Reveille escrita por MayaAbud


Capítulo 45
Viajem


Notas iniciais do capítulo

"DOS MILAGRES
O milagre não é dar vida ao corpo extinto,
Ou luz ao cego, ou eloqüência ao mudo...
Nem mudar água pura em vinho tinto...
Milagre é acreditarem nisso tudo!"
—Mario Quintana



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/337667/chapter/45

Ponto de vista de Jacob

E ali eu estava: imerso no oceano de dor, que um dia, por pouco, o destino me impedira de cair. Não, ele só me deu mais terra firme, para que eu estivesse cansado de caminhar quando chegasse, para que eu me afogasse mais rápido. No entanto, agora não fazia parte dos planos atravessar a nado, pois não haveria nada para mim na outra margem.

Passaram-se três dias. Dias esses em que eu não saí do lado dela esperando qualquer mínima reação. Os clãs amigos foram embora. As Amazonas com o aviso de não desaparecerem em sua floresta tropical, pois era certo que em algum momento os Volturi retaliariam, nos buscariam sozinhos, e os Denali, pedindo notícias de Renesmee e prometendo visitas.

Renesmee estava adormecida, embora o coma não tivesse se aprofundado, era estável. Porém respirava com cada vez mais dificuldade e agora era totalmente viabilizada pelos aparelhos. Carlisle fazia transfusões diárias, mas Nessie não absorvia. Segundo os resultados das amostras que ele tirara o veneno havia vedado seu corpo, quase que cristalizando as células, e nos perguntávamos se seria uma questão de tempo para as células morrerem...

Uma semana inteira e as feridas não davam sinal algum de cicatrização, pelo contrário: a pele em volta parecia cada vez mais morta, de cor arroxeada e aparência cristalizada nas secreções, como se houvesse uma porção de cacos escuros de vidro dentro das marcas de dentes. Exalava um cheiro forte, frio e doce, lembrando o aroma das piras em que se queimam vampiros.

Carlisle havia dito que devíamos falar com ela, conversar mesmo. Foi o que fiz ao pé de sua cama esperando reações que não vieram. Charlie e Sue visitaram. Billy chegou logo depois que eles saíram.

Estava preocupado, não era como se não houvesse motivo, afinal, a minha vida estava inteiramente ligada a de Nessie, no entanto eu não gostava.

_Você não parece bem, Jake_ foi o que ele me disse quando desci para falar com ele.

_Olha quem fala, velho_ não pude deixar de notar como ele parecia cansado. Aposto que ele não conseguiu fazer nada depois que partimos para a Itália. _ De qualquer forma, acho que não me sinto muito bem.

Carlisle surgiu e explicou o que estava havendo com Nessie, os dois caminhando devagar até a varanda. Bella estava de volta ao quarto de Nessie quando entrei, sentada na enorme cama, olhando a filha no leito estreito de hospital, senti meu rosto franzir ao ouvir a música baixa que tocava.

_Virou masoquista, Bella?_ indaguei. A música era triste, foi o que percebi imediatamente. Uma melodia ao piano, melancólica e complexa. Olhei para o rosto impassível de Renesmee, me dando conta de que o som se encaixava perfeitamente com o que eu sentia.

_Nessie compôs. Para você, quando partiu_ respondeu Bella, fazendo com que meu coração inchasse e comprimisse meus pulmões.

_Você já comeu hoje?_ perguntou ela de repente, me surpreendendo. Bella não se preocupou com coisa alguma além da filha desde que ela fechara os olhos_ Nessie não vai gostar de vê-lo assim tão abatido quando acordar.

Olhei pra Bella por um instante, buscando absorver sua esperança, pois meu medo era muito maior que qualquer outro sentimento. Ela me fitou de volta, o rosto se franzindo num pranto sem lágrimas.

_Ela tem que acordar, Jake. Nessie tem a eternidade pela frente, vocês serão felizes... _ ela soluçou_ Tem idéia de como será a vida para todos nós sem Renesmee?_ ela balançou a cabeça como se evitasse tais pensamentos.

_Você acha? Quero dizer, que ela vai me querer?_ falei sentindo meus olhos arderem com as lágrimas que eu não queria derramar, eu ri um pouco. Seu rosto pálido se retorceu em um sorriso doloroso.

_Você vai acabar convencendo-a. Ela ama você, foi o que a fez querer voltar para casa. Edward disse.

_E o que fez com que o sanguessuga mandasse mordê-la_ só me dei conta de que chorava como uma criança quando Bella me aninhou em seu ombro de pedra, onde eu mal cabia, afagando minha cabeça...

***

Acordei desorientado, não percebi ter dormido. Em algum momento eu teria de dormir, afinal, já se passaram dez dias, não imaginei que pudesse ficar tanto tempo acordado, embora eu não estivesse me sentindo muito desperto esses dias. Era noite e chovia, não fazia idéia de que horas era. Carlisle estava no quarto ao lado de Renesmee, Edward estava também, de costas para nós, junto à parede de vidro, olhando o lado de fora, eu podia ver seu reflexo, na verdade ele não via nada: seus olhos estavam fechados, parecia dormir de pé.

A expressão do doutor não era das melhores.

_ O que há?_ perguntei, a voz arranhando, pigarreei sentando-me. Carlisle me olhou por um instante, os olhos escurecidos procurando pelo filho que não se moveu.

_Nessie não dá indícios de que vai acordar e... Assim fica mais difícil fazer algo por ela. O coração está fraco, ela não respira sozinha. É extremamente preocupante, Jacob. _ sua expressão era de pesar. O chiado difícil que era a respiração de Renesmee pareceu soar-me mais alto.

_Está dizendo que não há esperanças?_ foi difícil pronunciar essas palavras, meus pensamentos tropeçando neles mesmos.

_Sempre há esperanças_ disse ele. _ A questão é que se as feridas estão assim, imagine então como devem estar seus órgãos, seu coração, os pulmões! Eu não tenho remédios para isso... As hemodiálises limparam o veneno, mas muito já havia sido absorvido, e não há cicatrização. _ Carlisle passou a mão no cabelo nervosamente.

Estava acabado. Era só questão de tempo. Como eu daria fim a minha vida? Os Cullen provavelmente não me ajudariam com isso nem meus irmãos. Talvez eu buscasse isso na Itália.

Não sei se em reação a meus pensamentos, mas Edward virou-se, me olhando por um longo segundo, antes de sair do quarto seguido por Carlisle.

Olhei para Renesmee toda conectada a aparelhos, dependente deles. Nunca imaginei que isso pudesse acontecer, no entanto ali estávamos... Acariciei seus cabelos, e me inclinei tocando de leve meus lábios nos dela, tão frios.

_ Se você me deixar... Eu vou logo atrás de você. Não vou saber viver sem você, meu amor. Não posso viver sem você.

Esperei que amanhecesse e pedi a Seth que chamasse toda nossa matilha.

Quando chegaram, fui até a floresta falar com eles, na outra margem do rio.

_Vou direto ao assunto: Eu deixaria o bando com Sam, se ele não pretendesse deixar essa vida logo que puder. Mas não acho justo destituir Leah, então ela será a alfa, Embry o segundo em comando. Eles saberão como agir quando preciso.

_Espera aí, irmão_ disse Embry começando a entender.

_Eu não quero uma promoção_ disse Leah.

_Não se precipite, cara, Nessie, está bem_ falou Quil.

_Não, ela não está_ falei me apoiando na árvore mais próxima.

***

Resolvi levantar, havia 24 horas que eu estava no quarto, meu corpo rígido e me sentia sufocado. As pernas formigaram enquanto eu arrastava meus pés pesados como chumbo pelos corredores, sentindo-me um barco sem vela, maré, ou correnteza. Sentei-me no último lance de escada, minhas pernas esticadas diante de mim, escorei a cabeça no corrimão, fechando os olhos, cogitando vagamente a idéia de tirar um cochilo rápido ali mesmo, mas eu não estava cansado o bastante.

Bella e Edward estavam abraçados no sofá de frente para mim, Jasper tinha a TV ligada, mas eu duvidava que ele assistisse, Alice era uma estatua junto à parede de vidro, ora olhava para fora, ora seus olhos varriam a sala, os olhos escurecidos eram perdidos, sem foco. Podia ouvir Rosalie e Seth ninando Sophie na varanda e Esme e Carlisle murmurando no quarto de Renesmee.

O ambiente estático e carregado mudou tão drasticamente que o desespero que ardia constantemente dentro de mim chegou ao pico engolindo toda e qualquer capacidade cerebral que eu ainda tinha, sequer tremer eu pude naquele momento. Nesse instante Jasper já tinha uma Alice paralisada nos braços, ela ofegava como se precisasse de ar, arfando, sufocada, os olhos quase saltando das órbitas e ela parecia tremer. Nunca imaginei que um vampiro pudesse ficar naquele estado, então entendi que o desespero que se instaurara na sala não era exatamente meu.

Aturdido, olhei para Edward a fim de obter alguma explicação e comecei a tremer ao ver sua expressão. O que quer que estivesse acontecendo a Alice naquele segundo era terrível para ele.

_Edward_ Bella murmurou apavorada tentando segurar as mãos do marido que parecia tentar arrancar a pele de granito do próprio rosto _ O que está havendo?_ exigiu.

Pulei os degraus que faltavam enquanto um clima caótico pairava entre nós.

_Alice, por favor, diga_ Jasper pediu tentando acalmá-la, ela balançou a cabeça como uma criança apavorada.

_O que você viu, Alice?_ tão rápido quanto falou, Bella chegou aonde Jasper mantinha Alice de pé, os punhos de Bella cerrados.

_Edward!_ gritou ela, e ouvi os outros posicionarem-se atrás de mim.

_Eu vi... _ Alice soluçou_ Acabou, acabou... Tão nítido_ balbuciou ela e enterrou o rosto no peito de Jasper que estemeceu.

_ O que está acontecendo, Edward?_ Carlisle indagou atrás de mim, mas seu filho não se moveu, ainda sentado, o rosto enterrado nas mãos.

_Diga, Alice_ Bella e eu rosnamos. Jasper nos olhou como se pudesse nos matar se fizéssemos isso novamente, e então com uma voz calma e doce:

_Amada_ ele tocou seu rosto com delicadeza, fazendo-a olhá-lo_ Diga-nos o que viu_ o rosto miúdo da vampira se contorceu.

_Lápides..._ ela soluçou_ Nessie, Jacob... Seis ou oito dias_ sua voz falhou_ O fim. Nosso fim. O fim dos Cullen como são. De várias formas, o fim da família que tanto esperei ter, para sempre_ e ela chorou de uma forma que nem precisava de lágrimas.

Percebi-me escorregando pela parede mais próxima.

Nunca temi a morte, porém não era a minha morte que me olhava nos olhos agora, pelo menos não era isso que me assombrava. Era como se já tivesse sido enterrado saber que minha Nessie se perderia. Não só isso, mas me dar conta de que ela não era só o centro de minha vida, que na verdade era assim para todos ali. Nunca esteve tão claro que ela era o símbolo de séculos de luta e abstinência, ela era o melhor, a personificação, da humanidade que habitara em todos eles um dia. Renesmee não era apenas metade de mim, era também um pouco de cada rosto pálido daquela família, ninguém suportaria perdê-la, ninguém seria o mesmo depois disso.

Eu queria tanto ter a chance de fazê-la feliz, e eu me perguntava agora se eu não deixara isso passar.

Eu queria morrer apenas para não sentir essa dor. Se eu pudesse dar minha vida pela dela... Eu queria poder fazê-la abrir os olhos, mesmo que eu não estivesse aqui para ver, queria que ela pudesse viver seu para sempre, mesmo que não fosse comigo, mesmo que eu não estivesse aqui, mesmo que então ela fosse a linda garota de outro alguém. Eu faria qualquer coisa e não seria um sacrifício, apenas por que ela estaria bem, porque assim haveria vida naquela casa novamente... E minha vida seguiria nela.

Se apenas houvesse uma forma, algo que eu pudesse fazer.

**

Os dois dias que seguiram foram de sofrimento antecipado, embora eu me negasse a chorar a morte de Nessie enquanto ela respirava.

Pela manhã, enquanto eu estava no quarto lendo para Nessie, imaginei que fosse Charlie quando ouvi a aproximação de um carro na estrada até os Cullen, embora fosse cedo, pois ele vinha todos os dias pela tarde.

Bella entrou no quarto, trazendo a habitual bacia de água morna e toalhas, a chama de dor ardendo no negror dos olhos, Alice a acompanhava.

_Seu pai está aí, Jake, com o bando_ disse a pequena.

_Jacob_ Edward me chamou do primeiro andar, a voz urgente. Forcei-me a ir rápido.

_Aconteceu alguma coisa, pai?_ indaguei percebendo como ele estava sério.

_Ele acha que pode fazer com que Renesmee acorde_ murmurou Edward, fraco de esperança.

_ Pai? C-como?_ exigi. Percebendo vagamente os vampiros da casa chegarem à sala, onde meus irmãos estavam dispostos pelo lugar, que ficou de repente cheio.

_O velho Quil Ateara guarda um segredo, que vocês julgam perdido. Pois é perigoso e proibido_ começou Billy com sua voz de trovão. _ As viagens ao mundo espiritual.

Eu sei que era ridículo ser cético sendo quem eu era e vivendo como eu vivia, no entanto, aquela parte das histórias pareciam tão distante da minha realidade que eu continuei calado, ouvindo as explicações de meu pai, como todos na sala.

_ Ainda que fosse perigoso demais, alguém tinha de saber como fazer as viagens como nossos ancestrais faziam. Nosso segredo não podia se perder, por isso quando já muito idoso, meu avô passou o ensinamento para Quil Ateara III, o Velho, seu avô, Jake. Quando chegasse o momento e não houvesse matilha, como na minha geração, ele passaria esse conhecimento a mim. Há dias eu tenho tentado convencê-lo a nos deixar tentar... E por fim ele me permitiu.

_Como podemos ajudar Renesmee?_ indagou Carlisle, proferindo as palavras antes de mim.

_Nossas histórias e fé me fazem pensar que ela está presa entre o mundo espiritual e o nosso mundo... _ Billy hesitou por um instante.

_É arriscado_ falou Edward com uma expressão indecifrável para Billy, que o olhou por um instante longo_ Eu entendo. Obrigado.

_ O que precisa ser feito?_ perguntou Bella, atrás de mim, com Alice na escada.

_ É necessário que alguém faça a viagem que nossos ancestrais faziam. É perigoso, pois o processo é induzido externamente, então é fácil ficar preso fora do corpo.

_Eu vou_ Bella e eu dissemos juntos.

_Não, Bella_ falou Billy com gentileza.

_Porque não tenho alma?!_ disse ela nervosa.

_Porque sua filha é a esposa espiritual do meu filho. Sua alma é parte dele como a dele é dela. Ele é quem deve ir... E voltar_ acrescentou com um olhar suplicante para mim. _Renesmee pode ser deslocada?_ Billy voltou-se objetivo para Carlisle.

**

Carlisle, Edward, Billy e Renesmee foram de jipe. Embry, Bella e eu corríamos subindo a montanha. Billy disse que tínhamos de ir a antigos lugares sagrados nas montanhas, onde eram feitos rituais. Quando o jipe já não podia subir, Embry transformou-se de volta para carregar Billy. Edward carregava Nessie, Carlisle e Bella levavam os equipamentos portáteis conectados a Nessie.

_Depois daquelas rochas uns dois minutos_ apontou Billy para onde Sam estaria com o Velho Quil.

Bella, Carlisle e Edward andavam rápido, mas em velocidade humana, harmoniosamente, compensando cada movimento.

Os pelos de meu pescoço estavam eriçados de ansiedade, eu precisava que o que quer que fosse acontecer desse certo. Ainda não era nem dez da manhã, as nuvens estavam claras, a chuva dos últimos dias parecia ter dado trégua, seria difícil carregar Renesmee naquele estado na chuva.

_Por aqui_ a voz de Sam veio de uma bifurcação rochosa adiante.

Finalmente chegamos a uma gruta rasa e redonda, havia estalagmites que pareciam ter sido coladas propositalmente em um semicírculo, eram cristais. O teto rochoso tinha frestas que permitiam a entrada de claridade. Devia haver alguma nascente ali, pois a cinco metros havia uma pequena piscina natural, de um azul profundo na luz baça.

Perto dos cristais, quase como se eles fossem a cabeceira, o Velho Quil estendeu um acolchoado de pele de animais, onde Edward colocou Renesmee delicadamente.

_Se quiser que saiamos... _ ofereceu Edward ao meu pai, que Embry posicionava sentado numa pedra.

_Somos todos da mesma família agora, queremos a mesma coisa. _ respondeu Billy. Antes que eu pudesse pensar melhor naquilo o Velho Quil me chamou atenção com um gesto e disse com sua voz fraca de tenor:

_Tente quebrar um pedaço qualquer desses cristais, menino_ ele gesticulou vagamente.

Eu obedeci, mesmo sem entender, forçando a ponta de um cristal. A parte que quebrou era irregular e não muito maior que uma noz. Meu avô fez sinal para que eu me deitasse ao lado de Nessie, e obedeci sem relutar. O ancião de cabelos brancos fechou os olhos murmurando algo ininteligível que eu sabia ser em dialeto quileute, ininterruptamente.

Neste momento o sol rompeu as nuvens ofuscando minha visão, entrando pelas frestas no teto e deixando a caverna iluminada ao ser refletido nos cristais e na água ali perto.

O velho se ajoelhou com dificuldade no pequeno espaço entre mim e Renesmee, pegando minha mão, a que ainda segurava o cristal e unindo à mão inerte e fria de Nessie, onde entrelacei meus dedos, prendendo a pedrinha como se nós dois a segurássemos.

_Uno, aqui estará seus corações_ murmurou o velho antes de voltar a murmurar como antes e fechar os olhos.

_Concentre-se, Jake_ ouvi Edward dizer, baixo como um suspiro, e eu o fiz.

***

Poderia ser extremamente claro ou uma escuridão total. Era vagamente como estar dopado, como acordar de uma anestesia. Eu sentia meu corpo, mas não era como ter um corpo, era angustiante de certa forma, sentir-me quase nada, mas eu sabia que não estava só, e esta sensação foi tudo o que eu senti a partir de quando percebi. Por um momento que me pareceu longo demais, que poderia ser dias ou segundos, eu tentei lembrar quem eu era e o que estava fazendo, onde estava... Nessie foi o que lembrei primeiro, mas a palavra não me dizia muito, e isso foi horrível porque devia ser muito, o bastante, tudo. E então eu conhecia seu rosto, todos eles de várias formas e ângulos, e foi só o que eu soube por outro período de tempo. Até que eu a vi, não com meus olhos, eu não sabia dizer se tinha olhos ou se enxergava coisa alguma.

Era como estar dentro da mente dela, ou ela estava na minha? Não era exatamente uma mente, mas talvez uma existência, um tanto inconsistente e vazia. Era como se fôssemos um único ser e aquela existência dúbia e incerta me pareceu tão natural como se eu houvesse nascido assim. O sentimento me fez lembrar quem eu era. Jacob Black. Isso trouxe uma enxurrada de conhecimentos e não houve nenhuma relutância ou confusão, tudo se assentou em mim como areia num copo de água.

Nessie”, eu falei, ou pensei, não tinha certeza. E, como sentir o movimento de alguém que você não vê numa sala escura, eu soube que ela me via como eu a via. Não houve resposta, mas como se eu mesmo sentisse, eu soube que ela me ouvira, ou fosse o que acontecia naquele mundo estranho. Então eu fui impelido por um impulso urgente de quem já não tem tempo, de quem aposta sua última moeda...

Nessie, você tem que voltar, abra os olhos para mim, para a vida. Você tem muito a viver... Nós precisamos de você”, junto de minhas palavras havia imagens e não era como eu estava acostumado, ali palavras e imagens eram feitas da mesma coisa, tinham a mesma consistência, eu lhe mostrava como era a vida de verdade ao mesmo tempo em que me lembrava de como era. Sentia sua reação da forma que no mundo fora dali se sente o próprio coração bater: irradiando, parecendo um único ponto regendo todos os outros.

Seu rosto aqui não era doentio ou cansado, era fulguroso e maduro, de alguma forma muito diferente do que eu me lembrava que era, talvez eu não lembrasse muito bem... Desejei saber como eu me parecia... E eu me vi como via a ela: eu parecia muito imponente em presença e igualmente maduro.

Preciso de você, Nessie, preciso que volte comigo, preciso que volte para mim”.

Eu senti que estávamos juntos, como se eu a tivesse alcançado, a tomado pela mão, e ainda sem resposta sua reação muda a mim irradiava por nós dois. Eu sabia que ela estava ali, dentro de mim ou fosse o que fosse, estávamos unidos numa mesma força. E de repente foi como no início, ela estava lá, apenas estava, inerte novamente, sem energia... E logo sem presença.

E logo eu me encontrei sozinho, novamente, sem tempo ou espaço, sem luz ou escuridão.

**

Eu estava vagando, havia uma sensação boa ali, como se não houvesse nada com que me importar ou preocupar. Eu... Quem era eu? Fiz esforço e houve sons, que aos poucos ficaram mais nítidos, eram vozes, e essas ganharam rostos, que ganharam cores e formas. A maioria era muito parecida: a mesma pessoa, em diferentes fases.

E eu lembrei que havia sim, algo importante. Mais importante que saber quem eu era, apesar que isso eu descobri logo após lembrar Renesmee, como se isso viesse a partir dela.

E então me tornei consciente do murmúrio perto de mim, enquanto pouco a pouco eu sentia meu corpo em volta de mim, desde o peito irradiando até a ponta dos dedos... Abri os olhos e eles foram ofuscados.

Percebendo a mão fria e frágil na minha, me dei conta do que estava acontecendo.

_Renesmee_ balbuciei, minha voz soando fraca e rouca. Virei a cabeça, percebendo vagamente que estava no quarto de Nessie na casa branca e que ao invés do leito de hospital, ela estava comigo na enorme cama. Ela ainda parecia como antes _Não deu certo?_ falei levantando e me arrependendo.

Meu cérebro parecia estourar como pipoca em minha cabeça

_Sim!_ disse Carlisle vindo até o lado da cama que eu ocupava, fazendo-me deitar. Esme logo atrás dele, parecendo ansiosa e... Aliviada?_ Seu avô nos garantiu que deu certo.

Olhei ansioso para ela, percebendo algo entre nossas mãos ainda unidas: o cristal. Não poderia ser o mesmo, poderia? Tinha o mesmo formato e tamanho de que me lembrava, porém não era incolor acinzentado como todo cristal in natura, tinha agora uma coloração castanho-avermelhada, embora ainda fosse transparente. Carlisle me tirou de meus pensamentos focando uma pequena lanterna em meus olhos enquanto me examinava. A próxima coisa que percebi é que meu braço direito estava ligado a um tubo com soro e meu estômago roncava desconfortavelmente.

_Seus sinais vitais estão normais_ disse o doutor sorrindo. _ Eu confesso que não acreditei muito que isso tivesse dado certo até ontem, quando seu coração voltou a bater.

_O quê, eu morri?_ perguntei sentindo-me tonto de fome. Carlisle e Esme riram e percebi facilmente que era de alívio.

_Você entrou em um estágio de catalepsia. Teria sido facilmente dado como morto por um médico comum_ claro, um humano, que não pudesse ouvir qualquer mínimo som que meu corpo faça. _Esme, prepare algo leve para que o Jake coma, ou seu estômago vai devorá-lo_ o médico riu, otimismo irradiando dele. Esme assentiu, afagou minha perna e saiu do quarto.

_ E Nessie?_ indaguei, sentindo-me um pouco melhor ao me dar conta de que não havia tubo nenhum em suas narinas: ela respirava sozinha.

_ Ela mostra sinais de melhora, mas não acordou. O velho Quil disse que ela precisa se recuperar. Como vê ela respira sozinha, parece mais corada_ ele sorriu_ Lembra de algo? O que aconteceu?

_Não... Lembro-me de Edward pedindo que eu me concentrasse... E de acordar, agora. _ falei tentando encontrar algo no vazio que era minha mente_ Há quanto tempo estou desacordado?

_Estamos amanhecendo para o quinto dia.

_Onde estão todos?

_Caçando... Eles precisavam. Mas já devem estar de volta.

**

A sopa que Esme me fez estava deliciosa, senti-me muito melhor depois de me alimentar um pouco, apesar de que as primeiras colheres foram recebidas dolorosamente por meu estômago.

O dia havia acabado de amanhecer quando todos chegaram. Ouvi quando no primeiro andar Esme deu a notícia de que eu despertara. Carlisle me explicou que tinham quase perdido as esperanças, apesar de o Velho Quil ter dito que talvez demorasse, pois eu tinha que encontrar o caminho. Era engraçado porque eu não me lembrava de nada. Era apenas como se eu tivesse dormido um sono sem sonhos.

_Jake!_ disse Bella ainda na porta, os olhos brilhando em dourado, para no segundo seguinte me sufocar com um abraço gelado.

_Oi, Bells.

_Como foi a viajem?_ perguntou Edward risonho. Parecia que o fato de eu acordar deixava tudo menos preocupante, era o começo, um indício de que tudo ficaria bem, de que Renesmee ficaria bem.

_Na verdade, eu não faço idéia.


No fim da tarde, Carlisle finalmente deixou que eu saísse do quarto, eu já havia levantado e voltado para a cama devido às tonturas de ter ficado tempo demais na horizontal. Tomei um banho e voltei para o lado de Nessie, ansioso, querendo ser o primeiro a ver seus lindos olhos cor de chocolate abertos. Porém ainda não foi naquela noite... Nem no dia seguinte.

Renesmee tinha uma aparência melhor, o tom azul gelo já dava espaço a uma palidez menos doentia, sua pele ainda não era quente, mas também não era fria como um vampiro. Seu coração era mais audível também, pouco mais lento que o normal.

Os garotos da reserva iam fazer um jantar à beira da fogueira, comemorando que eu não fiquei preso no mundo espiritual, o conhecimento do segredo (que eu não conhecia, pois fora induzido e não lembrava de nada), e que Renesmee estava melhorando. Seria terrível para todos os lobos que eu sofresse sua perda.

Eu não queria ir, queria ficar ao lado dela...

_Ah, Jake, vamos lá! A festa é para você, que foi o primeiro em séculos a ir ao mundo espiritual_ dizia Seth animado_ Ela vai ficar bem.

_Seth tem razão_ apoiou Carlisle, fazendo novos curativos nos ferimentos de Nessie.

_Vá, tenha uma refeição em família, com os amigos, vai fazer bem a você. Está pálido de ficar nesse quarto tanto tempo, Nessie não vai gostar_ empurrou Bella_ Não que não esteja em família aqui, mas Esme não ia gostar de ter uma fogueira no meio da sala.

Seth, Carlisle e eu rimos, imaginando a cena.

Sentindo o peso do pequeno e estranho cristal em meu bolso e decidi que iria. Havia uma coisa que eu queria fazer antes que Nessie acordasse e deveria ser em minha casa.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Eu acho esse capítulo muito interessante com a parte do mundo espiritual e tudo...
O que acharam?

Comentários?
Temos só mais dois capítulos, que tal as e os fantasmas aparecerem até lá?

Desde já e de sempre na verdade agradeço imensamente todos os comentários, de minhas leitoras fieis. Vc's me fazem muito feli8z.