Capítulo 12 — Uma música

Pov’s Lucy

Eu olhava para mim mesma no espelho com certo desconforto. Por mais que fosse de uma família rica e que estava frequentemente em eventos que requeriam roupas de gala, nunca me sentira bem com vestidos... simplesmente não era algo que apreciasse. Geralmente eu me arrumava mas ninguém comentava nada, quer eu estivesse bonita ou não, mas isso nunca me importou. Impressionantemente, dessa vez eu QUERIA ser notada, QUERIA que um certo alguém olhasse para mim e ficasse maravilhado, vidrado na visão de meus cabelos loiros soltos em mechas, meu corpo perfeitamente delineado, meus olhos castanhos cativantes. Seria isso pedir demais?

Olhei para o relógio em minha escrivaninha e arregalei meus olhos. Nove horas. Estava uma hora atrasada. Estranhei o modo como me atrasei, pois não sou muito de demora, deve ser por causa da minha preocupação com cada mínimo detalhe seja do meu cabelo ou maquiagem. Queria que tudo estivesse perfeito, deslumbrante, para que quando ele, Natsu, me visse tirasse os olhos e as mãos daquela azulada intrometida. Peguei minha bolsa em cima de minha cama e me apressei escada abaixo.

Chegando ao andar inferior, pude avistar meu pai e Gray conversando. Os dois pareciam estar se divertindo. Mas o que??? Meu pai fazia uma expressão de contentamento que nunca expressara para mim, e isso me quebrou por dentro. Por que ele parecia mais alegre na companhia de um rapaz que acabara de conhecer do que na de sua própria filha? Além do fato que nós nem mesmo uma vez em toda a minha vida tivemos um diálogo maior do que “Não se esqueça da confraternização dos acionistas amanhã”, “NEM ISSO VOCÊ FAZ DIREITO, SUA GAROTA INÚTIL” e “Sim, papai”. Resolvi deixar isso de lado, então os dois finalmente perceberam a presença da minha ilustre pessoa naquele recinto. Estava parado no pé da escada e Gray veio até mim com uma cara de encantado como uma criança que ganhara um brinquedo novo. Segurou uma de minhas mãos e se afastou um pouco para me olhar melhor.

— Senhorita Heartfilia, devo lhe dizer que é uma honra para mim acompanhar uma dama tão linda e delicada como a que seguro as mãos nesse momento – disse todo pomposo e meu velho sorriu abertamente. Deve ser por isso que meu pai tinha gostado dele. Nos breves momentos que realmente discutimos algo ficara bem claro que o velho Jude queria que eu me casasse com alguém decente que pudesse tomar conta de sua menina dos olhos. Não, não sou eu de quem estou falando... é da empresa de meu pai a qual me refiro.

— A honra é minha, senhor Fullbuster. Tenho certeza que fará um par além de minhas expectativas – disse entrando na brincadeira.

O moreno me ofereceu o braço e, após uma leve despedida de meu pai, me conduziu até seu carro, que estava logo na frente da mansão Heartfilia, e abriu a porta para mim. Durante todo o trajeto Gray insistia em puxar assunto e eu respondia animadamente no intuito de não estragar a felicidade do moreno e também tentar descontrair um pouco, pois estava deveras nervosa para ver o rosado todo lindo e gostoso naquele terno. Olhei para o relógio no rádio do carro somente para constatar que apenas sete minutos haviam se passado e então chegarmos ao colégio, onde o baile já estava acontecendo.

Antes que pudesse ao menos pensar em abrir a porta do carro e descer, Gray a abriu para me dar passagem. Que cavalheiro. Me estendeu o braço novamente e juntos fomos caminhando para dentro do prédio. Logo estávamos na frente das portas que davam acesso ao local exato onde a festividade estaria rolando com música e muita bebida. Já fora avisada sobre o exagero de álcool que serviam aos alunos em festas assim. Sim, é um absurdo dar bebida alcoólica a estudantes, mas quem liga, certo?

Quando adentramos o recinto, procurei avidamente com os olhos uma cabeleira rosa rebelde mas não avistei nada nas mesas, então olhei para a pista de dança. Era possível ver uma Erza bêbada se movendo sedutoramente colada ao corpo de Jellal enquanto o azulado fazia cara de quem estava com a cueca apertada... sinceramente...em meus pensamentos nunca se passara a possibilidade de ver nossa representante de classe em uma situação tão lamentável. Via a baixinha azulada, Levy, aos beijos com o moreno brutamontes, Gajeel. As mãos bobas do rapaz realmente não conheciam limites e achei a cena deveras engraçada, pois ela se esforçava para ficar na ponta dos pés enquanto ele se curvava inteiro para que alcançassem a boca um do outro. Foi só então que meus olhos se direcionaram ao centro da pista, onde vi meu rosado grudado a Juvia, que claramente estava alegre demais por ter bebido além da conta. Natsu expressava pouco, mas o suficiente para que eu notasse seu desânimo e seriedade. Parecia que não queria estar ali. Assim como seu sorriso e seu calor são contagiantes, assim também são sua tristeza e seu sofrimento. Por mais que em minha face fosse visível um sorriso, este não era genuíno, uma vez que tudo que eu queria fazer naquele momento era arrancar aquela azulada dos braços do MEU homem e fazê-lo dançar comigo até que meus pés não aguentassem mais, ou, se isso não fosse possível, simplesmente ir para um canto qualquer e me isolar do mundo. Pena que nenhuma dessas opções estivesse disponível para mim neste momento.

(Minna...quem quiser pode acompanhar a leitura com essa música: http://www.youtube.com/watch?v=wdGZBRAwW74)

Uma música mais lenta e calma começou a tocar e Gray me puxou para a pista sem ao menos me perguntar se eu queria dançar, não que eu fosse negar, eu até queria me mexer um pouco, entretanto não era exatamente com ele que eu queria estar naquele momento. Me deixei levar mesmo assim.

“Comparações são facilmente feitas

Uma vez que você tem o sabor da perfeição

Como uma maçã pendurada em uma árvore

Eu escolhi a mais madura

Eu ainda tenho a semente”

Nos movíamos em um ritmo desacelerado para acompanhar a melodia. Gray guiava e parecia mais que satisfeito com isso. Pelo menos alguém estava realmente feliz ali...

— Sabe, loira... eu nunca imaginei que um dia apreciaria o baile de boas-vindas. Acho que hoje isso está acontecendo porque tenho a garota mais linda que já vi em meus braços. Obrigado por me conceder esse privilégio – as palavras que o moreno dizia baixo no meu ouvido eram bonitas. Corei, mas o sorriso que tinha em meu rosto era falso.

“Você disse "siga em frente"

Pra onde vou?

Acho que o ‘segundo melhor’

É tudo que eu saberei”

Olhei para a minha esquerda e fiquei paralisada com a cena diante de meus olhos. Natsu beijava a testa de Juvia, que parecia gostar muito daquilo. Tanto eu quanto Gray tiramos um momento para analisar o que acabara de passar por nossos olhos. Não gostei nada de ver essa atuação, parecera um ato deveras carinhoso e íntimo entre um casal que se amava muito. O safado sabia que estávamos olhando-os de soslaio. Talvez fosse mesmo verdade toda aquela história de que o moreno ama, ou amava, a azulada, pois, assim como eu, o mundo dele pareceu ter caído. Para quem estava observando a cena pode até ter parecido que ele somente ficara surpreso, mas para mim, que estava colada ao seu corpo, foi possível sentir seu corpo tremer numa forma de demonstrar seu abalo. Me recompus e cheguei bem perto do meu par, muito perto dele.

“Porque quando eu estou com ele

Eu estou pensando em você

Pensando em você

O que você faria se

Você fosse aquele

Que estava passando a noite

Oh! Queria que eu

Estivesse olhando dentro dos seus olhos”

— Me espera por um momento? Eu vou pegar algo para beber e já volto – disse a ele. Então lhe dei um beijo suave nos lábios no intuito de causar ciúmes no rosado e na azulada, mas aparentemente não viram isso. Droga.

Me afastei de Gray e, em passos largos, me direcionei ao garçom mais próximo. Ele tinha em sua bandeja uma bebida que parecia tão alcoólica ao ponto de deixar até mesmo Cana e Bacchus bêbados. Era isso mesmo que queria. Peguei um dos vários copos e me virei para voltar ao moreno.

Chegando lá, onde Gray esperava pacientemente pelo meu retorno, ainda com o copo de plástico na mão voltamos a dançar, desta vez com minha cabeça apoiada em seu peito e seus braços enlaçando minha cintura de modo a deixar-nos ainda mais próximos.

“Você é como um verão indiano

No meio do inverno

Como um doce duro

Com uma surpresa no centro

Como eu fico melhor

Uma vez que já tive do melhor?

Você disse que há

Toneladas de peixes na água

Então as águas eu vou examinar”

Como era possível sentir tanta coisa em um só momento? Eu sentia raiva de meu pai, compaixão por Gray, ressentimento de Juvia e amor por Natsu tudo ao mesmo tempo e era difícil decidir qual expressar e como. Fechei os olhos para tentar organizar meus sentimentos, pois quando fechava os olhos tudo ficava escuro e era exatamente assim que eu me sentia agora. Não via a direção para a qual deveria ir e tudo estava confuso. Desde que chegara aqui minha vida tinha se resumido a dilemas tanto acadêmicos quanto amorosos e, céus, isso era desesperador. Sentia meu corpo relaxar cada vez mais.

“Ele beijou os meus lábios

Eu senti sua boca

Ele me puxou pra perto

Eu fiquei com nojo de mim mesma”

A letra da música descrevia como me sentia perfeitamente enquanto a melodia representava meu estado de espírito. Ainda com meus olhos fechados, imaginava os braços de Natsu, não os de Gray, me rodeando, minhas pernas em sintonia com as do rosado, minha cabeça apoiada em seu forte peitoral, meus braços em volta do seu tronco macio mas definido. Entretanto não era possível fingir que aquele perfume fosse dele. O que eu estava sentindo era muito bom, porém não era o aroma que o garoto das sakuras exalava. Este era doce demais e eu sabia que se inalasse demais enjoaria, diferente do másculo e amadeirado pelo qual já estava viciada. Não abria os olhos. Não abria os olhos para não ter de encarar a realidade de que Natsu era somente um sonho meu que talvez nunca se concretizasse, mesmo que nos amassemos.

“Porque quando eu estou com ele

Eu estou pensando em você

Pensando em você

O que você faria se

Você fosse aquele

Que estava gastando a noite

Ah, queria que eu

Estivese olhando dentro...”

Talvez estivesse bebendo demais. Quando terminava um copo rapidamente tratava de pegava outro e assim sucessivamente. Minha visão estava começando a ficar turva e meu corpo cada vez mais mole se apoiava em Gray para ficar em pé. Senti uma mão descer até minha bunda e outra subir até meus peitos. Garoto assanhado. Pensei em manda-lo cuidar onde tocava, porém resolvi deixar como estava. Não estava mais me importando se tinha um garoto se aproveitando de mim.

“Você é o melhor

E sim, eu me arrependo

Como eu pude me permitir

Deixar você ir

Agora a lição está aprendida

Eu toquei e fui queimada

Oh! Eu penso que você deveria saber”

Eu sou mesmo uma idiota por ter ficado quieta quando ouvi aquela conversa no armário do zelador. Naquela hora eu tive a oportunidade de interferir e então o rosado seria meu e só meu, mas a coragem me faltou e não fiz nada, eu era uma inválida naquele momento e me envergonho disso. Sempre fui ensinada a correr atrás do que desejo e ter um Natsu gostoso grudado em mim e brincando com o meu corpo era o que eu mais queria agora. Ri, não... gargalhei de minha própria estupidez. A bebida já passara a afetar não só minha visão, mas também meu comportamento, humor e discernimento. Peguei mais um copo a fim de realmente me perder no álcool e fazer aquele baile passar por meus olhos como um borrão. Não queria mesmo estar ali.

O meu olhar e o de Natsu se encontraram e já não estava mas nem aí. Sorri maliciosamente para ele pensando em todas as coisas que queria fazer com aquele corpo gostoso dele, que corou como se pudesse ler meus pensamentos.

“Porque quando eu estou com ele

Eu estou pensando em você

Pensando em você

O que você faria se

Você fosse aquele

Que estava gastando a noite

Ah! Eu queria que eu

Estivesse olhando dentro dos seus...”

Desejei, do mais íntimo do meu coração que alguém viesse me buscar e que me levasse para um lugar onde não haveriam problemas para resolver, dilemas para pensar, dificuldades para superar. Queria ser salva não da bebida, mas da indecisão. O que deveria fazer? Deveria desistir ou atacar com tudo que tenho? Deveria tomar as rédeas da minha vida ou deixar o acaso me levar? Deveria sentar no chão e chorar ou simplesmente continuar dançando como se não me importasse com o mundo e as pessoas que o habitam? Clamava silenciosamente pelo meu príncipe, clamava para que viesse me salvar.

Natsu, que estava sentado em uma mesa acompanhado de uma garota desacordada, se levantou.

“Seus olhos

Olhando dentro dos seus olhos

Olhando dentro dos seus olhos

Oh, você não vai vir

E arrombar a porta, e

Me levar embora?

Oh! Sem mais erros

Porque nos seus olhos eu gostaria de ficar

Ficar...”

O rosado se pôs a andar em nossa direção decididamente. Por mais que seus passos fossem largos a distância entre nós parecia diminuir vagarosamente. Quando finalmente ele chegou até nós, sem mais nem menos, me arrancou dos braços de Gray pela cintura como se estive retomando a posse do que já era seu. Paramos em um canto qualquer e ele somente me abraçou. Nenhum de nós se atrevia a se mover no intuito de absorver bem o que estava acontecendo. Com um braço abracei o rosado e com o outro virei o que restava no copo garganta abaixo.

A última coisa que me lembro de ter feito foi abraçar Natsu com todo o amor que tinha a oferecer.