Do Lado De Dentro escrita por Mi Freire


Capítulo 36
Importância




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"Chegou a hora de escolhermos entre o que é certo e o que é fácil.”

— O que você está fazendo? – pergunto ao Jesse assim que ele resolve se sentar ao meu lado no refeitório durante o jantar. Olho para os lados. — Todos vão ver.

— Como foram as coisas com a Amy? – ele ignora o que eu acabo de dizer. Jesse parece realmente preocupado. Eu sorrio. Não consigo imaginar um jeito que ele não fique bonito.

— Foi melhor do que eu pensava. – digo cortando um pedaço da minha batata com molho no meu prato. — Acho que tá tudo bem. Agora, ela sabe sobre nós. Eu tive que contar.

— Sobre nós? Tudo? – ele perguntou surpreso com o cenho franzido. — Hayley – sinto, rapidamente, seu tom de voz mudar. Algo parecido com arrependimento. — Não tem nada de “nós”.

Sorrio incrédula.

— Desculpe. – pego minha bandeja e me levanto, razoavelmente alterada com o que acabo de ouvir. — Desculpe por ter achado que nós éramos alguma coisa.

Não tenho mais fome. Nem mais apetite. Nem saco para ouvir qualquer outra pessoa. Vou para o quarto, mesmo ainda sendo cedo, só quero dormir. Amanhã é outro dia. Vou recomeçar outra vez.

— Não consegui mudar de quarto. – entro no quarto e vejo Amy recolocando suas coisas de volta aos devidos lugares.

— Eu pensei que... – pensei que ela tinha esquecido essa ideia maluca. Pensei que depois da nossa longa conversa teríamos verdadeiramente nos entendido. Sem mentiras.

— Pensou errado, Hayley. – senti a dureza de suas palavras. Então, eu estava enganada. Não estamos bem outra vez. Amy está diferente.

No dia seguinte acordei me sentindo melhor. Não muito melhor de quando o que eu mais fazia era fingir que os problemas não me abalavam. Sentindo-me melhor o suficiente para ir à aula.

Amy não sentou comigo. Nem se quer me ajudou quando eu tive dificuldades. O pior, é que ela sabia que eu tinha dificuldades em determinadas matérias, mesmo assim, era como se eu não estivesse ali implorando, mesmo sem dizer, por ajuda. No almoço me sentei com os amigos do Tyler. O que me fez lembrar que nós precisávamos conversar, pois desde então ele tinha algo importante a dizer.

— Às quatro horas me encontre na sala quarenta e seis, no ultimo andar. Final do corredor. A última porta.

Tomei um banho e tentei não pensar no que aconteceria nesse nosso encontro. Certamente nada de muito importante. Talvez Tyler só quisesse me mostrar algo novo. Uma bebida, um cigarro, algo assim desse tipo.

Tirei um cochilo rápido. Queria evitar a todo custo olhar para o Jesse pelos corredores zanzando com Alexa ou a Amy que fingia eu não significava nada para ela. Talvez não mais. Acordei com o celular despertando, antes de sair peguei minha toca e meu cachecol.

Ou o Tyler tinha sérios problemas, ou a sala quarenta e seis simplesmente não existia. Só ia até a quarenta e cinco. Mas havia uma única porta no final do corredor. Aquelas portas misteriosas onde a gente nunca vê alguém entrar ou sair, ou você fica se perguntando o que você encontraria do outro lado da parede.

Resolvi arriscar. A porta estava destrancada. Antes de entrar, olhei para os dois lados. Não vi ninguém. E entrei, imediatamente fui puxada, o que imaginei que só poderia ser o Tyler querendo me assustar.

— O que viemos fazer aqui? – pergunto, tentando me livrar dos braços dele. Agora posso vê-lo com clareza. A luminosidade de mais um dia acinzentado entra por uma janela alta, pequena e quadrada acima de nossas cabeças.

— Preparei uma pequena surpresa pra você, Hayley. – Tyler diz entre sorrisos. Ele me dá vários beijinhos seguidos ainda me prendendo.

Quando ele me solta finalmente após corresponder aos seus beijos, posso dar uma olhadinha no lugar onde estamos. É uma pequena sala com um pouco mais de dois metros de comprimento e largura também, cheia de tralhas, quase como se fosse um almoxarifado.

— Já faz um tempo que eu venho tentando te dizer essas coisas. Mas é complicado pra mim. Eu nunca fiz isso antes. – volto a olhar para Tyler no exato momento em que ele abre um sorriso. — Esperei por um momento certo para poder te contar. Mas então, achei que já estava na hora e pensei nesse lugar. – vi sua inquietação ao procurar algo no bolso da calça de moletom escuro. Confesso que fiquei curiosa.

— Por favor, Tyler, pare de enrolar. Conta logo! – digo impaciente, passando o peso de uma perna para a outra. — O que é?

— Tenha paciência comigo. – ele para de mexer no bolso. Era como se quisesse se certificar de que algo que ele guardou no bolso ainda estava ali para quando precisasse. — A verdade Hayley – ele pega minhas duas mãos. — É que eu sou louco por você! Completamente apaixonada. E eu não estou brincando. Dessa vez é pra valer. Você tem que acreditar em mim! E eu nunca disse isso pra ninguém antes. Eu já não tenho mais vontade de ficar com outras garotas e quero algo sério com você. Quero que seja a minha namorada. Quero que possamos ficar juntos e que todos saibam que pertencemos um ao outro.

Sinto minha respiração falha. Minhas mãos suando frias dentro das dele. Sinto que posso perder o chão a qualquer momento. Tudo que Tyler diz é muito lindo. E sim, eu acredito. Eu já deveria ter notado antes. Deveria ter imaginado que aconteceria. Somos muito próximos e íntimos para sermos imunes aos sentimentos que no futuro poderíamos sentir um pelo o outro. E já estamos juntos a mais de um ano. Tyler me deu todos os sinais e dicas, eu só não quis acreditar... Eu pensei que tinha o Jesse.

— Quer namorar comigo Hayley Collins? – ele me estendeu um par de alianças de prata que brilhavam com a luz.

Um filme passou pela minha cabeça. Afinal, o que eu tinha a perder aceitando ao seu pedido? Desde que Brandon morreu eu não tenho absolutamente nada além do amor dele que eternizei dentro de mim. Tyler é bonito, além do mais, nós somos muito parecidos. Não a nada a perder além do medo de arriscar.

— Eu aceito Tyler. Claro que aceito! – pego as alianças sentindo-me perdida. Não posso dizer que é o melhor dia da minha vida. Mas estou verdadeiramente surpresa. Dou-lhe um abraço.

Trocamos as alianças. Ele me beija.

— Agora finalmente posso te chamar de minha. – vejo em seus olhos um brilho diferencial. Uma emoção. Que não chega nem perto da minha.

Passamos o resto do dia ali trancado sentados um do lado do outro encostados a parede. Nem por um momento Tyler largou minha mão que já está com a aliança. Fiquei me perguntando mentalmente qual seria a reação das pessoas a nossa volta ou o que diriam quando soubesse da novidade. Pensei em Jesse e não pude deixar de sentir certo desapontamento. Poderíamos ser nós dois ali, isso é se ele me quisesse tanto quanto eu o queria. Pensei se Amy poderia me perdoar agora que eu estava com Tyler e não com o Jesse.

— Ai meu Deus! AI MEU DEUS! – Nath começou a dar pulinhos a me ver no refeitório para o jantar. Fiquei me perguntando o que deu nela. — O que é essa aliança ai no seu dedo?

Por um momento eu tinha me esquecido que isso poderia acontecer.

— Eu e o Tyler – procurei por ele pelo refeitório. Nós separamos para o jantar. Pouca coisa mudou com a oficialização da nossa relação. Ainda somos os mesmos. Nada de melação. — estamos namorando.

Amy, que eu não tinha percebido está ali, sentada na mesa próxima de nós, virou-se para trás quando ouviu o que eu acabara de dizer. A sobrancelha erguida. Eu mal a reconheci. Ela não só estava mudada na maneira de me tratar, mas também, agora, aparentemente.

Havia uma mecha vermelha na lateral do seu cabelo negro. Os olhos contornados de preto, as unhas também pretas e a boca com um batom também vermelho.

O que foi que eu perdi?

— O que aconteceu com ela? – cochichei me inclinando para perto da Natalie. Ela percebeu na hora que eu estava me referindo a Amy.

— Digamos que ela esteja sofrendo uma crise com a própria personalidade. – Nath forçou um sorriso. Acompanhei-a até o self-service para buscarmos nossos jantares.

Sentamos junto a Amy na mesa em que ela estava. Não chegamos a trocar muitas palavras. Se ela queria me evitar, mesmo não implicando com a minha presença, eu não a incomodaria. Não por enquanto. Mas era notável, de longe, o quanto ela mudou do dia pra noite literalmente, até mesmo no modo de falar. Estava menos sentimental, emotiva. Digamos que completamente parecida comigo. Ou quase isso.

Fui me deitar mais cedo. Amy sumiu com Oliver após o jantar, ele que também não estava entendendo nada do que estava acontecendo com ela, mas pareceu gostar. Especialmente da mecha colorida no cabelo. E Natalie foi atrás do Eric para poderem namorar um pouco antes do toque de recolher.

Eu não tinha ninguém ou nada pra fazer.

— Acha mesmo que eu ia deixar você ir dormir sem um beijo de boa noite? – Tyler me segurou pela cintura antes que eu entrasse no meu quarto. Soltei um riso. Se alguém nos pegasse estaríamos fritos.

— Ficou maluco? – só o Tyler para conseguir me alegrar depois de um longo dia transtornado. — Um beijo rápido. Nada mais que isso.

Ele sorriu satisfeito. Beijamo-nos.

— Ei. – alguém gritou, vindo em nossa direção. Uma voz completamente familiar. — Eu estou vendo isso! – Raquel. Ela mal conseguia dar uma bronca. Estava sempre sorrindo. Não dava pra levar a sério. — Saia já de perto dessa senhorita Sr. Willis. E vá imediatamente para o seu quarto antes que eu tenha que puni-lo drasticamente por estar desrespeitando as regras.

— Eu vou. – Tyler fez ar de cansado. Nós rimos. — Eu te amo.

E ele se vai, correndo, na direção oposta de onde Raquel ainda se aproxima com um sorriso divertido. Eu gosto muito dela.

— Qual é a de vocês? – ela me pergunta fazendo-me olhar para ela. A essa altura, Tyler já sumiu.

— Não é do seu interesse mocinha. – apertei sua bochecha rechonchuda em tom de brincadeira e entrei no quarto rapidamente.

Capotei com um sorriso no rosto. O primeiro em muitas noites de sonos perturbados. Mas nada de pesadelos.

Estava de saco cheio daquela aquela de trigonometria. Deixei meus pensamentos voarem longe em um universo paralelo muito melhor que qualquer explicação matemática.

Ouço um bipe vindo do meu celular no bolso do jeans. Por sorte, poucas pessoas ouviram também.

Era o Tyler. A mensagem de texto dizia:

“Tenha um bom dia namorada mais linda do mundo!”

Sorri comigo mesmo, antes de discretamente, mandar uma resposta pra ele sem que o professor percebesse.

“Para com essas coisas. Não tem nada a ver com você haha”

Ele não respondeu de volta.

Na troca de aula, em direção ao laboratório de química, cruzo com Oliver pelo caminho. Não me importo em perder alguns minutos daquela aula detestável. Ele me puxou para uma pequena conversinha.

— É verdade o que está rolando pelo colégio? – ele pergunta diretamente sem esperar pela minha resposta. Parece de certa forma... Incomodado com algo. — Tá todo mundo comentando que você e o Tyler estão namorando. – Oliver puxou minha mão grosseiramente para olhar a aliança de perto. A aliança que eu já tinha me esquecido de que estava ali. Que péssima namorada que eu sou. — Então é verdade?

— Claro que é, Oliver. Não está vendo? Acho que já estava mais do que na hora de concretizar o compromisso que já tínhamos. – revelo sorridente. Não há muito que dizer. Especialmente a um irmão que se mostra interessado na minha vida agora, depois de anos sem nem me olhar direito. Quando é que Oliver vai gostar do Tyler? E porque ele não gosta?

— Sabe que eu desaprovo isso, não sabe? Mas sei que você não se importa com a minha opinião e nem a de ninguém. – exatamente. Ele me conhece perfeitamente. — Mas e o Jesse? Já está sabendo disso?

— O que o Jesse tem a ver com isso? – pergunto indignada. — Nós nunca fomos nada. Pergunte isso diretamente a ele. Ele irá te dizer com todas as letras: N-a-d-a. Nós nem nos falamos mais e...

— Ele vai ficar muito abalado quando souber. – Oliver continua, interrompo-me. Acho que ele não entendeu o que eu acabo de dizer. — Isso é se já não souber. Todos sabem! Tyler faz questão de espalhar para todos os quatro cantos desse lugar.

Antes que eu possa defender o meu namorado, Oliver me deixa falando com as paredes. Só me resta encarar a aula de química.

Os computadores desse lugar são uma merda. E não é a primeira vez em que me irrito com eles. São tão ruins que a sala de informática está assustadoramente vazia. Ninguém quer saber daquelas máquinas velhas, a não ser que estejam mesmo precisando e seja a ultima opção. Que é o meu caso. Preciso fazer uma pesquisa para um trabalho de Historia.

— Será que você pode me ajudar aqui...? – acho que alguém está falando comigo. Quando viro-me para o trás para poder me certificar, para o meu espanto, é Alexa. — Oi Hayley.

— Oi. – digo secamente. Não pude evitar. Às vezes sou péssima tentando ser falsa. No caso dela, sei que Alexa não faz nenhum tipo de esforço. Ou ela é sempre falsa ou ela é boazinha até demais. — O que você estava mesmo falando? Estava falando comigo?

— É. – ela balança os ombros. — Pelo visto somos apenas eu e você aqui com essas maquinas velhas. – ela sorri desajeitada, porém linda como uma boneca Barbie. — Você sabe como fazer para funcionar?

Levanto-me respirando fundo e contando até dez mentalmente. Vou até onde ela está sentada. Inclino-me para ligar o computador dela.

— Agora só esperar. O que pode demorar uma década ou alguns segundos. Isso depende da sua sorte de hoje.

Volto ao meu computador. A página da minha pesquisa finalmente carregou o conteúdo do qual eu preciso para a minha pesquisa.

— Trabalho de História? – ouço a perguntar enquanto seu computador liga lentamente. Tento contar de novo até dez mentalmente. Qual foi a parte que ela não percebeu que não estou a fim de conversar? Com ninguém, muito menos com ela. — Terminei o meu há pouco tempo. Se você quiser ajuda...

— Não... Obrigada mesmo assim – viro-me para ela mostrando meu melhor sorriso. — Qualquer coisa eu te chamo.

Ela assentiu compreensível. Agradeci aos céus quando o computador dela finalmente ligou. Isso significa que ela não puxaria mais assunto e me deixaria em paz, exatamente como eu estava antes dela chegar.

— O Jesse me ajudou em boa parte. – sabia que aquilo poderia ser provocação. Mas era só o que eu queria acreditar. Porque não era. Alexa é uma pessoa boa, Inocente, legal e esforçada. Ela nem sabe sobre eu e Jesse. Porque faria algo assim?

Foi só falar nele para o sujeito aparecer sorridente pela porta de entrada do laboratório. Sempre tão mais bonito que o dia anterior. De repente senti o internato pequeno demais para nós três.

— Ah, oi Hayley. – ele parecia decepcionado por me ver. Mas nada posso fazer se estamos sempre nos encontrando por “acaso”. — Oi meu amor. Estava procurando você. – ele se abaixou para beija-la. Tentei não ficar olhando. Seria muito feio da minha parte.

— Jesse acho que a Hayley está precisando de uma forcinha com o trabalho de História. Esses computadores são tão antigos quanto a minha avó. Não vão ajudar em nada!

— Alexa não precisa. Obrigada, mas... – ela me interrompeu como um único gesto com as mãos. Calei-me na hora.

— O Jesse é ótimo em tudo, não é amor? – e ela levantou-se para beija-lo. Não sei qual coisa foi mais desnecessária: o comentário ou o beijo na minha frente. Não que eu a culpe por isso. — Vai lá, dê uma forcinha para ela meu amor.

Jesse arrastou-se até mim lutando contra o próprio corpo. Sei que ele estava fazendo aquele sacrífico por ela. Pelo pedido dela. E não porque queria me ajudar ou porque sentia pena de mim por causa dos antigos computadores que eu sei, tanto quanto Alexa sabia, não ajudariam em nada do que eu precisaria para aquele maldito trabalho.

— Você não precisa fazer isso. – tento dizer o mais baixo possível, certificando-me de que Alexa está ocupada com o seu computador lento.

— E você não precisa está namorando o Tyler só para me provocar ou provar alguma coisa.

— Ficou maluco? – esqueci-me de manter o tom de voz baixo. Alexa se virou para nós assustada.

— Tá tudo bem ai?

— Sim. Desculpe. Acho que me empolguei. – forcei um sorriso para ela tentando soar convincente antes de voltar-me para o Jesse. — Não seja estupido! O mundo não gira em torno de você, babaca.

Jesse percebeu que eu estava ficando cada vez mais nervosa, e não ousou a continuar aquela nossa pequena discussão. Ele apenas me ajudou com o trabalho, e saí dali, de perto deles, o quanto antes. Não queria me estressar ainda mais. Não com o Jesse.

Tem tanta coisa a mais nessa vida além da importância que eu insisto em dar a ele.


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