encostou-se em meu armário.

-           Porque eu posso não estar tão controlado como hoje e isso pode ser bem complicado de segurar.

            Eu me sentei na cama.

-           Vamos ao grill ?

-           Desculpe, eu não posso. Preciso me alimentar.

As palavras entraram em meus ouvidos e foram direto para o meu coração, como se eu tivesse engolido uma porção de facas. Eu não conseguia pensar em Damon mordendo alguém. Pensar em meu monstro se alimentando do sangue de outra mulher, doía dentro da minha alma. Por outro lado, eu não podia oferecer isso a ele. Eu havia dito uma vez a ele que não poderia me morder e não poderia mesmo, não era seguro. Não seguro para nenhum de nós dois, pelo menos por enquanto.

Damon pareceu notar minha confusão interior. Ele sentou-se ao meu lado e deslizou a mão em meu rosto.

-           Não pense bobagem! É como comer no Mc’donalds, só isso.

Eu não pude deixar de rir, embora o comentário fosse de extremo mau gosto!

-           Só mesmo você para dizer uma bobagem dessas!

Damon me beijou e saiu, mas antes de fechar a porta do quarto, ele colocou o rosto para dentro e falou.

-           Agradeça o seu amiguinho humano. Foi ele quem me disse para falar como irmãozinho do bem.

            Eu não tive tempo de perguntar nada – Damon desapareceu. Eu fiquei feliz por dois motivos. Primeiro porque Matt e Damon tinham conseguido conversar – sem brigar – sobre mim. Segundo porque Matt havia dado um bom conselho a Damon e ele havia aceitado. Parece que mudanças são mesmo boas.

Vesti com uma calça jeans e uma blusinha frente única com o decote bem baixo – ultimamente, eu não andava me importando tanto em mostrar minha marca. Desci as escadas da velha pensão, pulando os degraus de dois em dois. Era engraçado como eu me sentia em casa ali. Eu, um anjo, me sentindo em casa morando com dois vampiros! O mundo estava mesmo perdido.

Deslizei para fora da pensão e apertei o controle para abrir a porta do meu carro.

Quando passei pelas portas da lanchonete, encontrei Matt, Stefan e Elena se divertindo na mesa de sinuca. Eu corri até eles, e beijei o rosto de Matt. Eu não disse nada, porque não precisava. Os olhos doces e celestiais de Matt me disseram que ele entendia meu bom humor.

-           Alguém precisa de companhia?

-           Eu preciso! – disse Stefan jogando um taco em minha direção – Elena e Matt são parceiros de longa data, não quero desfazer a parceria.

            Era divertido estar com eles, era fácil e leve.

-           Então, quer dizer que o irmão do mal te liberou hoje?

-           Hey, eu não preciso de liberação para sair, sabia? Além disso, ele não é do mal! – eu pensei por um momento e então continuei – talvez só um pouquinho.

      Stefan sorriu e eu o acompanhei.

Não foi difícil para nós dois ganharmos de Matt e Elena – ok, pode ter sido um pouquinho trapaceiro usar comunicação não verbal de seres imortais, mas ninguém disse que não podíamos. O importante e que nos divertimos muito e até bem tarde.

Stefan e Elena foram os primeiros a saírem, eu fiquei mais um pouco com Matt, falando bobagens e dando muita risada – principalmente depois de algumas cervejas e duas doses de tequila.

Já passava de meia noite, quando resolvemos nos levantar sair. Matt saiu na frente, abrindo a porta para mim, como o cavalheiro que era.

-           Quer uma carona? – ele me perguntou.

Eu sinalizei para o pequeno conversível prateado.

-           Não precisa.

Matt ligou o motor e eu o vi desaparecer na esquina. Andei até o carro e acionei o destravamento. Quando fechei a porta e virei a chave, nada aconteceu. Como assim, nada aconteceu? O carro era novo. Tinha combustível. Porque diabos não queria pegar? Eu soltei uma maldição – rezando para que nenhum anjo a tivesse escutado – e desci do carro.

Abri o capô, como se apenas olhar para as engrenagens me dissesse o que estava acontecendo – uma vez que eu não entendia absolutamente nada de mecânica.

            Depois de alguns intermináveis minutos olhando as peças metálicas imóveis, eu surtei. Chutei a roda e grunhi tantos palavrões que deixariam até um vampiro com os cabelos arrepiados.

-           Porcaria de carro! – eu disse por fim – uma pequena fortuna para ficar aí, parado como uma estátua!

Encostei na porta fechada e cruzei os braços sobre o peito, pensando em como fui idiota de não aceitar a carona de Matt – eu não queria andar naquela noite, e não queria simplesmente me transformar voar. Eu estava usando meus novos sapatos da Gucci e não pretendia simplesmente deixa-los serem absorvidos pelo vácuo.

Foi nesse exato momento que eu ouvi os passos. Eu não precisava me virar para ver quem era. Eu reconheci o cheiro, reconheci o caminhar despreocupado. Eu era muito boa com cheiros e podia conhecer qualquer um que já tivesse visto na vida, mas este, este era muito diferente. Era um cheiro familiar e confortável, como se eu já o conhecesse.

Eu engoli em seco e me virei, apenas para confirmar o que eu já sabia – Alaric Saltzman.

Ele caminhou despreocupadamente, com as mãos nos bolsos, até se encostar ao meu lado.

-           É um belo carro.

-           É uma porcaria, isso sim!

Como sempre, primeiro eu xinguei, depois eu pensei – eu não deveria dizer isso na frente dele. O que ele pensaria de mim? No mínimo que eu era louca e mal-educada. Mas ele sorriu. E o som do seu sorriso me inundou. Era tão doce e apaixonante que eu senti uma repentina vontade de recostar minha cabeça em seu ombro – o que só significava que estava mesmo ficando louca, e mal educada.

-           Carros são assim mesmo. Por isso eu sempre preferi os cavalos.

-           Soa engraçado vindo de alguém que tem um maserati – sim é ridículo, mas eu havia espiado ele sair da escola naquele dia.

            Alaric sorriu.

-           Como sabe que carro eu tenho?

Eu não sabia o que dizer. Eu simplesmente não podia dizer ao homem o que eu havia feito. Era humilhante e muito, muito estranho, então eu menti.

-           É o único carro legal que está estacionado aqui. Você é humm... sei lá, me parece ter bom gosto.

E aquela risada musical encheu meus ouvidos novamente.

-           Acho que somos parecidos nesse aspecto.

-           Parece que sim.

            Era tão fácil conversar com ele. Eu tinha a sensação de que poderia ficar ali a noite toda.

            Alaric deu uma olhada de lado em mim, e eu percebi uma faísca de confusão em seus olhos quando ele encontrou minha marca. Ele fixou o olhar nela por alguns minutos, como se tentasse entender. Então sua boca se abriu em um sorriso encantador.

-           É uma marca interessante. Como conseguiu?

            É claro que eu não podia dizer nada, toda aquela história de anjos e demônios era muito estranha para que ele acreditasse, então, eu resumi.

-           É uma marca de nascença.

            Alaric ficou em silêncio por uns minutos, olhando para mim. Eu sentia seu olhar me queimando por dentro. Ele era tão forte, tão intenso. Apesar da aparência gentil e cordial, ele exalava poder. Um tipo de poder diferente de todos que eu conheci. Quando parecia que uma eternidade havia passado, ele se virou despreocupadamente para mim e sorriu.

-           Se quiser, eu posso te dar uma carona. Sabe, pelo menos até onde eu sei, o meu carro ainda funciona.

-           Seria ótimo.

Eu não entendi a razão que me fez aceitar o convite. Eu poderia simplesmente pegar o celular e ligar para Damon, ou para Stefan, o para Matt, mas eu não fiz. Eu simplesmente aceitei a carona de Alaric. Eu queria aceitar, queria estar mais tempo com ele. Eu sentia que precisava. Eu me sentia estranhamente bem e confortável ao lado dele. Algo emanava dele, uma certa sensação conhecida.

Alaric dirigiu mais devagar que o necessário, pelas ruas vazias da pequena Fell’s Church, era como se ele também quisesse aumentar o tempo ao meu lado.

Quando o carro parou no meio fio, em frente á pensão, eu não queria descer. Não queria dizer adeus e não queria deixa-lo ir.

-           Vou chamar alguém para dar uma olhada em seu carro – ele me disse.

-           Não precisa se preocupar, amanhã eu dou um jeito nisso.

Ele tirou as mãos do volante e se virou para mim. Seus olhos âmbar pareciam enxergar minha alma.

-           Não é incomodo nenhum ajuda-la, Ayllin.

Meu coração acelerou com o simples som do meu nome. Como se eu esperasse ouvir isso dele a vida toda.

Uma luz se acendeu no andar de cima e Alaric sorriu.

-           Acho que alguém espera por você. É melhor você entrar.

Eu sabia que deveria mesmo entrar, e principalmente porque eu me sentia uma idiota quando estava perto de Alaric e provavelmente ia dizer – ou fazer – uma bobagem ainda maior, mas eu não conseguia. Meu corpo parecia não obedecer. E minha boca soltou o que eu mais temia.

-           Eu vou ver você de novo? - Uma coisa bem idiota de se dizer para um cara que é seu professor – é claro que iria vê-lo novamente, quase todos os dias!

Alaric não pareceu se incomodar com a pergunta. Ele colocou a mão sobre a minha eu percebi o calor excessivo de sua pele contra a minha.

-           Sempre que quiser – ele me disse, e virou-se para a estrada novamente, como se precisasse fugir de mim.


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