Há uma sala para os recrutados que entram em colapso, é normal acontecer isso sob a pressão que vivemos. É como uma sala de hospital, apenas uma porta e paredes acolchoadas. Alguns recrutados ficam realmente loucos. Fiquei por três dias e continuo aqui.

Rafaela acha que ando estressada demais e que posso machucar alguém seriamente. Era a terceira ou quarta que eu batia na Katrina. Mas, não batia. Eu acabava com sua cara.

Tomei alguns remédios que me deixaram calma o suficiente para não bater em ninguém e para não ficar acordada o tempo todo. Acordei com a porta se abrindo.

Olhei direito e era Theo. Ele estava em uma cadeira de rodas super equipada. As rodas eram cromadas e finas, porém charmosas. O encosto ficava até o meio da suas costas e o apoio para os seus pés era prata. Ele não parecia mais doente, era o meu Theo novamente.

–Andou batendo novamente nas pessoas, Tess?

–É acho que foi algo do tipo – disse me levantando.

–Tem tomado seus remédios?

Não respondi, Theo girou as rodas da sua cadeira e entrou fechando a porta.

–Porque? Acha que estou ficando maluca?

–Os resultados dos seus exames saíram – respondeu.

Rafaela exigiu que eu fizesse exames, como a criação perfeita talvez poderia estar acontecendo alguma coisa dentro de mim e por isso estava tão nervosa. Mas, eu sabia que nada daria errado, eu só estava passando por uma má fase.

–E quais foram os resultados?

–Você está estressada mais que o normal, seu cérebro entrou em estado de alerta não é nada grave se você tomar seus remédios, qualquer coisa que te irrite lhe faz ficar agressiva – disse ele – Pode se tornar perigosa, que é o que tem acontecido.

–O que isso quer dizer exatamente?

–É efeito colateral de ser criada, seu cérebro está sob muita pressão e transforma isso em atos agressivos, você pode atacar alguém até matar porque vai sair fora de si – disse – É importante tomar os remédios.

Fiquei quieta por alguns momentos, pensando no que ele tinha me dito.

–O laboratório está fazendo um remédio forte e suficiente para que as crises não aconteçam, você vai ficar aqui até que ele fique pronto em três horas – disse – É importante que você tome.

Levanto da cama e vou até ele, beijo seus lábios com pressa. Theo me puxa até que eu sente em seu colo e volte a beijá-lo. Suas mãos percorrem meu corpo, se não estivéssemos no lugar em que permanecíamos teria me entregado a ele.

–Amo você Theo, por favor, não me afaste da sua vida – pedi em uma súplica.

–Não quero que você seja infeliz ao meu lado.

–Ninguém me faz mais feliz do que você – sussurrei.

–Tess, se existe alguém mais teimosa que você realmente não conheço.

Dou risada.

–Não existe – sorrio.

–Soube disso no instante em que coloquei meus olhos em você.

Ficamos em silêncio, deixando nosso pensamentos preencherem aquele cubículo.

–Há outra coisa que preciso lhe dizer.

–O que?

–Aylin foi morta – sibilou sem falhar a voz.

Meu coração literalmente parou de bater, nos minutos seguintes tudo escureceu de uma única vez.

Algumas Horas Atrás – Por Theo

Os exames necessários para descobrir o problema da Tessa só podiam ser feitos por cientistas especialistas do centro da Cúpula. Rafaela achou importante chamarmos eles, diante da situação catastrófica de Tessa.

Amélia veio pessoalmente ver Tessa, obviamente ao me ver propôs que eu lhe entregasse minha garota para mais alguns estudos em troca do antidoto que me faria andar novamente.

Não sou hipócrita, a proposta era tentadora mas Tess jamais me perdoaria por isso. Ela lutou tanto para sair daquele lugar, quase morreu e foi abusada. Não posso simplesmente enviar ela aquele inferno novamente.

–É melhor você pensar, garoto – sibilou Amélia.

–A resposta é não – disse firme – Não vou deixar que você a leve.

–E o que um inválido pode fazer? Correr atrás de mim?

–Ninguém vai deixar você sair daqui com a Tessa – urrei.

–Sim, mas se você apoiasse todos achariam que é para o bem dela.

–Não é para o bem dela – gritei – Vocês querem fazer da vida dela um inferno, não veem que esse foi um dos motivos do cérebro dela estar dando problema?

–Não ligo para o bem estar de ninguém, ligo para estudos. E ela é minha melhor fonte de descobrir super humanos e pessoas especiais como vocês – disse.

–Não quero seu antidoto e você não vai levar ela daqui – disse.

Girei as rodas da minha nova cadeira para longe, foi então que escutei o tiro. Fui o mais rápido que consegui, mas era tarde.

Amélia tinha uma arma química e atirou no coração de Aylin, tão fatal que ela não conseguiu se curar.

–Quando Tessa acordar, diga que essa foi apenas a primeira e que se ela for esperta voltará para o laboratório de onde nunca deveria ter saído, aquela criação nunca deveria ter visto o mundo – disse.

Amélia guardou a arma e foi embora. Rachel acudiu Aylin mas, era tarde não havia nada que pudéssemos fazer. Ela chorou a morte da amiga até os pulmões perderem o ar. Como contaria aquilo a Tessa? Seria apenas mais um problema para ela se preocupar.

Atualmente – Por Theo

Tessa podia ser forte mas, realmente não estava tão bem quando dizia estar. Para alguém de quase 19 ter um enfarto não deveria ser normal, assim que soube da notícia caiu dura no chão.

Foi às pressas enviada para o centro cirúrgico, o acontecimento parecia ter sido mais grave do que parecia ser. Depois de tudo ainda teria que fazer uma cirurgia de coração.

Demorou cerca de oito horas, ninguém entendia como o corpo de uma criação funcionava por dentro e por isso ficaram fascinados ao abri-la. E descobriram que ela não é totalmente humana.

Seus órgãos, veias, artérias, ossos era tudo literalmente de plástico. Eram feitos de um material semelhante a pele de ser humano, tinha a mesma elasticidade e consistência, contudo alguns órgãos foram se tornado oco com os anos. Por isso Tessa não precisava comer, nada dentro dela era de verdade. Nada funcionava de verdade.

Seu sangue boa parte era plasma e um tipo mais escuro de sangue sintético. Seu coração era literalmente uma máquina, uma artéria se rompeu ao receber o baque da notícia. Teve que ser arrumado, como seria feito em uma máquina. Ela não era um robô, era apenas artificial.

Todos imaginávamos que Tessa não era humana. Tudo nela parecia ser feito de “restos” humanos. Não contaria isso a ela por enquanto, seu coração parecia estar parando de funcionar.

Tessa estava ligada a milhares de aparelhos. Não aparelhos comuns que humanos usam, eram como maquinas que faziam seu corpo funcionar. Suzy a cientista que ajudou a criar Tessa disse que nenhuma criação tinha vivido tanto quanto ela, por isso ela ajudaria a cuidar da minha garota.

Suzy era uma mulher de idade, tinha cabelos curtos e totalmente grisalhos, seu corpo era de dar inveja a muitas garotas novas. Ela tinha deixado o grupo de Amélia depois que ela tentou matar Tessa, ela agora servia na base da Cúpula como médica.

–É uma máquina que faz as funções do corpo humano – explicou Suzy – Geralmente a usamos quando fazemos um transplante de coração. A Tessa é humana, mas não funciona como uma. Você deve saber como a criamos, ela sente e talvez sentiu coisas demais nos últimos meses e por isso seu cérebro entrou em estado de auto defesa.

Acompanhava o que ela me dizia com perfeição, eles arrumaram a cama de Tessa na altura da minha cadeira de rodas para que nós pudéssemos conversar quando ela acordasse.

–Ela vai ficar mais uma ou duas horas recebendo o remédio que criamos, ele vai ficar nas suas veias mas é importante que você a obrigue a tomar todo dia duas pílulas – orientou – Ela pode realmente machucar alguém.

[...]

Ela realmente só acordou duas horas depois, tive que explicar novamente o que tinha acontecido com Aylin. Tessa chorou por quase vinte minutos consecutivos, mas ao menos não enfartou novamente.

–Porque estou aqui?

–Você teve um enfarto – disse.

–Só isso?

–Só isso, Tess? Você tem 19 anos não deveria sair por aí tendo enfartos.

–Não foi isso que quis dizer – justificou – Há mais alguma coisa?

–Não, não há mais nada que você precisa saber por enquanto

–O que quer dizer com “por enquanto”?

–Moça, fiquei quieta por favor – pedi sorrindo.

Tessa me olhou suspeita, mas por sorte sossegou. Nós ficamos longos minutos em silêncio.

–Rachel está bem?

–Tão triste quanto você – sussurrei.