Mantendo O Equilíbrio - Terceira Temporada escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 6
Capítulo 5


Notas iniciais do capítulo

Capítulo especial com o núcleo Milena & Vinícius.
Finalmente um tempo sozinhos, pra conversar, filosofar, e descobrir mais sobre eles mesmos, tudo que incrementa um bom sorvete. Ops, um relacionamento.
Enjoy.



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Uma coisa que não tenho sentido falta desses tempos para cá é de andar de ônibus. Se bem que a época que eu voltava da faculdade com minha amiga Daniela é uma exceção, pois, aquela ali sabe conquistar o coração das pessoas. Esperava que estivesse conquistando do meu amigo e não o confundindo tanto. Mas não me importo de pegar o transporte público – a menos que ele estivesse lotado e, graças, ele não está – então coloco meu fone e deixo o pensamento ir longe pelas avenidas.

Vinícius quis me buscar ao sair do seu trabalho, no entanto, preferi que ele fosse para casa e almoçasse com a mãe. Além do mais, estava o salvando de pegar um trânsito horrível daquele horário. Murilo ainda não pode dirigir, tem que fazer muitos exercícios para melhorar logo dessa distensão de seu ombro. Já lhe lembrei de que é ele quem vai dirigir na estrada quando formos viajar e a data está muito perto. E ele ainda tem que levar o carro para dar uma checada geral – uma vez ficamos horas na estrada esperando uma boa alma samaritana para nos ajudar com um... ligamento do motor, algo assim, já não lembro mais – melhor evitar problemas futuros. No fim de semana ele já deve estar melhor, a distensão não foi tão grave assim.

Os alongamentos dessa manhã estavam bem melhores. Só sei que a Aline é a grande razão e ele não quis me dar os detalhes da visita dela. Folgado. Também não quero mais saber... Mentira. Quero sim, só não confesso isso a ele. Pelo menos ele me disse que não ia chover... a fase de chuvas estava dissipando enfim. Poderia voltar a usar e abusar dos meus vestidos – não que a chuva antes me impedia, só me incomodava.

A brisa estava maravilhosa para às duas horas desta tarde. E sinto que tudo melhora ainda quando entro na rua da casa de Vini e o vejo encostado no seu carro, vestido casualmente em camisa e bermuda, fazendo charme na porta de casa. Quer dizer, ele nem precisava fazer, se era assim por natureza. Só o fato de o vento bater nos seus fios de cabelo, pra mim era uma imagem boa demais. Meu coração que diz e eu acredito. Só que eu não ia jogar o pote de ouro, assim, fácil. Logo que fico a uns cinco passos seus, começo a cena improvisada:

- Será que dá tempo de ligar para meu namorado e avisá-lo que estou desconfiando que vou ser sequestrada?

- Não. Foi ele que premeditou tudo.

- Valeu a tentativ...

Ele e sua mania de não me deixar terminar minhas sentenças. A linguística para ele era outra coisa. Não que eu soubesse muito do que se trata a linguística, a minha praia mesmo pertence aos números.

~;~

- Namorado, você pensa bem nas coisas.

Elogio-o quando traz uma taça de sunday bem incrementado para mim.

Enquanto o preparava na cozinha ele não deixou que eu visse o que estava fazendo, assim, ficamos conversando – leia-se gritando um para o outro, eu encostada na parede do corredor, ele da cozinha – ele contando que ia pagar a aposta. Pensei que ele tinha comprado um sorvete sunday pronto, como as pessoas “normais” costumam fazer, mas não, ele resolveu prepará-lo e eu não podia ver. Foi aí que eu comecei a questionar sobre cerejas no topo de sorvetes. Eu sei, do nada.

Eu nunca entendi essa convenção. Sério. Por que tinha que ser uma cereja? Por que tinha que ser uma fruta? Tem sorveteria que serve salada de frutas na base do sorvete – fica uma delícia, indico – mas é tradição essa bendita cereja. E é difícil encontrar alguém que goste de cerejas. E se fosse morangos? É fruta, é vermelho, é pequeno e é gostoso. Quem não ama morangos?

Acho que foi pelo meu suposto desprezo por cerejas, uma impressão, que ele teve uma ideia interessante. De qualquer forma, eu deixei claro que não odiava cerejas, eu só nunca tinha entendido a convenção dos sorvetes com elas. Quando estava pronto, ele disse para eu ficar no sofá que ele ia levar.

E levou, NUMA BANDEIJA – quer mimo maior? – nossos sundays. No topo deles não havia cereja ou morango. Era uma minigelatina. A minha era a vermelhinha de sabor morango e a dele era uma verde, de limão. O sorvete era napolitano, e para mim poderia ser de tamarindo, que não estaria nem aí. Sorvete é sorvete e, com namorado do lado, é coisa sem importância. Mas ainda bem que era napolitano e não tamarindo. Tinha jujubas espalhadas ao redor da taça, cobertura de chocolate, morango e caramelo pingados descendo ao longo e umas castanhas salpicadas no centro. Ele me abraçou de lado e aumentou o volume da Tv, estava passando algum filme.

- Gostando?

- Amando.

Falo com a colher ainda na boca, deliciando-me com todo o conjunto.

- Do tamanho do universo?

- Muito crédito para um sorvete.

Tive que colocar a mão na boca por estar de boca cheia. Além da falta de educação, vai que ficasse cobertura de chocolate no meu dente? Mas sabia que meu sorriso estava ultrapassando minha mão.

- E para o... cozinheiro?

Pergunta, esperançoso. Por que pra mim tudo tem que ser ao natural? Tenho vontade de responder que sim, talvez maior que o universo, mas já que não partiu de mim, pelo menos brinco com ele. Ele não perdia por esperar mesmo.

- Sem comentários.

Antes que fizesse alguma carinha de triste por minha maldade, joguei-me em seus braços para dividir um beijo gelado “anapolitado”. Não tinha ninguém em casa mesmo, pois Djane havia ido ao hospital e de lá ainda iria passar no departamento da faculdade, apesar de não ter horário algum de aula, e dona Ana já tinha encerrado o serviço. A casa estava livre e eu nem estava sentindo o perigo. Estava gostando até demais.

Mas calma, sem muita sede ao pote, como dizem os populares. Não ia deixar meu sunday especialmente preparado ficar derretendo. E sempre, sempre sou eu que o interrompo, pois se dependesse de Vinícius... bom, eu gostava de ser travessa. Isso dava um gostinho especial.

- Olha o que está passando, aquele filme do Keanu com a Bullock!

- Putz, foi outro dia que passou. Eu até assisti, mas eu tava tão péssimo naquele dia que eu num entendi foi nada. É algo com a caixa de correios deles, como se fosse mágica. Sei lá, eu não saquei.

E eu acabei não sacando nada também, porque pegamos já o filme pela metade acho e ele não me deixava ver o filme. Mais conversamos do que ficamos de olho na Tv.

- Então, o que você estava falando da minha sogrinha ontem antes de me deixar no vácuo mesmo? Ela vem pra cá, é? Qual o nome dela mesmo?

Mordo o lábio por cortar meio que sua animação.

- Helena. E... na realidade, eu vou até lá. Semana que vem.

- Isso é um convite?

É, ele ficou foi mais animado, tanto que seus olhos se abrem mais, interessados. Havia um traço de sono e cansaço nele que eu queria perguntar. Ainda assim, ele se mantém acordado. Talvez seja preguiça...

- Pode virar um. Mas claro, depois do Natal, né? Você tem que ficar aqui com sua mãe e seu avô. Ainda não verifiquei as datas com minha família, mas eu e Murilo devemos viajar quinta ou sexta da semana que vem. Ele vai dirigir, então melhor que esteja bem da distensão. E Flávia vai também, depois ela volta para o ano novo com a família.

- Se não fosse todas as decorações de Natal, as propagandas e você me dizendo isso, acho que eu nem perceberia que estávamos assim próximo do feriado.

- E eu ainda nem comprei presentes. Vou ou amanhã ou quinta com Flávia dar uma passada no Center e ver como anda minhas ideias. A sua mãe gosta de algum artista em particular?

- Sabe que eu não sei? E sabe que ela adorou quando eu lhe falei que você tinha contado para toda a faculdade que vocês eram... mais que professora e aluna? Vocês estão muito amiguinhas... Deixa eu conhecer a minha para você ver.

- Foi, foi? Ai que meda vocês. Mas me conta, como foi ontem?

- O que você quer saber?

Ele queria fazer mistério mesmo? Comigo?

- Ora, os detalhes.

- Pergunta para sua amiga.

Deu de ombros. Pra mim! Tive que desdenhar...

- Homens.

E ele brincalhão fez o mesmo.

- Mulheres.

Ainda bem que posso contar com meu jeitinho persuasivo, aquele que se utiliza da calma, do ameno e de um pedido sincero...

- Mas sério, como foi, pra você?

O sorvete já era faz muito tempo, mas eu ainda mastigava umas jujubas. Ele tentou roubar uma minha e eu tive que batalhar para ele não conseguir. Ora, onde já se viu, pegar jujuba dos outros depois de ter comido as suas? Só porque eu estava distraída? Só porque ele era uma bela visão? Negativo, comigo não é bem assim não. Ele acabou desistindo. Desistiu fácil até.

O filme devia estar nos seus últimos minutos, Keanu andava com Bullock por uma ponte de madeira que levava a uma casa, e a câmera começava a pegar todo o ambiente para uma cena. Pergunto-me se ainda vamos outro dia assisti-lo, de verdade. Enquanto isso, ele que não ligava para o filme mesmo, se deslocou no sofá de forma que ficasse de lado e, por instinto, eu acabei virando também para ficarmos frente a frente. Ele aparentava estar diferente... em relação ao que era a relação com sua mãe.

- Ah, foi... estranho. Quer dizer, eu fiquei meio sem-jeito, sabe? A gente conversou até altas horas... quase não levantei hoje pra trabalhar. Não sei bem como ainda estou de pé. Valeu a pena, de qualquer forma.

Tá explicado essa sua carinha fofa de sono. Quem sabe por isso ele tem se mantido agitado, pois comigo, quando tenho muito sono e dou uma pausa, acabo dormindo. Foi numa dessas que eu consegui ser carregada até o quarto por ele. Faço carinho por seu rosto sorridente para ajudá-lo a manter-se acordado e não comento a respeito. Até porque ainda falávamos de sua mãe e eu não queria mudar de assunto assim tão drasticamente.

- Então, vocês estão de boa?

Sinto um toque de vitória dentro de mim. Era fim de filme e fim de novela de novo... eu mesma não acredito que todos conseguimos isso. Não que eu não confiasse que um dia ia conseguir, mas... é como Diogo, o enfermeiro-bonito-não-tão-traste,  comentou sobre quem acorda de um coma. Lembro que estávamos na lanchonete, era a primeira vez praticamente que conversávamos como amigos, pois logo que Djane me expulsou do quarto de seu filho, ele veio me oferecer suas desculpas. Me contou sobre o comportamento dela e me inteirou do assunto quanto a ela estar sozinha. Lembro bem de suas palavras, corridas e, no fim, marcadas por uma breve hesitação em busca de uma descrição que fosse conveniente ao que ele queria passar. Disse ele “acho que, apesar de todos nós esperarmos que os pacientes acordem, quando eles acordam, não é bem o alívio que nos encontra de primeira instância. É o susto, um choque... er... agradável”.

Ele falava de sua opinião como enfermeiro, que tem por cuidado e ofício cuidar daqueles que sofrem de tantos males. O que ele descreve era bem o que sentia. Era algo que vinha subindo por dentro. Não, não era o sorvete voltando. Era algo bom, muito bom. Eu fiz e batalhei por uma coisa muito certa. Era orgulho de mim também. Talvez por isso o susto e o choque serem maiores. E, claro, mais que agradáveis. De fim, eu fui mesmo uma enfermeira, se levar em consideração essa lógica. Aquele meu vestido branco só ilustrou mesmo.

- Caminhando para isso, acredito. No fim das contas, acho que você estava certa. Eu não devia nutrir ódio por ninguém e, quem quer que tenha ou venha a me machucar, não merece isso de mim. É um desgaste maior. Meu caso com Filipe... bom, estou indiferente por enquanto. Só por enquanto mesmo, deixar a poeira baixar.

- Gosto de estar certa.

Não, não era bem uma presunção. Ok, era. Gostinho doce esse de vitória. No entanto, posso dizer que, além de estar certa, o bem maior estava a caminho. Esse gostinho em particular é como água, incolor e inodora, e essencial para matar a sede daquele que por muito viveu no deserto, vendo nada mais que ilusões na areia. Tanto serve para Djane quanto para Vinícius, no meio daquele caos que eles mesmos não sabiam onde estavam inseridos. Basicamente foram carregados. Meu sorriso para ele neste momento pode transparecer a presunção, mas se pudesse ter acesso direto ao meu coração, ele sentiria as cambalhotas que este pequeno tentava pulsar dentro do meu peito. Queria poder avançar nele e saber se o seu fazia o mesmo... só que ainda não era hora. Ele tem esse traço de calmaria e vontade de falar mais que me pausa.

- Acho que também tenho que pedir perdão.

Confessa, olhando sua taça vazia entre as mãos. Sua voz me dita sinceridade, ele acredita no que diz. Mal eu percebo quando já tenho minhas mãos nos seus fios de cabelo, bagunçando-os por direito. Direito e dever, rio internamente. E acabo por me lembrar de algo bem longínquo...

- Porque “Errar é humano e perdoar é divino”.

As palavras deslizam de mim como se as tivesse cantado. Eram muito bem conhecidas por mim. Tinha algumas cenas em mente sobre ela, coisas do meu passado e coisas de... TV.

- Filosofando, namorada?

Ele brinca como se tivesse me pego num momento bem filosófico. Engano seu.

- Parafraseando, namorado. Nunca assistiu Dawson’s Creek? Cara, eu tinha um platonismo pelo Pacey...

Suspiro. Tinha mesmo. Achava o Dawson um porre. O Pacey era o melhor amigo dele e o traiu uma vez quando se apaixonaram pela mesma garota. Foi assim que a mulher do Tom Cruise pegou fama de atriz, Kate Holmes fez sucesso nessa série. E o Pacey... ah, ele era aquele bobo que faz coisa errada, mas quando faz coisa certa, é pra conquistar. Volto à realidade quando Vini finge estar chateado. Ele não aguenta e ri.

- E você diz isso com a cara mais linda pra mim, né?

- Claro. Você quer que eu minta?

- Hum. Quer dizer que viro um deus por perdoar as pessoas? É isso que quer dizer?

- Não. Quer dizer que todos somos falhos, somos humanos, então erramos. Merecemos uma segunda chance depois de muito nos arrependermos. E devemos perdoar as pessoas, pois, se Deus perdoa, por que não haveríamos de perdoar também? No episódio era uma velha senhora que dava essa lição, nunca esqueci.

- Algum motivo em especial?

Sua sobrancelha afina de encontro com a outra, tentando decifrar a razão do porque eu ter memorizado isso. Como se ele soubesse a profundidade que isso tinha para mim. A mão que tinha passeando por seus cabelos migra para esse vinco, para desfazê-lo. A profundidade que tinha para mim por muito tempo tinha ficado e por muito tempo mais vai ficar...

- Era uma série de drama adolescente e tinha umas lições legais. Além de que a velha senhora me lembrava da minha avó quando passava uns ensinamentos... Mas então, melhor começar a planejar seu Natal, não?

- Na verdade, a mãe do Wellington veio aqui ontem para convidar minha mãe. Acho que vamos passar lá mesmo. O Wellington deve chegar semana que vem.

Ele levanta-se minimamente para colocar nossas taças vazias na bandeja que deitava na mesinha de centro. Percebi o filme já nos seus créditos. Realmente, não assistimos foi nada. Não que eu esteja reclamando.

E por falar em Wellington...

- Poxa, talvez nem o veja. Ele parecia ter tanta história engraçada para contar...

Digo, assim, querendo provocar. Ele sente o que estou querendo. Só que ele consegue inverter a situação de um jeito que nem sei explicar.

- Ah, é, né? Só uma pergunta. Você tem medo de altura?

- Por quê? O que você está pensando?

~;~

CREC.

- Desculpa, desculpa, desculpa...

Tento me equilibrar segurando-me nele enquanto o encho de desculpas e desculpas. Altura era de menos pra mim, nunca tive esses medos. Mas ainda bem, ainda bem que eu estava de sapatilha, quem sabe eu teria feito um buraco maior.

- Por que tantas desculpas, amor?

Amor! Ele me chamou de amor. Assim, naquela naturalidade pela qual tanto esperei, ternamente. E nem deu tempo de sentir o meu coração esquentar, porque ele estava ali na minha frente, tão sorridente esperando que eu dissesse algo, que me forcei a explicar. Quase fiquei sem resposta mesmo.

- Acho que acabo de fazer uma goteira na sua casa.

Mordo o lábio toda sem graça.

Yeah, estávamos em cima do telhado de sua casa.

E o CREC acima foi de mim pisando na telha.

Quando ele me mostrou a escada no quintal, dizendo-me para subir, eu achei que ele estivesse de brincadeira. Que nada! Ele me fez subir na sua frente, forçando-me a segurar o vestido discretamente por ele vir logo atrás, diferença de um ou dois degraus. Ele parecia uma criança rindo às alturas. Ainda bem mesmo que eu estava de sapatilha, imagina manter o equilíbrio num telhado de salto? Nem subiria, se assim fosse.

Quando conseguimos uma estabilidade, ele nos faz sentar. Sim, nas telhas. Era muito estranho sentar numa telha, cara. Quer dizer, não só pelo material estar sujo, afinal, assegura toda uma casa e aguenta todas as eventuais mudanças de tempo, mas pela aspereza que era sentar-se nele, além de ser algo frágil, imagino. Poxa, se eu fiz mesmo uma goteira com a sapatilha, o que mais eu poderia fazer sentando-me numa telha?

- Aqui é seguro?

- É. Não se preocupa, só... olhe ao redor.

Ele não queria que me apegasse aos pormenores da telha. E, nossa, a vista é uma beleza mesmo. Dava para ver parte da rua e pessoas nas suas casas. Aquela vizinhança era bem tranquila. Porém, o que roubava o fôlego mesmo era o fim de tarde. Eu sempre fui fã do alvorecer, mas um pôr-do-sol também não ficava muito atrás. O céu estava alaranjado com nuvens brancas acima do sol, já nas suas últimas antes de chegar ao ponto final do horizonte. Logo deverá estar iluminando as manhãs dos japoneses enquanto a lua fica aqui pelo ocidente dando o ar de sua graça.

- Então era aqui que você ficava?

- Nas suas palavras, sim, era pra cá que eu “me malucava”. Sabe aquela árvore ali, que tem os pisca-pisca? É a casa do Wellington. Acredita que foi aqui que nos conhecemos, praticamente?

- Como assim?

- Eu tinha brigado com minha mãe uma vez, meu pai não estava em casa. Aí eu disse que ia sair pra espairecer e ela me proibiu de sair. Me desafiou, na verdade, disse que se eu saísse, ficaria de castigo. Só lembrei que tinha uma escada nos fundos e quando vi, estava aqui em cima. Ela não podia me castigar, afinal, eu não estava fora do nosso território. E nesse dia o Wellington tinha inventado de subir ao seu telhado, para pegar a boneca da irmã que ele tinha jogado lá durante uma briga dos dois. A gente riu por ver um ao outro em cima do telhado e até trocamos um aceno. Dias depois eu me meti numa briga com um outro vizinho, defendendo a irmã dele, e foi aí que viramos amigos mesmo.

Se fosse outras épocas, talvez ele mencionasse a mãe como algo ruim de sua história. Agora que ele conta, ele está leve e sorridente, observa o horizonte e dele parece voltar à sua adolescência, quem sabe tendo as imagens na cabeça. Gostava de ouvir suas histórias, ele contava tão descontraído que ora e outra eu seguia sua linha de riso com a minha própria. Do meu lado ele estava, tão sereno quanto se estivesse num sofá. Eu, ainda inquieta, busco uma posição mais digna para minhas pernas, sem deixar que o vento levante meu vestido ou que eu deslize até a ponta do telhado. A calha era o ponto final e eu evito olhar além dela abaixo, assim me concentro no que ele continuava a falar.

- Quando meu pai morreu, foi ele que me deu grande força. Até porque aquele cara que ficava provocando a irmã dele arrumou mais confusão e muitas vezes tivemos que nos jogar na briga. Minha mãe dizia que eu estava com más companhias, coisa de quem não sabia do que estava falando mesmo, e como nossa relação só foi piorando, nem liguei de explicar. O cara lá queria ser o reizinho da rua e ainda fazer graça com a irmã do Wellington. Pra mim ela também era minha irmã, eu não tinha irmãos e nem primos.

Eu podia até achar graça de ele ser protetor se ele tivesse irmãs pra proteger. Só que eu sei como é ser uma filha e irmã protegida. Só é bonito de ver, não de sentir. Eu sei que a irmã do Wellington já tem até filhos, mas sei lá, me dá uma pontadinha de ver que eles eram bastante próximos na adolescência. Quem sabe se não rolou nada naquela época? Era arriscado mexer com a irmã de um futuro militar, mas e aí? Ele mexeu com a irmã do Murilo, que tem força de touro tanto quanto um militar.

- Era mesmo? Ou só tá dizendo isso para que eu não fique com ciúmes?

Ele poderia dizer apenas o clássico “ah, isso foi há tempos atrás”, mas não. Ele prefere provocar. Fica estampado no seu sorriso sacana.

- Sabe que eu não tinha pensado nisso? Seria bom te ver com ciúmes. Deve ser linda. Quando vou ver essa tão querida cena mesmo?

Ele vira para mim, acarinhando-me no rosto. Golpe baixo.

- E as que você viu não foram o bastante?

- Eu vi? Quando?

Ele entrecerra os olhos, tentando lembrar. Ou fingindo que tenta lembrar?

- Deixa pra lá.

- Negativo, sua vez de contar. Diz. Mereço saber.

Parece que eu estou vendo a telha quebrar com que ele chegando tão perto assim de mim. E ele acaba por me deitar sobre ela, mantendo-se de lado dando-me leves beijos no rosto, roubando-me selinhos, a espera de uma resposta. Ou arrancando-me respostas? Era bem capaz.

- Ok... só todas as vezes que você aparecia com a Becca? E aquela na maternidade? Quase te esganei.

Ainda não acredito que estava confessando isso.

- Sério?

Ele RIU. SE DELICIONOU, na verdade. Dava pra ver o ego dele inflando como um balão recebendo ar. Sua respiração batia no meu rosto com sua risada vitoriosa. Reviro os olhos e ele me rouba mais uns beijos. Pelo menos não especifiquei que quase o esganei por causa daquela enfermeira cara-de-pau, ele pode ter entendido que era só por causa da Becca. E VAI CONTINUAR ACHANDO.

- Conte-me mais sobre isso.

Há! Agora sou eu que rio. Gargalho na verdade. Não é só um efeito que ele faz em mim, é por ele querer que eu conte. Ah, mas num conto de jeito nenhum.

- Negativo. Está sabendo até demais. Mais que isso, aí sim te esgano de vez.

- Huum... cadê sua linda passividade, hein?

- Vou perguntar por ela quando você tiver com ciuminho. Quê que você acha?

O velho truque da inversão. Funciona 90% das vezes.

- Trágico... Não vale ser só comigo, tem que ser com os dois. Quero algo nosso.

- E quem disse que não temos?

- Ah, fotos não são o bastante.

- E uma piadinha interna?

- Que piadinha?

Uma sobrancelha sua levanta enquanto a outra abaixa, resultando numa expressão bem mais divertida e desentendida. Comprimo os lábios antes de soltar a primeira pergunta, sabendo que do jeito que eu sou não muito entendida dessa parte da geografia, eu deveria dar umas estudadas daqui pra frente. Vai que ele resolve me desafiar?

- Qual a capital da Itália?

Seu rosto se ilumina, agraciado, presunçoso. Ele estava tão tão perto.

- Essa eu sei. Roma. Mas você usou essa tática com Alexandra também.

- É, e quem disse que funcionou?

- É, vendo por esse lado... e quer dizer que você vai me enrolar mesmo e não me dizer seus momentos de ciúmes?

- Aham.

- Ok. Vamos descer?


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Notas finais do capítulo

Se achou esse capítulo muito amor, espere para ver o próximo!



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