Assim que acordei já estava sorrindo. Eu não conseguia esquecer da noite anterior, tanto por conta de Jace e seu beijo super-bom quanto pela história engraçada dos patos. Mesmo assim tentei me obrigar a morder a língua e fingir uma expressão de tédio. Quer dizer, eu iria ver filmes com Simon hoje, e ele não me parecia a pessoa certa para falar sobre como o beijo de um cara é ótimo.

Depois de me levantar e tomar um belo banho quente - estava tão frio que eu tive que aumentar a temperatura do aquecedor para 33 graus -, coloquei uma roupa confortável e fui para a cozinha. Minha mãe estava lá, segurando uma xícara com café e lendo um livro que se chamava O Mistério Por Trás Da Arte.

— Olá, Clary - ela disse, sem levantar os olhos para mim. - Você chegou tarde ontem.

Eu conseguia ouvir a pontada de acusação por trás de seu tom calmo. Pude sentir o rubor nas minhas bochechas e rapidamente escondi meu rosto de seu olhar frio.

— Fomos ao Central Park - foi tudo o que eu disse, colocando um pouco de leite numa xícara de café.

Jocelyn levantou uma sobrancelha, que era alguns tons mais escuro que seu cabelo cor de fogo. Ela pousou sua xícara e seu livro sobre a mesa e colocou as mãos sobre o colo. Estava usando um blusão cinza e bermuda jeans, o cabelo fortemente preso num coque no topo de sua cabeça - isso significava que ela pretendia ficar em casa o dia inteiro.

— Central Park? - minha mãe repetiu, lentamente. - Por que?

Apertei os lábios. Há coisa mais embaraçosa do que sua mãe te perguntando sobre o seu encontro com um garoto?

— Porque lá é... legal... É legal, mãe.
— Você soa como uma mentirosa, Clarissa Adele Fray.

Opa. Nunca é bom quando ela diz meu nome todo.

— Tudo bem, mãe. O que está te incomodando?

Ela pareceu pensar por um momento, inclinando a cabeça para um lado e estreitando os lados.

— Vamos ver... Tudo.

— Mãe, pelo amor de Deus. Só fomos à um restaurante e depois ao Central Park, dá um tempo. Não é como se ele tivesse me levada pra um... - eu parei no meio da frase. Você não poderia falar esse tipo de coisa na frente da sua mãe.

— Pra um o quê?

— Nada, nada, deixa pra lá. A questão aqui é que você nunca deixa eu viver a minha própria vida. Parece até que eu cometi algum crime e agora você é aquela policial durona do CSI me interrogando.
— Só estou tentando ter uma relação sincera com você, Clary - ela falou, num tom quase sincero.

— Então por que não me conta sobre a sua vida antes de mim? Quem é meu pai, mãe? De onde vinhemos? - rebati. - Você nunca me conta nada, e quer que eu te dê um relatório completo toda vez que fico mais do que sete segundos longe de você?

Ela parou, atônita, por um momento. Parecia realmente surpresa, mas ela já havia gastado toda a minha paciência. Sua face com sardas rapidamente corou, de raiva ou vergonha - eu não sabia direito. Ela se levantou e colocou as mãos nos meus ombros.

— Clary, eu só quero garantir sua segurança - ela falou suavemente, me fazendo recuar por um momento.

— Sei - bufei, me afastando dela com minha xícara de café-com-leite.

Caminhei até a sala, percebendo que eu havia escapado de dizer como havia sido meu encontro com o Jace para a minha mãe. Coloquei meus pés descalços sobre a mesa de centro e suspirei com a xícara nas mãos. Olhei para o relógio na parede. Dez e vinte e oito. Simon logo estaria ali.

De repente uma batida forte veio da porta, me fazendo meio que pular e derramar o conteúdo da minha xícara na minha blusa.

Me levantei rapidamente e fui até a porta. Simon estava do outro lado, segurando uma sacola com alguma coisa que eu não conseguia ver o que era.

— Veio mais cedo do que eu esperava - falei.

— Deu pra ver, seu cabelo está horrível.

E ele entrou, simplesmente. Esse é o bom de ter amigos de longa data... Bem, ou não.

— Bom dia pra você também! - gritei para ele, que já estava longe na sala. - Você é tão educado que eu suspeito que você deva estar fazendo aulas de etiqueta na St. Xavier.

Simon já estava sentado no sofá, tirando o conteúdo da sacola de plástico. Eram todos os filmes já lançados dos X-Men.

— Eu não te dei bom dia porque estava ansioso demais para entrar num lugar com aquecedor - ele tirou as luvas, que estavam ensopadas pela chuva e pela neve. - Nossa, está tão frio lá fora...

— Vá reclamar com Deus, não comigo - retruquei. - Trouxe os filmes? - perguntei mais por falta de assunto do que por curiosidade, já que eu já sabia.

— Trouxe. Você tem o que para comer aí? Acabei de tomar café, mas... Você sabe, fase de crescimento e tudo mais.

Revirei os olhos e me sentei ao lado dele no sofá.

— A cozinha está lá - apontei.

— De repente a fome foi embora, substituída por uma avassaladora preguiça - respondeu, colocando o primeiro filme. Suas bochechas estavam coradas pelo frio. - Então, como foi seu super momento de amor ontem?

Senti meu rosto corar e dei um leve chute em suas costas.

— Cale a boca, Simon.

— Apenas responda, Fray.

Mordi o lábio inferior por um momento enquanto ele voltava a se sentar ao meu lado no sofá. Ele parecia meio cansado, como e não houvesse dormido direito ou houvesse dormido tarde e acordado cedo. Seu cabelo castanho estava molhado e amassado.

Balancei a cabeça e suspirei.

— Francamente, desde quando você quer saber o que eu faço com um cara durante um encontro?

Ele riu debochadamente.

— Desde quando você tem encontros com caras? - ele bufou.
— Arg, tudo bem. Nós fomos a um restaurante, eu comi um burrito, ele comentou sobre a garçonete que estava a fim dele, falou sobre patos...

— Patos?
— ... nós fomos ao Central Park e nós nos beijamos.

Ele arregalou os olhos nesse momento, enquanto a abertura do filme começava. De repente seus grandes olhos escuros pareciam enormes, e sua pele meio verde-acinzentada.

— O que foi? - perguntei, meio espantada.

— Hum... nada...

— Você perguntou, eu respondi - falei, dando de ombros.

Simon apertou os lábios. Ele parecia prestes a vomitar.

— Então... O tal Jace gosta de patos?

— Na verdade, ele odeia patos - respondi, tentando evitar um sorriso.

— Por que alguém odiaria patos?

— Vá perguntar a ele, ora.

— Eu raramente me imagino tendo uma conversa amigável sobre patos com esse cara.

Olhei de esguelha para ele, mal prestando atenção no filme.

— Por que não?

Ele suspirou lentamente, os olhos vidrados na televisão como se estivesse pensando em alguma coisa ou lembrando de algo. Ele abriu e fechou a boca, como se fosse falar algo mas houvesse desistido. Depois de um tempo de hesitação, ele disse:

— Talvez seja um pouquinho só de inveja.

Espera, o quê?!

— Simon, o que você disse?

— Nada, deixa pra lá.

— Fale, Simon.

Ele se inclinou para frente, ainda encarando a televisão como se o Wolverine

fosse o grande amor da vida dele.

— Clary... você às vezes é tão lerda...
— Hey.
— É verdade, ora essa. Enfim, eu só... Clary, você nunca percebeu mesmo?

— Percebi o que, Simon? Desembucha.

Ele ficou vermelho por um momento e desviou seus olhos para mim. Eles pareciam meio suplicantes. Quando ele falou foi tão rápido que eu quase não entendi.

— Eu amo você, Clary.

Parei por um momento, mas então disse:

— Eu sei disso, Simon, sabe que eu também...

— Não desse jeito, Clary. Do outro - ele falou bruscamente e desviou os olhos, ainda mais vermelho.
Meu queixo caiu imediatamente. Eu olhei de Simon para a televisão, e da televisão para Simon. Ele não olhava para mim, parecia quase com raiva, como se eu houvesse feito algo de errado - mas eu não havia feito. Eu apenas não conseguia olhar para Simon desse jeito... quer dizer, ele é meu melhor amigo, não conseguia pensar em nada romântico.
Cruzei as pernas no sofá e olhei para a televisão também, sem realmente prestar atenção no filme, apenas perdida em pensamentos. Nós ficamos em silêncio o resto da tarde, sem ter algo realmente para falar.