WALT/ANÚBIS

Sadie sumiu entre vários corredores. Minha vontade era correr atas dela e beijá-la nos lábios suavemente... Mas o que eu fiz, foi ficar parado olhando para o local onde, alguns instantes atrás, minha menina estava.

-Vamos querido. Tenho ainda que passar um texto para vocês. – Andrea e todo o seu desejo por homens me davam nojo.

Entrei na sala e antes que pudesse me sentar em qualquer lugar vago, Andrea me segurou na frente da turma e passou o seu braço asqueroso sobre o meu ombro. Tentei em vão conter a careta de angustia. Alguns alunos perceberam e seguraram o riso.

-Este é Walt Stone. Sejam receptivos com ele e vamos voltar à aula.

Comecei a me afastar e a vadia me chamou novamente.

-Ah querido, faria o favor de escrever este pequeno texto na lousa? – Andrea tinha um sorriso “sedutor”.

Continuei andando até o fundo da sala e deixei minha mochila na ultima mesa vazia. Peguei meu livro e voltei para frente da sala. Assim que me coloquei ao seu lado, para que ela me mostrasse em que parte do texto, Andrea grudou seu corpo no meu. Um gesto repulsivo e dispensável.

Ela procurou demoradamente pelo texto, como se ele não existisse. A professora folheava as paginas demoradamente. Senti meu estômago revirar e tentei controlar a ânsia de vomito. Concentrei minha atenção no único pensamento que me tranquilizava: Sadie.

Foi como me desligar do meu corpo. Revivi o sonho com Sadie. Eu estava em seu quarto, no sitio, me aproximava lentamente... Eu a tomava em meus braços... E minha boca dominava a dela...

-Pronto querido. Escreva estes dois trechos na lousa. – a professora sorria como se eu tivesse acabado de beija-a... Eca! (nota mental para excluir este pensamento nojento).

Afastei-me dela completamente e o mais rápido possível. Escrevi os fragmentos do texto sem prestar a mínima atenção. Meu pensamento estava longe daquele mundinho de luxaria e “ensino”. Meu pensamento... Meu coração estava em Sadie; sempre estaria.

 Voltei para o fundo da sala e quando todos terminaram de copiar o texto, começaram a conversar e a fazer palhaçadas. Uns dois moleques ficaram tacando bolinhas de papel e outros materiais no ventilador... E no meio de toda a favela, a professora analisava o seu rostinho em um espelho.

Nesse meio tempo uns dois caras se aproximaram de mim e puxaram conversa.

-I ai, parceiro? – um deles perguntou. – Eu sou Thiago.

-Eu sou o Miguel. Beleza?

-Beleza.

Os dois se entreolharam e como se não aguentassem mais Miguel soltou:

- Cara, como você pode estar tão calmo?

-E por que eu estaria, hã, sei lá, histérico?

 -Cara, a Sadie Kane acabou de beijar você! – Thiago disse como se eu fosse burro ou simplesmente não acreditasse.

-Eu sei! – lancei um olhar desconfiado a eles. Os dois trocaram olhares meio desesperados.

-Acho que não sabe não.

-Falo tudo Miguel. Você não faz idéia da sorte que tem Walt. – Thiago disse com inveja

-Sorte? Como assim? – eu sabia que Sadie era querida na escola, mas eu não esperava por nada assim... Ah, e Anúbis também não.

-Serei o mais breve possível: Todos os caras a desejam. Quando eu disse todos, quis dizer todos mesmo! Ta, ela tem dois amigos, mas eles já confessaram que se ela quisesse algo a mais com eles, ambos se entregariam de corpo e alma por ela. – Miguel disse.

Antes que eu pudesse responder o sinal avisando o termino da aula, soou alto e claro. A professora fez um “show” para apagar a lousa. Ela rebolava, exageradamente, enquanto apagava o pequeno texto. Andrea recolheu seu material e saiu da sala.

As aulas que sucederam a primeira foram incríveis: os professores eram excelentes e as matérias agradáveis de estudar... Ou era só o fato de não ser a mulher que queria a menina dos meus sonhos mortos estar dando aula? Sadie provavelmente diria que era a segunda opção.

Quando finalmente o sinal soou avisando o intervalo, saíram todos correndo em direção ao refeitório. Thiago e Miguel ficaram para trás junto comigo. Pegamos nossos lanches e fomos para uma mesa vazia. Com os olhos procurei pela loira para ter certeza de que ela estava segura, mas acabei não encontrando o seu tom único de dourado.

-Procurando a Raio de Sol? – Thiago perguntou com um sorriso malicioso e sacana.

-Quem? – eu já tinha ouvido esse nome antes.

-A Sadie. – Miguel respondeu.

-Ah... Talvez. – respondi ainda procurando a minha loirinha – Por que ela é chamada assim?

-Bem vou explicar, alias tem muita coisa para explicar. Antes de a Sadie chegar com a sua alegria contagiante de uma menina de sete anos de idade, essa escola só tinha alunos que sofriam ou praticavam bullying. Sadie foi o primeiro raio de sol em uma época, digamos assim, sombria da escola. – Miguel contou.

-Sadie consolou a todos os que sofriam e deu lições em todos aqueles que praticavam. – Thiago completou- Ela é chamada de Raio de Sol, porque é o primeiro raio de sol que representa a esperança... E foi exatamente isso o que ela trouxe.

-Esse é um dos muitos motivos do diretor adorar aquela menina. – Miguel comentou totalmente fora do ar.

Eu fiquei de boca aberta. Tipo, beleza, Sadie é uma pessoa boa, só que pelo visto ninguém da família dela sabia dos seus feitos aqui; eles só a viam como uma menininha rebelde.

 - Mudando de assunto... Vamos te explicar a hierarquia aqui da escola. É o seguinte, aquela – Thiago apontou para Milena, a menina de olhos cinzentos e cabelos castanhos cacheados – É, digamos, a rainha da escola. Todos a respeitam, mas sempre tem um questionamento, ou dois.

-Mas se existe uma rainha da turma, Sadie Kane é a deusa da escola – Nesse instante Sadie entrou sozinha pelo portal atraindo a atenção de todos. Inegável dizer que os meninos babavam por ela. – A menina mais linda e poderosa de todo o colégio. – Miguel falou completando a explicação.

-Linda por dentro e por fora. – observou Thiago. – Eu acredito fielmente, que se alguém pode mudar e salvar o mundo é ela.

Eles não faziam idéia do quanto estavam certos. Perdidos em pensamentos relacionados à loira, nós três observamos Sadie se aproximar da nossa mesa, parando a cada instante para cumprimentar alguém.

Sadie se aproximava cada vez mais, e, cada vez mais próxima meu coração parecia não caber mais no peito. Senti uma forte vertigem quando eu vi o menino chamado Lion, tentar se aproximar dela. Sadie passou reto e ignorou o menino... E finalmente chegou até nós.

- Oi meninos.  – ela disse com um sorriso lindo. Ela literalmente sentou em cima da mesa, colocando os pés no banco ao meu lado.

-Oi – os meninos, Miguel e Thiago responderam juntos, mas somente Thiago prosseguiu – I então gata, você vai à festa que vai rolar hoje à noite?

-Achou mesmo que eu ia perder essa? Alem do mais, não vai haver professores por perto e nenhum adulto responsável nos dizendo o que fazer...

-Em outras palavras vai ser inesquecível e muito fora de controle, exatamente como a Raio de Sol gosta.

-Por que vocês insistem em me chamar assim? – Sadie perguntou docemente

-Sei lá, virou costume acho! – Thiago respondeu por Miguel.

Sadie riu e então voltou seus olhos para mim. Confesso que fiquei um pouco sem graça.

- E então, eles estão te tratando bem eu espero – ela terminou lançando um olhar intimidador nos dois meninos. O olhar funcionou direitinho.

-Calma Sadie, eles estão sendo muito legais.

Sadie voltou seus olhos para mim e em seguida voltou a olhar para os meninos e ergueu uma sobrancelha. Eles se apressaram a concordar enquanto eu me mantinha a custo quieto.

- Algum de vocês viu a Milena? – Sadie perguntou mudando de assunto.

Miguel quase engasgou com a comida enquanto Thiago cuspiu o refrigerante todinho. Eles olharam para Sadie totalmente incrédulos. Não nego que eu também olharia, mas eu sabia o propósito da garota.

-O QUE? – eles gritaram ao mesmo tempo, fazendo todo o refeitório ficar em silencio. Todos prestavam atenção em nós. Liz, Emma e Gabi se aproximaram e se juntaram a Sadie com a pergunta muda no olhar.

-Sadie por que... – Thiago começou, mas Sadie o fez ficar quieto apenas levantando a mão.

- Perderam alguma coisa aqui? – algumas poucas almas se limitaram a balançar a cabeça – Voltem a cuidar das suas vidas que o que tiver de fofoca vai ser espalhado depois.

A barulheira no refeitório voltou.

-Sim. Eu perguntei se vocês viram aquela menina chata chamada Milena que vive tornando a minha vida pior do que já é.

-Mas por que...

-Respondam a minha pergunta!

-Não.

-Ótimo. – Sadie ficou em pé e voltou a percorrer os olhos pelo local. Ela começou a se afastar com as suas amigas, mas voltou os olhos para mim.

-Você vem?

Me levantei e passei a segui-las lado a lado. Tentei pensar na ultima vez em que tinha visto a menina de olhos cinzentos, mas nada me ocorreu.

Sadie de repente ficou pálida e seus olhos se arregalaram.

-Me sigam. – seu tom foi tão urgente que ninguém conseguiu questioná-la.

Corremos para fora do refeitório e passamos a percorrer toda a extensão do colégio. Fomos chegando pertos dos armários e pude notar duas figuras solitárias ao longe. À medida que nos aproximávamos percebi que eram as “amigas” de Milena.

Sadie foi a primeira a chegar e a falar de modo claro e urgente. Sua voz soou firme e autoritária apesar da menina estar bastante ofegante.

-Onde esta a Milena?

-Nós não sabemos! – elas exclamaram a beira do desespero.

-Onde vocês a virão pela ultima vez? Falem!

-Ela estava saindo de um encontro às escondidas no porão da escola e foi até o armário. –Uma deles falou de modo choroso e eu compreendi o que houve a seguir antes delas prosseguirem... E Sadie também.

-Ela recebeu um bilhete... E ficou tão pálida quanto você!

-Ela disse que era segredo. Não foi? – perguntei a elas. Com exceção de Sadie todas as meninas me olharam surpresas.

 -Foi.

-Mas a história não terminou ai. – Gabi se meteu no meio da conversa.

-Não. Ela disse que precisava ficar sozinha e que ia pegar um ar fresco. Então ela seguiu na direção da quadra de esportes.

-A fechada ou a aberta? – Emma estava séria, o que não era um bom sinal.

-A fechada.

Sadie não esperou por ninguém e tão pouco precisou de mais informações. A menina correu em direção à quadra fechada e todos nós, inclusive as duas meninas choronas, corremos atrás dela. Parecia que o tempo havia congelado e que nós não saímos do mesmo lugar.

Chegamos à quadra e antes que sequer pudéssemos nos dividir em grupos, Sadie novamente seguiu na frente e seguiu na direção dos vestiários. Sadie empurrou todas as portas com força... Mas todas abriram.

Por nossa conta em risco, nos separamos e cada um seguiu sozinho em direções diferentes. Eu fiquei ao lado de Sadie o tempo todo. Não poderia deixá-la sozinha. De jeito nenhum!

Sadie começou a andar para perto de uma porta onde eu sabia que ficavam todas as bolas entre outros equipamentos para as realizações nas aulas de educação física. Sadie girou a maçaneta... Mas a porta não abriu.

Sadie e eu trocamos um breve olhar e a menina forçou a porta novamente... Todo o esforço que ela fez foi em vão.

-Milena? MI? Você esta ai dentro? – Sadie grudou seu corpo na porta e então fizemos silencio por um breve instante. Nesse meio tempo ouvimos um gemido de dor muito, muito baixo.

Sadie olhou para mim com um leve desespero.

-Você por acaso, tem algum grampo de cabelo com você?

-Um o que?

-Ai, eu não acredito que você nunca arrombou uma porta! Você é muito santinho, Walt. Muito!... Que foque claro que eu não me responsabilizo pelos meus atos, ok?

Antes que eu pudesse responder, protestar ou simplesmente dizer que não era santo nenhum, a menina mal precisou pronunciar palavra alguma e toda a porta se espatifou em uma explosão de pedaços.

Sadie havia sussurrado tão baixo que nem eu pude ouvir direito o som do feitiço, Hadi. Sadie sempre fora excelente na pratica desse feitiço e agora... Bom, eu e Anúbis estávamos sem palavras.

Encontramos dentro do armário uma Milena descabelada, amordaçada e com o corpo preso por fortes cordas. A menina estava muito pálida.

Sadie se ajoelhou na frente da menina e com a mão nas costas, conjurou uma faca. Assim ela cortou as cordas e livrou Milena da mordaça. Com o barulho extremamente alto da explosão, todos voltaram para perto de nós, bem a tempo de ver uma cena chocante;

Depois de livre das amarras, Milena estava fraca. Sadie sentou-se no chão e puxou a menina para perto de si. Milena apoiou a cabeça no colo da loira e passou a chorar compulsivamente. Sadie afagou-lhe os cabelos enquanto nós seis assistíamos aquela cena boquiabertos.

Quando Milena enfim sentou-se, seus olhos ainda marejados espelhavam medo e sua voz soou falha.

-Foi... F-Foi a... – ela tentou falar, mas sua voz não saia.

-A Andrea. Eu sei querida. Todos nós sabemos. –Sadie disse a Milena e as duas se abraçaram enquanto Milena chorava um pouco mais – Eu prometo Mi, ela vai se arrepender de ter nos conhecido. Até porque ela não sabe o quanto nós duas podemos ser más, não é?

Milena olhou nos olhos da loira e deu um sorriso muito maligno muito bem copiado pela loirinha... Beleza. Eu fiquei um pouco assustado.

---*---

Todos nós voltamos para a região da escola antes que a multidão chegasse até nós. Basicamente saímos impunes. Milena estava um pouco mais forte, mas de vez em quando se apoiava em Sadie.

-Vocês vão amanhã? Na festa? – Milena perguntou as outras meninas.

-Eu sim – Sadie respondeu.

-Nós três também. – Emma respondeu pelas três.

-E você, bonitinho? – ela se virou par mim.

Olhei nos olhos de Sadie e ela nos meus.

 -Provavelmente sim.

---*---

O diretor dispensou todos os alunos assim que chegou até a porta destruída. Assim sendo, saímos em grupo para fora da escola: Sadie, Liz, Emma, Gabi, Milena, Jake, Austin e eu. Cada menino acompanhou uma menina até em casa. Jake levou Milena; Austin seguiu com Liz e Emma e como eu iria trabalhar na oficina hoje levei Gabi e Sadie.

-E afinal, que festa é essa? – perguntei para as duas.

As duas trocaram um olhar e riram.

-Te explicamos na oficina. – Gabi respondeu.

Não consegui conter o suspiro.