For Amelie - 2a Temporada escrita por MyKanon


Capítulo 10
IX - Consequentemente


Notas iniciais do capítulo

Beta reader: Keli-chan
Música: Monochrome Frame (Kanon Wakeshima)



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Certa vez eu liguei na operadora do meu celular para cancelar a linha.

Sei lá, acho que foi numa das crises de “celular pra quê? Ninguém me liga mesmo...”.

Falei com a primeira atendente, que me passou para a segunda, que enfim me passou para um consultor. Ele me fez inúmeras propostas, me ofereceu “n” planos, só faltou me chamar para sair, contanto que não cancelasse a linha...

Eu bati o pé e continuei convicta em cancelar a linha. Esperei por exatos 23 minutos na linha, até que finalmente cheguei à fase de confirmação.

_ Para sua segurança, esta ligação está sendo gravada. A senhora confirma o cancelamento de sua linha?

Bom, e por que essa lembrança tão corriqueira e sem importância estava me vindo à tona justamente agora?

Em ambos os casos, eu simplesmente almejava alcançar meus objetivos, sem pesar os prós e os contras.

No fim, a linha acabou se mostrando bastante útil. Sorte minha ter desistido aos 45 do segundo tempo...

Já fazia tempo que eu estava em silêncio. E ele devia imaginar o meu dilema, pois não repetiu a pergunta. Simplesmente continuou acariciando minha mão que envolvia sua cintura.

A quadra estava completamente vazia, e um ventinho gelado soprava. Prelúdio de uma chuva de outono.

Escondi meu rosto no pescoço dele, deixando meus lábios descansarem sobre suas costas.

Em que implica oficializar esse romance?”

 

anata totomoni sugoseru hibi wa mou

Dias que gastei com você

dareka ka yaburi sutete shimatta no deshou

Você acha que eles foram quebrados e jogados fora?

 

_ Aquiles... - comecei.

_ Sim?

_ De acordo com a regra culta da língua, o correto seria pedir para que eu o namorasse. E não que namorasse com você. Pois o verbo namorar é transitivo direto, e dispensa preposições.

Ele deu risada e em seguida virou-se para me encarar.

_ Sabe que nunca me atentaram para esse detalhe?

_ Eu entendo. Quem em perfeito juízo discutiria predicação verbal durante um pedido como esses?

_ Está dizendo que não está em seu perfeito juízo?

_ Você sabe que a ideia de juízo perfeito é muito subjetiva, não sabe?

_ Completamente. Portanto, não duvide quando eu disser que estou fazendo uso do meu.

_ Não duvidarei.

Fizemos silêncio por alguns instantes, apenas nos observado. Eu podia sentir a respiração dele sobre meu rosto.

_ Porém... - comecei – até mesmo escritores recentes utilizam a forma coloquial... E por isso eu digo que... Namoro com você.

Ele abriu um sorriso lindo e despreocupado. Em seguida beijou-me demoradamente.

_ Eu acho que te amo desde que me ensinou a diferença entre “faz quarenta minutos” e “fazem quarenta minutos”.

_ Engraçado, eu pelo contrário... Te odiava. Mas como você deve saber, o oposto do amor...

_ É a indiferença. Não o ódio.

_ O ódio é apenas uma outra forma de amor.

_ Então você me ama desde a bolada...

_ Que quase quebrou meu nariz? Se você se refere à essa outra forma de amor, com certeza.

_ Sua boba...

_ Seu besta...

_ Vem cá.

Ele me puxou para mais perto de si e voltou a me beijar.

Naquele momento eu estava beijando o meu namorado. Nunca imaginei que isso pudesse voltar a acontecer.

E era tão intenso e sincero. Tão cheio de vontade que eu quase não podia me conter.

Ficamos deitados no gramado gelado, aproveitando tudo de melhor que um podia oferecer ao outro.

O vento ficava cada vez mais forte, mas eu quase não podia senti-lo. Concentrei-me apenas nos lábios do Aquiles sobre os meus, e suas mãos que atreviam-se cada vez mais sobre mim, me causando arrepios.

_ Ah, não... - ouvi-o reclamar enquanto se afastava.

_ O que foi?

_ Vai chover... E muito.

Realmente. Eu já podia sentir algumas gotas descompassadas nos atingirem. Eu só as estava ignorando.

_ Ai, droga! Tomara que dê tempo de chegar em casa!

Agora que estava de volta a mim, o tempo parecia bem preocupante!

_ Posso pedir para o meu pai vir me buscar... E te damos uma carona.

_ Não!

Ele sobressaltou-se com a negativa resoluta.

_ Ah, não me leve a mal, Aquiles... Mas... Eu não... Você deve entender, não é?

_ Não.

_ Você podia não ser tão sincero de vez em quando... - falei comigo mesma enquanto juntava meu material e descia da mureta – Eu não ficaria a vontade.

_ Por quê? É só uma carona. - comentou, me seguindo.

_ Deixa pra lá. Você não vai entender. Melhor eu correr.

_ Então eu vou com você.

Nessa altura ele tinha que correr para alcançar meu passo apertado.

_ Não precisa! Pelo contrário, você devia aproveitar e ir com o seu pai...

_ Prefiro cuidar do que é meu.

Parei para encará-lo, obrigando-o a fazer o mesmo. Apesar da possessividade, eu me senti agradavelmente aconchegada. Sorri contente enquanto dizia:

_ Se faz questão... Mas vamos logo. - “Antes que eu te agarre novamente!”.

Corremos para o ponto de trólebus, e acabei chegando encharcada em casa.

Mas nada seria capaz de mudar meu humor. Nem mesmo a chuva torrencial que prendia a todos dentro das casas, escritórios ou no trânsito.

Por causa dela, minha mãe acabou chegando mais tarde que o habitual. Mas também contagiada por uma atmosfera adocicada, parecendo muito feliz. Estava cantando. E isso conseguiu me despertar do meu estado sonhador. Como cantora, era uma ótima analista de negócios.

_ Hum... Então a segunda-feira foi promissora? - perguntei insinuante.

_ Extremamente produtiva, meu anjo. Os índices de satisfação e de aceite dispararam... A chuva abaixou a poeira e o abacaxi que comi de sobremesa estava doce... - disse, jogando-se no sofá ao meu lado.

_ Falando em sobremesa... Como foi seu almoço?

Ela pareceu se dar conta do meu cinismo e tentou adotar uma postura durona enquanto dizia:

_ Para sua informação, mocinha, dentro da empresa eu e Frederico somos simplesmente colegas de trabalho.

_ Ahan. - Ironia elevada ao quadrado.

_ Por isso, nós almoçamos fora. Tá rindo do quê? Hoje você está insuportavelmente bem humorada. Você pensa que eu não sei que esse bom humor todo tem nome e sobrenome? Além de olhos verdes?

Fiz silêncio e comecei a roer uma das unhas.

_ Ihhh... Que foi hein?

_ Eu... Eu tenho um namorado agora.

_ E você prefere roer unhas ao invés de estourar uma champanhe? - E acrescentou rapidamente - Estava só brincando, não adianta ficar feliz. Na minha presença você não vai ingerir bebidas alcoólicas.

Ignorei a brincadeira, e voltei a falar sério:

_ Eu achava que queria isso sim... Mas depois pensei melhor.

Ela abanou a mão em frente ao nariz, referindo-se ao meu ato de “pensar”.

Impedi-a de continuar, senão conseguiria prosseguir:

_ Ah, sei lá mãe... Estou com medo de... De namorar com ele.

Minha mãe fez uma careta engraçada.

_ O que foi?

_ Ah Melzinha... Você não acha meio tarde para ter medo dele?

_ Eu não sei mãe. E isso me irrita. Devia existir um manual para tudo na vida, você não acha?

_ Definitivamente não. Seria muito chato. Mas isso você só vai aprender na prática. Você não teve uma experiência muito boa, por isso essa apreensão. Porém, não se prive de tudo na vida. O Thiago não vale essa privação.

Pensei um pouco antes de responder:

_ Tá, tá... Vou tentar.

Ela cercou meu pescoço no seu braço e me fez um cafuné.

 

semete onaji umi no oto wo kiite itai

Pelo menos me deixe ouvir o som do oceano

anata no koe ga

A sua voz

anata no kotoba ga

As suas palavras

chikaku de hibiite furueru

Fazem um eco em torno de mim e tremem

kioku wa soko de tomatta mama

Minhas memórias param ali

 

Passei a noite refletindo sobre as palavras dela. Realmente, não parecia ser muito difícil ser feliz namorando o Aquiles.

Ele por si só já me fazia sentir melhor, mais confiante e segura. Nem mesmo a Bia atreveu-se a me provocar pelo resto da semana. Ela fazia questão de nos evitar. Torci para que ela finalmente tivesse desistido de me provocar.

Na sexta-feira ele jogou novamente. Eu não entendia nada de campeonatos, mas pacientemente ele me explicou que era o penúltimo jogo, e por isso era muito importante.

Nossa classe pareceu ganhar sem muita dificuldade. Foram dois gols no primeiro tempo e mais um no segundo.

Ele estava mais feliz que no último jogo, pois finalmente marcara um gol. Fiquei observando de longe a comemoração entre o time. Preferi não me aproximar, para evitar que ele se privasse de uma celebração tão animada.

 

mata anata to tomo ni eiga no you na

Se pudéssemos fazer isso de novo

aoku somaru machi wo nagametai noni

Olhando fixamente para a cidade que se torna azul como em uma cena do filme

 

Eu quase não me dava conta que estávamos na última semana de aula. A semana seguinte serviria apenas para tomarmos ciência de nossas notas, e entregar os últimos trabalhos.

_ Você viu só que maravilha Mel?! - ele perguntou empolgado, me abraçando apertado.

Na realidade eu não via nada de interessante na nossa sala ganhar ou perder o campeonato.

_ É, vi sim. - tentei parecer interessada também. Creio que sem muito sucesso.

_ Agora só falta um!

Não sei porque ele faria isso, mas sob meus protestos, acabou me pegando nos braços, se dirigindo até a escada.

_ Me solta, Aquiles!

_ Alongamento.

_ Você pensa que sou tão sedentária que nem sei como uma pessoa se alonga?! Me põe no chão!

_ Estou alongando meus bíceps.

_ Pelo contrário, você os está contraindo! E por que você alongaria membros que não utilizou no jogo?! Agora, me põe no chão!

Como ele não me deu ouvidos, comecei a me debater, até que ele me pusesse no chão.

_ Eu devia te dar uns tabefes pra deixar de ser arteiro!

_ Ah não... Tabefe não. Você consegue fazer coisas bem melhores.

_ Mas você é um conquistador mesmo, não? - comentei já não segurando a vontade de rir. - Vai, melhor irmos embora, hoje você ainda tem que trabalhar, não tem? - perguntei arrumando o cabelo que ele se encarregara de despentear com maestria.

_ Hum-hum. - confirmou apenas me assistindo.

_ Perfeito. Alguém tem que trabalhar nessa vida. - dizendo isso, recolhi meu material abandonado no chão e voltei-me para a escada.

Dei os primeiros passos, e ao perceber que ele não me acompanhava, parei e perguntei:

_ O que houve?

Ele voltou a andar até me alcançar. Enlaçou sua mão na minha e perguntou:

_ Topa ir lá em casa amanhã?

 

douka kurai umi no soko ni shizumete

Você vai me afogar no oceano profundo e escuro?

tadoru tabi

Todo o tempo, eu tenho memórias.

omoidasu tabi ni

Todo o tempo, eu lembro.

subete wo tsuranuku setsunasa

Há uma tristeza perfurante

kioku wa koko de togireta mama de

Minhas memórias acabam aqui.

 

Me pegou desprevenida, droga... De novo.

_ Ir à sua casa? - dãr.

_ Ahan.

_ Por quê? - me arrependi assim que as palavras terminaram de soar.

Ele riu, e então tentou se esquivar:

_ Oras... Precisa de um motivo explícito?

_ Ah, não... Digo... Por quê? - Droga, foi a mesma pergunta.

_ Ué... Porque... Porque eu queria que você fosse.

Por que os homens tinham de ser tão vagos?

Já que ia ser assim, o jeito seria eu ser mais específica. E eu detestava isso.

_ Você diz... Ir à sua casa e... Consequentemente conhecer sua família?

_ Sim. Consequentemente. Embora eu prefira dizer que quero que conheça minha família e consequentemente vá à minha casa. Melhor ainda, quero que minha família te conheça, e consequentemente você irá conhecê-los, e como uma consequência secundária, você iria à minha casa.

_ Está nervoso? - era visível que sim.

 

fukaku naru

Isso se torna maior

 

_ Ahn... É uma consequência aceitável. - ele começou a corar.

Oh, que alívio! Não era somente eu que ficava desconcertada! Espere, tenho que admirar esse momento tão único em que o Aquiles cora!

Talvez eu pudesse tirar uma fotografia...

_ Ah, tudo bem se tiver outros compromissos. Se quiser, podemos fazer outra coisa também. Se você não tiver compromissos, como já disse.

Acabei rindo sem querer.

_ O que foi?

_ Não... Nada. Sim, eu... Eu vou sim. Digo, não tenho compromissos, e consequentemente estaria livre para te visitar.

Ele continuou me estudando. Talvez tentando descobrir se estava arrependida. Depois me beijou e disse:

_ Posso pedir para meu pai ir te buscar, claro, se estiver “à vontade”.

_ Ahn, não. - “Já é bastante difícil ter de conhecê-lo” - Continuo não estando à vontade.

Virei-me e comecei a subir, com o meu namorado ao meu encalço. Isso era tão legal... Meu namorado.

_ O que é tão divertido? - ele me perguntou.

E me peguei aliviada pela capacidade de ler pensamentos do ser humano ser apenas um desejo.

_ Nada que mereça sua atenção.

 

anata ga inai

Você não está aqui

kono keshiki wa

E essa paisagem

monokuroomu fureemu

É um quadro monocromático

 

Fomos juntos até o ponto de trólebus, e tive de convencê-lo que tinha a capacidade de encontrá-lo no ponto da casa dele.

Eu ainda não sabia se tinha tomado a decisão certa. Mas se não a tomasse, continuaria sem saber.

 

ano keshiki wo

E essa paisagem

ima mo omoi tsudzukete

Continuará em minha mente

 

Continua


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