Antes Que Seja Tarde escrita por Mi Freire


Capítulo 22
Hora da decisão.


Notas iniciais do capítulo

Daniel teve que fazer uma escolha: seguir seu coração.



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Três dias se passaram e eu ainda não sabia o que fazer nas férias. Estava muito confuso. Pensava muito em meus amigos e em Malu sozinha em um país desconhecido.

No café da manhã, preparei café fresco com leite morno e algumas torradas que deixei queimar por descuido enquanto ligava o meu notebook. Estava louco por notícias de Malu, confesso.

Sentei com a xícara de café e esperei a conexão da internet. Tinha uma grande possibilidade de ela me mandar um e-mail me contando tudo o que acontecia por lá.

Na caixa de correio eletrônico, procurei por seu nome em meio a tanto e-mails do meu trabalho. Para minha sorte, ela havia mesmo me mandado um e-mail. Exatamente como meu coração deduziu.

Querido Daniel,

Como vai? Estou feliz em lhe escrever. Tenho passado muitas dificuldades nesse país desconhecido. Eu ainda não entrei em contato com mais ninguém, então sinta-se lisonjeado em ser o primeiro. Aqui é muito difícil para obter sinal da internet, mas encontrei um lugar favorável. É difícil também conseguir ligar por causa do sinal. Pensei em escrever uma carta, mas hoje não é exatamente o que as pessoas esperam receber de quem está tão longe.

Apesar das dificuldades que encontro, tenho que te contar o que realmente me surpreende nesse lugar. As pessoas sofrem com doenças desconhecidas e morrem aos poucos sem a ajuda de ninguém. Passam fome, sede e não tem um lugar para dormir. Mas, apesar de tudo, o que realmente me impressiona é a esperança e a fé que me transmitem. O brilho nos olhos de cada um é constante. É incrivelmente lindo. Tenho o maior prazer e satisfação em estar colaborando com quem precisa. Você precisava ver.

Para falar a verdade, eu precisava que você estivesse aqui para compartilhar comigo essa emoção. Acho que nunca desejei tanto alguém como você. Sei que já lhe disse isso outras vezes, mas agora é diferente. Como não consigo me comunicar muito bem com as pessoas devido a língua, passo muito tempo no alojamento. São nessas horas que eu penso em você e sinto a sua falta. Gostaria que estivesse aqui para me proteger.

Sei que é injusto da minha parte lhe dizer essas coisas a quilômetros de distância, mas me sinto conectada a você de alguma forma. Sinto necessidade em lhe dizer tudo o que se passa aqui, dentro de mim.

Talvez as palavras ainda não sejam o suficiente para que você acredite em mim e no que eu sinto por você. Mas é grandioso. Não importa agora. Sei que conversaremos sobre isso outra hora.

O mais incrível que me aconteceu até agora, foi uma adorável garotinha de apenas sete anos que conheci hoje mesmo. Ela se chama Luena. Um belo nome. Um amor de menina. Infelizmente, tenho uma dificuldade enorme em me comunicar com ela e entender o que ela tenta me dizer. Por sorte temos um tradutor, mas temos o nosso trabalho e pouco tempo para diversão, o que me deixa com o coração bastante apertado quando tenho que deixá-la. Gostaria de poder presenteá-la, talvez com uma das minhas bonecas de infância para que ela se recorde de mim quando eu tiver que partir. Sinto que ela despertou em mim o meu lado maternal. E gostaria muito de podermos compartilhar esse momento afetivo. Uma pena que estejamos tão longe um do outro.

Bem, acho que é o fim. Passaria horas e mais horas escrevendo cada detalhe a você sobre essa viagem, mas é muita coisa. Você não suportaria. E bem, eu também tenho muito trabalho pela frente. Gostaria que você também me escrevesse.

Beijos,

Com amor, Maria Luiza.

Ao terminar de ler a carta me dei conta que chorava. Por cada palavra, cada detalhe. De repente me imaginei com ela, ali ao seu lado, em um lugar distante e diferente. Apoiando Malu no que fosse preciso ou desfrutando as maravilhas da viagem.

Coloquei-me em seu lugar e imaginei o quanto de sofrimento ela via naquele lugar, quantas vidas perdidas, quanta fome, miséria, sede e dor.

Repentinamente tomei uma decisão. Não sei se a certa, mas eu a faria de um jeito ou de outro. Estava certo disso. Custasse o que fosse preciso. Eu ansiava viver aquilo.

— Pai? – liguei para ele. — Tem como o senhor reservar uma passagem para mim para a Costa do Marfim? Preciso o mais rápido possível ir pra lá.

— Claro, meu filho. Farei isso o mais rápido possível – ele garantiu, despedindo-se em seguida.

— Mamãe? Estou indo para a Costa do Marfim, tudo bem? Estou indo atrás de Maria. É importante para mim, espero que compreenda. Sei das suas preocupações, mas ficarei bem, realizando o sonho da minha vida. – sorri emocionado. — Tome conta das coisas. Tchau. Eu te amo. Prometo que escreverei para você o quanto antes.

Desliguei antes que ela chorasse pedindo para que eu não fosse, pois seria perigoso. Disso eu sabia. Sempre soube. Mas estava mais que na hora de decidir por mim mesmo, nem que depois eu me arrependesse.

— Jú? Olha, estou sem tempo para explicações – falei rápido. — Mas quero que saiba: eu te amo muito, irmã. Estou indo agora para Costa do Marfim atrás de Maria. Você não acredita, não é? Sim, eu me resolvi agora mesmo e estou certo disso. Deseje-me boa sorte. Tentarei ao máximo manter contato. Confie em mim.

— Eu confio, meu amigo – foi tudo o que ouvi. — Vai com Deus. E por favor, se cuida. Se acontecer alguma coisa com você, eu mato essa patricinha.

Pronto. Já havia avisado as pessoas mais importantes da minha vida sobre minha partida. Também já estava jogando todo tipo de roupa que eu tinha em algumas malas. Tranquei a casa e estava prestes a pegar o carro e ir à procura do meu pai quando ele apareceu em casa com a passagem na mão.

Levou-me até o aeroporto. Pouco perguntava, mas parecia contente por mim. E eu ainda mais por mim também. Por esse novo Daniel que eu desconhecia.

Despedimo-nos. E em poucos minutos, lá estava eu, um Daniel bem diferente do que eu costumava ser. Com mais atitude, vontade, anseio e um único objetivo.

Antes de ser chamado para um voo, lembrei-me de um detalhe importantíssimo. Para minha sorte, nos aeroportos costumam ter lojas que vendem tudo que se pode imaginar. Comprei. Paguei. E lá estava ela embrulhada em um lindo papel rosa prestes a ir comigo até a Costa do Marfim.

Tentei acalmar o meu nervosismo durante o voo. Estava ansioso demais para poder abraçar Malu e nos acertarmos de uma vez por todas. Essa sim seria uma grande oportunidade que eu estava nos dando antes que fosse tarde. Pedi algo para comer, estava faminto. De barriga cheia virei-me para o lado, sem me importar com o cara que viajava no banco do lado do meu, e tentei dormir.

Cutucaram-me e eu acordei assustado. Como se tivesse caído de um sonho, olhei para os lados perdido. Depois de alguns segundos, me lembrei do que acontecia. Então, peguei uma de minhas bolsas, o embrulho com o tal presente e sai para a sala de embarque.

Encontrei um taxista brasileiro em meio a tantos outros. Um velho careca, barrigudo e muito simpático. Conversamos durante o percurso. Certifiquei-me que havia mais brasileiros ali do que o imaginado. Ele me explicou mais ou menos com as coisas ali funcionavam.

— Antes de qualquer coisa você precisa trocar o real pela moeda daqui, o franco – ele falava com paciência. — Ei, mas eu ainda não sei para onde você quer ir.

— A-ah, é – gaguejei confuso. Estava ali com a intensão de fazer uma surpresa a Malu, mas nem ao menos sabia onde ela estava. — Pode-me emprestar seu telefone celular? Preciso fazer uma ligação.

— Tome aqui – ele me deu após parar o táxi.

Pingos de suor escorriam por dentro da minha camiseta devido o tempo abafado.  Com o celular nas mãos, disquei o número de Malu desejando que ela pudesse atender o mais rápido possível.

— Alô? Quem está falando? – era ela.

— Malu? Sou eu, Daniel – falei depressa. — Onde é mesmo que você está?

— Daniel? Como conseguiu falar comigo? – ela perguntou surpresa. — Eu estou na Costa do Marfim, lembra? Em uma cidadezinha bastante conhecida por aqui, chamada Daloa.

 — Ah, sim. Eu pesquisei um pouco sobre na internet. – menti tentando parecer verdadeiro. — Você está trabalhando agora? Ah nossa! Temos tanto que conversar.

— Estou sim, trabalhando em um dos centros de ajuda no centro da cidade – ela tagarelou algumas outras coisas que eu não consegui entender muito bem.

Desliguei inventando outra desculpa qualquer. Falei da cidade ao taxista e o lugar onde ela trabalhava nesse exato momento. Em meia hora chegamos ao centro de ajuda. Senti o coração disparar.

— Obrigado – agradeci a ele. — Tome aqui sua recompensa e pode ficar com o restante. É uma pena que depois você tenha que trocar todo o dinheiro pelo daqui, mas infelizmente isso ai é tudo que tenho. Pode esperar aqui um minuto até eu resolver onde posso colocar o resto das coisas?

— Claro, patrão. O senhor é quem manda – ele brincou, enquanto eu já me afastava do carro para encontrar Maria Luiza.

Na entrada, dois homem altos e negros que certamente trabalhavam ali. Tentei dialogar com ambos, mas falavam em francês, a língua oficial do país, e eu não compreendia. Então, fiz um gesto com as mãos e tentei dizer que iria continuar a entrar no local e eles assentiram que tudo bem, eu podia prosseguir. Sorri contente e entrei agradecido pela simpatia dos dois.

Andei por um corredor longo e estreito. De todos os lados, salas com crianças e profissionais de jaleco branco.  

Sentia o corpo tremer a cada passo. Logo encontraria Maria Luiza vestida em seu jaleco, com os cabelos loiros bem presos com crianças no colo.

Algumas das pessoas me cumprimentavam com um simples gesto ou até mesmo um aceno. Tive a impressão que muitas delas vieram de diversas partes do mundo e que o trabalho de todos estava mesmo sendo importante para ajudar o povo desse humilde país. De repente eu senti uma imensa vontade de poder fazer parte daquela contribuição.

— Olá, brasileiro – uma jovem de pele morena e cabelos enrolados me parou no corredor, surpreendendo-me.

— Como sabe que sou brasileiro? – perguntei curioso, simpatizado com aquela jovem.

— Porque também sou uma – ela riu. — Dizem por ai que é fácil identificar gente da gente, sabe? Dizem que temos um diferencial que se nota de longe. E agora eu vejo que é realmente verdade. Está procurando por algo ou por alguém? Eu poderia te ajudar.

— Ah, sim – sorri intimidado com a pergunta. — Por acaso você conhece Maria Luiza Andrade? Pode me dizer onde posso encontrá-la? Cheguei do Brasil agora e ainda estou um tanto perdido. Estou aqui justamente por causa dela e ela é a única que pode me ajudar.

— Malu? Ah, sim. Conheço – ela sorriu. — Ela está ali naquela pequena sala, pode ver? Está tentando contar uma história para uma boa parte das crianças que hoje estão presentes. Sei que todos eles ficaram bem felizes com a sua presença.

Assenti agradecido. Continuei minha trajetória. Bati na porta velha poucas vezes até ouvir uma voz do outro lado pedindo que eu entrasse.

Respirei fundo. Abri. Lá estava ela sentada em uma cadeira velha. Exatamente como eu a havia imaginado encontrá-la: o jaleco branco, um jeans escuro, uma regata simples, tênis sujo, cabelos louros amarrados em um alto cabo de cavalo, uma pequena menina no colo, um sorriso deslumbrante e ao seu redor quinze crianças sentadas ao chão.

— Daniel? – ela arregalou os olhos cristalinos.

Soltou a menininha que voltou a se juntar aos outros e, em questão de segundos, correu até onde eu estava e pulou em meus braços fazendo com que eu tivesse um leve impulso para trás. Apertei-a forte em meus braços.


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Notas finais do capítulo

Ei você ai, tem alguma dúvida? Alguma coisa não ficou ou não está clara para você? Tem alguma sugestão? Alguma critica para fazer? Por favor, não tenha receio. Estou aberta para qualquer tipo de pergunta, especialmente se algo não está esclarecido ou confuso. Pergunte e eu respondo da melhor forma possível. Te juro que não mordo!



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