Acordei e não reconheci o meu quarto… Desde quando eu tinha cortinas azuis na janela? Foi então que vi que Gale dormia tranquilamente a meu lado. Me sobressaltei mas logo me lembrei o que se tinha passado na noite anterior. Não tinha acontecido nada entre nós, o que era um alívio. Isso poderia ter arruinado nossa amizade. Me levantei com cuidado para não acordá-lo mas meu esforço foi em vão. Estava chegando à porta quando ele abriu os olhos.

–Qual é? Dormes comigo e vais-te embora sem te despedires? Tu não tens coração! – Ele falou com uma cara cómica.

– Ah me desculpa gatinho mas tá na hora de voltar, tá? Beijinho – eu brinca também e sopro um beijo para ele antes de fechar a porta.

Desci para o meu andar e entrei no meu quarto. Johanna já estava acordada se vestindo mas estava de costas para mim. Quando eu bati com a porta ela se virou assustada mas logo respirou de alívio ao me ver.

– Caralho, assustaste-me! Noite longa não? Para chegar a estas horas… - ela falou maliciosamente.

– Nada do que está pensando tá? E não me chateies por favor que realmente não estou com humor para isso, tá? Eu apenas fiquei dormindo no quarto de um amigo, nada mais.

– Ah meu Deus, esse amigo não seria esse gostoso do Gale? Ah, se foi podia ter – me convidado para a vossa festinha no andar de cima…

– Cala essa boca! Já disse que eu não estou de bom humor! – Falei desejando que ela percebesse de uma vez. Mas não.

– Calma! Nossa não sei que tratamento Gale deu em você, mas que ficou uma fera… Isso ficou – eu já ia mandar uma resposta pouco correta, admito, quando vejo Gale parado na porta, que estava agora aberta, de olhos arregalados. Imagino o quanto ele tenha ouvido da conversa.

– Hum, Katniss, Peeta me ligou. Perguntou se podemos tomar um café com ele. Você está disponível? – Ele falou ainda um pouco vermelho. Johanna soltava risinhos atrevidos. Provocadora…

– Sim, deixa eu tomar um banho e vou já. Fica à vontade – eu falei

– Se não se importa eu vou indo para baixo… - eu acenei afirmativamente e desapareceu porta fora à velocidade de um raio.

– Assustaste meu melhor amigo sua louca! Bota respeito nessa sua cara! – Eu gritei enquanto me dirigia para o banheiro. Antes de ligar o chuveiro ainda consegui ouvir ela murmurando algo como “ como pode ficar mal disposta com um amigo gato para se aproveitar como aquele”. Eu ignorei e deixei a água correr em meu corpo lavando as más energias.

***

Chegámos ao pequeno e acolhedor café e Peeta já lá estava à nossa espera. Quando nos viu abriu um sorriso encantador e levantou-se para nos cumprimentar.

– Oi! Ainda bem que conseguiram vir.

Passamos ali bastante tempo e entre bastantes cafés, cappuccinos e bolinhos, falamos de tudo. De como eu conheci Gale e de como ele conheceu Peeta. Falamos de todas as pegadinhas e peripécias dos dois quando se juntavam nas férias. Pelos vistos eram verdadeiros pestinhas. Peeta demonstrou bastante interesse na vida de escola de Gale, inclusive da minha. Parece que Gale nunca falou muito do que acontecia durante o resto do ano para Peeta. Depois de uma tarde bem passada Gale recebeu uma chamada de um colega de turma qualquer e teve que sair. Tinha que tratar de uns trabalhos ou algo do género. Eu lhe assegurei que eu conseguia chegar a casa sozinha. Ainda fiquei um tempo falando com Peeta. Ele era bastante agradável e parecia que nos conhecíamos a anos se alguém nos visse ali as gargalhadas.

– Eu lembro-me de quando eu e Gale decidimos ir às escondidas ao bangaló de umas garotas líderes de torcida que estavam também de férias no acampamento. Devíamos ter uns treze anos. – começou ele a contar rindo-se.

– Eu não acredito! – Falei entre gargalhadas. O que aconteceu?

– Como garotos normais, com hormonas masculinas aos saltos, tentamos espreitar pela janela. Mas a janela era muito alta então Gale se colocou às minhas cavalitas para ver e depois trocariamos. – Ele parou um momento para tomar folego no meio do riso - as garotas logo o apanharam e começaram aos berros histéricas. Gale se assustou, se desequilibrou e caiu. Fracturou o braço. Para além disso levamos uma reprimenda enorme dos nossos pais e as garotas foram embora no dia seguinte.

– Ai meu Deus! Gale me havia dito que fracturou o braço jogando basquetebol com você nas férias! – Gargalhei – Vocês são muito loucos.

A conversa continuou muito divertida. Gale e Peeta eram bastante amigos pelo que parecia, mas Gale pouco me havia falado do belo loiro à minha frente. Me pergunto o porque. Contra minha vontade, a conversa tomou proporções mais sérias.

– Katniss, eu queria- te pedir desculpa pelo que aconteceu ontem – ele me olhou nos olhos.

– Tu não tiveste culpa alguma – eu falei sincera. A culpa não era realmente dele, aliás foi ele que me salvou.

– Mas eu me sinto péssimo. Fazemos assim, me deixe levá-la a jantar um dia destes e quem sabe minha consciência fica mais leve? – Ele me encarava à espera de uma resposta.

– Eu não sei Peeta, não acho uma boa ideia… - eu fiquei olhando para o chão. Nossa, como ele era interessante neste momento….

– Tudo bem, estás com receio não é mesmo? Mas tudo bem. Ainda vais implorar por um minuto que seja da minha companhia. – ele gargalhou. – Mas eu te entendo, é ainda tudo muito novo para ti.

– Sim, é tudo realmente um pouco estranho para mim. Posso -te contar um segredo? – Me debrucei sobre a mesa com uma expressão misteriosa. Ele acenou e se debruçou também curioso. – Sua festa foi a primeira festa a que eu fui.

– O quê? – Ele estava chocado – É serio? Sua primeira festa e foi um desastre. Agora me sinto ainda pior.

– Sério mesmo. Eu sou uma garota que prefere seu pijama e seus livros a uma festa e uma roupa espampanante. – Confessei - E não foi um desastre. Estava sendo óptima até aquele momento. Eu estava realmente me divertindo.

– Gale me havia falado que tu não gostavas muito de festas e que eras uma garota que não ligava para superficialidades. Então sempre pensei que eras daquelas garotas irritantes, horríveis, desleixadas e que se enfiam o dia todo numa biblioteca – ele apontou.

– Lamento desapontar-te mas essa realmente sou eu. – Disparei. Comecei a levantar-me irritada. – Bem, está na minha hora. Adeus Peeta.

– Hey! Katniss, espera! Eu não quis dizer isso. Eu apenas não te imaginava tão bonita. Eu estava apenas a tentar elogiar-te – Ele coçou seus cabelos na nuca, um sinal de nervosismo.

– Errou feio então. E não precisas de te explicar, não. Acho que vou enfiar-me na biblioteca agora. Adeus.