Ponto de vista de Renesmee

Na praia, parei a alguns metros da água, fitando o horizonte. Estivera ali tantas vezes... Conhecia cada curva da praia, cada tronco antigo caído na areia, mas tudo parecia tão vazio e incompleto. Acho que eu é quem estava assim. Isso não parecia normal, me sentir assim. Mas, claro, quem era eu para falar em normalidade? Meu censo comum devia ser bem distorcido comparativamente. Talvez fosse culpa de minha parte vampira que eu sentisse tudo tão intensamente. Vampiros não são passíveis de mudanças, era isto: Jake sempre esteve ali e então...

_Renesmee_ a voz baixa me assustou. Estava imersa demais em pensamentos para percebê-lo.

_Oi, Seth_ murmurei.

_ Também quer ficar sozinha?_perguntou com uma hesitação que não combinava com ele. Dei de ombros. Sentia-me só de qualquer forma.

_Também?_ indaguei confusa com sua frase. Ele passou por mim sentando-se num tronco mais perto da água. O segui enquanto ele falava.

_Falo de Jake... Isso é tão estranho_ franziu o cenho. Suspirei.

_Por que, Seth? Quero dizer... Nós brigamos... Mas eu estava com raiva e ele também... Nada daquilo devia ter sido sério... É exagero dele. Explique-me. _ pedi indignada.

_ Eu vi como foi. Você parecia muito certa do que queria... Claro, por raiva_ disse-me, pensativo.

_Quero que ele volte_ uma lágrima me silenciou, e Seth passou um braço longo por meu ombro_ Aquele idiota! O amo_ falei através do choro.

_Ele não nos deixa falar ou pensar em você_ disse como quem se desculpa. Eu sabia que Jake não gostava de dar ordens. Isso significava uma coisa... “Ele me odeia, agora”, pensei para Seth.

_Ele a ama, Nessie. Sempre vai amar. Ele odeia seu... A situação_ Agora parecia uma acusação. Eu sabia que ele pensava em Will.

_ Aquilo acabou_ revirei os olhos e ele riu. “O que?”, pensei para ele, confusa.

_ É que Claire reclamou com Quil que seu namorado_ ele fez aspas no ar com as mãos_ andou de mãos dadas com outra garotinha da turma. Quil não gostou de vê-la tão chateada_ Ele riu balançando a cabeça. Lembrei-me da garotinha me confidenciando.

_Ela tentou convencê-lo de dar uma lição no menininho, e eu juro que quase conseguiu_ Seth riu mais.

_ Claire é uma graça. Queria vê-la. _ provavelmente veria de qualquer forma, dali a dois dias, na casa de Charlie.

_ Ah, é! Jade a adora. Dão-se super bem.

Jade? Bom, era mesmo um lugar pequeno, mas... Justo Claire? Jade precisaria no mínimo conhecer Emily, e Sam, então Billy... Meu rosto se franziu em confusão e o garoto pareceu perceber.

_ Esqueci que você não sabe... É que Jade está com Embry_ Explicou-me calmamente.

_O quê? Como assim?_Guinchei_ Ela namorou Jacob, ou sei lá o que eles realmente tiveram e... Embry é irmão de Jake. Isso não é muito legal de se fazer... _ Balancei a cabeça. Pelo menos estava claro agora, pois se Jade estava com Embry Call, agora ela fazia parte da grande família quileute.

_ Bem, Leah namorava Sam quando ele conheceu Emily, e você sabe sobre Bella e Jake. Bom, Jade e Embry não estão juntos ainda, mas logo estarão, eu sei que sim_ ele falou distraidamente. Eu meio que havia esquecido a última parte, mas a primeira me abalou mais.

_Emily... Vocês são primos. Mesmo assim eles tiveram coragem de... Que horror! Nunca imaginei tal coisa sobre Emily_ murmurei abismada. Seth se moveu ao meu lado parecendo ofendido com minha reação, mas ainda distraído demais com algo nas ondas.

_ Não se pode contra a força do imprinting_ murmurou fitando o horizonte.

_ O que é imprinting?_ Seth me olhou um segundo.

_Hmm... Eu não posso contar, faz parte das lendas_ O garoto parecia quase... Arrependido? Engasgado?

_Achei que conhecia todas as lendas secretas... Conte-me?!_ Pedi, ele hesitou por bastante tempo. Então decidiu:

_Imprinting... É como nós lobos quileutes, encontramos nossas parceiras. Como a alma gêmea em que muitos acreditam, mas é mais forte, ou como Leah prefere: um mecanismo que transforma lobos portadores de cromossomo ‘y’ em verdadeiros idiotas. Lembra da terceira esposa de Taha Aki?_ perguntou retoricamente.

_A esposa espiritual_ Sim, eu sabia... Taha Aki não suportou viver depois de seu sacrifício_ E ainda existe isso? Essa... Magia?_ Mal podia acreditar.

_Emily é a esposa espiritual de Sam. Ele amava minha irmã, mas nada era mais importante que Emi.

Lembrei então, da Leah de anos atrás (não que ela tenha mudado muito). Parecia sempre com raiva ou triste, mesmo quando sorria. Nunca pensara sobre isso. Pobre Leah.

_Foi como ela conseguiu as cicatrizes. Emily não queria magoar ainda mais Leah, e como ainda não entendia sobre nada disso disse não para Sam, e jogou na cara dele que estava agindo como o pai, fugindo de suas responsabilidades_ eu sabia que Sam tinha mágoa do pai. _ Ele se irritou e ela estava perto demais... _ Seth suspirou.

_ Então foi isso que houve entre Jade e Embry?_ senti-me estranhamente aliviada. Sempre tivera medo de que ela e Jake engrenassem em algo e ele não tivesse mais tempo para nós. Principalmente quando ela e a avó se mudaram para a reserva. Tudo ali era tão... Meu!

_ Foi. Embry meio que gostou dela pelos pensamentos de Jake, foi bem esquisito. Então um dia eles se encontraram aqui na praia e. _ Seth encolheu os ombros sorrindo. De alguma maneira estar ali com ele era bom, um elo me ligando ao meu irmão.

_Isso não aconteceu com você nem com Jake, não é?_ Já sabia a resposta, eles nunca namoraram ninguém. Ele não me olhou ao balançar a cabeça em negativa, parecia constrangido.

_Se Emily não o queria, como ela o quis depois de quase matá-la?_ pensei na forma como eles se olhavam, como se vissem através do outro. Ainda mais intenso do que o amor eterno entre os pares em minha família. Não condizia com a história de Seth.

_ Quando ela foi ferida Sam enlouqueceu. Teria se matado se fizesse ela se sentir melhor. Então ela é quem acabou consolando ele_ Perguntei-me se ela tivera medo de não ter alternativa já que seu rosto adorável estava arruinado... Quem a amaria? Talvez tenha se perguntado.

_E se ela ainda não o quisesse? Ou não tinha opção, afinal?_Indaguei.

_Claro que tinha opção. Mas de alguma forma ele ainda seria qualquer coisa que ela precisasse, se encaixaria em sua vida onde coubesse, como confidente, ou qualquer outra coisa, mas é difícil resistir. Eles são um só e é eterno e ainda seria assim se houvessem escolhido diferente.

_Só posso imaginar, nunca gostei de ninguém_ Comentei desanimada. Seth me olhou com certo espanto antes de falar:

_E seu namorado?_ Mais uma vez parecia uma acusação. Dei de ombros, indiferente.

_Acho que me enganei. Foi só vaidade... Nada que valha a pena_ Encerrando nossa conversa houve um buzinado no estacionamento. Eram Alice e Bella. Seth resolveu ir conosco para casa, alegando saudades de todos.

Deixei Seth com meu pai e avô e subi para o quarto. Fiquei olhando os flocos de neve caindo e derretendo antes de atingir o chão. Alice disse que teríamos um natal branco... Uma batida na porta me tirou dos pensamentos. Era Edward.

_Então... Seth disse que contou sobre o imprinting_ Disse ele calmamente, curioso também. Assenti.

_E é claro que você já conhecia_ falei. Ele sorriu totalmente culpado.

_ Sim. Seu jantar está pronto_ E então ele desceu. Estava certa de que ele vistoriara meus pensamentos. Só não sabia por que viera até aqui para isso... Bom, era meu pai super protetor, afinal.

***

Pela parede de vidro do quarto o que eu via era a floresta tingida de branco, enquanto esperava que todos se aprontassem para a ceia de natal de Sue e Charlie.

Alice me vestira em um vestido cujo tudo o que eu sabia dizer é que era vermelho e sentia sua saia roçando em meu joelho. Não discuti nem com ela nem com Rose quando veio arrumar meu cabelo. Era antes de meio dia quando saímos, caía pouca neve. Estava em completo modo robô, pronta para sorrir e concordar. Minha mente estava em meu bobo-amigo-lobo-fugitivo, pois embora me doesse pensar nele, era melhor que a dor vazia e constante, a ânsia irracional por algo que me ligasse a ele era maior e eu precisava lembrá-lo. Mas meu cérebro híbrido tinha espaço demais para coisas enormes. As emoções eram como furacões.

Vovô e Sue nos esperavam na porta, que estava enfeitada com luzes e sinos. O cheiro de comida quente se misturava ao ar frio e escuro da tarde. Cumprimentei-os, sorrindo, e não avaliei o resultado de minha encenação. A casa estava cheia, mas em cada canto parecia haver espaço vago. Dei um “olá” para todos, secretamente surpresa por ser tão bem tratada. Afinal eles eram a família de Jake, de muitas formas, e eu era quem o havia feito partir... Pensei em pedir desculpas a Billy.

_Ele sabe como tudo aconteceu_ sussurrou meu pai_ Mas se a fizer sentir-se melhor_ Fiquei tão constrangida que mudei de idéia. Ativei meu escudo, verificando de vez em quando, só para percebê-lo de volta a inatividade. Fui sentar com tia Rose_ que estava num canto distante da sala parecendo pouco a vontade. Bella e Leah estavam com ela, e mesmo distantes conversavam.

_Minha área é outra, mas eu poderia ajudar_ Dizia Leah quando sentei ao lado de Bella.

_Acho que se sairia bem, Rose_ encorajou Bella.

_ Não sei... E é tentador_ Rosalie mordeu o lábio.

_Mês passado houve um bebê cuja mãe não sobreviveu ao parto, ele está sobre custódia do governo_ imaginei que Leah falava de seu trabalho como assistente social no hospital.

_Nunca pensei a sério nisso... _ Rose refletia.

_Nessie!_ Uma vozinha chamou, e virei à procura. Sorri com todo o ânimo que pude levantando para abraçá-la. Jade estava bem atrás de Claire, e sorria timidamente.

_Oi, Renesmee_ Disse-me Jade, parecendo constrangida.

_Bom revê-la_ falei sinceramente, percebendo que poderia gostar mesmo dela, agora que era certo que não seria ela a me afastar de meu amigo.

_ Aí estão!_ disse Quil vindo da cozinha com Embry. Quil pegou Claire e a colocou no ombro, ele a tratava como um bebê, e Embry beijou Jade no rosto. Ambas as cenas ativaram algo com uma ferroada de dor. Algo sem foco, uma lembrança? Um lampejo, que estranhamente se apagou antes que eu pudesse distingui-lo. Então, me trazendo a realidade, ambos os rapazes me beijaram no rosto.

_Como você está?_ Quil perguntou pesaroso, ele parecia perceber como a pergunta era deslocada. Dei de ombros, ainda sorrindo de leve. Ele me olhou com pena e eu não gostei disso. Tive a impressão de que Embry diria algo, mas Kim e Jared se aproximaram. Depois de dizer ”oi”, me afastei discretamente, pois eles começaram uma conversa animada demais para mim.

_ Ei, garota_ Seth se aproximou. Reprimi o impulso de revirar os olhos, ele era sempre tão alegre. Fiquei de longe observando Kim e Jared...

_Seth_ sussurrei_ Kim e Jared... Também?

_E Rachel e Paul_ ele mordeu o bolinho em sua mão. Absorvi tudo por um minuto. Isso... De imprinting era bem comum, então. De repente senti medo. Um medo indistinto e sem origem aparente.

Depois da comilança e da troca de presentes, era hora de ir, já era noite.

_Tchau, Billy_ despedi-me timidamente.

_Tchau, pequena. Renesmee... Não se preocupe. Jake está sendo Jake_ Assenti minimamente. Eu via que ele não estava mais feliz que eu. Num impulso, o abracei e ele retribuiu sem hesitar. Senti meu rosto se retorcer numa estranha versão de sorriso.

_ Pai, como é o imprinting?_ Pedi no caminho de casa_ Você tem acesso a cabeça deles... _ sabia que não era educado vasculhar a mente alheia assim... Ele hesitou claramente.

_O que quer saber?_ Edward me olhou pelo retrovisor.

_Seth disse que nada é mais importante que o objeto de possessão... _ pensei em Sam deixando Leah por Emily_ Mas que o outro lado tem escolha.

_O imprinting não tira o livre-arbítrio de ninguém. O que houve com Emily é que ela não pode resistir à devoção dele nem a atração por ele. Certa vez eu pude ver tudo: Emily o rejeitava e ele só queria estar na vida dela. Então ela disse o que rompeu seu tênue controle no exato momento em que ele estendia a mão para tocá-la. A agonia dele ao vê-la tão ferida...

Eu podia ver toda a cena enquanto meu pai falava. Mas ainda me perguntava sobre esse sentimento forte, atração não me parecia uma boa desculpa para o que fizeram com Leah.

_ Sabe a gravidade e todas as leis da física?_ ele perguntou retoricamente, sua mão deixando o volante e encontrando a de Bella_ Nenhuma é válida, todas desaparecem. Tudo o que te torna o que é, sua essência, seu âmago é arrancado de você, mas você ainda está lá, porque ela te prende. E de alguma forma ela é você_ Ele beijou a mão de minha mãe. Novamente eu só podia imaginar. Seria como o amor devoto dos vampiros?

_Embora o cheiro de Bella tenha me atraído, e seu silêncio mental me mantido_ Agora ele parecia pensar em voz alta_ A amei quando a conheci, quando vi como era bondosa, altruísta... Não sei o que aconteceria se um lobo sofresse imprinting com alguém de caráter duvidoso.

Fiquei pensando em tudo aquilo. E quando eu dormi, não sabia que não era real. Jacob estava ali, segurando minhas mãos. Fiquei tão alegre que nem pude falar. Ele, no entanto, detinha-se a algo por sobre minha cabeça. Seu sorriso tornando-se mais largo e ele fez menção de soltar-me. Desesperei-me.

_ Jacob, venha_ disse a voz conhecida, atrás de mim_ Você é meu.

_ Como quiser_ Ele disse me deixando de vez. Fiquei chocada ao vê-lo dirigir-se até minha mãe, em toda sua glória imortal e beleza. Ela apenas me olhou, com desdém, enquanto ele a envolvia com os braços. Tentava me mover, gritar enquanto ele se inclinava, os olhos dela só me deixaram para ir de encontro ao rosto dele...

_Shhh... Foi só um sonho_ Dizia meu pai me embalando, Bella me olhava preocupada. Eu não lembrava com certeza o que sonhara, era confuso, mas sentia-me traída e magoada a um ponto que nunca imaginei possível. Meus pais ninaram meu sono, e consegui voltar a dormir.

O sol refletia na copa das árvores cheias de neve, a luz forte entrava pela parede de vidro. Quando desci minha mãe estava ao telefone, e parecia ser com Renée, junto à parede de vidro dos fundos. Rosalie estava com Emmett e Edward nos sofás.

_ Se vê as coisas desta forma_ Disse meu pai quietamente.

_Não suportaria que um filho meu passasse pelo que passamos, ter essa vida. Mas eu não teria coragem de vê-lo envelhecer e... _ Rose suspirou, parecendo exausta. Eu hesitei, perto do piano.

_ Podemos pagar pra ver_ sugeriu Emmett.

_ Não vou adotar e colocar uma criança num perigo desses. O que os Volturi fariam? Morte ou vida vampiresca. O preço é muito alto_ Rápido demais ela saiu pelos fundos com Emmett logo atrás.

_ Onde estão os outros?_ perguntei quando notei os olhos de meu pai em mim.

_ Alice arrastou tantos quanto pôde para as compras de ano novo_ Disse minha mãe, subitamente ao meu lado, então se dirigiu ao meu pai_ Preocupado?

_Rose... Há tempos não se martirizava pela falta de alternativas_ Falou melancólico. Bella não expressou reação e me puxou para a cozinha a fim de preparar meu café da manhã. Estava muito séria.

_Aconteceu alguma coisa, mãe?_ por um instante ela me olhou surpresa. Concluí que era por meu interesse, minha percepção. Bella suspirou.

_ Renée. Ela... Voltou a falar em visitas. Agora que “estamos para nos formar”. Está economizando para ir ao Alaska, para a formatura_ Colocou um prato na minha frente. Edward entrou na cozinha, sentou-se e a puxou para seu colo enquanto eu mordia meu sanduíche.

_Você está infeliz_ Meu pai tocou na ponta do nariz perfeito de Bella_ Deve haver uma forma.

_No fim das contas deu certo com o vovô. Além disso, imagine se eu estivesse nessa situação. O que preferiria?_Bebi meu suco.

_Eu nunca ia querer sair da sua vida_ respondeu e acrescentou_ Mas é complicado. Essa é a vida que escolhi para mim. Nunca estive a vontade naquele mundo, mas Renée está muito bem onde está.

_Hmm_ Edward sorriu_ Na verdade, sempre que ouvi Renée, sua mente me soou tão adaptável quanto à de uma criança.

_ Não a quero longe, mas não é seguro. Ao contrário de Charlie, ela é muito atenta aos detalhes.

_ Acho que ela aceitaria o que lhe fizesse feliz, mãe_ Murmurei.

A semana se arrastou com uma monotonia cansativa. Para a festa que haveria na nossa casa, Alice me pusera em um vestido de cor champanhe. Lanternas japonesas brancas e rosas com fitas douradas pendiam por toda a casa até a varanda. Ao descer falei com todos, os mesmos de uma semana atrás.

_ Onde está Leah?_ perguntei a Seth.

_Não vem. Ia... Sair com alguém do trabalho_ Deu de ombros.

_ Isso é bom!

_ Renesmee_ Chamou Edward do outro lado da sala_ Porque não toca para nós esta noite?_ Apontou para o piano ao seu lado. Todos murmurando incentivos.

Letargicamente o fitei um longo segundo. Há quanto tempo não tocava? Ou ouvia música? Até mesmo meu pai deixou de tocar quando percebera a forma como isso me atingia, fiquei surpresa que eu tenha registrado o fato. Caminhei hesitante até a banqueta, esperando não errar nota alguma, mas tocar fazia parte de mim... Embora isso não significasse muito: tanto já fez parte de mim.

Sentei, me perguntando como estaria Esme sem ouvir meu pai, ou meus pais sem me ouvir tocar. A canção de Esme e Carlisle passou a fluir de meus dedos e se espalhar pela sala com a suavidade de perfumes de rosas. Vi minha avó e meu pai sorrirem. Colocando como intervalo uma nota menor, introduzi a canção de ninar de minha mãe, não tive entusiasmo para retribuir adequadamente o sorriso deslumbrante que ela me deu. Evitando os sorrisos que feriam de formas estranhas, fechei os olhos, ainda movendo os dedos pelas teclas e saboreando minha tristeza. Dentro de mim, acima da profusão de notas que envolvia a sala, outras notas surgiam. Elas pareciam traduzir com perfeição o que eu sentia.

A canção de Bella se encerrou e, sem comando consciente, minhas mãos começaram a composição luxuriante e melancólica de minha imaginação. A harmonia que imergiu na sala era quase tangível, me fazendo submergir. Quando toquei a última tecla senti uma lágrima correr por meu rosto e abri os olhos. Todos aplaudiram. De relance vi Emily enxugar os olhos. Edward me abraçou.

_ Essa é nova_ disse em meu ouvido. Assenti apenas.

_ Linda!_ Exclamou Bella me abraçando e me tirando do piano.

Agradeci todos os comentários e me sentei no sofá. Estive mais dispersa esta noite do que na festa anterior. Algum tempo depois Emmett, Seth e Jazz apareceram vindos dos fundos.

_Um minuto_ Disse Alice, sinalizando para que todos a seguissem para fora.

Ao longo do rio, havia espécies de canos, quase imperceptíveis em contraste com a neve branca, fixados ao chão. Meus tios e Seth eram vultos deixando pavios acesos por onde passavam.

_ Cinco segundos!_ Alice anunciou, iniciando a contagem regressiva. Chegando ao número um, milhares de cores explodiram no céu.

Todos à minha volta diziam seus votos de mais um bom ano, mas eu estava alheia a isto, sorrindo entre as lágrimas, fitando a forma que só eu parecia ver dentre as centelhas de cores: o perfil de um lobo.

De volta a Seattle, tentei interagir um pouco mais na escola, mas com a falta de êxito eu logo desisti. A única pessoa que pareceu disposta a me tratar como uma pessoa sã foi a mais improvável: Ive. Ela agora estava em muitas de minhas aulas, e pareceu compadecer-se de minha tentativa de voltar a parecer normal, nos dávamos bem como nunca imaginei.

_Não liga para isso_ dizia ela numa quarta-feira depois que ouvimos um comentário maldoso sobre como eu parecia, enquanto íamos para a aula de economia doméstica_ Eles não sabem de nada. Deixe que pensem que somos duas amarguradas antipáticas.

_Tudo bem_ concordei_ E Willian?

_Melhor nos mantermos longe, só por um tempo_ disse ela.

_Por quê?_ indaguei, discordando de sua atitude. Ela se declara para o amigo e depois se afasta dele?

_Tivemos tempo demais juntos e ele nunca me notou. Talvez venha sentindo minha falta_ deu de ombros. _ E Jacob?

_Anda muito ocupado_ respondi sucintamente.

Eu contava a ela parte das coisas, já que eu não podia dizer que havia mandado meu amigo transformo embora e ele me obedecera como um cãozinho fiel e desaparecera. Era bom ter companhia afora toda essa loucura, embora o mundo humano às vezes me parecesse muito mais estranho.

_Que dia é hoje?_ perguntei vendo a desorganização de minhas anotações.

_Vinte e oito de abril_ Ive respondeu distraída. O ar saiu de minha boca como se eu tivesse levado um soco.

_Você está bem?_ perguntou cautelosa. Assenti controlando minha expressão. Fazia sete meses que Jake havia ido para sabe-se lá onde.

Shakespeare tinha razão: não importa em quantos pedaços seu coração se quebre, o mundo não pára para que você o conserte. E não acho que haveria muito conserto para mim, haveria?

Cada dia que passava era mais um, igual ao anterior, em que passava o tempo desenhando sorrisos nas janelas embaçadas, sem lembrar da última vez em que sorrira de verdade.

A última notícia foi de quando Billy não andou se sentindo muito bem, Seth havia conseguido falar com ele... Com Jake. Ainda assim não foi o bastante para fazê-lo voltar.

Uma batida na porta de meu quarto me trouxe para o presente. Era meu pai.

_Renesmee, Willian está vindo para cá_ disse ele. Não falei nada, meu pai ouvia minha confusão. O que ele estaria fazendo ali?

_Vai falar com ele?_ papai quis saber.

_Devo?_ eu não falava com ele desde... O meu aniversário.

_Acho que tudo bem, a não ser que não queira.

_Tudo bem, quem está em casa?

_Nós, sua mãe e Rose. Vamos ficar fora das vistas dele, acho que não terá problemas_ disse Edward.

_O que ele quer?!_ refleti em voz alta.

_Esclarecer as coisas, pedir desculpas... Ele estará sendo sincero_ meu pai disse e eu decidi não pensar no assunto até que ele estivesse aqui_ Estaremos no bosque, Rose está na garagem.

Preparei um lanche e comi na sozinha enquanto o esperava, a campainha tocou e, ainda mastigando, fui abrir a porta. Minha cara de surpresa não foi das melhores quando dei de cara com Willian na porta.

_Oi, Nessie, er... Posso falar com você?_ ele passou a mão no cabelo, nervoso.

_Entra_ pedi_ Estava fazendo um lanche, você quer?_ falei desinteressada enquanto ele me seguia até a cozinha.

_Não obrigado_ ele sorriu sem graça.

_Porque a visita?_ fui diretamente ao ponto, era horrível fingir interesse.

_É que... Bem... Nós nunca terminamos oficialmente. Você deve me odiar, não é?_ suspirou_ As coisas ficaram tão estranhas... Você ficou doente por duas semanas, seus irmãos não explicaram nada a ninguém nem deixaram que viessem visitá-la, sequer por telefone dava para falar com você... E quando voltou parecia outra pessoa... Ignorou a todos...

_Veja, bem, acho que você esqueceu_ interrompi_ Nós terminamos sim, pensei ter sido clara no dia do meu aniversário_ começava a me sentir impaciente.

_Tudo bem, Nessie_ houve um instante de silêncio onde nos fitamos. Os dois de pé na cozinha. _ Não sabe quanto de medo engoli até aqui. Pensei que seus irmãos fossem me matar quando souberam da aposta, não me deixaram mais chegar perto de você. Acontece que... Isso vai soar estranho_ respirou fundo e me olhou nos olhos_ Eu fui um idiota com você. O que você me disse no dia da sua festa, me fez pensar e ver que eu tinha de me desculpar com você e com muita gente. Ninguém nunca falou algo do tipo para mim.

_Posso pensar em alguém que tenha_ eu murmurei.

_Ive tem sido uma boa amiga para mim_ ele não parecia estar falando comigo_ Vocês têm estado bem próximas não é? Deve saber que ela gosta de mim, não é? Você se incomodaria se eu... Bem, se eu e ela...

_De maneira alguma_ falei entendendo o que queria dizer_ Acho muito justo, na verdade.

Ele assentiu devagar, evitando seu olhar levei meu prato e meu copo a pia, aquela conversa estava estranha.

_Ive se afastou de mim, eu não queria isso_ sua voz morreu e houve um longo segundo de silêncio, onde despejei sabão no prato e comecei a esfregar distraidamente.

_Não vou mais protelar: Renesmee você é uma pessoa maravilhosa e realmente lamento se a magoei_ ele corou levemente_ Eu gostaria de ter sido melhor com você. Algo me diz que não terei a oportunidade de estar com alguém como você.

Eu estava de guarda baixa, não esperava a sinceridade que ardeu em seus olhos azuis safira.

_Está desculpado, e acredite: eu sou muito mais estranha do que imagina_ sorri debilmente, sentindo alívio em estar fechando um ciclo, sem mágoas daquela parte. Ele sorriu de um modo que me fez lembrar a razão para ter ficado encantada com ele.