À Prova De Som escrita por Tenteitudo


Capítulo 2
Aprendendo a Falar com as Mãos


Notas iniciais do capítulo

Muuuuuito obrigada por todos os comentários! Sintam-se todas (e todos, caso tenha algum o perdido por ai.. :D) abraçadas!

Ok, importante, as partes em itálico são falas em sinais.

Espero que gostem do capítulo e continuem comentando!



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Idade, 6 – dia seguinte.

Eram 6 da manhã e a pequena Rachel já estava acordada espiando pela porta da cozinha enquanto Hiram cambaleava bocejando em direção a cafeteira. Ele levantou o rosto e encontrou os grandes olhos castanhos com os seus.

"Rachel, estrelinha... Por que você está acordada?"

"Será que vai demorar muito pra minha amiga vir brincar comigo?" Rachel perguntou, entrando na cozinha e sentando em uma das cadeiras, apoiando as mãos em cima da mesa.

"Pelo menos duas horas, querida." Hiram contornou o balcão e beijou os cabelos de sua filha.

"Quando o ponteiro chegar aonde?" Ela perguntou, olhando o grande relógio creme em cima da porta.

"O grande tem que estar no 12 e o pequeno no 8." Ele respondeu, servindo o café em uma xícara cor de rosa com a impressão da mão de Rachel em branco (presente de dia das mães que ela havia feito com a escolinha no ano anterior) e a colocando sobre a mesa antes de abrir a geladeira em busca de leite para o cereal de sua filha.

"Por que você e o papai gostam tanto do café, ein pai?" A menininha puxou a xícara em sua direção e usou sua colher da Minnie para fazer um redemoinho na espuma marrom do liquido escuro.

"Er..." Hiram passou uma mão pelos cabelos. "Por que é bebida de gente grande."

"Posso tomar um golinho?" Ela levantou seus olhos brilhantes para seu pai e o homem mordeu o lábio. Ele não conseguia resistir àquele olhar.

"Você já experimentou uma vez e não gostou, lembra?" Ele despejou o cereal de estrelinhas em uma tigela repleta de bolinhas coloridas e o misturou com o leite que havia separado.

"Sim, mas eu provei o do papai, não o seu..."

"É tudo a mesma coisa, Rach..."

"Só um golinho... Por favooooor..." Pediu ela, apertando a alça da xícara.

Hiram suspirou. "Ok, só um golinho."

A menininha sorriu e levou a xícara aos lábios assoprando a fumaça antes de provar um pouquinho e fazer uma careta, colocando a língua para fora.

"Eca! É muito eca!"

"Eu disse." Riu Hiram. "Aqui, come um pouquinho do cereal que o gosto ruim já vai passar."

...

Rachel balançava as pernas impacientemente. Ela estava sentada no sofá assistindo um desenho com seu pai. Teoricamente, quer dizer. Seus olhos se desviavam da TV a cada 5 segundos para inspecionar o hall de entrada e para o relógio, igual ao da cozinha, que ficava em cima da TV.

"O ponteiro grande já tá no 12, papai!" Exclamou ela, se levantando e correndo até a janela para espiar a casa da frente. "Por que ela ainda não chegou?"

"Ainda é cedo, estrelinha..." Explicou Leroy, sorrindo da ansiedade de sua filha.

"Mas o pai já foi trabalhar... E já são 8 horas e... e... Será que ela não quer brincar comigo?" Suas palavras embaçavam o vidro e ela passava a mão para limpa-lo todas as vezes.

"Calma, daqui a pouco ela vai estar aqui... E se ela não vier, a gente pode passar na casa dela depois do almoço."

"Mas eu queria que ela chegasse agora e..." Ela se interrompeu quando a porta da casa branca se abriu, prendendo a respiração. "Ela tá vindo! Ela tá vindo!" Sua mãozinha alcançou pela maçaneta de sua própria porta a tempo de encontrar uma mulher loira tocando a campainha.

"Oh, olá..." A mulher falou, olhando para a pequena morena que sorria abertamente.

Quinn acenou para Rachel enquanto segurava a mão de sua mãe e o gesto fez a morena balançar em seus pés, cheia de energia.

"Então, você deve ser a Rachel..." Ela sorriu. "Eu sou Judy, mãe da Quinn. Ela falou muito sobre você ontem de noite."

"É mesmo?"

"Essa aqui também.. Nem dormir ela conseguiu, de tão ansiosa..." Riu Leroy, finalmente chegando até a porta. "Leroy." Ele estendeu uma mão em sua direção.

"Prazer. Meu marido falou que você vai estar em casa o dia inteiro, espero que não seja um problema deixar ela com vocês..."

"Não será problema nenhum..." Leroy sorriu.

"Nossa filha mais velha vai estar em casa o dia inteiro, qualquer coisa que precisar, vocês podem chama-la." Ela tirou um papelzinho do bolso. "Aqui estão os nossos telefones, o sinal de mãe é assim.." Ela bateu com a lateral do indicador na lateral do próprio nariz. Rachel imitou o sinal, querendo aprender a falar com sua nova amiga e vendo aquilo como uma oportunidade.

Judy passou alguns outros sinais importantes para Leroy antes de pegar sua filha no colo em um abraço apertado. Quinn nunca havia ficado sozinha em um lugar onde ninguém soubesse sinalizar antes.

"Ela entende um pouco de leitura labial, mas você tem que ficar de frente para ela e falar devagar. Nós começamos com a terapia da fala no começo do ano, então ela consegue oralizar algumas coisas também, mas não muito. É muito difícil falar sem nunca ter ouvido nada antes..." A mulher beijou os cabelos da menininha que a abraçava antes de coloca-la no chão ao lado de Rachel. "Se comporte, eu amo você." Ela sinalizou.

"Eu amo você, mamãe. Bom trabalho." Quinn respondeu com um sorriso antes de acenar e Judy lhe lançou um ultimo olhar levemente preocupado antes de ir embora.

Assim que a porta se fechou, a pequena loira se viu sendo puxada pela mão em direção a uma escadaria. Rachel a guiava até seu quarto e Quinn podia ver os lábios da menininha se moverem a mil por hora, mas não se importou em não entender, sorrindo consigo mesma com a perspectiva de brincar com alguém além das crianças da escola (que ela considerava muito chatas e sem graça e não via há mais de um mês).

"Esse é o meu quarto!" Anunciou Rachel, abrindo os braços e vendo Quinn olhar em volta com olhos arregalados.

O quarto da morena era tão colorido e cheio de brinquedos e coisas de menina... Quinn prontamente gravitou em direção a pilha de bichinhos de pelúcia ao lado da cama. Ela amava bichinhos de pelúcia e a coleção de Rachel era quase tão grande quanto a sua própria.

"Você gosta deles?" A morena perguntou, vendo-a pegar Gina, a girafa, pelo pescoço e acariciar o pelo macio de sua crina. "Meu pai, Hiram diz que eles logo vão dominar o meu quarto inteiro e eu acho que vou ter que dar alguns deles para outras crianças no Natal... Mas eu não queria por que todos são meus amigos e eu não sei se outra criança iria cuidar deles direito, eu posso dar eles para você se você quiser. Ai eles podem ficar na sua casa e eu posso ir ver eles quando eu quiser. Acho que isso seria legal e eu..."

Quinn, que a encarava com um olhar livre de qualquer expressão deu um passo a frente e cobriu sua boca com a mão, fazendo a pequena morena arregalar os olhos. A loirinha largou a girafa e passou a mão livre de cima a baixo sobre o peito, fazendo o sinal de "calma". Ela fez que não com a cabeça e encostou a mãozinha na têmpora, tentando dizer que não havia entendido nada.

Rachel arqueou as sobrancelhas, também sem entender, e afastou a mão de Quinn de sua boca. "PAIÊ!" Ela gritou e esperou um segundo antes que Leroy se materializasse em sua porta.

"O que foi? Está tudo bem?" Ele perguntou preocupado, parecendo deslocado em meio ao quarto excessivamente feminino.

"Papai, o que ela está dizendo?"

Leroy suspirou. "O que eu e seu pai falamos sobre gritar assim?"

"Desculpa..." Ela olhou para os próprios pés e ele se abaixou, ficando de frente para Quinn.

"O que foi, querida?" Ele perguntou devagar, como Judy dissera que ela entenderia.

A menininha apontou para Rachel e fez uma careta, movendo a boca como se estivesse falando antes de fazer que não e mais uma vez encostar em sua têmpora.

"Rachel, você estava falando com ela?"

"Sim?" A pequena morena respondeu em tom de pergunta.

"Ela não consegue ouvir o que você fala... Você tem que conversar com ela com gestos..."

"Mas eu não sei fazer isso!"

"Você vai ter que aprender..."

Quinn cutucou seu braço e apontou para si e para Rachel e fez o sinal de 'minha casa', que Leroy entendeu, apesar de não ter certeza do que ela queria dizer. Ele fez que sim e viu o rosto dela se transformar em um grande sorriso. A menininha pegou a mão da morena e apontou para o lado de fora.

"O que eu faço, papai?" Rachel perguntou, sentindo sua amiga dar um leve puxão em seu braço.

"Acho que você vai com ela."

Quinn a levou até o pátio e abriu o portãozinho antes de puxá-la em direção a grande casa branca. Ela tocou a campainha diversas vezes até que uma adolescente de 15 anos com um olhar irritado e usando pijamas cor de rosa abriu a porta.

...

Francine Fabray revirou os olhos para sua irmãzinha, que entrou na casa arrastando uma morena minúscula consigo.

"O que você está fazendo aqui?" Ela perguntou em voz alta, sinalizando amplamente.

"Ensina ela a falar comigo." Quinn respondeu, largando a mão de Rachel e enfrentando sua irmã sem parecer assustada com sua irritação.

"Eu não!"

A loirinha cruzou os braços e abriu a boca, soltando um grito agudo igual ao do dia anterior que fez a pequena morena encará-la com admiração. Ela própria não conseguia gritar tão alto.

"Quinn!" Exclamou Francine, parecendo um pouco mais desperta e consideravelmente mais irritada. "Que feio! Você sabe que é feio gritar!"

"Ensina ela!"

"Como eu vou fazer isso?"

"Fala pra ela o nome dos meus sinais."

"Eu tenho outras coisas para fazer e isso é muito difícil." Rachel olhava de uma para a outra, tentando entender o que estava se passando. "E o papai disse que eu não ia ter que cuidar de você hoje."

"Eu vou dizer pra mamãe que você não quis me ajudar e ela vai te por de castigo." Quinn repetiu o sinal de castigo mais uma vez pressionando os dedos dobrados na palma de sua mãozinha. Francine sentiu vontade de rir. Era quase engraçado ver uma criança do tamanho dela sinalizando como gente grande, e braba ainda por cima.

"Por que você não ensina pra ela?" Fran perguntou, sinalizando ao mesmo tempo e ganhando um olhar da pequena morena.

"Ela só sabe falar com a boca!"

"Você tem que mostrar os sinais pra ela poder falar sem a boca."

"Ela não entende." Quinn bateu o pé e Francine suspirou.

Ela olhou em volta e seus olhos caíram sobre um livrinho de história que estava em cima do sofá.

"Ok..." Ela sinalizou. "Mas depois vocês vão brincar na casa dela."

Quinn sorriu adoravelmente, fazendo sua irmã revirar os olhos antes de sentar na frente delas com o livrinho nas mãos.

"Então, você é a Rachel?" Ela perguntou, passando uma mão pelos cabelos.

Rachel fez que sim e sentou como índio ao lado de Quinn. "O que vocês estavam falando antes?"

"Ela quer que eu te ensine a entender o que ela diz. E minha irmã sempre consegue o que quer..." Ela falou a ultima parte baixinho. "Ela disse que você estava falando com a boca, mas ela não consegue ouvir se você não usar as mãos." Fran tentou explicar. "Você vai ter que pedir pra ela te mostrar os sinais das coisas e assim você vai aprender, está bem?"

A pequena morena fez que sim com um olhar determinado demais para uma criança de seis anos. Francine riu.

"Ok..." Ela coçou a cabeça, pensando que tipos de sinais poderiam ser importantes na comunicação entre duas criancinhas daquele tamanho. "Brincar!" Começou ela, sinalizando com dois "Y".

"Assim?" Rachel tentou imitar, posicionando os dedos de forma errada.

"Quase..." Fran ia se mover para ajuda-la, mas Quinn foi mais rápida. A pequena loira pegou a mãozinha de sua amiga e dobrou os dedos do jeito certo, fazendo o sinal de palmas quando a pequena morena conseguiu fazer direitinho.

...

Fran passou a hora seguinte mostrando sinais para Rachel, até decidir que as duas menininhas já tinham sinais o suficiente para se comunicarem sozinhas.

"Agora chega." Ela se levantou. "Eu vou voltar a dormir. Usa o livro pra mostrar mais sinais pra ela e não me incomodem mais."

Quinn fechou a cara e mostrou a língua para sua irmã antes de pegar o livrinho que ela estendia com uma mão e a mão de Rachel com a outra.

"Tchau, irmã da Quinn..." Rachel se despediu antes de ser levada de volta para sua casa.

...

As duas menininhas sentaram no jardim dos Berry e Quinn analisou o livrinho com uma expressão concentrada antes de apontar para a figura na primeira página, uma menina de cabelos vermelhos. Ela fez o sinal de mulher e viu sua nova amiga acertar de primeira.

Ela lhe ensinou as cores e alguns animais que apareciam na história, bem como as letras que apareciam no texto que ela ainda não sabia ler. Logo, a quantidade de informação se tornou demais para a pequena morena, que começou a se distrair com outras coisas, como o prendedor de cabelo que mantinha a franja de Quinn longe de seus olhos.

Uma estrelinha amarela.

Rachel o observou brilhar com o sol do meio dia enquanto a pequena loira continuava gesticulando e apontando para as coisas no livro. O som de um balbuciar incoerente a trouxe de volta a realidade. Quinn a encarava com uma mistura de ansiedade e irritação e a morena apontou para o pregador, hesitando ao fazer o sinal de 'bonito' que Fran havia ensinado mais cedo.

A loira levou uma mãozinha aos próprios cabelos e sorriu, pegando a estrelinha entre os dedos e deixando que sua franja caísse desordenadamente em volta de seus olhos. Ela fez o sinal de estrela e Rachel a imitou, sorrindo também. Ela amava estrelas. Seus pais sempre diziam que ela seria uma grande estrela quando crescesse, que nem todas aquelas mulheres que apareciam na TV e cantavam na Broadway.

Ela queria dizer que gostava de estrelas, mas não sabia como sinalizar o gostar, então simplesmente falou em voz alta. Ela não tinha certeza se Quinn havia entendido, mas o que a pequena loira fez a seguir a pegou de surpresa e pela terceira vez em dois dias, Rachel sentiu seu coraçãozinho dar uma cambalhota.

Quinn ficou de joelhos, deixando o livro de lado e, muito cuidadosamente, prendeu seu pregador nos cabelos muito escuros de sua nova amiga, se afastando para avaliar como tinha ficado.

"Bonita..." Sinalizou ela, com um sorriso satisfeito.

"Meninas! O almoço está pronto!" Leroy gritou de dentro de casa, fazendo Rachel se levantar.

"Vamos comer!" Ela exclamou, percebendo que estava com fome e fingindo comer algo invisível. Não era o sinal de comida, mas Quinn entendeu e a seguiu para dentro de casa.

...

Elas comeram e então brincaram, Rachel tentou compartilhar um pouco de seu mundo sonoro com Quinn, mostrando seus filmes favoritos e até mesmo fazendo a loira bater palmas no ritmo da musica que estava cantando. Elas desenharam e se engajaram em uma pequena guerra de bichinhos de pelúcia que não deixou Leroy muito feliz.

Então os pais de Quinn vieram busca-la para o jantar e as duas menininhas se abraçaram, satisfeitas pelo dia que haviam compartilhado e cansadas por todas as coisas que haviam feito. Logo, aquilo se tornou rotina e elas não conseguiam passar um dia sequer afastadas. Rachel ganhou um sinal de sua nova amiga (igual ao sinal de estrela, mas feito com a letra 'r'), que ela amou completamente e mostrou para todas as pessoas que conhecia, adorando a atenção que recebia sempre que falava sobre Quinn ou sinalizava perto de pessoas grandes...

O verão acabou mais rápido do que ela pode perceber e as duas meninas entraram em escolas separadas. Mas ainda se viam nos finais de semana e até mesmo durante a semana, quando conseguiam pentelhar seus pais por tempo suficiente.

Elas realmente se tornaram melhores amigas...

No começo foi tão difícil para Rachel não falar. Ela era tagarela por natureza e não era como se ela esquecesse que Quinn não podia ouvir (na maioria das vezes), mas era tão fácil entrar em modo matraca que ela simplesmente não conseguia se conter. Ainda assim, havia algo na outra menininha que a atraia profundamente e, mesmo tendo apenas seis anos, ela sentia que precisava aprender...

Aprender a respeitar o silêncio e a se expressar de outras formas.

E com o tempo, ela realmente aprendeu..

...


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Notas finais do capítulo

Amanhã, pequenos momentos entre elas no passar dos anos e o momento em que amizade começa a deixar de ser o suficiente...

Mais uma vez, COMENTÁRIOS POR ATUALIZAÇÕES... Digam o que acharam desse capítulo, por favor (: