Mantendo O Equilíbrio escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 38
Capítulo 9


Notas iniciais do capítulo

Quando a Milena diz que Murilo é protetor, acredite nela. Mas eis aqui um pouco desse lado "murilístico" pra convencer bem do argumento dela. Não é a toa que ela repele a proteção de outros...



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Às 22h eu estava o caco. Tinha cochilado nos bastidores e quase me pegaram quando os palestrantes saíram do palco. Ao ver meu estado, o diretor me dispensou, pois era preferível assegurar minha consciência para o dia seguinte de “labuta” do que ainda me explorar no fim do dia quando eu não saberia mais o que estaria fazendo. Como a fome me chamava, fiz um pedido rápido na lanchonete com um jantar básico e ir pra casa.

Claro que convidei o Vini, ele parecia cansado também, pra compensar o almoço nosso interrompido. O estranho é que parecia que todo mundo estava nos olhando, eu sentia. Os olhares ficaram mais estranhos quando Djane se sentou à mesa depois de nossa conversa. Aí sim diria que as pessoas, as poucas que ficaram no final da noite, se assombraram com essa visão. Se não conhecesse a professora como hoje a conheço, também me assombraria eu acho. Agora eu só acho engraçado.

Cômico mesmo foi quando parei meu jantar pra falar com ela, quando ela saía do coquetel V.I.P. da sala do diretor. Eu conversava com Vini sobre as novidades de Alexandra, que Rebecca tinha ligado durante a noite para avisá-lo. Ela estava bem, assim como o bebê, o que pra mim já estava ótimo, porém parecia ter mais história pra ser contada, que foi interrompida quando pedi licença para falar com a professora:

– Então professora, a senhora teria 5 minutinhos?

– Sim, teria 5 horas se precisasse.

Percebi que ela avistou o filho um pouco próximo a nós, às minhas costas, jantando na mesa da lanchonete, e ficou um tanto apreensiva. Era notável pelo modo como esfregava uma mão na outra e seu aspecto receoso com uma sobrancelha firme em dobra de preocupação. Sem querer eu meio que tinha assustado a mulher... ela devia estar queimando o cérebro pensando possíveis loucuras que explicariam a presença de Vinícius ali e a relação com meu pedido de conversa. Acho que se a tocasse no braço, ela seria capaz de dar um pulo como um gato surpreso. Era exagero, era preocupante... e talvez bizarro se eu risse disso.

– Relaxa, prof, não é algo ruim ou trágico. Não pra senhora, quer dizer.

No mesmo segundo ela dirigiu o olhar do filho para mim, dando uma amenizada na sobrancelha que gritava uma então confusão. Eu realmente não estava mais chateada, só não queria que acontecesse de novo, por isso era mais fácil que eu lhe dissesse cara-a-cara. Aproveitei que as pessoas estavam bem dispersas e que o local próximo à sala do diretor e da sala dos professores estava vazio para poder começar a falar.

– O que quer dizer, Milena?

– Eu queria lhe pedir uma coisa, professora. Não se ofenda, longe de mim querer isso, o caso é que a senhora fez algo que... bom, me deixa incomodada por tê-lo feito e eu abomino esse tipo de coisa. Não gosto e fico chateada, por isso, agora mais tranquila, queria pedir para não intervir ou mesmo me defender quando eu mesma ainda não o fiz. Fabiano disse que a senhora falou com ele, algo que eu deveria ter feito e fiz, e fui cortada nas minhas explicações. Sou responsável pelos meus atos e não preciso que ninguém tente aliviar meu lado. Isso não seria justo...

– Oh, Milena, desculpe, eu só quis... quis ajudar.

– Eu sei, eu só não gosto que as pessoas tentem facilitar as coisas assim pra mim, afinal, o mundo não é fácil e eu preciso conhecê-lo tal como é para saber criar minhas próprias defesas, mesmo que seja por uma coisa tão pequena.

– Entendo o que queres dizer. Pode se certificar que não mais o farei e sinto por ter te chateado... eu não sabia. Que bom que veio até mim sobre isso.

– Achei que seria o certo a se fazer... se eu deixasse passar, teria três trabalhos: emburrar, desemburrar e me frustrar.

– Eu pensei que era algo relacionado com meu filho... Você tinha comentad...

– Ah, sim. Ele tentou fazer o mesmo e eu estava a tempo para impedi-lo. Foi então que ele viu que não conseguiria nada e pediu pra ficar... isso eu não podia impedi-lo, né? Melhor assim, pois ele se aproxima do seu trabalho e, aos poucos, vai conhecendo mais da senhora que ele deixou pra trás.

Isso a relaxou rapidinho. E como eu gostava de como ela se mostrava tranquila, me deixava calma também. Bem dizem que é esse o ponto que a sinceridade almeja.

– Às vezes penso se você não é calculista...

– Só sou esperta para saber mexer os “pauzinhos”. O universo me joga as pedras e eu tenho que saber construir o castelo... para isso, as peças tem que ser bem ordenadas e administradas.

– Então, vocês estão jantando?

– Aham. A senhora não quer vir comer com a gente?

– Boa comida, boa companhia, ótimo convite.

Djane me abraçou de lado e caminhamos até a lanchonete, onde eu voltei para a mesa e ela foi fazer seu pedido à atendente, que eu sentia querer logo fechar tudo e nós ainda a segurando no trabalho. É, o dia também foi difícil e cansativo pra mim... valera a pena.


~;~


Até hoje não me acostumei em dormir em cama de casal. Estaria com a minha antiga de solteira até então se não fossem meus pais que queriam porque queriam me dar uma mais espaçosa. Verdade que eu me mexia muito, já havia caído da cama algumas poucas vezes – mas era porque eu estava sonhando e meu corpo queria seguir meu inconsciente, então eu não tinha o controle para evitar – e uma cama grande deveria suprir isso. Na minha cabeça era espaço demais para uma pessoa só, meio solitário até... então era algo assustador encontrar outro do meu lado. Me dava 3 segundos de surto silencioso para perceber que era meu irmão.

Às vezes ele fazia essa graça. No entanto, dessa vez parecia que ele precisava da irmãzinha dele... tanto que nem me esperou acordar e se meteu na minha cama. Só não deve ter roubado meu travesseiro porque não estava bem no ânimo para isso... o que era nada bom. Grogue, me mexo na cama ante as costas de Murilo para despertar melhor e ver como ele estava. Vi por cima dos ombros meu relógio de cabeceira marcando 8h45 da manhã.

– Você dormiu aí?

– Não. Meu biológico me fez acordar cedo. Fiz café da manhã, assisti TV e nada tinha de interessante. Pensei que ficar suspenso fosse como umas miniférias, mas não tem parecido com isso até agora. Aí vim pra cá pra... sei lá.

A punição! Eu tinha esquecido... quando cheguei em casa era pouco mais de 23h e o sono que me consumia mal me deixou tomar banho pra deitar, assim não vi muita coisa e nem me lembrei de ir atrás do coitado.

– Como foi lá?

– Quando cheguei no trabalho de manhã, estava tão determinado pra seguir nosso plano que nem liguei de passar na minha mesa, fui direto para o departamento da diretoria pra encontrar Aline. Foi um pouco difícil ficar ali, contando meu podre pra ela, sabendo que as chances dela gostar de mim eram mínimas... Confessei logo na lata, disse que tinha sido eu que tinha armado aquilo na apresentação, que era mais um trote de uma série deles que aconteciam no departamento, disse como eu fiz e como coletei as imagens... e o porquê de ter feito tudo.

Sento na cama para poder levantar, ouvindo tudo o que ele relatava em sua voz fraca. Ele amava o trabalho dele e estar suspenso deve ter ser um grande golpe para si. Deixo que ele fale a vontade, talvez precisasse desabafar...

– Tentei fazer graça pra quebrar o gelo dela, que me escutava atentamente, falando que não esperava que a diretora fosse aparecer justamente naquele dia, e ela nem esboçou uma reação qualquer do tipo. Então me deu a suspensão, falou com a diretora, passou um memorando pro RH e me mandou pra casa.

– Mas você só chegou quase no fim de tarde...

– Foi porque quando eu estava saindo, um colega de outro setor estava com problemas no projeto dele com um prazo de entrega quase fechando e como eu não tinha mais o que fazer mesmo, fui ajudá-lo, como se isso pudesse me distrair.

– Aline não disse nada?

– Não, foi extremamente fria e profissional comigo. Claro, eu era apenas um trabalho pra ela... e eu estava facilitando, pois me entreguei antes que ela pudesse investigar nosso setor a fundo. Não sei se vai acontecer algo com os caras lá do departamento... mas não podem suspender todo mundo, o trabalho não pode parar.

Um suspiro frustrado fez com que ele virasse para mim, sem propriamente focar em mim, mostrando seu pesar com toda essa situação. Foi minha queda também, pois mesmo sendo uma peste, era meu irmão e amor incondicional por sua burrice estava mais que entranhado em mim. Não era hora de dar uma bisca nele ainda, eu tinha que animá-lo.

– Então como você está aí sem fazer nada, você vai me ajudar numa coisa pra não passar o dia se remoendo aí. Já volto.

Sorte a minha que não estava muito atarefada e podia dedicar umas horinhas a ele. Tirei meu pijama, fui rápida nas minhas atividades matinais e consegui arrastá-lo para a cozinha, onde dona Bia separava os ingredientes do almoço do dia ouvindo rádio. Ela notou o baixo astral do meu irmão e me sussurrou que faria o favorito dele, macarronada, pra ver se ajudava a melhorar o dia. Tomava meu café quando ele resolveu pegar meus pãezinhos de queijo. Cedi na marra... porque, poxa, ele já tinha tomado café e ainda queria roubar parte do meu?

– Murilo! Você já comeu!

– Mas quando eu comi ainda não tinha pão de queijo, comi biscoito cream-craker... não poderia deixar você no bem-bom.

– Aproveitador de irmãzinhas.

– Trapaceira de irmão.

– Como assim?

– Eu sei, tá, Milena. Você descobriu meu esconderijo e apagou o vídeo.

– Ah, isso. Cara, você demorou tanto pra perceber... que eu já tinha esquecido disso. E isso não me faz trapaceira, só mais esperta.

Eu poderia bem aí ter mencionado o vídeo que escondo dele, mas não tinha uma ameaça pronta. Acho melhor deixar quieto e guardado para o caso dele ter outra prova minha perigando. Ele que fique pensando que está seguro...

– Como você descobriu?

– Hã... um dia eu deixei cair no chão e quando fui colocar o box porta-retratos no lugar, senti que tinha algo dançando por dentro. Aí vi que era um pen-drive, que não era meu, e dei uma checada. Foi ouro dentro do baú...

– Hum. E com quem você voltou ontem?

O tom de voz dele muda bem rápido, assim como a troca de tópico de conversa. Ele parecia mais esperto, usando a técnica do enrolation de início para emendar o ponto que ele queria. Ontem ele tinha advertido Vinícius e desde a foto que eu vimos do aniversário de Flávia, ele parece estar me cercando pra ver se tem algo rolando.

– Com quem você acha? Uma vez não te disse que o Bruno era todo cuidadoso comigo? Já insisti várias vezes de racharmos a conta da pousada e... ah, você não vai querer saber disso...

O vago de ideia que deixei foi como se ativasse uma raiva dentro dele, naquele seu ciúme bobo cego que não via que eu estava brincando com ele. Assim ele até deixa meus pãezinhos de queijo no prato e levanta irritado:

– O QUÊ? Mas você não estava com o Vinícius? E quando você e o Bruno deixaram o posto de amigos? Não estou gostando nada disso, NADINHA!

– Há, até parece como se fosse verdade, né? Claro que estou zoando, oras.

– É bom que esteja mesmo... Ou vou ter que tomar umas atitudes drásticas.

– AH, MAS NÃO VAI MESMO. Se você fizer o que seja pra repreender as pessoas que gosto, eu posto seu vídeo no youtube sem hesitação!

– Que vídeo?

– O seu espetáculo no hospital naquele dia na Emergência, lembra? Pois é, olha que bonito, consegui o vídeo e, não se preocupe, tenho várias cópias escondidas, não só dentro de casa. Então já sabe, qualquer gracinha, youtube, maninho...

Eu não queria ter que apelar pra isso, mas ele bem que pediu. Com uma mão sobre o rosto estarrecido, provavelmente lembra o que foi aquela cena em particular que ele pagou para levar injeção e cala. Eu tinha que garantir alguma coisa, não? Lidar com um irmão desses não é coisa fácil.

– Co-o-omo você conseguiu?

– Segredo.

– Você tá blefando.

– Quer testar?

– Quero uma prova.

– Tudo bem.

Termino meu café numa golada e o levo para a sala. Agacho em frente ao sofá, fuçando por debaixo dele a procura de uma caixinha presa na fita isolante que lá tinha deixado. Tiro o pen-drive de lá e o entrego. Ele corre para meu notebook que eu tinha ligado antes de ir tomar café, senta-se à mesa e caça o arquivo. Logo ele encontra o vídeo e, desesperado, apaga. Eu atrás dele me sentia a vencedora da guerra.

– Não adianta apagar. Já disse, tenho outras cópias... fora de casa.

– Okay, você me tem em suas mãos. Qual o acordo mesmo?

– Você não vai se meter com meus amigos ou atrapalhar minha relação com eles ou com quem quer que seja. Você vai esquecer esse seu ciúme de uma vez por todas. Vai me deixar em paz, ser um amável irmão e se comportar como um.

Sentia o alívio quase inalcançável por me livrar dessa sua pressão em mim ao contar nos dedos o que eu queria. Não era bem o que tinha planejado e parecia que estava saindo melhor que encomenda.

– Mas Milena, quem vai te proteger?

– E eu lá preciso de proteção, Murilo?!

Ele levanta nervoso, com aquela sua carranca, pronto pra contra-argumentar. Ele não iria me dissuadir, não importando seus argumentos, eu estava cansada desse comportamento dele, era minha chance.

– Precisa! Se comportar como irmão é proteger quem se ama, não deixar que venha qualquer um do mundo e quebre seus sentimentos. Você está pedindo demais... eu não aguentaria te ver assim caso algo acontecesse. E eu mataria o ser que teria te machucado, você sabe que eu mataria.

Ando de um lado para o outro na sala inquieta, braços cruzados firmes em indignação. Ao longe vi dona Bia aumentar o volume da rádio para nos dar espaço e privacidade. Apelar era uma atitude previsível dele, então eu tinha que apelar também.

– Justamente por isso, Murilo. Você faz essa tamanha barreira que eu mesma tenho que arranjar brechas pra poder fugir. Como eu vou ser feliz assim, presa com um pitbull pronto pra ataque? Você não confia em mim?

– Confio, claro. Desconfio quando tem outro na parada... ele pode muito bem te enganar. Se o cara for digno ele vai ser forte o bastante pra me enfrentar... se conseguir passar por mim, eu aprovo e pronto.

– Você não é meu pai, você não pode exigir nada.

– Eu o represento aqui. Você acha que ele também não se preocupa? Ele está longe e não pode fazer muita coisa... Faço o que for necessário, nem que eu passe a minha maior vergonha caindo na rede, eu o faria se fosse o caso de te proteger. Você não entende, Milena, você sozinha estaria dando passagem para os caras que só querem machucar as pessoas.

– E o que acontece com aquela história de aprender com os próprios erros? Como eu vou saber se eu não errar, se vocês não me deixarem errar? Isso tá virando doentio, não vê? Porque quanto mais você fecha o círculo, mais eu vou ter vontade de sair dele... e então nossa confiança se abala, porque eu não vou poder contar com você como pensei que poderia.

Me seguro ao máximo para não gritar com ele, queria que ele visse quão sério era sem ter que usar do tom alto para falar. Realmente não queria brigar, só queria que ele pudesse entender meu lado e amenizasse as atitudes dele. A raiva batendo na porta também não estava ajudando muito, principalmente por ele não estar cedendo como eu desejava.

– Claro que você pode contar comigo, isso é inabalável. E esse círculo, maninha, é um mal necessário...

– Chega, Murilo. Eu já disse o que tinha que dizer. Você já sabe também, está por aviso. Eu não hesitarei.

– Isso não é justo.

– Não é justo também o que tenho que fazer ou sacrificar pra poder respirar melhor, né, sem ter você vigiando meus passos ou meus amigos. Ou você manera ou...

– Só me diz quem é o safado que tem virado sua cabeça. É o Bruno? Diogo? Vinícius? Diz.

– Eu nem vou responder isso, porque não ofende somente a mim. Você mais uma vez conseguiu fazer besteira... merece ficar se remoendo mesmo. Eu não conheço a Aline, mas olha, ela fez bem sendo fria com você. Vou fazer o mesmo, talvez funcione...

Zangada saí pegando meu notebook em direção ao meu quarto, batendo a porta do mesmo. Nem olhei pra trás pra ver o que ele fez ou deixou de fazer, minha raiva era grande o bastante para deixá-lo ali sozinho. O melhor que eu tinha pra fazer era me acalmar e me esquecer da briga, e música... era minha grande amiga para todas as horas.


~;~


Na hora do almoço, umas 11h30, dona Bia me chamou no quarto e disse que tudo na casa estava pronto, que as compras que precisava serem feitas, ela as tinha feito e era sua hora de ir pra casa. Eu não tinha feito muita coisa desde a hora que me enfurnei no meu quarto, passei boa parte ouvindo rádio olhando para as paredes sem vontade de levantar, mesmo morrendo de sede.

Eu sou a vítima. Por me sinto como a vilã? Ele que está errado, ele que é exagerado, eu que sofro, eu sempre tenho que me defender, armar, enrolar... Era como se me proibissem de amar, e apenas eu tinha esse direito de (tentar) mandar no meu coração.

Quando saí do quarto para almoçar, ele fazia o mesmo saindo do sofá. A TV ligada num canal qualquer não me chamou a atenção, eu só queria almoçar e voltar pro meu quarto. Almoçamos em silêncio na mesa, ele me sondando com aquela expressão caída e eu com o olhar perdido sem foco algum. Pelo visto, a macarronada não salvou o dia de ninguém. O silêncio só era quebrado pela televisão... não saberia dizer se era algo bom ou ruim, porque minha raiva ainda não tinha passado.

De volta ao meu quarto decidi arrumar uma playlist para tocar no auditório antes das palestras. Foi essa a ideia que me veio ontem, pois as músicas escolhidas pelo diretor eram muito sonolentas. Se os alunos que ouviram ficaram com sono, devem ter dormido na conferência mesmo, pois eu ainda cochilei um pouco. O diretor queria músicas antigas e clássicas, e nada contra eu tinha, gostava de algumas, mas como era música ambiente, precisava de algo mais animador. Minha ideia era levar algumas delas em novas versões, covers ou regravações. Tinha algumas na cabeça, eram poucas ainda.

– Ainda zangada?

Era a voz de bandeira branca dele. Era aquela que deixava implícito que não tinha desistido, só não queria ficar brigado. Ele parecia mal mesmo. Apenas sua cabeça adentrava meu quarto, esperando minha reação, se convidaria para entrar ou não. Meu dar de ombros foi o que ele considerou como carta de aceite.

– Posso perguntar uma coisa? E quero que seja sincera, se você me responder.

– Pergunta logo.

– Você... está gostando de alguém?

Foco na tela do notebook, verificando quais músicas eu já tinha que poderia enquadrar na minha ideia. Ainda bem que tinha algo pra mirar, pois não queria conversar sobre isso e muito menos olhando diretamente para meu irmão.

– Por que a pergunta?

– Bom, eu estava no meu quarto e de lá dá pra ouvir suas músicas. “Listen to your Heart”, “Don’t Speak”, “Total Eclipse of the heart”… isso é algum sinal de que você está gostando de alguém, não?


Trilhas citadas:

D.H.T – Listen to you Heart

http://www.youtube.com/watch?v=LvAjgJPngWQ&feature=related

Alex Cortez – Don’t Speak

http://www.youtube.com/watch?v=xOMqpcV2XGE

Glee Cast – Total Eclipse of the Heart

https://www.youtube.com/watch?v=JbXvZ8t8GfQ


– Não... ainda. Estava escolhendo músicas antigas que foram repaginadas para tocar como música ambiente no auditório hoje, no intervalo. O diretor pediu por músicas antigas e eu queria arriscar essas regravações para animar um pouco as coisas...

– Parece uma boa. Posso ajudar?

– Se você se lembrar de algumas...

Ele lembrou várias. Tinha em mente quem ia adorar a minha surpresa. Não deu 20 minutos e estava rindo com Murilo procurando muitas mp3 pra baixar, ele jogado na minha cama na maior preguiça. A nossa briga ainda estava ali sim, só que irmão é irmão... entre tapas e tapas, a gente se amava. Com algumas mp3 salvas no pen-drive, olho o relógio no canto da tela e começo a correr pra fechar tudo e desligar.

– O que foi?

– Tenho que me apressar pra sair. Ainda tenho que tomar banho.

– São 14h30. O seu horário não é apenas à noite?

– Na faculdade sim, mas eu tenho que visitar... hã... uma amiga no hospital.

– Ah, sim, o que foi essa história de hospital de novo?

– Não é bem hospital como aquele que o Vini estava, é uma maternidade. A irmã de Michelle, amiga de Rebecca, quase deu a luz ontem no Center... e eu que as ajudei a ir pra maternidade porque... ah, é uma longa história.

– Então vai tomar teu banho, eu o meu e você me conta no caminho.

– No caminho? Não precisa me levar, o Vinícius vai passar aqui daqui a pouco.

– Hum.

– Não me olha com essa cara, ele também estava lá... Tenho que ir.


~;~


Na vida conhecemos os mais variados tipos de pessoas. No meio profissional, não é muito diferente, pois também temos que saber lidar com qualquer tipo de pessoa... e as coisas nem sempre são fáceis. O reitor é um saco e a cada palavra que saía daquela coisa eu podia revirar os olhos. Ia começar a ficar vesga com isso. Tinha perdido a conta de quantos suspiros de tédio tinha soltado ali perto dele, servindo-o, assim como aos professores que ali estavam. Ainda bem que a participação dele na palestra é só no último dia, amanhã, e é um breve discurso. Os únicos que animavam a conversa ainda era professor Carvalho com aquela energia que parecia não acabar, professora Amália que era bem comunicativa e seu Caio, o Caio-em-cima-do-dinheiro, contando suas histórias de viagens.

O tédio do reitor retrucava algo sempre em vangloria, dizendo que tinha contato num sei com quem e algo mais acolá, que gostava disso, daquilo, da reunião que teve com o presidente não sei da onde. Verdade que ter contatos é muito importante, mas tem que saber lidar com isso para não parecer um esnobe. A propósito, o que eu mais queria saber – na verdade, o diretor, pois foi ele que me pediu e me deixou a serviço na sala dos professores – ele não falava. Queria ver como estava o auditório, tocando as músicas que escolhi a dedo... e estava presa com esse cara chato falando e falando.

Seu Caio não parecia se importar, se estava o chateando, ele devia estar ignorando com mais vontade que eu. Não demorou muito e ele começou a contar sobre o incidente das suas malas quando chegou ao aeroporto para vir pra cá. Acho que foi a única hora que eu consegui rir mesmo, e seu Caio, todo gentil, pediu que eu sentasse com eles.

– Você não cansa, não, menina? Faz hora que está aí em pé.

– Monitores devem deixar os convidados à vontade.

– Deixa disso, senta aqui. Onde eu estava mesmo? Ah, sim, a melequeira foi tão grande que tive que pedir para os jovens que me esperavam no saguão para ir comigo a um shopping, senão vocês agora estariam me vendo totalmente à paisana.

Até o chatolino do reitor riu... e emendou uma história sobre uma vez que brigou com um segurança na Alemanha porque ele levava uma caneta especial que ele havia ganhado de num-sei-quem-lá que tinha um nome super complicado e o segurança estava o considerando uma ameaça nacional. Será que só eu consegui pensar “bem feito”?

Os palestrantes da noite eram professora Amália, professor Paulo e Fabiano, falando do crescimento econômico a partir de microempresas. Eu queria assistir, mas o plantão de bastidores hoje era da Dani e eu ficaria com Bruno na portaria. Fabiano era o único que estava fora da sala dos professores... surpresa foi a de todos quando ele entrou e falou meu nome. Gelei.

– Milena, posso falar com você um minuto?

– Algum problema com os bastidores?

– Não. Vocês já podem ir para o auditório, o data-show está no ponto. Estou indo logo depois de vocês.

Seu Caio se despediu de mim e levou o porre do reitor com ele, acompanhado pelos outros que logo saíram, me deixando sozinha com um diretor nervoso. Será que viu a surpresa e não gostou? Ah, cara, ele não gostou.

– Milena, o que eu tinha falado sobre as músicas hoje quando você me perguntou?

– Que o senhor queria que as mesmas músicas de ontem.

– E por que você mudou mesmo?

– Er... São quase as mesmas músicas, senhor. Só são regravações, covers... para animar mais, né? O senhor, acho que não soube, mas algumas pessoas ontem estavam reclamando da trilha sonora. Então pensei nessa surpresa... queria fazer um teste. Se não gostou, não tem problema, amanh...

– Não, deixa. Os alunos gostaram, estavam cantando quando passei por lá. Amanhã faça o mesmo. E o reitor, falou algo... sobre aquilo?

– Não, nadinha.

Não sei porque ele tem má fama pelos corredores... o diretor é tão boa pessoa. Rigoroso sim, ignorante não. Deve ser boatos mesmo, o povo adora uma fofoca mesmo. Na portaria, do lado do Bruno, ele abria a porta para quem entrava ou saía e eu dava um folheto com informações sobre a conferência do dia. Pra cada um que por ali passasse, nós dávamos boa noite. A graça começou quando, para algumas pessoas que saíam e logo voltavam, nós continuávamos a dar boa noite. Teve um cara que acho que ele era convidado, saiu quatro vezes. Na quarta entrada dele, ele nos deu boa noite antes de falarmos. Na quinta vez, acho que ele estava de sacanagem com a cara da gente... o que não era uma coisa ruim. Entre essas entradas e saídas, conversava com meu amigo:

– E o babados de ontem?

– Nada que valha a pena comentar. E de hoje, só o seu grande risco em trocar o pedido do diretor. Eu estava lá no auditório conversando com uns monitores quando Fabiano entrou e viu a cena da galera cantando baixo e batendo palma. A cara dele não foi muito boa...

– Ah, ele sempre faz cara feia e depois relaxa. Como foi uma ideia bem aceita, ele não quis voltar ao plano antigo.

– Então... eu vi Vinícius aí de novo. Ele faz Administração também?

– Não, Arquitetura. Mas trabalha com venda de imóveis.

– Hum. Deve ser isso que o leva a assistir essas conferências, né?

– Querendo dizer o quê?

– Sei lá, só... falando. Mas me diz uma coisa, ele conhece Djane? Porque vocês pareciam bem íntimos ontem na lanchonete. É impressão minha ou a professora anda mais... humana?

– Que horror, cara. Ela também é gente.

– É, e você tem falado bem dela também. Tem algo aí além dessa monitoria.

– Okay, virei alvo de suspeitas agora, foi? Pensa que eu não sei das suas também? Pois eu sei.

– Da Natália? Como você sabe que ela me ligou ontem?

Bruno, que estava mexendo na maçaneta da porta, para no mesmo segundo, desconfiado. Seus olhos semicerrados entregavam que meu verde estava bem maduro. Não era bem DISSO que eu estava falando, mas queria saber. Ainda bem que ele falou primeiro, pois a conversa com Dani sobre o que tem acontecido com eles ficou pela metade e não deu pra eu falar com ela esses dias, por Bruno sempre estar por perto. E eu ainda não cumpri minha promessa, de falar sobre o meu “caso” que queria desabafar com ela. As coisas andam tão complicadas ultimamente que fica difícil arranjar uma brecha.

– Eu... só sei. Quando vai ser o aniversário?

– No fim de semana depois desse. Ela me convidou por convidar mesmo acho, talvez pra mostrar como ficamos de boa depois de nosso relacionamento. Tenho direito a acompanhante também.

– Pois chame a Dani. Contanto que o cachorro fique preso, claro. Também fui convidada.

– A Natália te convidou? Do nada?

– Nam... foi o irmãozinho dela. Lembra que te falei que encontrei o pestinha no outro dia? Não sei se era pra levar a sério, mas... vai saber.

– Seria legal com vocês por lá, pra eu não ficar boiando por lá.

– Então estamos acertados. Avisa a Dani.

– Você vai levar o Vinícius?

– Por que acha isso?

– Porque a cada vez que eu abro essa porta pra alguém entrar ou sair, você dá uma espiada no auditório pra vê-lo. Eu sei que daí dá pra ver bem. Não adianta disfarçar, você fez isso tantas vezes que já perdi a conta.

Foi? Quer dizer, eu estava mesmo fazendo isso? Putz, estava tão óbvio assim? Os pelinhos do meu braço se levantam e acho que agora quem estava com a bola da vez na mão era eu. Imagino minha cara desconfiada como a dele minutos atrás. Que FLAGRA, Senhor!

– E-eu? E-eu não estava olhando pra-pra ele... estava observando o auditório e como anda a palestra... Vai que a Dani precisa de ajuda? Não teria pra quem acenar.

Que desculpa furreca! Vai que cola? Me diz que colou, me diz que colou! Tem que colar...

– Ela poderia ligar para nossos celulares.

Não colou. Bruno sorri vitorioso e abre a porta para um grupo de alunos que nos alcança para entrar no auditório. Eu estava tão paralisada que uma menina puxou um folheto das minhas mãos e só então acordei do transe, dando-lhe boa noite. O Bruno fez o mesmo, só que com o grande diferencial na sua voz quando cumprimentou a menina olhando pra mim num “Muuuuito Boa Noite”. Agora mais um que descobrira.


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Notas finais do capítulo

Como não notar essa pequena, simplória e ENORME bandeira da Milena, né? Não tá fácil hahaha



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