3 Meses Com Annie escrita por Tamires Nogueira


Capítulo 7
Capítulo 7: Não existem palavras para isso.


Notas iniciais do capítulo

"É fácil. Eu me mato e acabo com os problemas de todo mundo. Nunca mais ninguém vai ser a Annie por perto pra transformar tudo em uma bagunça."



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Eu não ouvi mais nada depois disso, eles tinham saído e eu subi pro meu quarto quando ouvi passos na escada. Eu não me lembro do meu pai. Não lembro do rosto dele, de nenhum momento com ele. Mas lembro do barulho. Era como uma bomba, mas um estrondo surdo e rápido, sem eco e em um segundo era como se sempre estivesse tudo em silêncio. Eu sempre soube o que era, mas eu nunca soube que estava relacionada à morte do meu pai.

Aliás, que dia é hoje?

Ninguém mais se importa. Eu não estava mais contando.


Foi realmente horrível acordar no dia seguinte e ter que olhar para meus avós. Será que ainda estavam bravos comigo? Será que meu avô ainda estava? Logo depois do café da manhã, Vitor apareceu lá em casa com uma cesta e uma toalha xadrez vermelha em cima e um sorriso enorme no rosto.

— Annie!!! Está pronta?

— Pronta pra quê?

Meu avô me empurrou porta a fora, segurando a mão de minha avó na outra mão.

— Primeiro teste do meu barco! E claro que vocês teriam que ir comigo. — ele disse sorrindo.

Fiquei a maior parte do tempo sentada com Vitor na frente do barco... Como é que chama mesmo? Ah, não importa. Você me entendeu.

— Isso é bom sabia? Me sinto importante! — disse Vitor enquanto me dava um beijo na bochecha.

— Por que estamos aqui? — nossa, os olhos dele ficavam ainda mais claros com a luz do sol!

— Seu avô é um cara legal, e isso significa muito pra ele. Ah vai, não é tão ruim assim, olha isso tudo!! É lindo!

— É... Olha, lembra as coisas que você disse no meu quarto ontem?

— Sim, claro.

— Era tudo verdade?

— Era. E ainda é. E sempre vai ser. Por que a pergunta?

— Vitor!!! Quer assumir o leme?

Salva pelo meu avô. Eu não queria responder a pergunta mesmo. Fiquei ali na frente sozinha olhando as água. Meu avô estava abraçado com minha avó la no fundo, e sorrindo, enquanto ela tentava segurar o chapéu que insistia em voar de sua cabeça. Vitor estava no leme, e acenava pra mim com orgulho, de vez em quando.

Eu acho que eles não sentiriam minha falta. Nem mesmo Vitor. Nos conhecíamos a menos de um mês. Isso não é tempo bastante para de acostumar tanto com alguém o suficiente que a falta dela lhe causaria tamanha dor. A âncora enrolada alí do lado do meu pé parecia me deixar curiosa. Minha avó nunca mais se estressaria comigo, e eu provavelmente a privaria de um ataque cardíaco que ainda estava por vir. Minha mãe conseguiria salvar seu casamento sem a "Maluca da Annie" pra queimar as coisas dele, ou para ela gastar dinheiro com remédios caros que alterem meu humor. Eu não tinha amigos que me prendessem aqui.

Soltei meu diário da pulseira, e o joguei onde eu estava sentada. Fiquei de pé, e era como se eu estivesse voando. A sensação era boa, enquanto o vento batia em meu rosto. Eu olhei a âncora por uns minutos, e depois olhei para trás de novo. Tudo estava bem, e ninguém prestava atenção em mim. Meus avós curtindo o passeio, conversando, e Vitor mexia no celular enquanto guiava o leme. Voltei minha atenção para a água, e empurrei a âncora para baixo com o pé. A corda estava enrolada, e ela puxaria qualquer coisa que entrasse em seu caminho. Bem rápido eu coloquei meu pé no meio da corda, e de imediato nada aconteceu. E depois tudo aconteceu rápido demais. A corda queimou meu tornozelo quando ela me puxou, e eu caí deitada fazendo um barulho oco no barco, e em segundos eu estava na água. A água era tão fria, que a sensação era de mil agulhas entrando em mim. Minha cabeça doía alguma coisa na minha nuca queimava. Quanto mais fundo eu ia, mais gelada e dura a água ficava. Eu gritava em silêncio e a água salgada me afogava. Será que foi assim que chegaram a conclusão de que a morte por afogamento era uma das piores? Eu entendi... Demorava mais, você sofre mais, e depois vinha o arrependimento.

Eu estava quase inconsciente já quando senti meus pés ficarem leves, e logo pensei que tivesse sido a âncora que tinha chegado ao fundo, junto comigo. Mas eu não estava descendo mais, e antes que eu pudesse apagar de vez eu consegui respirar fora da água. Vitor me empurrou para meu avô em cima do barco, e depois subiu atrás de mim. Minha avó gritava meu nome sem parar e tudo pareceu ter um som mais alto. Até a respiração ofegante de Vitor ao meu lado parecia o ronco do barco. Percebi que a coisa que queimava minha nuca começou a escorrer por meu pescoço e a sujar tudo no barco. Eu devia ter batido a cabeça quando a corda me puxou. Não doía, mas o cheiro do sangue me deixava tonta. Vitor estava do meu lado com uma das mãos estancando o sangue e meu avô estava ligando o barco para nos levar de volta.

Quando eu consegui enxergar direito, mesmo com os olhos ardendo ainda, localizei todos no barco. Olhei para Vitor e ele estava diferente. Tinha uma ruguinha em sua testa e seus lábios estavam fechados de uma maneira que os deixava finos e duros. Meu avô parecia calmo mas dirigia muito rápido de volta para terra firme. E minha avó...

— Vó? Vó, o que você tem? — eu me joguei no chão do barco, ao lado dela. Ela estava gelada e ofegante. — Vô!! A vovó não esta bem, vai mais rápido!!!

Era isso mesmo? Eu estava com medo de perder minha avó? Ou eu só queria que ela ficasse bem, porque... assim como qualquer um, eu não desejo mal pra ninguém.

Enquanto voltávamos, Vitor chamou uma ambulância que estava nos esperando perto da praia. Vitor ficou cuidando de mim enquanto meu avô ajudava os enfermeiros. Antes de entrar na ambulância, meu avô jogou a chave do carro para Vitor e disse para ele seguir a ambulância para examinarem minha cabeça.

Vitor não disse nada o caminho inteiro, mas me olhava preocupado sempre que eu respirava mais forte, ou que eu me mexia de jeito estranho. Eu estava enrolada em sua jaqueta e em uns cobertores que tinha no porta malas do carro. Eu também não disse nada. Eu sabia que estava errada, e tudo isso só tinha acontecido por minha causa. Como sempre...

Ficamos esperando por quase uma hora na sala de espera do hospital depois que eu saí do pronto socorro.Vitor ficou comigo o tempo todo, e de vez em quando arrumava os cobertores nas minhas costas. Quando se passaram mais uns vinte minutos, deixaram meu avô entrar para vê-la.. Disseram que ela estava bem, e que foi só um ataque cardíaco leve. Mas não deram alta, e ela ficou a noite em observação. Vitor disse que me levaria para casa e que voltaria para entregar o carro à meu avô.

No caminho para casa, Vitor ficou quieto de novo. E quando eu saí do carro, esperei que ele viesse atrás de mim, e entrasse em casa comigo.

— Annie, toma. — ele me jogou a chave do carro.

— Você não vai ficar?

— Não. Você pode me cortar daquela sua lista. Pra mim chega. Liga para seu avô e diz que eu não estava em condições de dirigir, está bem?

— O que? Do que você ta falando?

— É sério? Não entendeu ainda? — fiquei em silencio, enquanto eu estava esperando pela resposta porque não, eu não tinha entendido. — Pedro Smiggle. Ele era meu amigo de cela. Na manhã de dia das mães, achei ele enforcado em um cabo de eletricidade. Não pensei que ele fosse fazer isso porque ele não falava disso. Ele não queria ser salvo. E hoje só mergulhei atras de você, porque você não quer morrer. Só quer fazer drama...

— Não é isso, eu...

— O que você faz é grave! E afeta as pessoas. E afeta a mim. Eu queria te ajudar, porque você precisa. Mas eu não vou mais passar por isso por você. Eu já tenho meus problemas, minha vida e você não vai ser mais um deles. Entendeu? Annie eu gosto de você, mas eu não tenho escrúpulos suficiente pra aguentar isso. Se um dia você conseguir ser...normal, podemos voltar a nos ver.

Eu sentia que ele estava certo. Começou a chover e ele foi andando pra casa sem a menor pressa e nenhuma preocupação em se molhar de novo, e eu fiquei olhando ele, ali na chuva até ele virar a esquina. Quando entrei, larguei a jaqueta dele e os cobertores que eu estava enrolada, no sofá e subi pro banheiro. Me olhei no espelho por uns minutos enquanto eu esperava a banheira encher. Tinha um pequeno corte no meu lábio inferior e um galo roxo estava crescendo em minha testa. Fiquei sentada na banheira, deixando a água cair em mim não sei por quantas horas. Só pensando, em como foi tudo aquilo. Se Vitor não tivesse pulado, eu teria mesmo morrido. Era só água. E a banheira estava cheia de água agora. Se eu quisesse mesmo, poderia me afogar ali mesmo. Mas minha avó me impedia. Eu queria saber dela, queria saber como ela estava. E não iria fazer nada a mim mesma antes de vê-la. E agora, Vitor me impedia também. Mas aquela lista ainda não foi completamente descartada da minha vida.

No meu quarto, voltei a olhar algumas caixas que eu não tinha terminado de ver. Em uma delas tinha um álbum, e embaixo de uma foto, um envelope, com uma foto. Uma foto de uma garota linda, cheia de vida, ao lado de um carro preto bonito e brilhante. E ela usava um vestido roxo de renda.

"10 de abril de 1962.

Meu amor, meu Vinícius,

Você foi pro mar há menos de uma hora e eu já estou tendo um ataque. Por favor, me perdoe. Eu só o tratei daquela maneira porque estava chateada com sua partida. Fui uma burra. Precipitada e caprichosa. Estou brava comigo mesmo por ter desperdiçado nossos últimos momentos juntos não te dizendo como acredito em você. Eu te amo, e perdi minha chance de dizer isso pessoalmente. Se alguma coisa acontecer com você eu vou morrer. Eu sinto sua falta. Prometa que voltará pra casa a salvo.

Pra sempre sua,

Rose.


Minha avó tinha escrito aquela carta, agora amassada e amarelada pelo tempo. Mas meu avô não era esse Vinicius. E honestamente, eu não me importava quem era, mas eu sabia que eu queria sentir aquilo que minha avó sentiu. Era bonito, do jeito que eu via.

A noite passou devagar, e quando era quase de manhã eu consegui dormir um pouco.


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