Naya: Crônicas de Atlas escrita por Antonio Filho


Capítulo 11
Capítulo VI: Talentos parte 3




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Após horas de correria pelas ruas e lojas movimentadas do centro de Lunara, semeando frustrações, Adna e Alice finalmente encontram uma butique em que havia os já raros e caríssimos Luni Vestem. Lei da oferta e da procura.

Comprado numa alfaiataria luxuosa, a Aurus Chanelle, Alice fez questão de moldar da melhor forma possível qualquer imperfeição que o caríssimo vestido adornado à mão com flores liluna apresentasse. As pentâmeras formavam um desenho abstrato e agradável aos olhos para Adna, mas cheio em significados para os pandorianos. A alfaiata da loja insistia que se tratava de uma peça perfeita, imaculada, até ver as mãos mágicas de ruiva em ação. Ponteou aqui e ali, redistribuiu as camadas da cauda e moldou uma silhueta perfeita.

As flores suavemente azuis, realocadas uma a uma pela humana, contrastavam muito bem com os cabelos nevados da fada. Adna sentia-se como se fosse a Deusa da Lua, de tão deslumbrante que estava entre os rodopios que as atendentes da loja pediam para que ela desse, orgulhosas por fazerem parte da criação dessa obra de arte. Não parecia que iria apenas para assistir ao festival, e sim que participaria de um concurso de beleza. Fosse esse o caso, o resultado seria certo.

‒ Muito obrigada Alice, eu não sei o que eu faria sem você.

‒ Sem problemas. Afinal, uma princesa valeriana precisa manter a compostura, correto? ‒ Murmurou ela, próxima a fada.

Adna gelou. Como ela sabia? Em todas suas conversas tinha tomado todo cuidado para não revelar nada comprometedor.

Percebendo a reação da companheira, Alice explicou, apontando para as mãos e pulsos dela, antes que sua amiga pensasse que ela era uma assassina mercenária, ou algo do tipo:

‒ Suas joias. Elas são exclusivas da realeza de Valerian. Eu as reconheceria de longe. Não se preocupe, não vou contar pra ninguém.

Surpresa por ter sido descoberta por esse motivo simplório, a fada ficou espantada e se perguntou como uma pessoa podia ter essa capacidade de dedução. Nem ela mesma havia pensado que joalheria e acessórios seriam o motivo para que fosse descoberta e, provavelmente, Sinandrin também não.

‒ Novamente, obrigada.

Alice respondeu apenas sorrindo gentilmente.

‒ Eu não acho que teria coragem de contar, mas fico feliz por você ter descoberto.

Alice continuou a sorrir, mas desse vez irônica:

‒ Por eu ou por alguém ter descoberto?

‒ Um pouco dos dois, talvez. Se era para alguém saber preferiria que fosse você. ‒ Respondeu, sincera e aliviada. ‒ Acho que nós temos mais assuntos para conversar, não é mesmo?

‒ Pode apostar! ‒ Garantiu Alice, brilhando os olhos. Ela amava ler sobre as realezas do mundo, conversar com uma delas seria ainda mais esclarecedor.

Resolvendo o problema das vestimentas, as garotas decidiram descansar. Indo a uma sorveteria, elas conversaram. A maior parte do assunto, agora que Adna podia falar, sobre a vida na nobreza de Valerian. Bem mais valorizada por Adna do que por sua prima. Ela não tinha nenhum problema com suas obrigações e gostava muito dos luxos, das joias, servos e, principalmente, dos eventos da aristocracia. Fazer parte do escol da sociedade abria portas e milhares de possibilidades impossíveis até para os burgueses sem sobrenome real. Não tinha vergonha de admitir, realmente adorava a posição em que nascera e tinha orgulho de sua herança sanguínea, afinal, os Elvellon, entre as dez famílias nobres, tinham o dom com a magia arcana.

‒ Dez famílias? Eu pensava que os nobres eram todos unidos. Achei que os sobrenomes fossem apenas para criar fachada, ou algo assim.

Adna soltou uma risadinha, quase se engasgando com o sorvete de baunilha. Quando percebeu pela expressão confusa de Alice que se tratava de uma dúvida real, ela explicou entre colheradas:

‒ Eu vou resumir pra você, porque até eu fico confusa às vezes. Cada família nobre representa um tipo mágico principal, um distrito e sub-trono. As três mais importantes e mais influentes são os Elvellon, que representam a magia arcana, os Tempore, que controlam o espaço-tempo e os Vecchis, que tem domínio sobre a vida e a morte. Há séculos que os Elvellon controlam o Conselho dos Nobres, a maior organização política de Valerian. Isso nos garante a maior influência na escolha dos reis e rainhas do trono supremo, por consequência, nas decisões tomadas.

‒ E por que as famílias não se unem?

A fada não respondeu de imediato. Não por ser uma pergunta difícil, mas o assunto pela delicadeza do tópico. Para não ser mal interpretada, ela pensou um pouco antes de voltar a falar:

‒ Alguns dizem que são por diferenças ideológicas, outros pela suposta arrogância das famílias principais. Eu acho que é pela preservação das heranças sanguíneas. Se houvesse uma união generalizada, correríamos o risco de extinguir os dons das famílias menores, como os Aeries e Marines, que têm domínio sobre o ar e a água respectivamente, e juntos controlam o regime hídrico em Valerian.

‒ E já houve algum conflito?

‒ Sim, somos todos mortais, não é mesmo? Nem sempre concordamos em tudo. Aliás, isso raramente acontece. Mas o maior conflito foi há cerca de quinze séculos, no período do Grande Caos, quando as províncias que hoje são chamados de países magicalianos se rebelaram contra Valerian. Se me lembro bem, durante o mesmo período que Nimphos se fragmentava de Metrópolis, formando os países que conhecemos hoje.

Adna narrava sua história gesticulando com uma de suas mãos. O mover de seus dedos criava e apagava imagens no ar. Surgiam como fumaça, revelando mapas e os frutos de sua imaginação que retratavam cenas das sangrentas insurreições.

‒ As dez famílias nobres estavam numa guerra expansionista para decidir quem controlaria o território que restara de Valerian depois da fragmentação. O reino quase se autodestruiu em morte e guerra, mas foi aí que os Vecchis se manifestaram. Prevendo a extinção de nossa cultura caso a situação continuasse, eles procuraram os Tempore e os Elvellon. Criando o Conselho dos Nobres, acabaram de vez com a batalha e, aos poucos, demarcaram os atuais limites territoriais.

‒ Entendo, é um passado parecido com a nosso, de fato. Depois de Valerian, Metrópolis dominou o continente inteiro por vários séculos. Os distritos se rebelaram e deram origem aos nove países do continente. Aliás, nossa história diz que foi inspirado nos movimentos de vocês que o sul se colocou a lutar. Mas eu tenho outra dúvida... Pode parecer ofensivo, mas qual o motivo da sua família estar no poder a tanto tempo?

‒ Não se preocupe, não foi. É simples, quando foi formado o clã inicial das três famílias, nos foi encarregado de cuidar da política. Os Vecchis se responsabilizaram pelas relações territoriais e equilíbrio da natureza e os Tempore pela manutenção da força militar feérica. Assim, cada uma das dez famílias passou a administrar um distrito territorial, mas para o trio principal foram reservadas as funções de teor mais... nacional.

Adna achou melhor parar por aí antes que entediasse a amiga com assuntos políticos, mesmo que seu rosto expressasse completo envolvimento pela conversa. A questão das famílias era complicada até para os próprios membros. Seria problemático mesmo para a fada se aprofundar em assuntos desse teor.

Ao terminarem de comer, Alice propôs que voltassem ao Repouso Lunar para fazerem as preparações necessárias para o grande evento que começaria ao pôr do sol. Poderiam conversar assuntos mais leves pelo caminho: garotos, relações, roupas...


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