Mantendo O Equilíbrio escrita por Alexis terminando a história


Capítulo 27
Capítulo 27


Notas iniciais do capítulo

Penúltimo da temporada, gentes



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CLIC.

Que barulho foi esse? Parece de... porta sendo fechada? Ai meu Deus.

Abro os olhos e finalmente vejo a situação enrolada. Literalmente enrolada, pois estou deitada na cama do Vinícius enroscada... nele. Realmente entregue a ele. De frente um para o outro, um braço meu se encontra com o dele, entrelaçados, e o outro dele me segura pela cintura. Sua cabeça próxima a mim está deitada no meu mesmo travesseiro e posso ver claramente sua serenidade ao dormir. Por um minuto apenas não me mexi, só o olhei... Seu ar protetor me encheu até a ficha cair.

Como fui parar aqui, temo por lembrar. Pior, alguém esteve aqui. Alguém bateu a porta e não a conseguiu fechar. Vejo minimamente ao levantar a cabeça para verificar uma claridade, eu sei que fechei a porta de madrugada.

Ai minha nossa senhora, quem esteve aqui? Quem me viu nessa cena?

Poderia fingir que não me importo, poderia voltar à mesma posição e quem sabe me esconder. Confusa, arrisco mais uma olhada para a pessoa ao meu lado, dormindo em repleta tranquilidade. Será que dá tempo de eu fugir de volta para o quarto de hóspedes e fingir que tudo isso foi um pesadelo misturado com bons sonhos? Não, alguém me viu. Puta merda, será que foi Djane? Caramba, ela me pegou aqui na cama com o filho dela? Ai que vergonha-mor... Eu tenho que sair e rápido daqui.

Faço de tudo para mal me mexer e cair fora da cama sem que ele perceba. Inquieta, mexo nele para ajeitá-lo e ele, instável, geme baixo como se fosse acordar. Mas ainda bem que não acorda. Pego meu celular e travesseiro já livre, e, quando chego perto da porta, olho para o relógio de parede. Onze e quarenta da manhã? Tô perdida. Com passos silenciosos tento fugir para o outro quarto, mas ao me aproximar da porta da cozinha, no meio do corredor, a qual eu deveria passar para chegar ao quarto do começo do corredor, escuto vozes. Me encosto na parede para ouvi-las, esperando uma chance de passar sem ser notada.

- O que sugere para o almoço, dona Ana?

- Não sei. Já que perdeu minha torta de frango, posso fazer um empadão de frango especial para a senhora.

- Ah, dona Ana, a senhora quer me mimar.

- Senhora merece, oras. Vou preparar... só vou deixar essas coisas aqui...

Dou uma espiada discreta da porta que leva à cozinha. Não vejo nenhuma das duas na copa, devem estar do outro lado na cozinha. Com essa certeza passo correndo para chegar ao “meu” quarto. Abro devagar a porta para não fazer zoada e jogo o travesseiro na cama. Nessa hora, dona Ana me surpreende atrás de mim:

- Oh, senhorita Milena acordou. Queres fazer o café da manhã? Alguma preferência?

Primeiro: congelei. Poderia culpar o gelo que senti me subir pelo corpo ao frio que fazia na manhã, mas não havia frieza... parecia uma bela e simples manhã de domingo. Quase não viro para o corredor para encontrar dona Ana, só viro mesmo porque eu não entendi como eu iria fazer um café da manhã quase às 12h do dia. Isso é o quê? Vida dos ricos?

- Café da manhã? Não está na hora do almoço?

- Almoço? Ainda nem deu 9h da manhã, menina. Faz assim, tome um banho e eu coloco tudo na mesa da sala para vocês. Tem toalha no seu quarto e embalagem de escova de dente no banheiro se precisar.

Ela passa para a sala com a jarra de suco que tinha em mãos e eu fico que nem uma pedra de novo parada na porta. Olho para meu celular para encontrar 8h47 na marcação. Praticamente me entreguei...

Bato na minha cara pelo facepalm de lembrar que ele tinha comentado que o relógio do quarto dele estava errado. Merda! Por que não olhei o celular antes?

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Tenho que preparar meu velório. Porque depois desse café da manhã totalmente constrangedor, só me enterrando mesmo. Eis que quando saí do banho, vestindo a mesma roupa, encontro Djane saindo de seu quarto para a sala onde tomaria café da manhã. Ela tinha acabado de chegar em casa, teve que dormir fora mesmo, pois a chuva só foi dar trégua no fim da madrugada.

- Como foi a noite? Dona Ana disse que encontrou muitas cervejas no lixo da cozinha. Vocês beberam?

- Nam. Nem bebo... foi da reuniãozinha dele. Tinha uma turma aí assistindo jogo. Sabe como é homem e jogo, tem que ter bebida na mão. Só que aí teve o blackout e eles foram embora.

- Por isso a sujeirada que dona Ana encontrou na cozinha. Você vai tomar café comigo, né?

- Hã... claro.

Conversando sobre besteiras, me sirvo de café e torradas. Ao sorver o primeiro gole quente, Vinícius aparece na sala. Quer dizer, “aparece” quase numa entrada triunfal na sua sala, de cabelos molhados, vestindo uma camisa escura e bermuda listrada em preto e branco. De onde eu estava tinha a perfeita visão privilegiada... Um buraco no meu estômago se formou em ansiedade e desviei rapidamente o olhar para a fumaça que saía do meu café. Porque de repente seria mais interessante e mais conveniente eu encarar isso do que ele.

Vinícius nos deu um bom dia baixo e sentou. De frente pra mim. Djane, na cabeceira da mesa ao nosso lado, o cumprimenta de volta. Eu? Aceno com a cabeça agradecendo mentalmente por estar com a boca cheia de torradas para não gaguejar e, principalmente, por não ter engasgado. Pra completar, The Lazy Song toca e atendi na mesa mesmo.

- Alô?

- Milena, onde você está?

- Na casa da professora Djane, lembra?

- Ah, sim, verdade. Tinha esquecido. Acabei de chegar em casa. Quer que eu te busque, algo assim?

Murilo definitivamente estava grogue.

- Não, não precisa. Ela disse que me leva depois do café da manhã. Estamos todos na mesa agora. Você tá bem? Sua voz tá estranha.

- Ressaca, maninha. Só quero saber de cair na cama.

- Então vai, daqui a pouco eu chego.

- Só mais uma coisa. Eu liguei pra saber da madrugada.

- Como assim?

- Como assim, o quê? Os trovões, ora. Eu meio que apaguei depois de umas e outras, mas hoje de manhã me disseram que foi um temporal brabo. Como você tá, tá bem, algum problema?

- Er...

Olhei de soslaio para Djane mordendo uma torrada, de olhos meio opacos distraída com alguma coisa, e Vinícius passando manteiga na sua. Rezava para que estivessem absortos o bastante para não ouvir o que eu falava. Se eu levantasse, provavelmente chamaria mais atenção.

- Eu... dei um jeito nisso. O Vinícius me ajudou...

- Ajudou como?

- Conversando... Murilo, vai deitar, vai. Daqui dá pra ouvir você caindo de sono.

- Hum. Depois eu quero saber disso. Tchau.

Djane se mostra preocupada.

- Aconteceu alguma coisa com seu irmão?

- Nada, professora, só uma ressaca mesmo. Acho melhor eu ir, nunca se sabe a besteira que esse menino pode fazer. Uma vez ele dormiu sentado na bancada da pia com a escova na boca... foi meio difícil tirá-lo de lá.

Vinícius riu discretamente antes de beber seu café.

- Como conseguiu tirá-lo?

- Hã... não podia jogar água por que ia molhar tudo. Então achei uma corneta de torcida.. Por essa e por outras, melhor eu aparecer logo.

- Mas... Poxa, eu ia te chamar pra assistir aquele filme de terror agora.

- Deixo com sua mãe pra quando ela voltar.

Dona Ana insistiu que eu terminasse meu café da manhã antes de ir. Trouxe frutas e mais suco para a mesa enquanto discutíamos o quão banal poderia ser o fato de assistir a um filme num domingo de manhã, mas que a coisa toda mudava de perspectiva quando se tratava de um filme de terror. Eu soei como a medrosa até mesmo com luz na cara, Djane a corajosa que aceitara e Vini, o cara que insistia na proposta de me fazer ficar mais um pouco.

Dado um tempo o telefone tocou e era pra ele. Dona Ana disse que era seu avô. Djane na mesma hora ficou com um ar distante. Não saberia dizer se era o pai dela ou sogro. Para dar privacidade, peguei minha louça suja para levar pra cozinha e deixá-lo na sala entretido na ligação... só que duas senhoras ficaram no meu ouvido dizendo que eu era visita e não era necessário fazer isso. Mas eu tinha que fazer, por ser educada e para distraí-las da tal ligação. Todo mundo ficou estranho desde que foi dito que era o avô dele... Vinícius mesmo se mostrava hesitante.

Não questionei nem nada. Falar da torta deliciosa de frango da dona Ana e deixá-la desconcertada era mais divertido. A graça parou quando ela mencionou que não se tratava só da torta, mas que a torta só tinha concordado com o bom clima. O tom diferenciado que usou foi meu alerta. Então eu soube que tinha sido ela que tinha me pego na cama nessa manhã. O feitiço vira contra o feiticeiro, dizem as pessoas, e quem estava desconcertada era eu.

Se eu pedir que não comente nada, principalmente com Djane, será que ela topa? A última vez que Djane me pegou com o filho dela não foi uma situação agradável. Se bem que na época foi meio que uma surpresa pra todos nós, ali no quarto de hospital. De qualquer forma, não quero que tenha a impressão errada de mim, não somente por não condizer com a situação em si, mas também por mim, que fujo de falsas esperanças.

Djane diz que vai apenas trocar de roupa para poder me levar pra casa. Ou é agora ou é nunca. Vigio até que ela entre no quarto e me certifico que Vinícius esteja na sala para poder falar com dona Ana:

- Hã, dona Ana?

- Sim, menina? Deseja alguma coisa?

- Uma graduação, um trabalho e mais que orgulho profissional. Não era bem o que eu tinha em mente nesse momento.

- Pode falar.

- Er... a senhora chegou bem cedo, não?

- Sim, ia dar 8h. Um tempo depois dona Djane chegou.

- E nesse meio tempo... a senhora foi num dos... quartos?

- Menina, não precisa se envergonhar. Sei o que quer dizer... não tem problema vocês estarem juntos. Fico feliz que...

- O negócio é que existe um problema. A senhora acaba de me confirmar que me viu... você-sabe-onde. Eu ouvi quando tentou fechar a porta e isso... bem, não era pra ter acontecido.

- Ah, minha filha, desculpa se apareci assim. Não foi por mal.

- A senhora não entendeu o problema. Não estamos juntos... e por favor, eu lhe peço, imploro, suborno, o que quiser, para não comentar isso com ninguém, nem com ele próprio sobre a senhora ter presenciado. Principalmente Djane. Eu não sei o que aconteceria...

- Mas por que, menina? Que mal há?

- Também peço que não questione. Para todos os efeitos, a senhora não viu. Melhor, isso não aconteceu.

- Tudo bem. Não precisa fazer nada, minha menina. Não entendo, apenas farei.

- Obrigada, dona Ana. Muito obrigada por tudo. Tenho que ir.

Respiro fundo pra engolir de vez o nó que tinha se formado na garganta para seguir em frente. Por horas desejei ir pra casa e agora que tenho minha “passagem”, melhor aproveitar. Ao chegar à sala, vejo Vinícius perto do sofá de costas para mim. O telefone está de volta ao gancho e ele segura agora um porta-retratos muito bem concentrado. Com tudo pronto, minha bolsa na transversal do corpo, era mais uma despedida. Só não esperava que essa me daria uma grande ideia.

- Foto de família?

- Eu e meus pais.

Nunca tinha reparado muito antes na decoração da casa, muito menos na seleção de fotos. Tinha umas tantas espalhadas não só na sala. Essa em especial que ele segurava me lembra de uma que tenho em casa... só que é um porta-retratos duplo, como num box, que de um lado tem meus pais e eu e meu irmão do outro. A ideia genial é de guardar a minha cópia chantagista lá, num espaço interno que sei que existe entre as fotos. Murilo nunca iria pensar num lugar desses... tenho que fazer a transferência do CD logo porque, mesmo ele não sabendo da existência dessas imagens e da minha posse delas, não quero deixar em qualquer lugar.

Com esse transe, volto a real e à foto que ele segura, olhando diretamente pra figura do pai. Ele devia ter uns 10 anos na foto, o pai estava com uma mão no seu ombro bem ao seu lado e Djane ao lado do marido.

- Algum problema?

- Não sei... me deu uma saudade dele agora. Meu avô vem daqui a pouco para o almoço, ele acabou de chegar ao aeroporto. Disse que descobriu sobre o acidente ontem, quando meu tio conseguiu falar com ele.

- Bom, né? Quem sabe ele não queira assistir ao filme de terror...

Caminho para a varanda para chegar à garagem e ao carro. Ele deixa o porta-retratos no lugar onde estava, num criado-mudo ao lado do sofá e me segue.

- Meu avô não é do tipo que assiste a filmes ou convida os netos a tomar leite quente para ver o amanhecer, muito menos daqueles que pega biscoitos escondidos.

- Nunca se sabe até perguntar. O pior que ele pode achar é que você tem um parafuso a menos para os padrões dele.

- Reconfortante.

Na garagem, me viro pra ele, procurando as palavras certas sobre o que tenho em mente pra falar. Para desfocar a visão que tinha dele, ali parado com as mãos no bolso da bermuda tão despreocupado, me forcei a mexer na minha bolsa, olhar para as paredes, chão... qualquer coisa.

- Falando em “reconfortante”, eu... er... queria falar umas coisas.

- Pode falar.

- Primeiro, eu... eu realmente agradeço o que fez por mim, nessa madrugada. Sendo o caso delicado que é por várias razões, sem necessidade de eu explicá-las, e prezando pela conveniência e conforto, eu preciso levantar o segundo ponto, que é... meu pedido para apagar o que aconteceu no intervalo entre a hora de dormir e a hora de acordar.

- Está pedindo para eu esquecer tudo e não questionar nada? É isso mesmo, assim? Mas...

Sentindo seu olhar cravado eu levanto os olhos para olhá-lo. Sua expressão cética deixava tudo mais complicado. Não era pra ser assim, tão difícil. Sentir sua inquietação também me deixava inquieta, mas eu preciso ser mais firme.

- É o que eu preciso que você faça.

- Por quê?

- Porque é o que vou fazer. Isso só funcionará se ambos fizermos.

- E se eu não concordar?

Travo.

- Hã... Eu... eu não tinha pensado nessa possibilidade.

- Pois agora vai. Isso só funcionará se “ambos fizermos”.

- Tudo bem, podemos então concordar em não comentar? Com ninguém?

- Isso tudo por uma fobia? Olha, não precisa ter vergonha não, todos temos um momento de fraqueza e todos odiamos quando acontecem. Só temos que confiar naqueles com quem partilhamos. Não posso ter esse crédito?

- Eu só queria evitar problemas.

- Pois acho que esse pedido só traria problemas, de confiança e segurança. Isso pra mim é se rebaixar ao medo. Você está sendo fraca assim... O que aconteceu com “encarar o problema”? Como você me pede isso e não segue o seu próprio conselho?

- Eu... eu tenho que ir.

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Muitas vezes reclamamos do governo, de como eles pensam lento, fazem obras só perto das eleições pra se amostrar e como enrolam pra resolver um pequeno problema. No dia que vem um sol brilhante depois de um temporal, eu só queria uma pista limpa para que o caminho até em casa fosse rápido, porém, escolheram logo essa manhã pra interditar uma das pistas e passar asfalto na avenida principal. Mesmo o fluxo de carro da manhã de domingo sendo baixo, com o tempo acumulou uns carros e a fila se formou.

Quando eu digo que tem horas que o universo brinca comigo, quer dizer, vive me pregando peças, ninguém acredita. Cansada de fingir procurar alguma coisa no celular, descanso a cabeça no encosto do banco do carro, deixando que o MPB qualquer que toca apenas preencha essa manhã de domingo e sobreponha o silêncio meu e de Djane.

- Milena, você tá dormindo?

A voz risonha de Djane me traz de volta de onde eu nem sabia onde estava. Mal tinha percebido o escuro por ter fechado os olhos. Instantaneamente os abri e a pego me sondando...

- Acho que não.

- Você... não dormiu bem?

GELEI. Um arrepio na espinha com todas as cenas da noite passada me faz inquieta no banco do carro. Finjo olhar bem a frente da fila de carros para não ter que olhá-la ou ela perceber minhas expressões enquanto respondo. Era hora de apelar pro enrolation:

- Dormi. Isso é preguiça de domingo. Fico molenga por horas. A senhora não?

- Depois que me acostumei a acordar cedo, não sei mais o que é ficar na cama mornando.

- Nem no domingo?

- Nem no Natal. Mas me diz... como foi ontem?

- Hã... um desastre?!

- Como assim?

Como a fila de carros andava numa lentidão, ela não se importou de virar no banco para conversar melhor. Ainda estava atenta à avenida, apoiava-se no volante, mas a preocupação dela era o filho, claro.

- Todas as pessoas que apareceram, bem, não eram bem quem ele tinha convidado. Ou que queria ter convidado... Os caras que estavam no acidente também foram, eu é que não me apresentei formalmente a nenhum ali. Sinceramente, eu quase fui embora com tantos urros de torcida de futebol.

- E por que não foi?

- Porque... era o Vinícius, ele também não tava legal com todas aquelas pessoas – não deixe que ele saiba que eu lhe contei isso, ele me mataria. Além do mais, a gente conversou bastante... ele me contou do acidente, dos dias antes do acidente... e, Djane, ele sabe que existe alguma coisa estranha entre você e o Filipe. Aquele dia na faculdade... ele praticamente jogou um verde pra ver se você falava.

- Meu Deus, eu também senti isso enquanto discutíamos... Eu só não sabia se ele realmente sabia de algo ou como. Como ele sabe que... isso... existe?

- Parece que Filipe falou umas indiretas bem suspeitas pra ele. Teve uma vez também que ele ouviu uma conversa de vocês no telefone... de fim, ele quis saber logo, por isso foi atrás da senhora. Como não conseguiu nada, ele resolveu desistir, resolveu se afastar de uma vez por todas. Ele me disse que não quer mais saber, mas eu sinto, sinto que ele espera algo. Não sei se a senhora sabe, o coma pra ele foi como se tivesse dormido por horas, não meses. Por isso ele estava tão revoltado quanto aquela noite e era tão frio com a senhora...

- Eu... não acredito. Eu vou matar aquele cafajeste! Sempre ele vem pelas beiradas pra me atacar... e-eu to sentindo Milena, de-essa vez eu vou perder me-e-eu filho.

Estarrecida, ela apoia a cabeça no volante e suas mãos deslizam deste para o colo. Ela não pode amolecer agora, não agora. Não nesses 40 minutos de jogo – e eu que nem entendo de futebol, sinto que isso é pressão o suficiente.

- Professora, se acalme.

- Como eu vou me acalmar, Milena? Eu nadei tanto pra morrer antes de chegar na praia? Eu... eu estava tão feliz esses dias... Como que tudo acabou assim?

- Acalme-se. Primeiro que nem tudo está perdido, ok? A senhora viu que as coisas estavam se ajeitando, a senhora tem chance sim. Segundo que, a fila começou a andar, melhor a senhora se controlar, é domingo, mas o trânsito não está facilitando.

Ela se levanta e dirige o carro devagar pela avenida, o tanto que seu emocional lhe permitia. Enxuga seus olhos com as mãos numa atitude brusca quando vai chegando perto de minha casa até que para numa praça. Agora sim o silêncio tava me matando...

Me sentia sei lá como... Uma informante dentro do carro levando as últimas notícias. Não eram tão animadoras, mas explicavam tanto sobre a situação. Eu queria que ela entendesse isso antes de se desesperar e não sabia como. Porque me doía ter que me afastar deles...

Era isso que tinha em mente quando entrei no carro.

Não tão certa mais quanto a isso, me seguro pra não desmoronar na frente dela também. Pior que lá estava ela, bem do meu lado. Meu coração dizendo para apoiá-la e a cabeça dizendo que o plano não era esse. Que porra de plano o quê! Não posso deixá-los nessa crise, que tipo de pessoa eu seria? Não estaria sendo eu... deixando coisas pequenas afetarem o bem maior. Que idiota eu sou, isso sim.

Sem ter o que dizer, o silêncio se tornou o dominador do carro. Devia estar pensando em mil coisas. Não podia deixá-la assim, apática olhando a avenida através do vidro da janela, de respiração alterada. Hesitante, toco sua mão que segura o volante para lhe dar conforto, porque era a única coisa que eu poderia oferecer agora. 

- Com a sua mais verdadeira sinceridade, Milena, me responde uma coisa.

- Qualquer coisa, pode perguntar.

- Você acredita que eu... que eu tenho chances? Nem que sejam mínimas?

- Acredito. Acredito que elas possam ser maiores do que a senhora mesmo pensa. Não desiste não. Ainda tem muita batalha pela frente, vai valer a pena... só não desista. Pense no quanto vocês têm progredido. Ele pediu para ir pra sua casa, não? Ele optou por uma vida melhor, está dando uma chance.

- Eu queria apagar essa história e por mais que queira, sei que não posso. Faz parte de tudo e... pensando bem, como uma vez você me falou, do que adianta se eu tiver uma boa relação com ele, se estarei sempre preocupada e nervosa na eminência de ele descobrir tudo? Isso não é vida mesmo.

- A senhora está considerando a opção de contar tudo?

- Sim. Contando ou não contando, eu saio perdendo do mesmo jeito. Mas não dou vitória àquele desgraçado se eu contar, senão ele me terá nas mãos para sempre. Não acredito que vou fazer isso...

- Nem eu. Quer dizer, parece tão simples de se dizer e quando chega a hora de fazer a coisa acontecer, a expectativa mais mata do que a própria ação. O que é um mal necessário... Está pensando em como vai fazer isso?

- Sim. Eu não sei como prepará-lo pra isso. Mal nos falamos e quando conversamos é sobre coisas superficiais e leves. Como vou abordá-lo para falar disso eu tenho que pensar bem. Melhor eu falar logo hoje...

- A senhora se sente mais preparada?

- Acho que nunca vou estar preparada.

- Hum. Achei que tivesse algo relacionado com o avô dele...

- Co-o-omo assim? O que tem o avô dele?

- A senhora não sabe? Naquela hora que ele ligou, tava no aeroporto... disse que ia almoçar na sua casa. Pensei que Vinícius tinha lhe dito isso quando você estava indo pra garagem.

- Não, ele só me disse que teríamos companhia para o almoço. Imaginei que fosse o Filipe, não o avô dele. Meu Deus, tenho que ir pra casa ajeitar tudo... Só vou te deixar em casa e voar de volta.

- Não precisa, eu desço aqui mesmo. Pode deixar... depois eu falo com a senhora pra saber de alguma coisa. Qualquer coisa, pode me ligar.

Não quis perguntar nada sobre o tal avô. Ela mudou totalmente o semblante só de falar nele, parecia aterrorizada. O que isso significava eu não tinha a melhor ideia. A história parece ser bem maior do que eu já pensava que era.


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Notas finais do capítulo

Spoiler do último?

"A melhor pegadinha é aquela que o outro nem sente que já foi pego"

E no último capítulo dessa primeira temporada tem dica de cast. Para o Murilo.



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