Luz Dos Olhos escrita por Mi Freire


Capítulo 3
Histórias de família


Notas iniciais do capítulo

A história ainda está no comecinho. É bom que você primeiro conheça o mundo em volta de Melina, uma das personagens principais.



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Melina dirige devagar pelas ruas de paralelepípedos do condomínio de luxo onde sempre morou desde quando era apenas um frágil bebê. O condomínio está localizado em uma das partes mais isoladas da cidade, rodeado de belas árvores e flores de todos os tipos e cores, tudo muito bem conservado. O condomínio é composto por mansões imensas e caríssimas, que são construídas, segundo a leia, a metros de distancia uma da outra.

— Que bom te ver filha! – Verônica abraçou a filha assim que ela atravessou a sala de estar. — Fico feliz que tenha vindo para o almoço. Estava morrendo de saudades. Tenho boas noticias.

Com certeza tem.

Melina sentou-se do sofá da sala, ao lado de sua mãe, que não parava de olhar para filha, admirada.

— Então vamos lá – Melina quebrou o silencio fazendo sua mãe voltar à realidade. — Quais são as boas noticias?

Antes que Verônica pudesse responder, chamou por Helena, a emprega, que se aproximou o mais rápido que pôde.

— Sirva o almoço. – ela ordenou.

Melina sorriu simpática para Helena, tem por ela um carinho especial, Helena é praticamente da família, além de ajudar nos afazeres da casa e na administração, ajudou a cuidar de Melina quando criança.

A emprega de afastou.

— Não vou conseguir esperar para dizer só quando o almoço for servido. Os empregos demoram demais – Verônica revirou os olhos. — Estou feliz demais para conseguir me conter.

— Então conte de uma vez mamãe – Melina estava paciente. — Sem rodeios, por favor.

— O.K. Vamos lá – Verônica abriu um incandescente sorriso. Impressionante, que mesmo aos quarenta e um anos, ainda é uma mulher de causar inveja em qualquer uma. Sempre elegante em seus vestidos de grife, seus saltos altos e bem maquiada. — Filha, estou namorando.

— Outra vez mamãe? – Melina perguntou incrédula. Dos piores defeitos da sua mãe, é que Verônica na maior parte das vezes se comporta como uma colegial. Trocando de namorado semanalmente, como se fosse à coisa mais natural do mundo. Todos eles sendo anos mais novos que ela, da idade da própria filha.

Melina não tem preconceito quanto às escolhas de sua mãe, longe disso, o problema é que Verônica age naturalmente, trocando de namorado toda semana, e não vê problemas nisso. Se ao menos o relacionando dela com os rapazes durassem mais do que alguns dias.

Mas a história não acaba aqui. Tudo começou logo após o divorcio de Verônica e Alberto, pai de Melina.

Os dois se casaram cedo demais, na época ela com dezessete anos e ele com dezenove. Estavam perdidamente apaixonados.

Verônica é socialite, sempre pertenceu a uma família rica. Ela é filha única. Muito mimada, rodeada de criados, sempre que exigia algo, era só fazer um pequeno drama a quem quer que fosse, em especial aos pais, e logo ela conseguia o que queria. Sempre teve tudo aos seus pés. Nunca soube fazer mais nada, além de gastar.

Já Alberto, apesar de também ser rico, tinha planos maiores para o futuro. Estudou medicina por anos e se formou. Mesmo depois do casamento ele continuou trabalho em uma das principais clinicas do país, só que diferente da maior parte de seus amigos, preferiu a ala para aqueles que não têm condições de pagar por tratamentos caros. Alberto sempre foi solidário e prefere ajudar a quem precisa.

Alberto sempre foi paciente, relevante, um bom marido, que apesar de muito ocupado com o trabalho, esteve ao lado da mulher suprindo todas as suas necessidades. Verônica e Alberto nunca foram o casal perfeito, mas estavam sempre nas primeiras páginas de revistas de fofoca, idealizando o casal perfeito do século.

Os problemas maiores no casamento surgiram quando ele sugeriu a esposa que queria ter uma família. Verônica ficou chocada com a ideia, ficou histérica e fez uma grande confusão. Não conseguia suportar a ideia de carregar algo dentro de si, modificar o seu corpo, podendo até estraga-lo após a gestação. Tinha pavor de engordar, se encher de celulite ou estrias. Ela que sempre teve a pele mais elogiada, os cabelos mais sedosos, o corpo mais admirado. O que as pessoas diriam?

Verônica acabou se convencendo depois de muita insistência de Alberto e engravidou meses depois. Alberto tinha esperanças que a mulher, com a gestação, tornasse-se alguém melhor, mais preocupada com o próximo, ficasse mais doce, sensível, fragilizada. Mas muito pelo contrário, ficou mais dura, rígida e fria como uma pedra. Alberto nem podia chegar perto, que ela queria mata-lo.

Depois que Melina nasceu as coisas ficaram piores. Verônica quase não deu importância à própria filha. Estava mais preocupada em retornar seu corpo ao normal, tirar alguns gordurinhas ali e outras lá. Verônica queria roupas novas, um corte de cabelo mais moderno, novos sapatos, queria aparecer na mídia e ser elogiada.

Mas não que ela não desse a mínima para Melina, mas sim, porque não sabia como expressar os próprios sentimentos. Um defeito que adquiriu na própria infância. Nesse período, Alberto se desdobrou em dois, deixando o trabalho de lado para cuidar da filha, mesmo que com o auxilio de Helena e os demais empregados. Sem eles, Alberto não conseguia ter feito coisas que Verônica quem deveria ter feito como mãe.

Por muito tempo Alberto foi paciente com a mulher, ainda mais depois de Melina, porque tinha pela filha um sentimento que nunca imaginou que teria. Sua filha era luz dos seus dias, o brilho dos seus olhos, a alegria estampada no seu rosto. Sem Melina, Alberto imaginava-se sendo nada. Era carente do amor de Verônica que já não era tão mais apaixonado por ele como na adolescência.

Assim que Melina cresceu e passou a entender as coisas melhor, Alberto cansou-se e definitivamente e pediu o divorcio, queria mais que tudo se separar da mulher, por mais que isso lhe separasse da sua única riqueza: Melina. Alberto imaginou que com o pedido de divorcio, Verônica voltaria atrás, pediria perdão, desculpas e até mesmo sugeriria que iria mudar para manter o casamento. Mas não, ela foi indiferente, como quem não se importa, e isso foi o fim da gota para Alberto: sua mulher definitivamente não o amava mais. Talvez ela nunca tenha o amado de verdade. E isso lhe cortou o coração em pequenos fragmentos, que até os dias de hoje, ele tenta juntar.

Sempre amou Verônica, desde quando éramos jovens, sempre esteve disposto a superar tudo por ela, até mesmo suas luxúrias, suas crises, suas histerias, seus surtos em comprar de roupas e joias e gastos no salão de beleza. Foi paciente, compreensível, suportou por muito tempo e teria suportado muito mais. Pensou muito mais em Melina do que nele mesmo. Não se separou só porque já não aguentava mais Verônica, separou-se também pelo bem de Melina e o seu futuro. A menina não seria feliz se vesse a infelicidade do pai estampa em seu rosto dia após dia. Melina não merecia aquela dor. A dor que pertencia somente a ele.

— Melina, tente compreender. Dessa vez é diferente – e quantas vezes ela não disse a mesma coisa? — Saulo é um jovem romântico, aventureiro, carinhoso,...

Desde o divorcio, Verônica se comporta como se voltasse a ser uma jovem no colegial outra vez. Está sempre em busca de jovens rapazes que lhe tragam alegria e vontade de viver, ao lado deles sente-se como se fosse uma menininha outra vez, capaz de tudo. Algo que Alberto, um velho chato, nunca lhe proporcionou. Alberto nunca gostou de festas, aparição, passeios pelo shopping ou nada do tipo. Alberto só queria aproveitar o tempo livre em família, em casa, em parques, restaurantes monótonos.

Alberto só tinha olhos para Melina. Sempre foi assim. E Verônica não deixa se sentir um tanto enciumada. Pois Melina sempre preferiu ao pai. E ela não entende o porquê. Já que sempre comprou de tudo e do melhor para a filha, lhe garantiu os melhores presentes, proporcionou a Melina viagens pelo mundo da qual ela nunca se esqueceria.

A conversa entre filha e mãe foi interrompida. A campainha tocou. Melina sentiu-se altamente aliviada. Preferiria muito mais está na casa de sua avó, comendo o bolo simples de fubá e tomando café com leite, sentada na cozinha, de frente para seu pai e sua avó querida.

— Que bom que você veio! – Verônica abraçou ao rapaz. — Estávamos apenas esperando por você.

O jovem namorado de sua mãe, Melina o observa discretamente, enquanto leva o garfo a boca, é realmente muito parecido fisicamente com seu namorado, Thomaz. É um rapaz forte, de cabelos escuros cumpridos, uma barba por fazer e olhos radiantes.

O almoço dura uma eternidade. Melina permanece o tempo todo calada, se questionando o porquê tem que passar por aquilo praticamente toda semana. É realmente constrangedor e difícil. Enquanto isso, Verônica e o rapaz trocam carinhos, flertes e falam sobre planos para o futuro. Dos quais Melina não leva nenhum pouco a sério. Afinal, na próxima semana será outro. E novamente ouvirá a mesma ladainha de sempre.

— Mamãe eu tenho que ir. – Melina finalmente se levanta, o céu já está ficando escuro lá fora. — Thomaz está me esperando.

— Mesmo? – Verônica não esconde seu aborrecimento. — Se é assim, tudo bem querida. Então vá. Tome cuidado e diga a Thomaz que lhe mandei um grande beijo.

Melina se despede e vai embora depressa. Na verdade, Thomaz não a espera. É que essa desculpa seria a única em qual Verônica acreditaria e se conformaria. Melina está esperando desde a noite anterior a ligação do namorado. Sem outros planos, ela dirige pelas ruas movimentadas do centro da cidade, até a casa de sua avó, onde atualmente seu pai está morando.

A casa é simples, uma casa típica de interior, apesar de ser construída no centro da cidade. É uma casa antiga, de décadas atrás, construída em estilo europeu. A casa da avó, Alexandra, tem cheirinho de canela. Sempre que Melina vai visitar sua avó, ela lhe prepara café ou chá fresco e faz bolo ou biscoitinhos.

— Já estava ficando preocupada com você querida – Alexandra abraça a única predileta. Tem mais duas, que raramente vê. — Você sumiu! Nem vem mais visitar a velha avó.

As duas se sentam de frente para a lareira, que não está acessa, pois aquela época do ano faz bastante calor.

Alexandre, não muito diferente das outras moças da sua época, se casou cedo. E viveu praticamente toda a vida com o mesmo homem, por quem foi apaixonada todos dias de sua vida, até ele falecer há dois anos atrás, de câncer. No começo, foi difícil para ela imaginar viver uma vida sem seu único amor. Mas logo foi se acostumando com a ausência do amado, se apegou mais ao filho divorciado e a neta. Hoje, os dois, são tudo que Alexandra tem.

Apesar de passar da meia idade, Alexandra é uma velhinha resistente, cheia de saúde e forte, que gosta de festas, comemorações, ainda vai ao mercado, caminha pelas ruas pela manhã apesar da violência dos dias atuais, arruma a casa, prepara a própria comida, lava tanto suas roupas quanto as do filho e passa-as e cuida do pequeno jardim enfrente da sua casa. Ela sempre foi muito apegada a natureza e adorava cultivar flores. Que resistam ao tempo irregular da cidade grande e a poluição.

— Onde está papai, vovó? – Melina terminou seu pedaço de bolo de milho. Procurando pela casa, com os olhos, a presença do pai.

— Seu pai? Bom, ele está no hospital. Isso não é nenhuma novidade – Alexandra soltou um risinho. — Ele só tem tido tempo para o trabalho. Fiquei sabendo através de um amigo dele, que por opção própria, seu pai tem trabalhado mais que necessário.

Alberto encontrou no trabalho, na necessidade de ajudar aos mais necessitados, um refugio para fugir da própria realidade. Alberto ainda não superou o divorcio, mesmo depois de anos, e desde então não se relacionou como mais ninguém. Pois não consegue se imaginar ter que recomeçar do zero. Alberto se sente velho demais para isso.

O ritmo da sua vida, que nem sempre foi conturbado, tem diminuindo ainda mais, por opção própria. Alberto quase não tem amigos, sente dificuldade em se relacionar com as pessoas e ver o quanto elas são mais felizes do que ele. Inveja a todos.

Alberto sai do trabalho direto para casa de sua mãe, onde vem morando desde que se separou, a pedido dela. Ele só aceitou morar com a mãe, porque o pai faleceu, e sentiu que assim, sua mãe ficaria muito sozinha. Resolveu que o melhor era um fazer companhia ao outro. Tornaram-se grandes amigos, ainda mais do que sempre foram.

Mesmo que Alberto raramente tenha o que contar sobre a sua vida, Alexandra sempre faz perguntas a ele. Muitas não respondidas. Alberto já não tem mais facilidade de falar sobre os próprios sentimentos, é difícil pra ele, é como se não sentisse mais nada. Verônica definitivamente destruiu seu coração.

Melina se preocupar muito com o pai, ainda mais que sua avó. Por mais que ele tenha tentando esconder a solidão e a tristeza desde a separação, Melina sabe e sente que não vem sendo fácil pra ele. E sempre que tenta tocar no assunto, mais por preocupação do que por curiosidade, Alberto desconversa. É um homem infeliz, depressivo e sem esperanças de dias melhores.

Mas ela tem um objetivo: quer reverter essa situação. Melina tomou essa decisão a pouco tempo. Seu pai sempre fez tanto por ela, muito mais do que sua mãe fez, e agora é a vez dela, a filha fazer algo pelo pai. Melina está disposta a fazer de tudo para ver o pai feliz, reconstruindo sua própria vida, encontrar alguém que corresponda seus sentimentos e o faço feliz. Como ele merece.

Melina nunca conheceu um homem com tão bom coração quanto seu pai. Sente que talvez tenha escolhido a profissão em ser veterinária justamente por se espelhar nele. Durante toda a infância presenciou seu pai ajudando a quem precisava. E imaginou: quem cuida dos animais? E decidiu que ela faria uma boa ação, assim como seu pai faz, dia após dia ajudando pessoas.

Para Melina, Alberto é um super-herói, justamente por causa dele, ela é quem o que se tornou hoje. Alguém que se importa com os outros, uma jovem que tem um coração puro e bom. Justamente por causa dele, ela tem boas lembranças da infância, pois se dependesse de sua mãe, seria uma menina vazia constituída de mimos e futilidades.

Ela tem muito que agradecer ao pai, se não fosse por ele, muita coisa, nos dias de hoje, não seriam possível, talvez até inexistentes.

— Vovó eu tenho que ir – Melina se levantou um bom tempo depois. Tinha tido uma agradável conversa com sua avó a respeito de seu pai. Melina expôs seus planos e teve o apoio da avó que lhe garantiu que faria o máximo que pudesse para ajudar. — Eu te amo vovó.

— Eu te amo Melina.

Pelo retrovisor do carro, Melina viu sua atenciosa avó, acenando de longe enquanto ela se distanciava. Se um dia chegasse àquela idade, queria ser justamente como sua avó. Sua avó é uma típica senhorinha daqueles filmes ou comerciais de margarina que todo mundo adora.


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Notas finais do capítulo

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