Meu Vampiro De Estimação escrita por Eica
Foi como se tivesse visto um parente querido que há muitos anos não via. De fato, o sentimento foi mútuo. Tanto Sébastien quanto o estranho admiraram-se pelo reencontro. O vampiro recebeu um abraço apertadíssimo e correspondeu da mesma forma.
- Sébastien! - disse o homem. - Como... Como me alegra te reencontrar!
- Thibaut!
Sébastien recebeu vários beijos no rosto. Convidou o outro para entrar. Atravessaram o portão, passaram pelo jardim e entraram no hall.
- Como... Por onde esteve? - indagou Sébastien.
- Estava em Paris. - respondeu Thibaut, com os olhos brilhando. - Voltei há poucos dias... Não imaginei que ainda estivesse aqui. Deixe-me olhá-lo. Não mudou nada. Continua a mesma maravilha de sempre. Conte-me as novidades. Espere. Esta casa... É a mesma, não é?
- Sim, é a mesma.
Thibaut analisou-a por um tempo.
- Então não me enganei. - disse. - Somente hoje pude sair para procurar esta casa. Foi difícil achar, já que a cidade não é mais a mesma. Hoje não se vê as mesmas veredas.
Foram para a sala. Thibaut continuou olhando atentamente para tudo.
- Você tem um gosto interessante.
- Não fiz a decoração.
- Ah! Bem que notei... Um cheiro no ar... Um aroma... Quem são?
- Descendentes de minha família.
- Estão vivendo com você? Não são vampiros.
- Não, não são. Estive preso numa urna.
Sébastien explicou o que se passara durante os últimos seculos e também qual era sua atual situação.
- Impressionante. - riu Thibaut. - Sébastien, um leigo do mundo moderno. Você foi completamente dominado por dois garotos. Como se sente?
Sébastien soltou um riso abafado:
- No começo não gostei, de fato, mas estava mais confuso do que incomodado com este detalhe.
Thibaut admirou-o um pouco. Passeou pela sala e terminou sentando no mesmo sofá onde Sébastien sentou. Ao seu lado, passou os dedos por seus cabelos.
- O que fez durante todos esses séculos?
- Tenho me escondido, meu querido. Escondido quem eu realmente sou. Esta é a realidade. Sempre falsificando documentos para mentir a data de meu nascimento... Sempre fingindo ser um homem jovem quando na realidade não passo de um ancião que já viveu muitos anos. Sou velho demais, Sébastien. Como você é agora. Nunca fui santo e essa imortalidade que ganhei, embora tenha seu lado negro, ofereceu-me muitas possibilidades. Olho para rapazes que possuem a mesma idade que minha aparência apresenta ter e penso... Penso que não sou como eles. Ganhei tanta experiência nesta vida... Ganhei tanto conhecimento... Sou rico demais. Não sabe o quanto. Viajo em meu próprio avião, tenho meus empregados... Inclusive um deles está naquele carro em frente a sua casa. Não sei se percebeu. Já agradei-me de diversas maneiras, mas há ainda uma coisa que não fiz e estou louco para fazer.
- Quantos vampiros você conhece?
- Hoje sobraram muito poucos. Ao menos na Europa é assim. Escassez... Já houve a época de ouro dos vampiros. Uma época em que reinava a elegância, a cordialidade e a beleza... Uma época em que os vampiros eram dignos de respeito. Você viveu, devo dizer, o início desta época tão maravilhosa. De uns tempos para cá, só encontro vampiros ridículos criados por acidente que são uma verdadeira vergonha para nossa linhagem.
- Você diria que fui criado por acidente?
- Não, você não. - respondeu, sorrindo com ternura. Continuou escovando os cabelos do vampiro com os dedos. - Eu pensei muito sobre você. Sabia que não me enganaria a seu respeito. Planejei seu nascimento, você sabe, e nunca me arrependi. Eu sempre o considerei como um filho, se bem que isto nunca foi impedimento para uma relação incestuosa.
Sébastien sorriu.
- Eu via em seus olhos que você era como eu. Por isso encantei-me tanto por você.
- Então por que foi embora? Por que voltou para Paris se eu lhe encantava tanto?
- Meu querido Sébastien... Eu o magoei?
- Não.
- Você sempre foi e sempre será meu preferido.
- Onde está morando?
- Numa mansão... Você não deve saber onde fica.
Thibaut levantou-se. Voltou-se para Sébastien e sorriu novamente.
- Fico feliz que esteja vivo. Descobri-lo muda absolutamente tudo.
- Também fico feliz em vê-lo.
- Quando poderei conhecer seus descendentes?
- Amanhã. Agora estão dormindo.
- Virei mais cedo então.
Sébastien levantou-se.
- Já está de saída?
- Não quero atrapalhar sua noite, além do mais, tenho coisas a fazer.
Foram ao hall. Antes de atravessarem a porta, Thibaut parou e disse:
- Você está dormindo num caixão como lhe disse para fazer?
- Não.
- Durma. Faz bem. Deixa-o mais disposto. Peça aos meninos que lhe deem um caixão. As camas de hoje podem ser confortáveis, mas o conforto de um caixão não pode ser comparável. Escute o que estou dizendo.
Thibaut beijou-lhe no rosto duas vezes e se foi.
Os meninos acordaram às dez horas da manhã. Foram para a cozinha tomar um leite e comer alguma coisa. Quando já estavam adiantados no preparo do café da manhã, Sébastien apareceu. Parou ao lado da geladeira.
- Eric.
- O que?
- Compre-me um caixão.
Ambos os garotos fitaram o vampiro.
- Por que?
- Porque estou pedindo.
- Onde vou conseguir um caixão?... Ah, retiro o que eu disse. Está bem, eu compro um caixão.
Sébastien, satisfeito, caminhou até a mesa e sentou-se.
- Você parece melhor.
- Não estou. - respondeu Caio. - Mas vou ficar por aqui mesmo.
- Há uma coisa que eu preciso contar... Thibaut esteve aqui.
- Quem? O QUE?
- O vampiro que te transformou? - indagou Caio, mais perplexo que seu irmão.
- Sim. Ontem a noite. Ele apareceu. Está na cidade.
Eric sentou ao lado do irmão.
- Mas... Mas... O que significa?
- Eu não sei.
- Meu Deus! Outro vampiro? O que está acontecendo aqui?
Sébastien contou o que conversaram.
- Ele pretende voltar ainda hoje para conhecê-los.
- Eu estarei na escola nesse horário. - disse Caio.
Eric olhou-o:
- Que isso! Não pode faltar hoje? Você está doente. Uma ou três faltas não vão te reprovar. Você está indo bem na escola. Fique em casa.
Eric saiu para buscar a bolsa de Sébastien e aproveitou para comprar o seu caixão. O objeto não seria entregue hoje. Precisou avisar ao vampiro antes que ele fizesse um escândalo por não vê-lo com o objeto fúnebre. O rapaz mais velho passou boa parte do tempo ao lado do irmão, que quis ficar na sala vendo TV. Divertiram-se muito, enquanto Sébastien pedia um pouco mais de atenção, já que precisava estudar.
Quando anoitecera, os ânimos dos garotos transformaram-se drasticamente. Especialmente quando o tal Thibaut apareceu. Veio vestindo um sobretudo de couro muito chique. Seus cabelos eram mais longos que de Sébastien. Castanhos. E seus olhos claros lembravam uma pedra preciosa. Um homem espetacular. Não tinha um aspecto tão sombrio quanto de Sébastien e ambos pareciam ter a mesma idade.
Caio permaneceu grudado ao irmão, enquanto este era cumprimentado gentilmente pelo desconhecido. Em seguida, Caio foi cumprimentado.
- Foi mesmo muito audacioso da parte dos jovens por um vampiro ao controle. - sorriu Thibaut. - Especialmente tratando-se de Sébastien que não é facilmente dominável.
Foram para a sala. Caio sentou ao lado de Eric. Sébastien sentou numa poltrona e Thibaut noutro sofá.
- O senhor não tem nenhum sotaque. - observou Eric.
- Não precisa me chamar de senhor por mais que este tratamento seja o mais adequado. E sim, não tenho nenhum. Quando se tem a vida toda pela frente, você acaba aprendendo muitas coisas.
- Pretende ficar muitos dias?
- Agora que revi meu querido Sébastien, ficarei mais tempo do que o previsto.
- Veio sozinho? - indagou Sébastien.
- Por que a pergunta?
- Há outros cinco vampiros na cidade.
- O que? Cinco?
- Acaso não os conhece?
- O único vampiro que me acompanha é Sylvian. Não sei se lembra dele. Ele teria vindo comigo se vocês dois tivessem uma boa relação.
- De fato. - concordou o vampiro. - Não me agradaria vê-lo neste momento.
- Quem é Sylvian? - perguntou Eric.
- Ninguém importante. - respondeu Sébastien.
- Ora, não vai dizer a verdade? - disse Thibaut. - Sylvian é um grande amigo meu. Ele e Sébastien nunca se deram bem. Nunca ficou claro o por que.
- Não há nada a ser esclarecido. Nós apenas nos odiamos.
- Então... Falem-me sobre vocês. Quero saber mais a respeito dos últimos membros da família Beaumont.
Eric foi o único quem falou alguma coisa. Caio permaneceu calado enquanto o irmão era questionado pelo vampiro. Ambos, internamente, não sabiam como deveriam se portar diante de Thibaut. Parecia um homem confiável, e se Sébastien manifestava tanta felicidade ao revê-lo, por que duvidar? Assim que o convidado foi embora, puderam expressar suas primeiras impressões.
Os entregadores deixaram o caixão no hall da casa na manhã posterior. Sébastien, que estava na sala, veio em companhia de Caio, ao hall, e olhou para o caixão.
- É de madeira maciça. De carvalho. - informou Eric. - Gostou? Quando olhei para ele, lembrei de você. Combina com você, Sébastien.
- Achei bonito. Apesar de ser um caixão. - disse Caio.
Sébastien olhou para o objeto. De repente, sorriu.
- É. Está perfeito.
- Se você puder levar para seu quarto eu agradeceria muito. É muito pesado.
Sébastien não reclamou por ter que carregar aquele peso todo para o primeiro piso. Na verdade era uma ótima ocasião para demonstrar sua força aos meninos. Deixou o caixão ao lado de sua cama. Os irmãos observaram o vampiro de uma certa distância.
- Realmente o caixão era o detalhe que faltava, né?
- Eu ia dizer isso. - sorriu Caio, ao irmão. - Agora ele parece vampiro mesmo.
Sébastien levantou a tampa do caixão e enfiou-se dentro. Acomodou-se e depois fechou a tampa. Eric e Caio pararam ao lado.
- Como é aí dentro? - perguntou Eric.
- Não é desagradável. Na verdade é bastante agradável.
Caio e Eric olharam-se.
- Vai dormir aí dentro? Se eu soubesse que preferia caixão, nem teria comprado a cama.
- Engana-se. - disse o vampiro, abrindo a tampa. - Há coisas que só podem ser feitas numa cama. A menos que um dos dois queira ceder o seu leito para que tais coisas sejam feitas.
Ambos os irmãos coraram. Sébastien saiu do caixão. Depois observou seu interior.
- Acho que vou descansar agora. Não tenho tido boas noites de sono. Deixem-me sozinho.
Os irmãos saíram do quarto e Sébastien tornou a entrar no caixão. Este ficou das onze da manhã até as cinco da tarde dormindo. Demorou-se tanto para aparecer, que Caio até mesmo ficou preocupado. “Ele não morre, se esqueceu?”, lembrou-o Eric. Quando Sébastien apareceu na sala, reconheceu que fora um erro não ter pedido um caixão a mais tempo. Estava muito mais descansado. Sentia-se muito mais revigorado.
No dia seguinte, os irmãos sentaram no banco de balanço do jardim para aproveitar a manhã de sol. As árvores da propriedade estavam bem quietinhas porque não havia vento. Escutavam mais os pardais sobre as copas das árvores e o som dos carros na avenida. Caio agora deitara a cabeça no colo do irmão e recebeu carinhos no queixo.
- Você gosta do Sébastien, Caio?
A pergunta foi tão repentina que o menor sentiu um aperto no peito.
- Eu não sei.
- Não sabe? Tem certeza?
- Não sei o que sinto... - respondeu, olhando para o céu azul cheio de nuvens. - Gosto da companhia dele... Gosto quando ele está por perto...
- Não está apaixonado?
Caio sentou-se e olhou fixamente para o irmão.
- E você? Ele também te beijou. O que sentiu?
- Isso não vem ao caso. Quero saber o que você sente.
Calou-se.
- Eu não sei.
- Sentiria falta se ele não estivesse mais aqui? Gostaria que ele te beijasse outras vezes? Como seu coração reage quando ele está perto?
- O que quer que eu responda? - indagou, nervoso.
- A verdade.
- Talvez... Eu esteja...
Eric sorriu.
- Mesmo?
- E você?
Estava claro que ambos não queriam dizer a verdade. Caio percebeu que o irmão não foi sincero e isto o motivou a procurar Sébastien durante a tarde, quando Eric saiu para se encontrar com Cléber. Entrou no escritório onde o vampiro estava, desde a manhã, a estudar.
- Podemos conversar?
Sébastien levantou o olhar para o garoto e sorriu:
- Não precisa me pedir nada.
Caio aproximou-se de sua mesa.
- Você gosta do meu irmão?
- Hm? O que?
- Você gosta do meu irmão? Se gosta, fica com ele. Ele também gosta de você.
O vampiro franziu a testa.
- O que está pedindo? Que eu fique com seu irmão? É isto mesmo?
- Sim. Você o beijou, não beijou?
- E?
- Quer dizer que gosta dele. Então... É só ficar com ele.
Sébastien largou a caneta e o livro sobre a mesa.
- Eu também te beijei. Então quer dizer que eu gosto de você também, não é?
Caio enrubesceu.
- Mas você o beijou primeiro. Ele gosta de você, já deixou claro para mim. Eu sei.
- Não ficarei com Eric porque está me pedindo.
- Por que não?
- Não é assim que se resolvem as coisas. Não escolherei ninguém.
- Mas...
- Eu entendo o que está fazendo. Não sou idiota. Agora... Pode me deixar sozinho?
Caio bem que quis insistir um pouco mais, mas o olhar do vampiro dizia que ele não estava com paciência para ouvir. Como Caio sentia-se bem melhor, voltou para a escola. Quando Eric ficou sozinho em casa com Sébastien, foi atrás do vampiro. Este estava sentado numa poltrona da segunda sala, a ler um livro. Eric parou em frente a ele. Sébastien ergueu os olhos para o rapaz.
- Que foi?
- Acredito que você sinta alguma coisa pelo meu irmão.
- Seja mais claro.
- Mais claro? Sabe do que estou falando. Você o beijou. Sente algo por ele, não sente?
Sébastien suspirou. Fechou o livro. Encarou o rapaz.
- O que você quer?
- Se gosta do Caio, quero que me diga. Ele é muito sensível. Se gosta dele, fique com ele e não o faça sofrer. Se não gosta, fale de uma vez e pare com seus joguinhos.
- Joguinhos?
- Caio se apaixonou por você. Com certeza se apaixonou muito antes de ser beijado. É o que eu acho. Por favor, seja sincero com ele. Não o use como...
- Como?
Sébastien levantou-se.
- Não o use como o que?
- Ele não é tão forte, Sébastien. Ele gostou de você de verdade.
- Do que tem medo? Sugere que eu tenha intenções de usá-lo? É isso? Há tempos que não encosto um dedo nele ou em você. Eu tenho me comportado como disse que faria. Isso não o satisfaz? Vou dizer a mesma coisa que disse a ele: não escolhi e não escolherei ninguém. Os dois já me pressionam demais. Acha que é fácil vê-los todos os dias?
- Ah! Você pediu que viéssemos. Se quiser, vamos embora.
- Não, espere.
Após ponderar por um momento:
- Os dois estão apaixonados por mim...
- Eu não disse que estava.
- Caio disse.
- Quando ele disse?
- Veio me procurar com o mesmo propósito que você.
- Que?? Não acredito! Não acredito que fez isso! O que tinha na cabeça?
- O mesmo que você. Está claro. Ele me empurra para você e você me empurra para ele... Como se tivessem o poder para me fazer escolher...
- Eu não posso te fazer escolher?
- Não, não pode. Há uma razão mais forte para eu ter me afastado tanto... Os dois me martirizam muito. Mais do que achei que me machucariam. Você é o pior. De alguma forma, sinto que você está mais distante de mim do que ele.
- Como assim?
- Aquele cavalheiro que vem a esta casa com tanta insistência... A propósito, deixa ver suas mãos.
- Para que?
- Mostre suas mãos.
Eric estendeu as mãos para Sébastien. Ele olhou para ambas.
- Não aceitou o anel?
- Não. - respondeu, após passar a surpresa por ver que o vampiro sabia do anel.
- O que isso significa?
- Significa que nossa relação não ficará tão séria... Por enquanto... E então? Não ficará com o Caio?
- Já lhe respondi.
- O que se passa com você? Por que não diz? O que está sentindo?
- Quer saber o que estou sentindo? Você quer saber?
- Quero.
- Estou explodindo! - respondeu, mais exaltado. - Vejo-os andando por aí sem poder fazer nada! Mas queria fazer. Queria fazer muito. Queria matar seu amigo e não permitir que nenhum homem entre nesta casa! É isso o que quero, que os dois sejam meus! MEUS! Mas não posso fazer nada! Não posso segui-los como um louco que sou. É isto o que sou. Estou louco. Estou perdido! E dói demais! Essa dor me sufoca, não me deixa dormir. Não me deixa descansar. Por isso odeio aos dois! Eu os odeio! Estão acabando comigo! E agora descubro que também sentem o mesmo por mim, mas nenhum dos dois me quer. Por respeito aos dois, não faço nada, mas eu queria fazer... Queria trancá-los nesta casa e não deixá-los sair. Nunca. Nunca mais! NUNCA! ESTÁ SATISFEITO?
Sébastien arremessou o livro contra a parede, assustando Eric. O vampiro saiu da sala, transtornado. Foi derrubando objetos pelo caminho. Não se falaram mais. Sébastien entrou em seu quarto e ficou por lá. Um pouco antes das onze da noite, Eric saiu de casa para buscar o irmão na escola. Estacionou o carro em frente do colégio e esperou. Caio entrou no carro.
- Alguma novidade?
- Não.
Eric mencionou a conversa que teve com Sébastien.
- Então... Nenhum de nós ficará com ele. - resolveu Caio. - Ele mesmo disse que não escolherá ninguém. Então não vamos ficar com ele. Está combinado? Não está melhor assim?
- De verdade? Então combinado.
- Seremos amigos. Só amigos.
- Tudo bem.
Deram-se as mãos, para firmar o acordo.
- É até bom que isso tenha se resolvido. - disse Caio, ajeitando a mochila sobre o colo. - Eu não sabia o que fazer.
- Caio... Você gosta dele.
- Você também gosta. - retrucou, firmemente. - Da mesma forma que você quer me ver feliz, eu também quero te ver feliz. Não vou ficar com um cara que eu sei que meu irmão gosta. Não é certo. Acha que ia me sentir feliz vendo você infeliz? O Sébastien é... Eu não sei como descrevê-lo.
O carro parou no sinal vermelho. Naquele momento, Eric quebrou o silêncio com um riso:
- Não achei que esse dia chegaria. O dia em que eu iria gostar do mesmo cara que meu irmão.
Caio sorriu.
- Esse dia ainda não chegou. Sébastien não é um cara. É um vampiro. É diferente.
Riram.
- Ah, meu Deus! - exclamou Eric, ainda rindo.
A casa estava quieta quando chegaram. Foram direto para o quarto e dormiram. De manhã, nem sinal do vampiro. Eric trouxe a bolsa de sangue e Sébastien não desceu para apanhá-la. Os irmãos aproveitaram o silêncio da casa para fazer novos planejamentos. Um deles incluía uma piscina no jardim. Pensaram muito a respeito. O jardim era espaçoso e podia muito bem comportar uma piscina de proporções modestas. Saíram para pesquisar preços e ver qual “modelo” era o mais interessante. Voltando para casa, comeram um bolo recheado e vadiaram o resto da tarde.
Sébastien saiu do caixão às quatro horas e vinte e três minutos da tarde. Deu-se com Caio no corredor, assim que saiu do quarto. O jovenzinho deu-lhe um sorriso e entrou em seu quarto. Sébastien desceu a escada e caminhou até a cozinha. Avistou a bolsa de sangue sobre a mesa. Bebeu todo o sangue. Depois, deu-se com Eric no hall.
- Bom dia, dorminhoco. Ou melhor, boa tarde.
Sébastien não respondeu.
- Está de mal humor?
Sébastien ficou calado. Eric subiu a escada e desapareceu.
Três dias mais tarde, Sébastien notou uma movimentação estranha na propriedade. Vários homens começaram a escavar o terreno a poucos metros da casa. O vampiro procurou pelos meninos para saber o que estava acontecendo.
- Vão fazer a piscina. - respondeu Caio.
- Piscina?
- É. O Eric e eu tínhamos pensado em comprar uma, mas depois decidimos fazer uma piscina de azulejo.
O vampiro aproveitou que a luz do sol não batia na janela para espiar os homens indo e vindo no jardim. Durante as semanas de construção da piscina, tanto Thibaut quanto Cléber apareceram na casa. Na maioria das vezes Thibaut e Sébastien conversavam no escritório, e recordavam os velhos tempos. Com relação a Cléber, este passava a tarde e ia embora às vezes depois de jantar com Eric. Nestes dias transcorridos, não houve mais menção de ataques na cidade, e Caio passou a receber flores e presentes quase todos os dias. Não sabia quem lhe enviava, pois não havia nomes nos cartões que recebia.
- Que inveja! - brincou Eric, quando viu o irmão com mais um buquê de flores. - Ele, seja lá quem for, tem bom gosto. Está saindo com alguém e não me contou?
- Não, não saio com ninguém.
- Não seria o Marcos?
- Ele não tem emprego para me dar essas coisas caras.
- Meu Deus! Então quem é esse cara?
Sébastien tinha uma suspeita. Quando Thibaut apareceu novamente, sempre muito sorridente e cordial, fecharam-se no escritório para um colóquio.
- Caio tem apreciado muito os presentes. - comentou Sébastien, de frente para a janela.
A lua estava alta no céu.
- Que bom. - disse Thibaut, sentado numa cadeira de frente para a mesa. - Tudo o que um apaixonado quer é agradar. Você já desconfiava de mim, não é?
- Claro.
- Caio é um garoto admirável. Não conversamos muito, mas posso julgá-lo bem apenas observando seu modo de se portar.
- O que deseja dele?
- Ora, Sébastien, que pergunta mais estúpida. Quero tudo. Quero-o todo para mim. Estou encantado.
- O último menino por quem se encantou foi amarrado à cama e abusado de diversas maneiras.
Thibaut riu:
- Você participou e o menino fez de boa vontade. Ele gostou e repetimos muitas vezes. Lembra-se? Foi naquele porão... Parecia um animalzinho. Era seu escravo mais bonito. E o mais inteligente. Divertia-me muito. O que quero de Caio é sua companhia e seu coração, se ele estiver disposto a me dar. A propósito, o que desejava que eu tivesse respondido com essa citação?
- Eu o conheço, Thibaut. Não quero que faça mal ao menino.
- Você conhecia o Thibaut daquela época. Hoje sou outra pessoa. E ao que me parece, você também é. Nós mudamos. Isso não é bom? Você era como eu. Já provou de tudo um pouco. Cometemos muitos pecados. Fizemos mal a muitas pessoas. Aprendi o certo e o errado a duras penas. Deixe-me cortejá-lo. Não quero fazer-lhe mal.
Sébastien observou-o fixamente. Thibaut, percebendo sua expressão de inquietação, levantou-se da cadeira e foi até ele. Tocou-lhe no rosto e fitou-o nos olhos.
- Meu querido Sébastien... - correu os olhos pelo rosto do vampiro. - Você sempre será meu primeiro amor.
Quando Sébastien sorriu de lado, manifestando incredulidade, Thibaut replicou:
- Falo a verdade. Eu o amei de verdade e não nego ter expressado este sentimento da maneira errada. Escute-me. Acredita em mim?
- Fique longe do menino.
- Não posso.
- Fique longe.
Thibaut soltou seu rosto.
- Está interessado nele, é isso? Não, isso não está certo. Não o quero como meu rival. Não a você.
- Então fique longe dele.
Thibaut caminhou pelo escritório, pensativo.
- Creio que nenhum dos dois mudará de ideia. Então não há nada a ser feito. Se em algum momento tivermos de nos enfrentar, nos enfrentaremos.
O vampiro pegou na mão direita de Sébastien e beijou-a amavelmente.
- Tenha uma boa noite de sono, meu querido.
Abriu a porta e saiu do escritório. Sébastien voltou sua atenção à janela. Nunca sentiu tanta aflição em sua vida.
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