Not Today escrita por Ikarus


Capítulo 2
Capítulo 1 — Desumana mente atordoada




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/374395/chapter/2

Quando desastres estão para acontecer, é comum que encontremos aquele indivíduo que se aproveita da desgraça de uma maioria despreparada e desamparada. Uma escória parasita, um câncer numa sociedade.

O jovem homem já havia saqueado uma loja de conveniências a caminho do albergue da cidade. Chovia muito aquela noite, e as gotas e o cheiro do fenômeno meteorológico impediam-no de embriagar-se por inteiro da cerveja que roubara. Com uma sacola de alimentos e cerveja em uma mão e um pedaço de madeira na outra, o homem encapuzado andava sem pressa pelas ruas desertas e cobertas de alguns corpos pisoteados, lembranças de três dias atrás, quando a cidade fora evacuada e ele recusara-se a sair. Ele sabia que ainda havia sobreviventes ali; e que sua missão como um ser odioso e egoísta era assegurar a integridade de seu "território". Aquela era a sua cidade, uma que não poderia pertencer a mais ninguém.

O pedaço de madeira era decorado com um vermelho já meio marrom, do sangue ressecado de suas vítimas. O bastão já fora maior e inteiriço, e agora se resumia a um toco quase inútil de madeira.

Os trovões e o cheiro d'água faziam-lhe companhia, protegendo-o da audição e do olfato aguçado dos mortos-vivos na área. Zumbis não seriam capazes de ser sensorialmente mais avançados que os humanos, visto que provinham dos últimos. Eram até piores que os humanos, por serem lentos, desengonçados e até burros. E se o processo de zumbificação ocorresse por meio de um vírus, este não seria responsável por qualquer tipo de alteração genética radical, como a super-força ou uma velocidade incrível. Mesmo porque zumbis, em sua maioria, possuem um sistema nervoso parcialmente danificado devido ao estado de morte e de decomposição.

A luta pela sobrevivência é uma guerra a ser batalhada sozinho. Alianças não trariam nenhum benefício a ele; andar em um grupo grande significa atrair a atenção de ambos zumbis e de outros sobreviventes, que poderiam ser hostis. Uma guerra que reflete de maneira fiel no que o homem se tornara. E ele não se tratava de uma exceção.

Chamavam-no de louco, vagabundo, demônio e mentiroso. A verdade é que todos têm um pouco disso dentro de si. Só que uns deixam estes aspectos transparecerem mais, ou menos. E este homem era um reflexo perfeito do que tinha dentro de si: ódio e crueldade. Era ele tão humano que chegava a ser desumanamente demoníaco.

Tinha sorte por saber que haviam sobreviventes na cidade. Não era o único que pensava assim, afinal. Sabia que, em certas casas, escondiam-se pessoas que estocavam comida. Que possuíam armas. E ele, que nada tinha, só podia dos outros tirar.

Num apocalipse zumbi, a menor das suas preocupações são os zumbis. Seus verdadeiros inimigos são os outros humanos. É uma batalha travada sobre o pretexto da sobrevivência do melhor. E não há prêmio de consolação para segundo e terceiro colocados. Os zumbis continuavam a aparecer, continuavam a se multiplicar como larvas no esterco. E os vivos que para o homem encapuzado pereciam sob os golpes de seu taco de madeira, em pouco tempo tornavam-se zumbis; criaturas que levam quase um mês para deixarem de andar. O apocalipse era um jogo de pega-pega, onde qualquer deslize era penalizado com a morte.

A chuva lavava seu rosto contrastantemente sóbrio de qualquer insanidade que lhe preenchia a alma. Seus olhos não carregavam nada mais do que o desejo vazio pela posse e pelo poder de ser o mais forte. Ou nada além de sua insanidade doentia e sua volúpia pela morte.

Ao invés de entrar no albergue, como lhe era de costume, invadiu uma casa dois quarteirões abaixo. O grampo que carregava no bolso da calça logo concedeu-lhe acesso à pequena fortaleza de madeira. Seus habitantes dormiam quase que serenamente. Mas suas pazes logo foram interrompidas por uma risada macabra e rouca de Lúcifer em si, advindos das cordas vocais de um homem encapuzado. Um fantasma cujos olhos vermelhos brilhavam contra a luz de um trovão e cuja mão esquerda já erguia o pedaço de madeira para silenciar mais um grito na noite de chuva que se fazia na pequena cidade amaldiçoada.

Dois casais de adultos pereciam sob as trevas da crueldade de um vaidoso anjo caído.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Reviews para o tio?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Not Today" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.