- Quando cheguei em casa, no mesmo dia, meus pais não estavam. Eu não estranhei, eles trabalhavam até tarde todos os dias. Eles só chegaram no dia seguinte, e mais esquisitos do que nunca, perguntei o que tinha acontecido, eles não disseram. Perguntei onde estava Katy, eles disseram que ela foi fazer uma viagem com a amiga dela, pra se sentir melhor. Disseram que fazia parte da recuperação. Eu tinha 16 anos na época. Não era tão nova. Mas eles acharam que o melhor era mentir pra mim, porque eu era muito apegada a minha irmã. Ficaram distantes, passou uma semana e nada. Tudo que eu perguntava sobre ela minha mãe ou meu pai respondiam de maneira grosseira. Eu, sentindo falta dela, fiz aquela carta, a carta que você leu. - Sophie colocou a carta pra cima. Sua voz era trêmula, devido ao choro que era inevitável naquele momento. - Lembro daquele dia como se ainda fosse ontem... 

As imagens do pior dia da vida de Sophie vieram a sua memória, ela respirou fundo, olhou para Thomas, e começou a contar. 

Flashback

Bati na porta do quarto dos meus pais. Tudo que eles faziam nos últimos tempos era ficar trancados no quarto. Não me davam a mínima atenção, e eu me sentia completamente sozinha. Queria que eles dissessem onde Kay estava, ou pelo menos que eles enviassem a carta pra ela. Tinha 16 anos, mas me sentia uma criança. Minha mãe abriu a porta com o rosto triste, parecia que havia passado o dia inteiro chorando. Entrei em seu quarto e lá estava meu pai, com o mesmo rosto de acabado. 

- Mãe, já está na hora de você me dizer onde está Katy. Ela está viajando, eu sei. Mas pra onde? Argentina, México, Estados Unidos, França, Brasil, Espanha, Rússia... - Minha mãe olhou pra meu pai e fez um sinal positivo com a cabeça pra ele. 

- Sente, Sophie. - Ela disse, secamente. Sentei na cama, ao lado do meu pai, e ele começou a falar. 

- Sophie... - Meu pai começou com aquela voz de dor. - Katy não viajou. - Ele disse. 

- Que? Onde ela está? - Perguntei preocupada, levantando da cama. Meu coração começou a acelerar, fazia uma semana que não via Katy, onde ela estaria se não fosse viajando? 

- Calma, Sophie. Sente! - Minha mãe estava com a voz trêmula, e seus olhos estavam cobertos de lágrimas. - Naquele dia que não estávamos em casa Katy passou muito mal, estava muito mal mesmo, de manhã ela disse que não estava se aguentando em pé. Imediatamente a levei pro médico, eles fizeram de tudo lá, mas ela estava muito fraca mesmo... - Eu, nessa altura, já chorava descontroladamente, eu sabia o que ela diria, mas alguma coisa dentro de mim me fez não acreditar, ainda tinha uma esperança de que ela não dissesse aquilo que eu não queria ouvir. - Ela não resistiu, minha filha. 

Fim do Flashback

- No exato momento que ela falou eu fiquei sem reação, mesmo depois de ouvir ainda não consegui acreditar, eu sei lá... Fiquei na expectativa de que ela estivesse brincando. Precisei de alguns minutos pra absorver isso, até que absorvi. Gritei como se meu mundo tivesse acabado, não sabia que eu era capaz de gritar tão alto. Chorei como nunca tinha chorado antes, fiquei desesperada. Fiquei com raiva também, eu não havia visto o corpo da minha irmã pela última vez, tudo porque meus pais mentiram a morte dela por uma semana. Eu não entendi muito, mas eu perdoei os dois. Eles só fizeram o que acharam melhor pra mim. - Sophie falou. 

Thomas estava perplexo, na verdade. Não sabia o que dizer, o que fazer, a menina tinha acabado de desabafar uma das coisas mais importantes que ela já passou na vida,  estava chorando bastante ali, na sua frente. 

- Por eles saberem que você era muito apegada a sua irmã eles devem ter ficado com medo da sua reação, do que poderia acontecer... E tinham acabado de perder uma filha,  não queriam ver a outra mal também. - Ele disse, amigavelmente. 

- Eu sinto tanto a falta dela. - Confessou, ainda chorando, só que de um jeito mais controlado. - Com ela tudo era mais fácil. A gente sentava no meu quarto e conversávamos sobre o nosso dia. Ela me contava tudo, eu contava tudo pra ela. Fazíamos tudo juntas, porque minha mãe e meu pai nunca foram muito presentes. Eu me sinto tão sozinha, sei lá. Às vezes parece que não posso continuar no mundo se ela não estiver aqui comigo. 

- Não, vire essa boca pra lá. Não diga isso! - Thomas exclamou, cheio de firmeza na voz. Olhou nos olhos verdes de Sophie. Mais uma vez, passou o dedo debaixo dos olhos dela, para limpar as lágrimas. - É claro que você pode continuar no mundo, é claro que pode. Sua irmã não está aqui de corpo, mas você acha que ela não olha por você onde quer que ela esteja? Ela está te vendo, e ela quer o seu bem, tenha certeza. E você não está sozinha. Tem seus pais. E se precisar eu moro a dois quarteirões daqui. - Ele falou a última frase de um jeito brincalhão. Sophie soltou uma gargalhada. 

- Você é fofo, Löhnhoff. - Thomas ficou vermelho, ela sorriu. - Só caras fofos ficam vermelhos. - Thom ficou ainda mais vermelho, ela riu mais uma vez. - Eu não costumo me abrir com as pessoas desse jeito. - Ela falou, desfazendo o sorriso e o olhando. 

- E por que comigo? - Ele perguntou. 

- Ah, eu não sei. Eu precisava desabafar, e de repente apareceu a carta dentro do livro. Foi a oportunidade perfeita. - Thomas olhou pra ela, os livros. Estava louco pra perguntar pra ela sobre os livros. Sophie franziu a testa. - Pergunte. 

Thomas arregalou os olhos, que poder de ler mentes aquela menina tinha? Meu Deus!

- Os livros... - Ele começou. A menina o olhou, o encorajando a terminar sua pergunta. - Por que tinha todos aqueles livros de medicina? E por que me deu, de verdade... Não foi porque estavam te incomodando, aposto.