Do Lado De Dentro escrita por Mi Freire


Capítulo 30
Crises


Notas iniciais do capítulo

Um capítulo inteiramente dedicado a Maria Clara Ortolan e LillianBarreto.
Obrigada meninas por estarem comentando!



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"E machuca querer tanto alguma coisa que você não pode ter."

De repente, me vi sendo abraçada por ele e me sentindo estranhamente melhor encaixada em seus braços em volta do meu pequeno corpo. Encostei minha cabeça em seu peito e desatei em chorar feito um bebê faminto.

— Me desculpe – sussurrei entre soluços. — Me desculpe por te desgastar com os meus problemas emocionais.

Shhh. – Jesse passava a mão por meus cabelos soltos. — Não diga nada. Respire fundo e fique calma. Eu estou aqui. Estou aqui exatamente pra isso. Eu disse que estaria. E estou.

Muito devagar Jesse passou meus braços por seus ombros e me ajudou a me reerguer. Ele me levou até a minha cama e me sentou ali com muita delicadeza como se eu estivesse debilitada.

— Sabe Hayley – sua voz era serena como uma linda melodia em dias de chuva. — estou muito orgulhoso de você. Muito feliz por você ter finalmente se abrido comigo. E não se preocupe. Tudo, absolutamente tudo que acabei de ouvir, é coisa minha e sua. Ninguém mais precisa saber.

Consegui sorrir de alivio. Não que eu me preocupasse que o resto do mundo soubesse do meu segredo. A minha preocupação era que o resto do mundo não pudesse me compreender. Fizesse perguntas ou julgasse. Das pessoas a gente pode esperar de tudo.

— Vamos dá uma olhadinha nisso aqui – Jesse se afastou alguns poucos centímetros. Ele se referia à caixa de Brandon. — Que tal se você me contasse um pouco da história de vocês? Quero dizer, desde que você se sinta bem pra isso, claro.

Sorri em resposta. Não tive tempo de limpar as poucas lágrimas que ainda escorriam por meu rosto. Jesse foi mais rápido que eu, secando-as para mim de uma maneira muito doce.

Por onde eu deveria começar? Procurei por alguma coisa dentro da caixa que me desse alguma ideia.

— Essa aqui – peguei uma das cartas em uma folha cor-de-rosa de caderno decorada por ursinhos. — foi a primeira carta que eu escrevi pra ele. Uma semana depois do início do nosso namoro. Você quer ler?

Ergui meus olhos para poder olhar pra ele.

— Claro. – ele pegou da minha mão a tal carta, acidentalmente ou não, tocando nossos dedos. Sorrimos juntos. — Me deixa ver.

Enquanto Jesse lia uma das minhas pequenas confidencias, não consegui tirar meus olhos dele, admirando sua feição ao ler a carta, sorrindo a cada final de frase. Provavelmente me achando uma tola do tipo clichê.

— Tá péssimo, não é? – perguntei sorridente. Passando o dorso da mão para secar as ultimas lagrimas. — Eu nunca tinha escrito uma carta antes. Ele nem precisou pedir. O Brandon nunca precisava pedir nada, eu fazia porque queria, porque tinha vontade, quase uma necessidade de a todo o momento dizer a ele tudo que eu sentia.

Jesse assentiu compreensível. Ele pegou a segunda carta e leu sem eu nem ter oferecido. Sentia que estava no lugar certo, ali ao lado dele, finalmente lhe revelando tudo que eu era, tudo que eu sou. Sem precisar esconder ou diminuir nada. Agora sim, Jesse pode finalmente dizer que me conhece. Tudo que ele precisa saber está exatamente ali entre nós.

— Admito que – ele não me olhava, dobrando a carta para coloca-la de volta ao lugar. — sinto certa inveja do Brandon. Uma inveja boa.

Nós rimos. Inveja boa, isso é possível?

— Nunca vi um amor tão genuíno entre um garoto e uma garota.

Puxei-o para um forte abraço, mais uma vez, sem conseguir conter o choro se acumulando nos olhos. E lá estava eu, mais uma vez, chorando.

— Não sei se suporto de ver chorando por tanto tempo. – Jesse falou baixinho, passando os dedos entre meus cabelos. — Por favor, não chore mais.

Bastou que ele pedisse pra que eu não chorasse, para eu chorar ainda mais que o normal.

Jesse me deitou em seu colo, sobre a cama, com a mão ainda em minha cabeça. Reconfortante. Fechei meus olhos, deixando as lágrimas saírem até eu poder me sentir esgotada delas.

Acordei de manhã dando-me de cara com Jesse. Ele ainda dormia com o rosto virado pra cima e o braço debaixo da cabeça. Sentia-me como se o efeito da anestesia estivesse sumindo aos poucos. Sorri ao me recordar da noite passada. A virada de um novo ano. De certa forma, me sentia bem melhor agora, que expusera para o Jesse, tudo que mantive escondido e camuflado dentro de mim por tanto tempo.

— Jesse...?

Ao ouvir o som da minha voz ele se remexeu despertando aos poucos. Ele passou a mão pelo rosto, coçou os olhos, virou a cabeça para o lado, finalmente sorrindo ao me ver com os olhos já abertos e expressivos com claridade entrando pela janela. Jesse beijou minha testa.

— Bom dia, Hayley.

Meu nome pronunciado por ele parecia bem mais bonito.

— Desse jeito vou acabar me acostumando a dormir ao seu lado.

Sorrimos um para o outro. Porque ele tem que ser sempre tão bonito? Não só não aparentemente, mas por tudo que diz, e faz por mim. Isso o torna a pessoa mais bonita que eu conheci desde a morte de Brandon. Jesse faz por mim o que eu nunca acreditei merecer.

— Sobre ontem, eu queria dizer duas coisas. Primeiro que, obrigada por tudo. E segundo, me desculpe por qualquer coisa. E especialmente por ter beijando o Andrew. Você viu. E sei lá, não pareceu certo.

— Você, quero dizer – era evidente seu desconforto e o estranhamente por ter tocado no assunto de uma hora pra outra. — você gostou? Gostou de ter o beijado.

— Ah – sorri meio sem jeito. Era impressão minha ou ele está com ciúmes? Talvez eu ainda esteja delirando. — é sempre bom...

— Ah, por favor – ele sentou-se, indelicadamente fazendo com que eu saísse de perto dele. — eu não precisava ter perguntado isso. E você não precisava ter respondido assim. – assim, soou com tanto desprezo.

— Já te disseram que você fica ainda mais bonito com ciúmes? – brinquei, sentando-me também. Não estava levando aquela situação a sério. A Hayley chorosa de ontem se foi durante o sono. — Mas não se preocupe – toquei seu rosto, ele voltou a olhar pra mim. — nada que se compare aos beijos que você já me deu.

Jesse sorriu torto. Encabulado, talvez. Mas de uma maneira fascinante. Não tem como não sorrir também.

Surpreendi-me quando ele avançou pra cima de mim puxando-me para um beijo. Um beijo adocicado. Suas mãos em minha nuca, puxando-me para mais perto dele de uma maneira muito prazerosa. A maneira deleitosa como ele mordiscava minha boca. Era tudo tão amável.

— Desculpe ter que interromper o casal – ouvimos a voz de Oliver vindo da porta. Será que nunca, jamais, poderíamos nos beijar por muito tempo em paz? — e só pra avisar que o café tá na mesa.

Oliver se foi tão repentinamente quanto apareceu.

— É melhor irmos. – Jesse se levantou. — Antes que seu irmão queira me dá uma surra por hoje ter me flagrado beijando você e ontem ter permitido ser beijado pela Amy.

Aquilo estava mesmo acontecendo ou Oliver acordou de bom humor o suficiente para preparar aquela mesa de café da manhã sozinho? Ele nem sabe cozinhar. Nunca nem se quer secou uma louça. O que mais meu irmão sabe fazer que eu não soubesse? Ele me surpreende a cada dia.

Decidir não fazer nenhum comentário ao me sentar ao mesmo tempo em que Jesse.

— Se você acha que eu não iria fazer nenhum comentário a respeito, está muito enganado Jesse. – Oliver nos surpreendeu, quebrando o silêncio ao levar uma xicara de café até a boca. Ele deu um pequeno gole, depois encarou o Jesse. — Espero que não esteja brincando com os sentimentos da minha irmã. Ou eu acabo com você.

— Oliver! – o repreendi, automaticamente me arrependendo de estar gostando da nova versão do meu irmão. Ele era bem mais legal quando fingia não se importar. — Pare com isso.

— Ele tem razão, Hayley. – Jesse finalmente abriu a boca para falar algo. Ele sorria lindamente. — Vou me lembrar disso, Oliver.

Continuamos a tomar nosso café da manhã em silencio.

— Espera aí – olhei para os lados a procura de algo, sentindo que faltava alguma coisa. — Cadê a Amy, Oliver?

— Lá em cima – ele nem me olhou, parecia muito entretido em seu pedaço de pão fresco. — dormindo no meu quarto.

— Vocês não...?

— Não se preocupe. Não. Eu não transei com ela. – ele levantou-se, afastando a cadeira para trás. — Eu não seria capaz de fazer isso com ela, maninha. Não com ela. – ele deu as costas. — Preciso sair. Vou falar com uns amigos. Até mais tarde. E cuidem dela por mim.

Assim que Jesse foi pra casa para festejar o primeiro dia do ano ao lado do tio, subi correndo até o quarto de Oliver para dá uma conferida de perto em Amy e ver se ela estava mesmo bem ou só estava exagerando no sono.

Quando entrei, mesmo sem bater, ela acabara de se levantar e estava dobrando as cobertas. Sorrimos uma para a outra.

— Eu estava aqui pensando – ela começou, dando uma ultima arrumada na cama do meu irmão.

Era a primeira vez que eu entrava ali. A primeira vez que Oliver verdadeiramente abriu a porta do seu mundo para os outros. E confesso que me surpreendi com o que vi. Nada era como eu imaginava. O quarto está limpo e bem arrumado. Não é sombrio, nem fedorento ou desorganizado. Ou talvez só esteja assim para impressionar... A Amy.

— Eu sonhei ou eu realmente beijei o Jesse noite passada? – ela perguntou me olhando com os olhinhos cheios de expectativas. Eu poderia muito bem mentir. Mas a verdade sempre prevalece, uma hora ou outra iria aparecer alguém que iria tocar no assunto e ela iria descobrir e me odiar.

— Foi um beijo e tanto. – pra minha surpresa maior, não precisei forçar um sorriso animado. Ele simplesmente surgiu por vontade própria, como se o fato deles terem se beijado ontem, não me afetasse tanto, não depois de tudo que contei ao Jesse.

— Jura? – ela arregalou os olhos, deixando-se cair sobre a cama outra vez. — Não pode ser real. Não pode ser! – Amy parecia desesperada, mas eu não conseguia entender. — Quando eu finalmente beijo o garoto que amo não consigo me lembrar. Pois só nos beijamos, porque eu bebi o suficiente para ter coragem de fazer algo a respeito.

O garoto que amo”. Outra vez, sinto que os céus, estão contra mim o tempo todo. Porque, agora, justamente agora, quando tudo parece bem demais pra ser verdade acontece, ouço algo, que meche comigo?

— Tudo bem, Amy. Fica tranquila. – me aproximei dela, passando a mão por seu braço em um gesto de carinho. — Haverá outras oportuni...

— Não! – ela gritou alarmada, se levantando. — Não pode ser! – o que não pode ser, é que agora, nesse momento, ela está chorando.

— Amy...

Amy saiu correndo e chorando do quarto batendo a porta de uma maneira muito assustadora.

Acho que ela enlouqueceu. Amy passou o resto da manhã inteira trancafiada dentro do quarto do meu irmão como se fosse o quarto dela. Não permitiu que ninguém se aproximasse. Nem eu, nem Oliver e nem o Jesse. Sabe-se lá Deus o que ela estaria fazendo lá dentro sozinha além de afogar as próprias magoas e a raiva de si mesma.

Oliver passou o dia fora também. Coisas dele.

Jesse veio me fazer companhia para o almoço. Como eu nunca fiz questão de aprender a cozinha ele mesmo preparou uma macarronada com molho branco com pedaços de filé. Enquanto o observava, durante a refeição sentados a mesa, fiquei me perguntando o que mais ele saberia fazer de tão bom quanto aquela macarronada divida.

— Não acha que eu deva chamar a Amy para...

— Não. – ele me interrompeu, levando as louças sujas até a pia também repleta de utensílios sujos que ele usou para cozinhar. — Deixa ela lá. Vai descer assim que estiver preparada. Ela só precisa de tempo.

Como ele poderia compreender tão bem se eu nem falei pra ele o que aconteceu com ela? Não importa. Ajudei o Jesse com a louça e arrumação da cozinha da minha própria casa. Depois, caímos os dois sentados no sofá da sala enquanto nevava do lado de fora. Pra minha surpresa, não nos incomodamos com o fato de estarmos abraçados um do lado do outro tentando nos distrair assistindo a tevê.

— Sobre a conversinha que tivemos ontem – Jesse se virou pra mim, pegando minhas mãos para segura-las sobre o próprio colo. — é mesmo tudo real? O que você disse, não só do Brando e você, mas também, sobre nós dois. Em relação ao que você sente quando... Estamos juntos.

Fiquei paralisada, sem reação com a sua pergunta. Sem saber ao certo como voltar a tocar naquele assunto. Pensei, por um momento, que as coisas tivessem sido resolvidas.

Pra minha salvação, o celular de Jesse tocou antes que eu tivesse que responde-lo. Ele piscou como se acabasse de despertar de um sonho distante e tirou do bolso do jeans o aparelho celular.

— Quem é? – decidi perguntar, ao ver sua expressão de espanto após dar uma olhadinha no visor do próprio telefone.

— Alexa.

Alexa?

— Você não vai atender? – insisti, tentando deixar de lado ao máximo a minha surpresa por ser ela e o meu pequeno ciúmes.

— Não. Não agora. – ele respondeu, sem me olhar. Jesse desligou o celular e voltou a guarda-lo. — Estou esperando uma resposta. Sua.

Limpei a garganta evitando o contado do seus olhos claros.

Dessa vez, pra minha surpresa ou indignação, o telefone de casa começou a tocar. Corri, tropeçando no carpete da sala, para atender.

— Tyler, como conseguiu o numero da minha casa? – sorri satisfeita por poder ouvi-lo. Peguei o telefone e me distanciei de Jesse na sala para poder conversar com Tyler mais a vontade.

— Não importa. – ele disse do outro lado da linha, acho que estava sorrindo também. — É bom te ouvir outra vez.

— Ah Tyler. Não faz nem uma semana que não nos falamos desde a ultima vez. – disse eu, encostando-me a bancada da cozinha.

— Senti sua falta Hayley! Senti muito a sua falta desde então. – ele parecia levemente irritado. — Você não sabe a loucura que é ver meus pais tentando a todo o tempo serem bons pra mim depois de anos sendo injustos e impiedosos. É uma loucura! – ele riu, me deixando aliviada. Sua risada não durou por muito tempo. — Gostaria de poder estar aí com você.

— Mas você está.

— Não, não estou. Digo, fisicamente. Queria poder te tocar, te beijar, te abraçar, te sentir, te olhar. Passar o tempo com você. – cada palavra era como um tiro no meu frágil coração.

— Pare com isso Tyler. Você não está falando sério. – tentei soar ao máximo provocante, divertida. Ouvi-o bufar de irritação.

— Porque você nunca me leva a sério. Hayley? – pelo tom de voz, ele estava mais furioso do que eu poderia imaginar.

Talvez porque você nunca leve nada a sério, pensei comigo mesmo.

— Você nunca acredita no que eu digo. É como se não confiasse em tudo que eu sinto. É diferente! Eu já te disse tantas vezes. Mas você nunca parece acreditar de verdade. Não como eu gostaria.

Antes que eu pudesse me justificar, ele desligou na minha cara.

— Tá tudo bem ai? – Jesse apareceu preocupado entre o vão da porta da cozinha e da sala de estar.

— Tudo bem.

E lá estou eu, mais uma vez, mentindo pra mim mesma e para o resto do mundo. Tentando de alguma forma esconder as verdades, problemas e os dramas da minha vida nada fácil.

Amy reapareceu, descendo as escadas, antes que eu pudesse voltar a me sentar no sofá com Jesse. Como já era de se esperar, eu não sou a única tentando disfarçar ou camuflar a minha própria bagunça interna. Amy está impecável, como sempre. Como se não estivesse, agora a pouco, trancafiada lá em cima em um dos quartos se afogando e se torturando por uma bobagem.

— E ai – ela sorriu. Um sorriso muito frágil, mas também muito convidativo. — tem alguma coisa pra eu comer?

Jesse e eu rimos, evitando fazer perguntas. Sentamos com ela a mesa enquanto Amy devorava a macarronada como se não comesse há semanas. Exagero, eu sei. Mas é a Amy. Ela é sempre muito exagerada em tudo. Não tenho porque questionar. Gosto dela exatamente assim.

— Estou com uma terrível dor de cabeça. – ela disse ao terminar de comer, massageando as têmporas fazendo careta. — Mas não preocupem. O que eu mais quero agora é sair daqui. Vamos sair?

De todo mal, não me pareceu uma má ideia. Por um momento esquecer os problemas, os conflitos, as crises ou melodramas. Por um momento voltar a ser quem eu costumava ser. Pelo menos até antes do Jesse aparecer e mudar tudo. Tudo mesmo.


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Notas finais do capítulo

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