Bito

         O som era totalmente real. Não havia chance de que não fosse. Era sempre no mesmo horário. Ela, com seu pijama laranja de cenoura, correu até a porta, desesperadamente, girando a maçaneta e a abrindo, para deparar-se com o corredor vazio.

         Mesmo assim, ela não duvidava.

         Definitivamente, ele batera.

         Ele sempre se esgueirava pelos corredores, sem que ninguém notasse, e ia lhe pôr para dormir, pois sabia que a jovem Megpoid tinha pesadelos.

         Apenas Gumiya, seu cheiro e a sensação de seu toque faziam-na ter uma noite tranquila.

         Por isso ele tinha de aparecer. Como sempre. Dar três batidinhas na porta e entrar com aquele mesmo jeito sério. Ele se sentaria no chão, ao lado da cama, e faria algo. Talvez acariciasse seu cabelo, talvez apenas corasse e abaixasse os olhos, talvez segurasse sua mão... Cada dia era diferente.

         Seus pés descalços batiam contra o piso frio, deixando suas pernas ainda mais trêmulas, até pararem em frente à última porta do terceiro andar. O simples ato de permitir que seus dedos hesitantes tocassem no ferro gélido da maçaneta a causava temor.

         E então abriu, deparando-se com a cama perfeitamente forrada, com as estantes em ordem, com os cadernos escolares sobre a escrivaninha. Porém, o único objeto que realmente vira fora os óculos de aro negro, repousados no criado mudo.

         Tocando-o com cuidado, Gumi fechou os olhos. E logo em seguida agarrou-se àquilo que se tornara um preciso artefato para si, debulhando-se em lágrimas e soluços que lembravam sons feitos por animais feridos.

         Gumiya não se fora. Ele sempre fora e sempre seria seu guardião.

         Mesmo que o único que restasse fossem seus óculos.

         Para sempre... enquanto a garota existisse.

         Ou Gumi nunca mais deixaria de ter pesadelos.