POV- Sarah

Fechei os olhos e respirei fundo. Era só um simples papel, tentava acreditar. Bem no fundo, eu sabia que aquilo era real, sabia que minha vida já não era a mesma. Tudo isso que aconteceu desde que voltei a morar em Bristol é muito confuso, quer dizer, eu sempre fui confusa, entretanto nunca cheguei a ponto de ver sombras, receber livros sem remetente, ser perseguida por nuvens negras ou algo desse tipo. Sabe quando você vê alguém no meio da multidão e jura que conhece? Mas então, você olha direito e percebe que nunca viu a pessoa na vida? É exatamente como me sinto nesse momento. Não sei quem sou ou o quer sou.

Não conseguia ver a lua, já que as cortinas cinzentas estão fechadas. Levanto do chão e ando até a janela. Abro as cortinas e penduro-me no parapeito. Parecia que o mundo escurecia para mim, sabe o que isso quer dizer? Toda vez que alguém abre a janela, espera ver algo melhor do que o que ela está passando, algo que lhe faça sentir confortável. Talvez uma flor se abrindo, várias estrelas brilhantes, um formato diferente de nuvem ou quem sabe um pôr do sol. Eu não via isso, nunca vi. Era como se tudo estivesse contra mim, se esvaindo de minhas mãos, me fazendo ficar sem chão. Estou caindo.

Ouço passos no quarto e me viro para ver quem é. Nicholas estava colocando uma bandeja lotada de pães, biscoitos e suco na minha cabeceira. Ele terminou de pôr e olha em minha direção, está com uma cara de preocupação. Sinto pena dele, toda vez ele tenta me ajudar em vão, tenta entender o que há de errado comigo. Sinto calafrios, estou congelando, vou até a cama e sento. Puxo o cobertor e me encolho nele, faço sinal para Nic se juntar a mim. Ficamos um tempo agarrados lá, até que ele quebra o silêncio:

– O que está acontecendo com você, Sarah? Sempre que te vejo, está mal, desmaia e depois age como se nada tivesse acontecido. - Nicholas disse, me fitando com aqueles olhos verdes meigos.

Balancei a cabeça negativamente, dizendo não verbalmente que também não sabia e toquei em seu rosto macio, percorri a mão pela sua face, descendo até parar no queixo, depositei um beijo em sua bochecha e voltei para a posição inicial.

– Pare de me provocar ! - ele pediu rindo. - Não tente me fazer mudar de assunto, precisamos conversar sobre o que vamos fazer.

– Nic, eu não sei nada sobre isso! - eu disse pondo as mãos para cobrir os olhos. - Por favor...

– Não é possível, Sarah, pelo menos algo de estranho deve estar acontecendo e você não diz. - ele me puxou para seus braços e me envolveu firmemente em um abraço aquecido e seguro. - Eu preciso de você. Sempre. Quero que esteja por perto e feliz, mas você não parece feliz. - ele sussurrou aos meus ouvidos.

– Eu já pareci feliz ? - ri sarcástica.

– É claro! Você não sabe mas eu observo toda hora, suas ações, seu jeito... Você está confusa sobre si mesma. Confie em mim, pode me dizer tudo que está passando, seus sofrimentos são os meus. - ele disse colocando sua mão sobre a minha, me acalmando com aquele jeito amável.

Eu queria lhe dizer que era tudo pra mim, queria lhe dizer que se ainda não fugi era porque a vontade de estar com ele era maior, queria lhe dizer que não importava o tamanho do buraco desde que ele estivesse ali para me segurar, queria lhe dizer que não consigo dizer nada disso do que penso. Nada de agradável costuma sair da minha boca, agora não seria diferente, tinha que ser franca com a realidade, mas não necessariamente sincera com meus sentimentos.

– Ficar comigo é um risco, Nic. Não faço ideia do que há de errado comigo, mas sei que é perigoso, não quero te fazer nenhum mal, você precisa ir enquanto tem tempo e ele está se esgotando. - eu confesse evitando seu olhar, não queria ter dito isso, mas ele precisava saber, precisava saber que eu não era mais confiável e que tudo que conheceu em mim, talvez, não seja mais real.

– Então é um risco que quero correr, não importa que seja perigoso, contanto que eu tenha você.

Levantei da cama e pisei no chão frio da noite e quase que, instantaneamente senti vontade de voltar para o cobertor quentinho, mas fui até uma poltrona localizada ao fundo do quarto escuro e peguei o livro que escondi ali umas horas atrás, atrás de um porta-retrato vazio, me aproximei da cama e joguei o livro em cima dos pés descobertos de Nicholas.

– Eu recebi esse livro semana passada.- falei. - Tem algo estranho nele, abriu sozinho para mim! E mais algum tipo de profecia ou sei lá caiu dele e foi parar no meu joelho depois que terminei o capitulo que se abriu!

– O que?! - Nicholas berrou confuso e olhou para mim como se eu estivesse louca.

– Estou falando sério, não me olhe assim. - ajeitei a franja do cabelo e entrelacei minhas mãos. - Estou com medo e confusa. Acho que... - fui interrompida por Nic me abraçando por trás, seu toque em meus braços era suave, ele deslizou as mãos até as minhas e segurou firme.

– Não se preocupe, estou aqui. Sempre estive.

Concordei envergonhada e o arrastei até a cama (não, não é isso que estão pensando!), nos deitamos ali e Nicholas começou a acariciar meus cabelos negros, tentando permanecer acordado ou me fazer dormir, ele se aconchegou mais perto de mim e passou o braço direito pela minha cintura, está quente. Nós estávamos tão perto que conseguia ouvir a respiração dele, estava acelerada, como a minha, seus lábios avermelhados rosavam levemente meu rosto e estavam tão próximos que ele tomou a atitude sem pensar.

Quando me dei conta do que estava acontecendo, nossos lábios estavam colados, o toque de seus braços em meu corpo era mais forte e me trazia conforto, um conforto que não tinha há muito tempo. Por que fui me apaixonar por ele? O amor não tem explicações. Simplesmente sabia que o amava, sem ter que pensar.

Tudo que me tiraram um dia, ele trouxe de volta. Amor. Esperança. Felicidade. Nicholas conseguia, de algum modo, calar todo o ódio e sentimento reprimido que existia em mim, me fazia sentir viva, tão viva quanto nunca fui. Eu tinha sido ressuscitada de um pesadelo vazio, um pesadelo que me engolia e me impossibilitava de expressar sentimentos, de ser feliz. Aquilo tudo era estranho, Nicholas era minha luz, a luz que tanto busquei e a vida me recusou. Comecei a derramar lágrimas, minhas emoções estavam fortes, não conseguia controlá-las, na verdade, nunca consegui.

Nicholas parou de me beijar e me abraçou forte contra seu peito, me estabilizei, acabei me perdendo entre seu par de braços musculosos, ele domou a dor que eu sentia, as lágrimas diminuíram e o som repetido do coração de Nicholas me fez adormecer, sonhando em como seria tão perfeito se nós pudéssemos ficar juntos. Isso mesmo. Pudéssemos.