Suteki da Nee escrita por Yoruki Hiiragizawa


Capítulo 16
O Amor torna as pessoas solitárias...


Notas iniciais do capítulo

Música do capítulo: "Yakusoku wa iranai", abertura de Escaflowne interpretada por Maaya Sakamoto.



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SUTEKI DA NEE
por Yoruki Hiiragizawa

Capítulo Dezesseis
O Amor torna as pessoas solitárias...

Sakura viu Shaoran se aproximar lentamente, envolvendo-a suavemente pela cintura. Os olhos castanhos, fixos nos seus, transmitiam tudo aquilo que ela sempre esperou. Sentiu o toque suave das mãos fortes em seu rosto e o calor da respiração dele em seus lábios, que agora eram alvo de um olhar maravilhado.

Seu corpo tremeu de ansiedade e emoção enquanto o abraçava fortemente, não querendo nunca mais sair dali. Fechou os olhos ao vê-lo se aproximar. E então... Tudo desapareceu.

Não havia mais o calor do corpo de Shaoran, o toque em seu rosto, o roçar da respiração em seus lábios. Tudo se extinguiu, transformando-se em um grande vazio.

Ela piscou levemente, encarando o teto com o olhar vago, ainda procurando por algum vestígio que mostrasse não ter fantasiado tudo aquilo. Sentiu a cabeça leve e o corpo dolorido. Respirou profundamente, pressionando a têmpora antes de se sentar na cama, sendo obrigada a fechar os olhos com força, quando o quarto ao seu redor começou a girar. Permaneceu sentada por vários minutos, suando frio e controlando a respiração. Quando o quarto parou de rodar, tentou colocar-se de pé, mas teve que se segurar com força na cabeceira da cama para não cair, pois, por um instante, suas pernas pareceram incapazes de sustentá-la.

Ela não saberia dizer se seu mal-estar se devia à febre que ainda não a havia abandonado ou à delicada situação em que se encontrava emocionalmente, reforçada pela lembrança do sonho que tivera.

Com um pouco de esforço, conseguiu manter-se de pé e, de maneira tão súbita como apareceu, a fraqueza foi embora e a tontura diminuiu, tornando-se apenas uma leve dor de cabeça. Lentamente, arrastou-se para fora do quarto e desceu as escadas, entrando na cozinha para preparar seu desjejum.

“Bom dia, Sakura...” – a jovem deu um sobressalto com a voz e só então notou que Kaho estava em frente ao fogão, preparando algumas panquecas.

“Bom dia...” – respondeu um tanto confusa.

“Touya me pediu para passar aqui e ver como você estava antes de ir trabalhar...” – explicou, lendo a pergunta na face da futura cunhada. – “Está melhor?” – indagou, vendo Sakura sentar-se à mesa.

“Estou um pouco melhor, mas acho que ainda tenho febre...” – respondeu, observando a mulher desligar o fogo e aproximar-se para tocar sua fronte.

“Ainda está um pouco quente, sim...” – disse exibindo um sorriso sereno. – “Nada que um pouco mais de descanso não resolva, isto é, depois que comer alguma coisa...” – adicionou, colocando um prato com duas panquecas na frente da garota.

“Não estou com fome...” – Sakura começou, notando que Kaho erguia uma sobrancelha. – “Mas vou tentar comer...” – tranqüilizou-a.

“Ótimo!” – riu levemente, olhando no relógio. – “Eu tenho que ir, mas vou deixar uma xícara de leite quente e mel e o antitérmico na sua mesa de cabeceira, está bem? Assim você pode tomá-los antes de se deitar novamente...” – deu um beijo na testa de Sakura e se retirou da cozinha carregando uma bandeja.

Sakura sorriu levemente, cortando um pedaço da massa doce e levando à boca. Adorava as panquecas que Kaho fazia e achou muita consideração dela ter se preocupado em prepará-las.

Alguns instantes depois, a mulher parou na porta da cozinha para dizer que já estava de saída e saber se ela precisava de alguma coisa.

“Ahm... você pode pedir à Tomoyo para passar aqui mais tarde?” – perguntou, vendo-a franzir levemente as sobrancelhas. – “Pra eu pegar o conteúdo das aulas de hoje...” – explicou. Kaho assentiu suavemente, antes de partir.

Após o som da porta da frente se fechando, a casa mergulhou em silêncio e Sakura viu-se envolta por um manto de solidão, reconfortante num primeiro momento, mas que logo se tornou sufocante. Havia comido apenas metade de uma das panquecas do prato, mas sabia que não conseguiria engolir mais nada, então guardou o resto para comer mais tarde, antes de voltar para o seu quarto, deitando-se, encolhida, debaixo das cobertas.

Apesar de estar cansada, não queria voltar a dormir tão cedo: fragmentos do sonho, que normalmente teria sido agradável, ainda rondavam sua memória e se tornavam pequenas fontes de agonia, principalmente ao se lembrar do resultado de sua conversa com Shaoran dois dias atrás.

Claro que, quando ele dissera ainda na lanchonete que precisavam conversar, havia previsto o assunto que o rapaz abordaria; sabia que teriam de discutir a situação estranha em que estiveram durante a semana, mas não tinha ideia de como tudo terminaria. E terminar, no caso, era um termo terrivelmente adequado à situação, já que foi exatamente o que aconteceu...

Todos os seus sonhos, tão cuidadosamente nutridos, abortados sem que tivessem a chance de se concretizar; como ela o odiou por ter determinado, sozinho, o futuro que o relacionamento deles teria. E como odiou a si mesma por ter aceitado, de cabeça baixa, sem lutar, enquanto ele dizia que as coisas deveriam voltar a ser como antes.

‘Como se isso fosse possível...’, pensou irônica, imaginando o que Shaoran esperava que acontecesse com eles a partir de agora. ‘Será que ele realmente acredita que, depois de termos nos beijado, conseguiremos voltar a nos enxergar apenas como amigos?’.

Além disso, durante o final de semana, enquanto era atormentada por pensamentos sobre o resultado de toda a aventura que estivera vivendo nas últimas semanas, uma certeza aterradora se revelou diante de seus olhos: se já não estivesse apaixonada pelo chinês antes de tudo, sem dúvidas, ficaria, como conseqüência...

‘Não me resta, assim, nem o conforto de imaginar “como as coisas seriam se...”.

Ao invés disso, o único ‘se’ em que conseguia pensar era aquele que acompanhava o que aconteceria se tivesse criado coragem de dizer a ele o que sente.

Mas esses pensamentos não lhe traziam conforto algum e ainda mostravam o quão tola havia sido nas últimas semanas acreditando estar no controle do que ocorria.

"Você realmente compreende muito bem o que está fazendo..."

As palavras de Tomoyo, no dia da gincana, começaram a saltar em sua mente deixando um gosto amargo. Como pudera ser tão ingênua? Ou a palavra certa seria ‘estúpida’?

Esforçara-se tanto para agir de maneira racional; para convencer-se que estava enxergando as coisas como realmente eram. Que Shaoran estava confuso, o que era normal, afinal tudo havia acontecido de maneira repentina, e ele precisaria de tempo para acostumar-se com os próprios sentimentos...

‘Em que sentimentos eu estava pensando?’, perguntava-se agora. Nunca falaram sobre sentimento algum envolvido nos beijos. ‘Tudo não passou de um experimento...’, lembrou-se, dolorosamente, de como ele deixara isso claro, enquanto explicava os motivos porque acreditava ser melhor regredirem ao que tinham antes.

E, agora, ela se encontrava aos pedaços, sozinha em casa, enquanto ele, provavelmente, estava lá com...

“Pode parar bem aí, Sakura...” – repreendeu-se, interrompendo seus pensamentos. – “Você está em casa porque está doente. Uma coisa não tem a mínima relação com a outra...”.

‘E, quanto à outra parte de seus pensamentos distorcidos...’, reclamou mentalmente, ‘você já perguntou isso, diretamente ao Shaoran no sábado, quando essa insegurança imbecil ressurgiu e ele garantiu que a Yamazato não tem nada a ver com o assunto...’. O fato de ela estar estranhamente envolvida em um processo de transformação, justo agora, é totalmente acidental, portanto...

Virou-se na cama, encarando a xícara que estava no criado-mudo, ao lado do antitérmico.

“Ah, droga... meu leite com mel esfriou...” – murmurou, sentando-se e, com ajuda do leite, engolindo o comprimido. – “Já chega dessas reflexões sem sentido... Não vão mudar o que já aconteceu...”.

Restava a ela se concentrar em efetuar uma mudança definitiva no que existia entre ela e Shaoran ou desistir de vez. Precisava pensar e tomar uma decisão, mas não agora... Nesse momento, o que ela precisava mesmo, era dormir...

‘De preferência, sem sonhar com o calor dos beijos e abraços de um certo chinês...’, pensou bocejando, voltando a se deitar, e pouco depois, já havia adormecido.

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Shaoran olhava para o pátio do colégio através da janela com certo desalento. Não entendia de onde surgira tanta melancolia. Suspirando, desviou o olhar para a carteira vazia à sua frente. O professor se encontrava na sala, mas o jovem não conseguia prestar atenção ao que dizia; pelo menos não desde o momento em que explicara que Sakura faltou por estar se sentindo indisposta.

Além disso, havia outra coisa o incomodando...

Sentia-se mal desde que conversara com a garota na noite de sábado. Tinha certeza que agira corretamente. Mas não entendia como era possível que a coisa certa parecesse tão errada de uma hora para a outra; muito menos por que se sentira chateado quando Sakura concordara com o que ele havia decidido.

Mas o que eu poderia esperar que ela fizesse?’, perguntou-se aborrecido. Havia apresentado todos os motivos que o levaram a tomar aquela decisão. Podia pensar em poucas coisas piores que o desconforto presente entre eles na semana anterior. E ela concordara, dissera ter se sentido perdida com aquela situação. Assim como ele. E, assim como ele, Sakura considerava a amizade deles importante demais para permitir que algo interferisse, portanto, parar com aqueles beijos era a coisa mais racional a ser feita...

Mas havia uma parte de si que discordava de todo aquele racionalismo. E ele não entendia bem o porquê... Não de maneira a ficar satisfeito com a resposta que encontrava, pelo menos.

‘O que acontece comigo, afinal?’, indagou-se voltando o olhar para o céu cinzento, que parecia refletir seu conflito interior, através da janela.

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Tomoyo ouviu chamarem seu nome e se voltou para trás, vendo Kaho se aproximar.

“Pois não, professora?” – inquiriu, vendo a mulher lançar um olhar para Shaoran, que se encontrava pouco atrás dela.

“Desculpe atrapalhar seu almoço, mas posso falar com você um instante?”.

“Alguma coisa errada?” – Eriol deu um passo à frente.

“Não se preocupe...” – Kaho sorriu levemente. – “Não é nada sério. Prometo que a devolvo em um minuto...” – afastou-se com Tomoyo logo atrás dela.

“Tem algo a ver com Sakura, não é?” – Tomoyo supôs, assim que se afastaram o suficiente dos rapazes. A mulher assentiu levemente com a cabeça.

“Não é nada grave. Não precisa se preocupar...” – assegurou. – “Ela ainda estava um pouco febril essa manhã, mas está melhor que ontem. É apenas um resfriado, afinal de contas...”.

“E o que queria falar comigo?” – Tomoyo ergueu levemente uma sobrancelha.

“Sakura me pediu para perguntar se você poderia passar na casa dela mais tarde. Para que ela possa copiar a matéria que...”.

“Ora, mas é claro que posso!” – Tomoyo a interrompeu, meneando a cabeça com um sorrisinho. – “Embora eu não ache que isso seja necessário. Tem atividade do coral hoje e, quando eu puder sair daqui, o Li já estará, com certeza, por lá, mimando-a como ele sempre faz nessas situações...” – riu levemente.

Mizuki não respondeu. Estava encarando o chinês de maneira pensativa.

“Daidouji...” – começou, mas se interrompeu, hesitando. Abriu novamente a boca como se procurasse pelas palavras certas e então meneou a cabeça. – “Não é nada...”.

“O que foi?” – observava a professora com atenção.

“Eu estava me perguntando se aconteceu alguma coisa entre o Li e a Sakura?” – a mulher indagou enfim.

“Como assim ‘alguma coisa’? Sakura comentou algo a respeito?” – a morena quis saber.

“Não é o que ela disse que me preocupa, mas o que ela não disse...” – explicou suspirando. – “Desde que o senhor Fujitaka foi viajar, dois a cada três assuntos introduzidos por Sakura durante os finais de semana se referiam, de alguma maneira, ao tempo que ela estava passando com os Li...”.

“Mas não foi assim nesse fim de semana...” – Tomoyo deduziu, vendo a mulher confirmar.

“Touya disse que devia ser por causa da febre. E ela não estava mesmo muito falante no domingo, mas me pareceu que havia alguma coisa errada com ela, além do resfriado...” – suspirou pesadamente. – “Tive a impressão, diversas vezes, que ela chegava à beira do pânico sempre que Touya a provocava dizendo que iria chamar o Li se ela teimasse em não descansar adequadamente...”.

“Isso é estranho...” – Tomoyo murmurou pensativa. – “Eles estiveram agindo de forma curiosa na semana passada, mas achei que tivessem resolvido o problema no sábado quando o Li levou a Sakura para casa por causa da febre...”.

“Então você também não sabe se há algum problema...” – Kaho sorriu resignada, ficando em silêncio por um minuto. – “Acho melhor deixá-la ir agora. Não vou mantê-la aqui por todo o horário de almoço...”.

“Não tem problema, professora. E pode ficar tranqüila que irei visitar Sakura após minhas atividades no colégio...” – garantiu, antes de se separarem e seguirem seus caminhos.

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“Então?” – a única palavra, pronunciada de maneira ansiosa, fez os olhos azuis se levantarem para a garota de cabelos negros ao mesmo tempo em que um sorriso se abria nos lábios das duas.

Yamazato olhou rapidamente ao redor, observando os poucos colegas que continuavam na sala durante o intervalo, e levantou-se, pedindo com um sinal que Akami a seguisse para fora. No caminho até a porta, passou por alguns dos colegas que chamaram sua atenção, comentando sobre algo que aconteceu no sábado, fazendo-a rir levemente e responder com uma piada.

Akami observou-a com estranhamento. Desde quando a Princesa de Gelo conversava tão animadamente com os bobos da corte da sala?

Encaminharam-se em silêncio até o toillet feminino, e Akio verificou serem as únicas ali presentes, antes de voltar-se para a amiga.

“Você não imagina a cena que Dominique fez... quer dizer... eu sabia que receberia um sermão por me juntar à gentalha, apenas não pensei que ela faria isso na frente de todo mundo!” – suspirou pesadamente, ajeitando o cabelo no espelho.

“É incrível como ela consegue manter a classe...” – Akami ironizou, sorrindo de lado enquanto Akio rolava os olhos, entediada.

“Nem me fale...” – a ruiva jogou a cabeça para trás fechando brevemente os olhos.

“Presumo que tudo tenha saído como você havia planejado, então...” – a outra comentou erguendo as sobrancelhas.

“Na realidade, não...” – meneou levemente a cabeça, suspirando. – “O Li não ficou na festa por muito tempo depois que eu cheguei...”.

“Por quê? O que houve?”.

“Ele saiu com a Kinomoto logo depois de ter ridicularizado a Dominique...” – cruzou os braços, com o cenho levemente franzido, encostando-se à pia.

“Queria ter visto isso, aposto que foi impagável...” – Akami lamentou-se, ficando séria em seguida. – “Mas é estranho, eu achei que o Li e a Kinomoto não estivessem se falando... Na semana passada eles estavam agindo de maneira... uhm... peculiar...”.

“Eu sei. Também estranhei, mas parece que ela não estava se sentindo bem e ele foi levá-la para casa...” – abaixou os olhos de maneira pensativa e apertou os lábios.

“O que houve?” – a outra indagou, observando as reações da ruiva.

“Não gosto do relacionamento deles. Tenho a sensação que, a qualquer momento, as coisas fugirão de meu controle e você sabe como eu detesto isso...” – disse tentando disfarçar a irritação na voz. – “Mas a noite não foi um desperdício total, no final das contas...” – disse encarando a amiga novamente e vendo uma expressão de curiosidade tomar seu rosto. – “Porque consegui irritar a minha querida madrasta interagindo um pouco com o resto da turma e...” – interrompeu-se, rindo levemente. – “Além disso, você percebeu a maneira que estavam olhando a Hikari hoje?” – mudou de assunto.

“Um pouco difícil não notar... Mas não entendi o que aconteceu...” – Akami admitiu confusa.

“Acho que ela acabou associada à Dominique depois de todos os elogios à classe e altivez da ‘querida Hikari’ que minha madrasta fez enquanto insultava a todos os nossos outros colegas...” – disse imitando o sotaque da francesa.

“Então a sua querida madrasta serviu para alguma coisa, afinal...” – a morena comentou.

“Sim, gostaria de saber o que Dominique diria sobre a classe da princesinha se soubesse que ela, sim, estava ansiosa para participar da festa no sábado...” – abriu um sorriso de lado enquanto Akami rompia em uma risada aberta.

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Shaoran e Eriol se encontravam no corredor em frente à porta da sala de música observando em silêncio a fina garoa que caía sobre a cidade. As aulas haviam passado lentamente e o dia ainda parecia longe de acabar.

Shaoran suspirou pesadamente voltando-se para o amigo e percebeu que Tomoyo se aproximava deles, encarando-o com o cenho franzido.

“Aconteceu alguma coisa, Tomoyo?” – perguntou, vendo-a assumir uma expressão determinada.

“Era exatamente o que eu ia lhe perguntar, Shaoran...” – retrucou ao parar de frente para o chinês, ao lado do namorado. – “Desculpe se eu parecer intrometida, mas você e Sakura brigaram no sábado, depois que deixaram a lanchonete?” – indagou, fazendo-o arregalar os olhos em confusão.

“É claro que não!” – respondeu rapidamente. – “Por que faríamos isso?”.

A morena não respondeu, abaixando a cabeça de maneira pensativa.

“O que te fez pensar que eles tivessem discutido, meu anjo?” – Eriol se pronunciou, atraindo a atenção da jovem.

“Foi a única explicação que eu consegui encontrar. Eles devem ter brigado para ela não esperar ver o Shaoran hoje...” – ela explicou encolhendo levemente os ombros e se voltando novamente para o chinês. – “Se tudo estivesse bem entre vocês, ela saberia que você iria passar lá após as aulas para mimá-la, como em todas as outras vezes que ela adoeceu...”.

“De que você está falando, Tomoyo?” – Li a interrompeu, sem entender.

“Por que Sakura pediria que eu levasse pra ela os cadernos com os conteúdos das aulas de hoje, a menos que pensasse que você não vai passar lá? Ela nunca fez isso antes...”.

“Era isso o que a professora Mizuki queria falar contigo durante o intervalo?” – Eriol quis saber, vendo-a confirmar lentamente com a cabeça, sem desviar o olhar de Li.

Shaoran se sentiu como se estivesse sendo arrastado por um tufão enquanto a pergunta de Tomoyo se expandia e ecoava em sua mente. ‘Por que Sakura pensaria que eu não iria visitá-la?’, indagou-se, ignorando completamente o fato de isso ser uma suposição da garota à sua frente. Não podia contestar o sentido do raciocínio da amiga.

“O que você disse a ela, Li?” – Tomoyo indagou seriamente, vendo o chinês encarar o vazio.

“Tudo o que aconteceu foi Sakura dar uma de cabeça-dura quando eu me aborreci com ela por não ter me procurado antes, estando com febre...”.

“Não pode ter sido isso... Essa é a reação normal dela sempre que você a censura por não se cuidar melhor...” – Tomoyo descartou a possibilidade sem pensar uma segunda vez.

“Sim, foi por isso que eu não considerei o caso como uma discussão...” – Shaoran explicou, focando o olhar em Eriol que exibia uma expressão admirada.

“Pelo que vejo, não foi a primeira vez que Sakura tentou disfarçar os sintomas de um mal-estar...” – meneou a cabeça com um esboço de um sorriso nos lábios. – “Nem a primeira vez que tu percebeste o fato...” – ressaltou, vendo o amigo cruzar os braços.

“Eu a conheço bem demais para deixar que algo tão importante passe despercebido...” – Shaoran retrucou com uma ponta de orgulho na voz.

“Você a conhece bem, com certeza, mas também deixa muitas outras coisas importantes passarem despercebidas...” – Tomoyo não conseguiu evitar comentar, rolando os olhos.

“Como assim?” – ele estranhou a observação, bem como a ironia no tom da corista.

“Tomoyo...” – Eriol a chamou com um olhar repreensivo, recebendo outro em troca.

“Não dê importância ao que eu…” – Tomoyo começou forçando um sorriso, mas Shaoran a interrompeu.

“Não. Eu quero saber o que você quis dizer...” – insistiu, fazendo um brilho de irritação surgir nos olhos violáceos.

“O que eu quis dizer é que se você realmente entendesse a Sakura, já teria tomado uma decisão para definir a situação do relacionamento de vocês...” – ela disparou, fazendo o rapaz se voltar para o britânico com olhos acusativos.

“Você contou para ela?” – inquiriu alarmado.

“Na realidade, foi ela quem me contou...” – o outro se defendeu, vendo Shaoran voltar o olhar para Tomoyo.

“O telhado do colégio não é...”.

‘O lugar mais adequado para se beijar uma garota’... Eu sei!” – ele a cortou, rolando os olhos ao repetir a observação do inglês. – “De qualquer forma, eu e Sakura já definimos o nosso relacionamento...” – ele declarou, fazendo a morena se espantar. – “Eu sei que as coisas podem ficar estranhas a princípio, mas tudo voltará ao normal com o tempo...”.

“O quê!?” – Tomoyo exclamou embasbacada. – “Eu não acredito nisso...” – murmurou meneando a cabeça.

“Tu conversaste com Sakura sobre isso?” – Eriol ergueu uma sobrancelha, desconfiado.

“Sim, no sábado...” – respondeu olhando para o inglês com uma expressão que mostrava o quanto considerava aquela pergunta ridícula, quando acabara de dizer que ‘ele e Sakura definiram’.

“Agora tudo faz sentido...” – Tomoyo murmurou, olhando para o Li. – “O motivo pelo qual Sakura me pediu para levar os conteúdos de hoje não é por achar que você não iria visitá-la...” – e completou abrindo um sorriso irônico. – “É ela quem não vai recebê-lo, mesmo que você apareça...”.

“O quê?” – Shaoran a encarou, engolindo em seco. – “Isso não faz sentido... Por que ela faria isso?”.

A corista lançou ao chinês um olhar frio, cheio de irritação. ‘Como ele pode ser tão... tão... tão estúpido? Por kami...’, perguntou-se preparando uma resposta.

Eriol meneou a cabeça, advertindo-a com o olhar a tomar cuidado para não falar demais. Ela apenas suspirou pesadamente, sabendo que cabia a Sakura contar ao rapaz o que sentia. ‘Mas é tão frustrante ficar assistindo sem poder fazer nada...’.

“Por que nenhuma garota gostaria de ser vista pelo cara que acabou de dispensá-la quando está se sentindo fragilizada...” – ela respondeu, vendo-o abrir a boca para contestar, mas a morena não iria permitir. – “E você, obviamente, não entende a Sakura se não consegue enxergar isso...” – declarou, dando as costas aos dois, antes que não conseguisse mais controlar a irritação.

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Sakura saiu do ofurô e se enrolou em uma toalha, usando outra para secar os cabelos enquanto cantarolava uma canção suave. O banho a deixara totalmente refrescada e sentia-se revigorada agora que a febre a abandonara. Já em seu quarto, vestiu um short de malha e uma camiseta de algodão enquanto pensava no que faria a seguir para manter-se ocupada. Desceu as escadas decidindo preparar algo para comer, mas lembrou-se das panquecas que Kaho havia feito de manhã e decidiu apenas esquentá-las, assim só precisaria fazer uma xícara de chá fresco.

Sentada à mesa, recusou-se a deixar que qualquer coisa atrapalhasse seu apetite, então manteve sua mente ocupada com ponderações sobre os conteúdos das aulas daquele dia e calculou que Tomoyo chegaria para visitá-la a qualquer momento. E esse foi seu grande erro, pois a fez recordar do motivo pelo qual estava esperando a amiga e não Shaoran...

Desde que acordara, àquela tarde, conseguira manter a cabeça longe dos problemas e, embora soubesse que isso não continuaria por muito mais tempo, não pôde evitar que a sensação de frustração a envolvesse.

“Isso pode até causar perda de apetite, mas não é justificativa para eu não comer, novamente...” – murmurou resoluta, quando a ideia de deixar a última metade de panqueca no prato passou por sua cabeça e forçou-se a engolir tudo.

Enquanto lavava as poucas peças de louça, ouviu a campainha soar e correu para atender, com o coração acelerado, sem uma razão plausível, mas que ficou totalmente evidente diante do desapontamento que sentiu ao encontrar um par de ametistas à porta, ao invés dos tão conhecidos orbes cor de chocolate.

“Boa tarde, Tomoyo! Entra...” – conseguiu dizer alegremente, apesar do sorriso afetado.

“Com licença...” – a morena pediu, passando pela porta. – “Como você está se sentindo?” – quis saber observando atentamente as feições de Sakura.

“Estou bem melhor agora...” – disse, indo para a sala com a amiga logo atrás. – “A febre finalmente passou e eu até consegui comer alguma coisa...” – comentou, notando que Tomoyo a olhava de maneira estranha. – “Sente-se que eu vou preparar uma xícara de chá, assim você pode me contar o que aconteceu no colégio hoje enquanto eu copio as matérias...” – apontou para o sofá, dirigindo-se para a cozinha em seguida.

Quando voltou à sala, trazendo o chá na bandeja, Tomoyo estava com um caderno aberto sobre seu colo, lendo algumas anotações.

“Trouxe alguns biscoitos, também...” – comentou colocando a bandeja sobre a mesa. – “Desculpe não ter algo mais para oferecer, mas como quase não parei em casa nas últimas semanas os armários estão praticamente vazios...” – exibiu um sorriso triste, pensando que teria de fazer compras no dia seguinte.

“Ora, não se preocupe com isso...” – sorriu, vendo Sakura servir o chá antes de sentar-se ao seu lado.

“Então, como foram as coisas no colégio hoje?” – indagou, pegando o caderno das mãos de Tomoyo e folheando-o levemente. – “Aposto que a festa de sábado foi o assunto do dia lá na sala, nee?” – mencionou, ouvindo a morena suspirar pesadamente, antes de se pronunciar.

“Você não achou estranho o fato de eu não ter perguntado sobre o Li quando cheguei?” – inquiriu, fazendo-a erguer levemente os olhos.

“Ele, provavelmente, disse que não viria...” – deu de ombros levemente, olhando novamente para o caderno. – “Eu achei que o professor Tamura iniciaria o conteúdo novo hoje...” – disse, tentando mudar de assunto.

“Na realidade o Shaoran pretendia vir até aqui. Nem sequer parece ter considerado a possibilidade de não visitá-la; mas eu o desencorajei...” – disse, transformando-se no alvo dos olhos verdes. – “Achei que, depois do que ele fez, você preferiria não vê-lo tão cedo...” – respondeu à pergunta explícita nas feições da amiga.

“O que ele... o que ele fez?” – gaguejou, observando a corista de maneira assustada. ‘Por favor, que não seja algo relacionado à Yamazato...’, pediu silenciosamente, sentindo uma ardência nos olhos.

“Ora, Sakura... não se faça de desentendida...” – Tomoyo exaltou-se. – “Eu, simplesmente, não consigo acreditar que ele terminou com você...” – suspirou, inconsolável.

Sakura sentiu um peso no peito, pela maneira como a garota colocara a situação, mas também se sentiu estranhamente aliviada ao saber que a ruiva não tinha relação com nada daquilo. ‘Talvez eu esteja ficando paranóica...’, meneou a cabeça, antes de responder.

‘Terminou’, Tomoyo, não é a expressão mais adequada para definir o que aconteceu...” – Sakura retrucou, ignorando o fato de, ainda mais cedo, ter usado o mesmo termo ao pensar na situação. Mas admitir aquilo para Tomoyo seria assumir a humilhação de todo o acontecimento e isso era algo que ela não suportaria naquele momento. Precisava manter um pouco do orgulho próprio. – “Afinal, não estávamos namorando...”.

“Pense o que quiser, Sakura. Se isso a faz se sentir melhor...” – a morena deu de ombros, acertando a essência da questão e fazendo Sakura encolher-se levemente.

“Sabe, Tomoyo, esse tipo de comentário não me ajuda nem um pouco...”.

“Desculpe, Sakura, mas você sabe o que eu penso sobre tudo isso...” – murmurou, cruzando os braços e mantendo o olhar fixo na amiga, sem falar mais nada. Aquela atitude da corista fez a jovem de olhos verdes sentir-se desconfortável e vulnerável.

“O que foi?” – indagou na defensiva, desviando o olhar.

“Eu não disse nada...” – Tomoyo ergueu uma sobrancelha curiosamente, permitindo que o silêncio voltasse a se instalar entre elas, deixando Sakura ainda mais nervosa.

“Honestamente, Tomoyo, o que você queria que eu fizesse?” – questionou, pondo-se de pé diante da outra que apenas encolheu os ombros. Suspirou pesadamente. – “Está bem! Talvez eu não devesse ter concordado com as coisas que ele disse, por mais sentido que parecessem ter; talvez eu devesse ter sido sincera com ele e dito quais os meus sentimentos...” – ponderou, andando, insegura, de um lado para o outro. Notou a morena erguer uma sobrancelha. – “Certo. Eu sei que era isso, exatamente, o que eu devia ter feito, mas não fiz...”.

“Eu não entendo o que acontece com você...” – Tomoyo meneou lentamente a cabeça. – “De que você tem tanto medo, afinal?”.

“Não é óbvio?” – Sakura perguntou, voltando a se sentar ao lado da amiga. – “O que você acha que aconteceria se eu dissesse que estou apaixonada por ele?”.

“Eu não posso dizer com certeza, Sakura, porque não tenho o poder de prever o futuro nem de ler mentes para saber o que ele pensa, mas só há uma maneira de descobrir...”.

“Não vê o quanto tudo isso é assustador?” – murmurou, tentando conquistar um pouco de simpatia.

“Eu sei que dá medo, Sakura, ou já se esqueceu que fui eu quem se declarou para o Eriol?” – meneou a cabeça, inconformada.

“Não, não esqueci...” – disse, sorrindo fracamente e pegando uma das mãos de Tomoyo. – “E eu a invejo tanto por sua coragem...”.

A morena apertou suavemente a mão da amiga, antes de responder.

“O seu problema, Sakura, é que se prende demais ao que pode dar errado...”.

“Só tenho ouvido críticas de você ultimamente... Você está do lado de quem, afinal, hein?” – indagou, em tom de brincadeira, tentando encerrar o assunto.

“É claro que estou do seu lado...” – Tomoyo sorriu tristemente, entendendo a mensagem. – “Estou cem por cento do seu lado...” – sussurrou, abraçando a amiga com carinho. Ao se afastarem, tinham sorrisos tristes e ternos nos lábios.

“Eu já volto, vou pegar meu material no quarto...” – Sakura levantou-se; se ficasse diante de Tomoyo daquela maneira por mais um segundo acabaria se rendendo às lágrimas e essa era a última coisa que queria. Enquanto se dirigia até a porta, o telefone começou a tocar. – “Alô, aqui é Sakura Kinomoto falando...” – arregalou os olhos ao ouvir a resposta. – “S-senhora Yelan...”.

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O mordomo abriu a porta do apartamento, dando passagem à mulher que se permitiu suspirar de alívio e cansaço assim que a porta foi fechada.

“Muito obrigada por ter me acompanhado hoje, Wei...”— disse enquanto massageava levemente a têmpora.

“Ora, senhora, foi uma honra...”— foi a resposta polida do senhor, mas que a fez esboçar um sorriso por causa do leve brilho de cumplicidade em seus olhos. – “Gostaria de alguma coisa antes que eu vá buscar o jovem Xiao Lang e a senhorita Kinomoto?”— indagou, enquanto encaminhavam-se para a cozinha.

“Uma xícara de chá seria ótimo...”— respondeu, sentando-se à mesa. – “Além disso, Wei, estava pensando em lhe dar um pouco de descanso essa noite e levar os garotos para comer fora, para que não se incomode com o jantar...”— comentou suavemente.

“Se a senhora preferir. No entanto, não há necessidade de se preocupar com a comida, uma vez que já deixei tudo pronto antes de sairmos...”— disse brevemente, indicando o balcão. – “A senhora vê: eu planejei um jantar com pratos frios...”— explicou.

“Você é insubstituível, Wei. Jantaremos em casa, então...”— suspirou, levantando-se. – “Vou me recolher por um instante; antes de sair, poderia me preparar um banho e...”— interrompeu sua fala ao ouvir a porta da entrada se abrir.

“Quem é? É o jovem Xiao Lang?”— o mordomo indagou, caminhando até a porta, onde Yelan estava parada, e vendo o rapaz estacar ao entrar na sala. Yelan deu alguns passos na direção do filho.

“Xiao Lang, o que faz em casa? Não lhe pedi que esperasse Wei buscá-los para que não pegassem chuva?”— indagou sem dar a ele chance de responder. –“Onde está Sakura?”.

“Na casa dela, provavelmente...”— deu de ombros levemente. – “Não foi ao colégio hoje; estava indisposta...”— explicou fracamente, retirando-se antes que ela pudesse fazer qualquer pergunta.

“O-o que será que houve?”— ela se voltou para Wei, preocupada. – “Acha que eles brigaram?”— viu-o encolher os ombros.

Permaneceram os dois em silêncio, pensativos, no meio da sala por um instante e, no segundo seguinte, Yelan sentou-se no sofá ao lado do telefone.

“O que a senhora vai fazer?”.

“Não adiantaria eu questionar Xiao Lang sobre o que houve, então só me resta procurar a outra parte envolvida...”— respondeu discando o número da casa de Sakura.

“E o que a faz pensar que ela lhe dirá?” — ergueu uma sobrancelha.

“Eu tenho meus métodos...” — respondeu, instantes antes de o telefone ser atendido. – “Olá, Sakura, sou eu: Yelan...”.

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Sakura sentiu o sangue gelar. Em meio a toda confusão, e por conta de sua apatia nos dois últimos dias, havia esquecido completamente... Tudo bem, talvez não completamente, mas evitara pensar no que havia sido combinado entre a senhora Li e seu pai. A mulher havia se responsabilizado a tomar conta dela durante a ausência de Fujitaka e, provavelmente, não aceitaria facilmente a súbita decisão da jovem de permanecer sozinha em casa.

‘O que farei?’, indagou-se, lembrando que a chinesa ainda se encontrava na linha e estranharia se não falasse nada nos próximos segundos.

“Aconteceu alguma coisa?” – perguntou casualmente, mas uma sensação de ansiedade a tomou no instante seguinte, apertando-lhe o peito ao considerar aquela possibilidade.

“Não, querida. Está tudo bem...”— Yelan respondeu, tranqüilizando-a. – “Apenas estou ligando para avisar que, em alguns minutos, Wei estará saindo daqui para buscá-la, portanto espero que já esteja com tudo preparado...”— completou.

“Ahm... senhora Yelan...” – a garota começou, mas parou no meio da sentença. Afinal, o que poderia dizer? Contar a verdade estava fora de questão. ‘Por que tenho que ser eu a contar pra ela?’, pensou com ganas de simplesmente dizer que não iria e pedir à mulher que fosse tomar satisfações de Shaoran quando perguntasse o motivo, ‘Porque ela irá perguntar...’. Mas não teria coragem de fazê-lo sem arrepender-se depois. Além disso, pelo que Tomoyo havia comentado, parecia estar sendo bastante fácil para Shaoran agir como se nada tivesse ocorrido. ‘Ele vinha me visitar...’, pensou esboçando um leve sorriso ao lembrar de todas as vezes em que o rapaz cuidara dela. ‘Chegaria aqui com algumas folhas para origami e...’.

“Sakura?”— teve os pensamentos interrompidos pela voz indagadora que a estimulava a continuar.

Ergueu os olhos, focando Tomoyo que a observava apreensivamente. Forçou um sorriso para a amiga no outro lado da sala e soltou a respiração que nem percebera estar prendendo. Era melhor ir adiante com aquilo e terminar de uma vez.

“A senhora não precisa se preocupar em pedir que o senhor Wei venha me buscar...” – declarou gentilmente. – “E eu sinto por estar avisando de maneira tão repentina, mas não poderei continuar com vocês até meu pai voltar...” – informou-a, ainda sem saber como explicar a sua decisão.

“E... por que não?”— veio a tão temida questão.

‘Por que eu e Shaoran estávamos começando a nos envolver romanticamente e ele, sem mais nem menos, terminou comigo...’, foi o que lhe veio à mente, mas ela, obviamente, não diria isso. Faltava-lhe a coragem. Talvez pudesse dizer que ainda não se sentia totalmente recuperada e não gostaria de ser um incômodo maior do que já vinha sendo nas últimas semanas. ‘Aí sim que ela não me deixaria sozinha...’, reconsiderou, pensando que, se houvesse alguém que tomasse conta dela, poderia dizer ainda estar doente. ‘Se, ao menos, Touya estivesse na cidade...’, fechou os olhos com força pensando no absurdo que era aquilo. Não precisaria ficar com os Li se o irmão estivesse morando na cidade, ao invés de vir apenas aos finais de semana para...

‘Kaho! Eu poderia dizer que ela cuidaria de mim... e, como somos praticamente família, faria sentido eu não me sentir tão incomodada por impor a ela essa responsabilidade...’, considerou.

“Bem, é que...” – começou, mas interrompeu-se pensando que, de qualquer maneira, acabaria preocupando a mulher se dissesse estar doente. ‘Por que não posso usar uma desculpa mais agradável? Algo feliz... como ter prometido ajudar Kaho com a organização do casamento, por exemplo...’. Sim! Era isso mesmo que iria dizer... – “É que eu...”.

“Sakura...”— a mulher a interrompeu, com a voz séria. A jovem sentiu o coração acelerar e batucar no peito de susto.

“S-sim...?”.

“Será que eu estaria sendo impertinente se me convidasse para tomar chá com você esta tarde em sua casa?”— indagou gentilmente.

“De maneira alguma! Eu ficaria muito feliz em recebê-la...” – respondeu, sentindo-se um pouco aliviada.

“Fico feliz por saber...” — fez uma breve pausa. – “Dentro de meia hora seria conveniente pra você?”.

“Está ótimo. Estarei aguardando a senhora...” – falou com sinceridade. – “Até mais...”.

“Até breve, querida...”— despediu-se, desligando em seguida.

Após colocar o telefone na base, Sakura permaneceu parada no mesmo lugar por vários minutos, encarando o nada.

‘O que eu estou fazendo? Em que estou pensando?’, indagava-se incomodada pelo que quase fizera.

Ficou ali, imóvel, por tanto tempo que Tomoyo se aproximou dela preocupada e tocou-a, gentilmente, no braço.

“Está tudo bem, Sakura?” – a morena perguntou quando a amiga a encarou, saindo de seus devaneios.

“Sim...” – suspirou pesadamente, sentindo-se ser puxada pelas mãos até o sofá. – “Quer dizer, não. E-eu... eu não... eu não sei. Tomoyo...” – fechou os olhos dolorosamente em confusão. – “Eu não sei em que tipo de pessoa estou me transformando...”.

“De que você está falando?”.

“Do fato de eu ter passado os últimos minutos pensando em qual seria a melhor mentira para contar à mãe do Shaoran...” – disse olhando no fundo dos olhos violáceos da corista. – “Essa não sou eu! Eu não sou mentirosa...”.

“Sakura...” – tentou tranqüilizá-la, gentilmente.

“Eu sei diferenciar o certo do errado. Sei que quando mentimos acabamos machucando as outras pessoas...” – declarou apertando nervosamente as mãos. – “Disso tudo eu sei, Tomoyo... e, mesmo assim...” – meneava a cabeça desconsolada.

Tomoyo abaixou o olhar hesitantemente por um instante. Cogitava se deveria ou não ser totalmente sincera com Sakura, mesmo que, para isso, precisasse ser brutal.

“Você sabe, Sakura...” – começou, atraindo a atenção da garota. – “Eu gostaria que você se lembrasse disso tudo para se proteger, às vezes...” – disse, recebendo um olhar espantado. – “Que se preocupasse um pouco mais com o que é certo e o que é errado; e com as coisas que a machucam, toda vez que pensasse em ser desonesta consigo mesma...”.

Sakura apenas abaixou a cabeça com o esboço de um sorriso nos lábios, pesando as palavras de Tomoyo.

“Não adianta. Eu não tenho jeito, mesmo...” – sussurrou, perguntando-se quando aprenderia a cuidar melhor de si.

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Sakura olhava ansiosamente para o relógio, esperando a chegada de Yelan, enquanto fervia a água para o chá. Observou, sobre a mesa, a bandeja em que arrumara as xícaras e o prato com os biscoitos. ‘Se eu tivesse um pouco mais de tempo, poderia ir até a confeitaria comprar um bolo...’, pensou, despejando a água quente no bule e, em um momento de distração, quando pensou ter ouvido um carro parar em frente à casa, quase causou um acidente com a bandeja do chá.

“Em que eu estou pensando? Eu tenho que prestar atenção no que estou fazendo...” – repreendeu-se, sentando à mesa para se acalmar. ‘Qual o problema, Sakura? Por que tanto nervosismo? É só a Yelan, por kami! Você já a conhece; vocês se dão bem; ela gosta de você...’, tentava entender porque se sentia tão apreensiva quanto à conversa que teriam.

Sabia que precisava explicar à mulher sobre sua decisão e estava decidida a ser o mais sincera possível sobre seus sentimentos. ‘Mas, mesmo depois da bronca que levei de Tomoyo, a verdade é que eu não poderia contar a ela sobre o que realmente aconteceu entre Shaoran e eu. Nem quero imaginar o que ela pensaria a meu respeito se soubesse...’, sentia-se nervosa só de pensar no assunto, mas foi só então que se deu conta da principal razão de seu nervosismo: preocupava-se com a imagem que a senhora teria dela. Preocupava-se, pois sabia que o que fizera, ou melhor, o que deixara acontecer, era algo que normalmente não faria. Que ia contra seus próprios princípios e não importava o quanto tentasse se consolar, dizendo a si mesma que só se rendera às carícias de Shaoran por conta de seus sentimentos por ele, no final, só restava a sensação de vazio e perda. E se revoltava porque, mesmo que pensasse que nada daquilo valera à pena, ao se lembrar de como se sentira quando ele a abraçava e beijava, queria se sentir daquela forma novamente: atraente e desejável. Feminina...

Foi arrancada de seu mundo de autocomiseração, e deu graças aos deuses por isso, ao ouvir a campainha tocar. Recompondo-se da melhor maneira que pôde, apressou-se em atender, apesar do coração desobedientemente agitado no peito.

Ao abrir a porta, deparou-se com o rosto amigável e o sorriso sereno da senhora Li e percebeu, imediatamente, que parte da tensão desvaneceu ao encontrá-la sozinha, para dar lugar à estranha sensação de segurança que descobrira na presença dela nas últimas semanas de convivência.

“Olá, Sakura!” – a mulher a cumprimentou com uma leve reverência.

“Boa tarde! Entre, por favor...” – indicou o interior da casa, notando que a mulher trazia uma sacola nas mãos.

“Está se sentindo melhor?” – indagou enquanto caminhavam até a sala. – “Xiao Lang comentou que você faltou à escola hoje...”.

“Estou melhor, sim! Fiquei em casa apenas para não arriscar uma recaída...” – comentou, indicando um lugar no sofá para que ela se sentasse. – “Fique à vontade, eu vou à cozinha buscar a bandeja de chá e já volto...”.

“Então, vou aproveitar e lhe dar isso para que possa levar à cozinha...” – entregou a sacola para a garota. – “É uma coisinha que Wei preparou para você comer no jantar...” – explicou, vendo-a sorrir com gratidão.

“Obrigada! Ele não precisava ter se dado ao trabalho...” – pegou a sacola, segurando-a próxima ao peito. – “Preciso agradecer ao Sr. Wei quando ele vier buscar a senhora...” – disse já se encaminhando para a cozinha. Retornou alguns instantes depois com a bandeja nas mãos e começou a servir o chá sob o olhar atento da senhora.

Sentaram-se lado a lado e, durante alguns instantes, sorveram a bebida em um silêncio incômodo.

“Sakura...” – Yelan a chamou, gentilmente. – “Sabe que o chá foi apenas uma desculpa, não sabe?” – indagou, suavemente.

A jovem suspirou pesadamente, confirmando com a cabeça.

“Imaginei que sim...” – olhava-a atentamente, esperando pelo início do interrogatório, mas logo percebeu que a mulher não faria perguntas. – “Como eu disse mais cedo, não permanecerei mais com vocês durante a ausência de papai...” – declarou novamente, fazendo a mulher erguer uma sobrancelha. – “Mas ainda preciso lhe dar uma explicação, nee...”.

“Espero que não tenha sido algo que eu fiz...” – comentou, fazendo Sakura espantar-se e menear furiosamente a cabeça.

“Não! A senhora tem sido maravilhosa para mim...” – exclamou apressadamente. – “Na verdade...” – interrompeu-se, desviando o olhar por embaraço pelo pensamento que lhe cruzou a mente.

“O quê?” – a chinesa quis saber curiosamente.

“Posso... posso ser honesta com a senhora?”.

“Por favor!” – assentiu, observando-a.

“Até pouco tempo eu não tinha ideia de como seria ter uma figura materna em casa...” – começou evitando encará-la. Não pôde perceber a emoção que tomou conta dos olhos escuros. – “É verdade que minha avó cuidou de mim algumas vezes, quando eu era menor e Touya tinha algo para fazer, mas, ainda assim, a referência mais vívida que eu tinha de uma ‘mãe’ era, na verdade, meu pai...” – sorriu com o absurdo da ideia, mas não tinha como negar a verdade daquilo. – “Ele sempre preencheu grande parte das lacunas deixadas pela ausência de mamãe, por mais constrangedor que tenha sido em alguns momentos...” – riu-se, notando que Yelan parecia entender o que queria dizer e lembrou-se o quanto fora embaraçoso conversar com o pai sobre o início de seu ciclo menstrual ou tê-lo acompanhando-a às primeiras visitas à ginecologista, mesmo que ele tenha ficado na sala de espera. Suspirou, voltando ao foco da conversa. – “O fato é que, durante essas semanas, eu tive a visão de uma nova dimensão do que é ter uma mãe. E, por isso, eu lhe agradeço...”.

“Oh, meu bem...” – abraçou-a gentilmente, emocionada. – “Não imagina o quanto me faz feliz saber que pensa realmente isso...” – sorriu, segurando-a pelo rosto e encarando-a diretamente. – “Espero não precisar dizer que, não importando o assunto, você poderá sempre contar comigo para ajudá-la e aconselhá-la em assuntos de mulher...” – piscou para ela, conspiratoriamente.

“Muito obrigada, Sra. Yelan...” – agradeceu e permaneceram encarando-se com carinho por alguns instantes. A mulher tornou a ficar séria e suspirou, encarando Sakura de maneira decidida.

“Eu não vejo porque não falar diretamente, aproveitando-me, talvez apressadamente, de nosso novo nível de entendimento...” – começou, retomando o assunto principal de sua visita. – “Você e Shaoran andaram discutindo, não é?” – indagou, vendo a jovem desviar o olhar.

‘Quem sabe, se esse fosse o caso, as coisas não estariam um pouco melhores agora?’,abriu um triste sorriso, suspirando e meneou negativamente a cabeça para encarar a mulher.

“Não, nós não brigamos...” – declarou simplesmente, vendo-a franzir levemente as sobrancelhas. – “Mas aconteceram algumas coisas que me deixaram um pouco chateada...” – encolheu os ombros, sentindo lágrimas de revolta se formarem em seus olhos. Por que ela tinha que ser tão passiva? Gostaria tanto de ter se imposto... Dito que não queria parar com... o que quer que estivesse acontecendo entre eles...

Yelan a encarou por instantes pensando estar começando a entender qual era o problema. Nas últimas semanas notara, com efeito, que algo entre os dois não estava muito natural e que eles pareciam estar esforçando-se para esconder alguma coisa. Além disso, o contato despreocupado que havia entre eles e que ela testemunhou com estranhamento ao vê-los interagir quando chegara à cidade havia desaparecido, dando lugar a um receio que não existia antes...

Lembrou-se, então de algo que o senhor Kinomoto lhe dissera sobre o relacionamento dos dois, mais especificamente sobre os sentimentos do rapaz.‘Quais foram as palavras que ele usou?’, indagou-se pensativa. ‘A forma que ele a olha está mudando... Acho que era isso...’, sorriu levemente, meneando a cabeça. Sabia muito bem que essas mudanças de sentimento podiam ser assustadoras até para pessoas mais maduras... Imagine então naquela idade tão confusa. ‘Ela disse que algumas coisas a deixaram chateada... ’, suspirou pesadamente, pensando que seu filho, provavelmente, por conta da dificuldade de lidar com a própria confusão, andara fazendo algo estúpido. Sabia que Xiao Lang podia ser muito cabeça-dura algumas vezes.

”Sakura...” – chamou-a, segurando-lhe a mão. – “Eu não sei o que aconteceu entre vocês e não vou forçá-la a me contar, mas...” – encarou-a com um sorriso gentil. – “Quando resolverem a situação, se você quiser voltar a nossa casa, saiba que sempre será muito bem-vinda!” – viu os olhos esmeralda brilharem suavemente. – “E, enquanto isso... vou sentir a sua falta por lá...”.

Continua...

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Notas finais do capítulo

Aiya!...

É isso aí... chegamos ao capítulo 16 e agora as coisas ficarão um pouco mais lentas por aqui. O motivo? Não tenho mais capítulos reserva... o capítulo 17 ainda está em construção, portanto, não tenho como dar uma data para a publicação do próximo capítulo.

Além disso, não sei exatamente o que acontecerá agora... mas tenho certeza que as coisas vão dar uma guinada de 180º...

Comentando sobre o capítulo... há dois momentos que me emocionaram tremendamente... o primeiro foi quando Tomoyo deu uma chacoalhada na Sakura dizendo que ela devia cuidar melhor de si mesma... o segundo foi durante a conversa da Yelan com a Sakura... acho seguro dizer que a Sakura ganhou uma grande aliada...

Quanto ao Shaoran... meus sentimentos estão um pouco bagunçados... eu sinto um pouco de pena dele... ele está tremendamente confuso, mas já se deu conta que fez uma burrada... talvez não saiba o porquê foi uma burrada, mas que é uma burrada... Isso ele já percebeu...

Agora minha grande dúvida é: que atitude a Sakura vai tomar?... Isso só será respondido com o tempo...

Acho que é tudo... foi um capítulo sem grandes acontecimentos, de transição... mas fundamental... Espero que tenham gostado...

Meus mais sinceros agradecimentos aos reviewers... Vocês iluminam meu dia e me dão força para continuar!

Vou ficando por aqui!
Beijinhos...
Yoru. (06/01/2010, 14:52h).