Acordei em um chalé diferente, não era o de Atena. Ah, claro, eu dormi com o Percy, que lindo. Annie vai me matar, esquartejar, me enterrar e dançar no meu túmulo. Mas garotos são idiotas demais para perceber a gravidade da situação. Por que raios eles são tão estúpidos?

-Bom dia. –Disse Percy, acordando em seguida.

-Péssimo dia, você quer dizer. Annie vai nos esfolar vivos!

-Ah, tudo bem. Ela não vai nem ligar...

-NÃO VAI NEM LIGAR? Percy, você escutou bem o que acabou de dizer? Quer que eu te traga um dicionário para você pesquisar o significado de traição? Você não faz idéia do quanto isso abala uma mulher, ainda por cima uma filha de Atena!

-Deixa disso. Para de se preocupar, vai dar tudo certo. - Então a ficha dele finalmente caiu. –Ah meus deuses! O que eu fiz? Annie vai ficar furiosa!

-Eu sei! Agora sim você entendeu a gravidade da situação. Bem, o máximo que podemos fazer é fingir que essa noite nunca aconteceu. - Falei, mas na verdade queria convencer a mim mesma. Peguei minhas roupas, me vesti e fui embora escondida no bosque. Cheguei ao chalé e dei de cara com Emma.

-Onde você estava? Eu e Annie a procuramos a noite inteira!

-Eu... estava no bosque e tropecei em uma raiz. Caí, bati a cabeça e desmaiei. –Menti. – Acordei a algumas horas, mas não quis vir. Eu desmaiei duas vezes em três dias...

-Que se dane a vergonha! Mas nunca mais mate a gente de preocupação.

-Está bem, Emma. Posso tomar banho agora?

Entrei no chalé, tomei um banho bem demorado. Queria lavar toda aquela noite de mim. Botei uma calça jeans azul, a blusa do acampamento, meu colar de contas com dois pequenos pingentes de argila (um para cada mês, ao ter 12, é trocado por um grande). Fui para o refeitório de cabeça baixa. Chegando lá, encontrei Percy sentado sozinho em sua mesa, olhando-me fixamente. Mas quando nossos olhares se encontraram, ele desviou. Sentei-me à mesa e fiz duas oferendas, uma do jantar de ontem e uma de hoje: uma à Afrodite e outra à Atena. Junto com as preces, perguntei à mamãe, esperando uma resposta.

-Afrodite, eu sei que pedi um namorado, mas eu quis dizer um livre, um sem compromisso. Não quero roubar namorado de ninguém. Atena, mamãe, por que nunca me explicou minhas diferenças?  Por que eu sou assim? – E joguei pizza de calabresa no fogo. DOIS PEDAÇOS! Que desperdício...

-Sua louca! Você não faz idéia de quanto a gente procurou por você! Nunca mais faça isso. - Brigou Annie.

-Desculpe se eu estava desmaiada. Se fosse com você, sentiria vergonha de ter desmaiado duas vezes em três dias! –Retruquei. Annie entendeu, ela era orgulhosa. Morreria de vergonha se fosse eu. Era seu defeito mortal.

-Bem, deixe para lá. O importante é que você está bem! –Emma finalizou a conversa.

Durante todo o café-da-manhã, Percy olhou para mim. E eu, para ele. Quando nossos olhares se encontravam, eu me perdia naqueles profundos olhos verdes, penetrantes, atraentes... Algumas vezes, Annie ou Emma percebia que eu olhava distante e olhavam também, mas eu puxava um assunto importantíssimo, como a cor do cabelo de Drew, a lira nova de Mika, o show de outra noite da fogueira ou qualquer outro assunto de menina urgente. No final do café, puxei Percy para um canto e dei um sermão nele.

-SEU DOIDO! Não sabe o quanto eu tive que disfarçar para elas não perceberem que eu estava olhando para você! Pare de olhar para mim, pare de falar comigo, pare tudo! Um dia normal, como se essa noite não tivesse acontecido! Será que você pod... – E Percy me interrompeu com um beijo. - Acho que essa é uma boa maneira de me calar a boca... –Disse toda boba.

-Desculpe. Desculpe, desculpe, desculpe. Eu vou tentar fingir que nada aconteceu. Quer praticar esgrima hoje à tarde?

-Ah, não. Eu estou melhor, já não me sinto sozinha. –E dei um sorriso bobo. Percy deu um também. Ele é tããão fofo!- Agora vamos logo, antes que desconfiem.

Percy saiu primeiro e depois de um tempo, saí, para ninguém reparar. Annie me esperava na arena com sua faca e segurava uma espada.

-De quem é essa espada?

-Sua. Está treinando tanto, achei que não quisesse mais a espada de treinamento. Além disso, está mais que na hora de ter uma arma. Aqui, 1,50m de bronze celestial fundido com ferro. Seu nome está escrito no cabo. Tome, vamos testá-la. –Disse me dando a espada. Ela era perfeita, o tamanho ideal, o peso ideal, tudo!- Angard!

Lutamos a tarde toda, realmente eu estava bem com aquela espada. Percy apareceu algum tempo depois, surpreso.

-Mas você não disse que não queria lutar?

-Percy, querido! Olha a espada nova da Isa! Linda, não?- Disse Annie.

-Claro, Annie. Estou surpreso... A Isa disse que não queria praticar por que já passou aquela tristeza. Por que quer treinar com ela e não comigo?- Perguntou Percy. Eu fiquei fazendo gestos até ele entender. Essa noite não aconteceu e eu ainda continuo triste! tentei gesticular. Ok, realmente garotos são burros. Ainda por cima semideuses, com dislexia, TDAH e filhos de Poseidon. Mas meu esforço foi em vão.

-Não Percy, - Disse com voz forçada. – eu continuo triste porque ninguém apareceu ainda. Continuo sozinha. Nenhum namorado. Essa noite eu bati a cabeça em uma árvore e desmaiei. Nada mais.

-Ah, é. Você desmaiou... De novo. É... He, He, He... -Percy ficou sem-graça. Ele esqueceu de novo que essa noite nunca aconteceu.

-Ahn... Bem... Eu já me vou!- Disse eu, que saí correndo.

Annie com certeza desconfiou, com certeza descobriu, está matando Percy nesse momento. E a culpa é minha! Idiota, burra, tapada! Se você não tivesse mergulhado com ele ou aceitado seu abraço, nada teria acontecido! ABERRAÇÃO!, me xinguei mentalmente. Imediatamente depois comecei a chorar. Perguntas vagavam minha cabeça: Por que eu respiro embaixo d’agua? Por que meus cabelos e olhos são diferentes? Por que eu sou assim? Fui falar com Quíron. Contei toda a história, que eu respiro embaixo d’agua, perguntei o que tinha que perguntar. Só omiti a parte da noite com Percy. Ninguém precisava saber.

-Respirar embaixo d’agua... Há quanto tempo faz isso?

-Desde sempre, acho.

-Interessante... Talvez seja a bênção de Poseidon. Lembra da história de Piper, que foi reclamada e mudou completamente? Essa era a bênção de Afrodite. A beleza. A bênção de Poseidon faz com que o semideus abençoado respire embaixo d’agua. Como ele te deu essa bênção desde que nasceu, interferiu no seu DNA, fazendo com que você fosse morena de olhos cor-de-mel, a mistura de olhos verdes, cinzentos e castanho, do seu pai.

-Então, agora eu sou uma aberração identificada. Que melhora...

-Você não é uma aberração. Por acaso um cadeirante é uma aberração?

-Não...

-Então ser diferente não é ser uma aberração.

-Mas Quíron, eu sou diferente da minha raça! Eu sou diferente no meu DNA! Isso não é igual a ser cadeirante.

-Podemos te chamar de adaptação. Em uma guerra aquática, você seria a melhor chance. Você é adaptada. Não estudou ciências? De acordo com Charles Darwin, os seres devem sofrer uma adaptação para sobreviver ao ambiente. Essa é a lei da seleção natural. Você está dentro da lei, do que é natural. E aberrações não são naturais. Você, de certa forma, é a única correta entre nós. A única que obedece as regras.

-Então, eu sou... Normal. Eu não sou uma aberração. Obrigada Quíron! –Pulei em suas costas e dei um beijo em sua bochecha barbuda. Ele corou bastante, mas falou alguma coisa.

-Ahn... Bem, pode ir. Agora que sabemos sobre esse fenômeno, vamos conseguir estudar e entender outros semideuses assim.

Saí correndo da Casa Grande dando estrelas! Estava muito feliz.

-Não sou uma aberração! Hahaha! Eu sou normal!- Estava gritando e rindo, feliz como uma criança.

-Ei, quase que você me acerta com seu pé!

-Ah, desculpe Percy. É que eu estou muito feliz! Eu sei por que posso respirar embaixo d’agua!

-É mesmo, e por quê?

Não sei por que falei isso, mas é meu defeito mortal. Porcaria de impulso.

-Te conto hoje à noite, as oito em ponto no seu chalé. - E pisquei para ele, correndo para o meu chalé em seguida.

Na hora marcada, eu estava escondida no bosque atrás do chalé de Percy. Estava com uma jaqueta verde e legging cinza, me camuflando nos arbustos e árvores próximos. Bati na parede e ele abriu a janela, me ajudando a subir.

-O plano deu certo. Agora, o motivo. Os deuses podem dar bênçãos a semideuses, e eles ficam com os poderes do deus. Poseidon me abençoou no dia em que nasci, talvez antes. Então de alguma maneira interferiu no meu DNA, e a mistura de cores de cabelo e olhos resultou nisso. –Apontei para mim mesma.

-Uma semideusa linda. E minha. –Então nos beijamos. E passamos a noite comendo pipoca com manteiga vendo filmes de comédia na TV Led de 50 polegadas de Percy. Lindo e moderno. O que mais eu poderia querer?

No dia seguinte, no café da manhã, após as oferendas, Quíron deu um aviso importante.

-Meio-sangues, sátiros, ninfas, dríades, náidades e outras criaturas mitológicas! Na noite de sexta feira, substituiremos a caça da bandeira, por um lindo baile de primavera. As filhas de Afrodite cuidarão das vestimentas femininas, os filhos, das masculinas. Os filhos de Deméter, a decoração, os de Apolo, iluminação. Atena cuidará das comidas e bebidas, de Dionísio do ponche. Os chalés de Hermes, Poseidon e Ares cuidarão das músicas. Grande variedade com tema de primavera. Boa sorte campistas! Ah, escolham seus pares.

Então os murmúrios começaram. Ares com Afrodite, Hefesto com Atena, Deméter com Apolo. Mas um convite realmente me surpreendeu.

-E então, Isa. Quer ir comigo ao baile?

E quem me convidou? Ninguém mais, ninguém menos que: Percy Jackson.