O refeitório estava cheio. Enquanto alguns preferiam comer em silencio, outros, discutiam sobre as excursões ou sobre a próxima colheita. Mas não Jeb.

Ele estava sentando em uma mesa no canto do refeitório; nas cadeiras ao lado dele, Jared, Melanie e Jamie o ouviam atentamente, como se o que quer que ele estivesse dizendo, fosse a coisa mais importante do universo. 

Ian apertou minha mão e me puxou para mais perto. Algumas pessoas que ali se encontravam, olhavam rapidamente para mim, talvez mais surpresos do que eu pelo procedimento ter dado certo. Mas os olhares não eram mais acusativos, era como se eles já tivessem começado a se adaptar com a minha presença, assim como eu estava me adaptando com a deles.

Melanie nos encontrou com os olhos e acenou com uma das mãos, nos chamando para fazer companhia á eles. Quando nos aproximamos e eu finalmente me sentei, novamente, Jamie deu a volta na mesa e passou os braços pela parte de trás do meu pescoço, depositando um beijo em minha bochecha, me fazendo rir com o ato. Eu o amava como um irmão, exatamente como amava Melanie. Porque pela primeira vez eu senti que poderia ter uma família.

- Fico feliz que tenha acordado tão rápido, Peg. - Jamie manteve sua voz entusiasmada, ainda pendurado em minhas costas. 

- Desse jeito vou perder meu irmão. - Melanie fez uma cara dramática enquanto se segurava para não rir. 

Ian deu continuação á cena dramática, fazendo uma careta enquanto falava com uma voz quase chorosa.

- E eu minha namorada.

Jared deixou uma gargalhada escapar de sua garganta, acabando totalmente com o momento "drama" dos dois. Fazendo com que Jeb e eu o acompanhasse. Jamie se contentou em dar mais um beijo em meu rosto e sair rindo enquanto se sentava novamente ao lado de Melanie.

Jeb esperou que as gargalhadas parassem e começou a falar apenas para nós presentes na mesa. O que me surpreendeu, eu havia pensando que seria uma reunião que envolveria todos.

- Jared veio me informar da excursão que vocês estão pensando em fazer. - Ele olhou de mim para Ian e de Ian para Melanie, demorando em Jamie. - Não você garoto. 

Jamie suspirou. Jeb com toda a certeza não o deixaria sair em mais uma excursão tão cedo! Melanie deu continuidade ao assunto.

- Vamos ser rápidos, Tio Jeb. - Começou ela. - Precisamos de mais algumas coisas.

Jeb olhou para mim antes de responder a sobrinha, me deixando nervosa para saber o que ele estava planejando.

- E porque Peg tem que ir? - Perguntou. - Ela acabou de acordar e o mundo lá fora não é mais tão seguro.

"Não é mais tão seguro"? O que eu tinha perdido? Quanto tempo fiquei apagada?

- Ela é necessária, Jeb. - Respondeu Jared. - Ela pode entrar nos lugares sem ser notada. Porque ela ainda é um deles.

Senti a mão de Ian enrijecer sobre a minha. Olhei para Melanie em um pedido mudo de socorro, porque se eu bem lembrava, sabia muito bem o que viria em seguida. Mas antes que Mel pudesse falar algo para acalmar os ânimos, Ian se precipitou encarando Jared de uma forma que não me parecia nada boa.

- Ela não é mais um deles. - Sua voz era calma, ao contrário de sua expressão. - Peregrina não é um objeto. Pensei que já tínhamos conversado sobre isso, Jared.

- Ian... - Murmurei, apertando sua mão na minha, numa tentativa falha de atrair sua atenção para mim. Mas Jared também não facilitava! Parecia que estava feliz em entrar em mais uma discussão.

- E já conversamos. Mas no fundo você também sabe que ela é... necessária. 

Isso bastou para que Ian se retirasse da mesa pisando pesado no chão, deixando o refeitório. Olhei para Jeb e depois para Mel, na esperança que algum deles me dessem uma pequena ajuda com tudo isso. 

- Não vou me meter nisso, Peg. Me desculpe, mas isso é um problema que vocês quatro tem que resolver. - Ele apontou para mim, Jared e Mel, antes de continuar. - Eu e o garoto estamos de fora.

- Isso não foi gentil, Jared. - Melanie lhe chamou a atenção. 

- Você defende ele agora? 

- Não. Eu defendo a Peg. Não foi gentil com ela.

A resposta de Melanie parecia ter trazido Jared de volta á realidade. Ele suspirou passando as mãos no cabelo, antes de olhar para mim e dizer.

- A Mel está certa. - Mais um suspiro. - Me desculpe, Peg.

Deixei que meus olhos encontrassem o de Mel rapidamente e em seguida sorri para Jared.

- Tudo bem, você tem razão. - Me levantei e apontei para a porta. - Acho melhor eu ir atrás dele.

Eles assentiram e aquela foi a minha deixa para sair do refeitório que ao contrário dos dias comuns tinha um ar mais tenso do que eu pensei que poderia ter.

Encontrei Ian em sua caverna. Suas costas estavam encostadas na parede de barro e seus olhos perdidos em algum lugar longe dali. Me aproximei dele, sentando-me ao seu lado, tentando não fazer movimentos bruscos, sabendo bem como ele ficava quando estava nervoso.

- Ian... - Comecei, deixando que minha voz saísse como um sussurro, desaparecendo no ar em seguida. - Não precisamos ir na excursão...

- Você quer ir, Peg. - Respondeu, rangendo os dentes. - Não vou te impedir de fazer as coisas. Céus, é a última coisa que eu quero fazer! Só me resta acompanhá-la.

Soltei um suspiro, tocando sua mão com os meus dedos.

- É para um bem maior. Isso vai acabar logo.

Eu não tinha certeza se ia acabar logo. Eu nem sabia se algum dia ia realmente acabar! Mas eu não queria brigar com Ian depois de tudo que passamos para ficarmos juntos, essa era a última coisa que eu queria fazer. Por isso, a única coisa que eu poderia fazer, era tentar lhe passar o máximo de segurança que eu pudesse, como se eu estivesse confortável com tudo isso. Mas a verdade era que eu estava tão incomodada e com tanto medo quanto ele. Eu não temia por mim. Temia por Ian. Temia por Mel e por Jared. Aceitar ir lá para fora, com eles, era arriscado demais. Se um Buscador aparecesse estaria tudo perdido. Tudo pelo o que lutamos iria por água a baixo.

Ian sentiu meu medo, sentiu meu esforço em tentar ver as coisas de um jeito positivo e soube que era o que nos restava. Seus dedos circularam os meus e ele os levou para perto de seus lábios depositando um beijo ali. Meu coração falhou mais uma batida. Exatamente como tinha feito mais cedo naquela manhã.

 - O que você não pede sorrindo que eu não faço chorando. - Ele riu. Um riso baixo e leve, como se ele estivesse tentando se convencer de que talvez eu tivesse razão. O acompanhei, encostando minha cabeça em seu ombro, sentindo o quão próximo ele estava de mim. Internamente. Como se Ian fosse parte de mim há mais tempo do que eu pensei que era. Como se cada célula dele também fosse minha.

- Vai dar tudo certo. - Comecei. - Você precisa confiar um pouco em mim.

- Eu confio em você, Peg. Confio minha vida á você. - Respondeu sem tomar ar, depressa, para me convencer que suas palavras eram verdadeiras. - Não confio neles.

- Nas outras almas?

- Não. - Ele negou com a cabeça. - Nos Buscadores.

- Eles são como eu, Ian. Só estavam fazendo seu trabalho. - Assegurei. Mas depois de tudo o que aconteceu com a minha Buscadora, eu não tinha mais tanta certeza disso. 

Ele me ignorou. Sua voz era grave, e suas mãos estavam geladas, coisa que não acontecia com frequência. Ele estava temendo por mim, e não por ele. Mas eu não tinha medo por mim, as almas nunca fariam nada para me machucar, eu tinha medo do que poderiam fazer a ele.

- Se elas virem você conosco... - Ian suspirou. Por um instante pensei que deixaria suas palavras soltas ao vento e por isso me surpreendi quando ele retomou a conversa. - Quero que diga que nós a mantemos prisioneira.

Meu peito doeu e mais uma vez naquela manhã me coração perdeu uma batida. Mas não era de alegria. Eu mal podia acreditar que Ian acabara de dizer aquilo. Se algo desse errado, e eu disse aos Buscadores que os humanos estavam me fazendo de prisioneira, só Deus sabe o que poderia acontecer com eles. Eu preferia a morte a ver meus amigos se machucando. Se eu os fazia correr mais riscos do que o normal, talvez eu não devesse ter sido salva.