Contos De Gaveta escrita por Mamy Fortes


Capítulo 7
Felipe e Melissa.


Notas iniciais do capítulo

Não, eu não consegui pensar num título, então... Enfim. Ah, isso é uma coisa meio nova pra mim, um texto de um tipo que eu ainda não tinha tentado. Ficou um bocado longo, e espero que não se importem. Ah, por favor, não deixem de comentar!



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Se você olhar naquele quintal, por entre as grades enferrujadas do portão, verá umas folhas jogadas, ao lado dum copo de suco de laranja esquentando ao sol. E verá uma menina, entretida, com um sorriso beirando os lábios enquanto faz cálculos impossíveis para a maioria das pessoas. Essa menina só deseja, silenciosamente, que a sua vida tenha incógnitas tão bem definidas quanto aqueles cálculos. Você verá que entre seu pequeno caos, ela está calma. Quieta. Mas tente jogá-la no mundo, frente aos seus problemas, e a verá entrar em desespero. Em histeria. Se quiser provas, apure mais sua visão. E faça silêncio. Silêncio suficiente para que você possa ouvir os pensamentos dela.

Ela provavelmente estará pensando num tal de Felipe, porque a história deles é bastante complicada. Estará pensando numa pista de skate, também. Ela se virará, em algum momento, e você verá que abaixo da blusa larga, uma barriguinha começa a aparecer. Bem pouco, porque com 16 semanas a gravidez ainda não é perceptível o suficiente. Sim, ela está grávida. Sim, ela tem somente 17 anos. Mas está bem resolvida o quanto possível. Contou aos pais, e Felipe já sabe. Talvez por isso a histeria seja menor...

O flash do modo como Felipe recebeu a notícia não para de rodar na mente da menina, Melissa, e você o verá, mesmo sem querer. Quando aconteceu, era cedo. Eles acabavam de entrar na sala, e sentavam-se frente a frente. O diálogo entre os dois não demorou a começar, como corriqueiro. Felipe quem puxará conversa que você ouvirá, e será mais ou menos assim:

–-Bom dia, Sunshine!

–- Bom dia, Felipe.

–- Hey, não vai me chamar de paixão?

–- Não vai dar não, Fê.

–- Tá brava justo hoje, que eu resolvi ser legal?

–-Felipe, não enche.

–- Fico quieto, então.

No flash pode parecer um silêncio eterno, mas nem meio minuto de silêncio realmente se fez entre os dois, porque a consciência de Melissa pesou. Ela falará...

–- Felipe? Foi mal... Mas, se eu te perguntar uma coisa qualquer, você responde?

–- É claro, Mel. E tá desculpada também.

–- Então, responda: Como é que eu sou?

–- Poxa, Mel. Não me faça perguntas complexas!

–-É simples. É só dizer. Por favor...

–-Como você é pra mim, ou pros outros?

–-Só. Responde. Logo.

–- Chata. Pra cacete.

–-Felipe!

–-Ah, você queria a mentira fofa? Porque não vai dar não.

–-Tá bom, Felipe. Vai ter volta.

Desta vez, os dois serão obrigados a ficar quietos, pela presença do professor. Mas logo que ele se virar para o quadro, a curiosidade de Felipe falará mais alto.

–- Mel, pra que é que você queria saber?

–- Ah, nem sei. Só queria.

–- Mel, cê tá muito estranha hoje...

–- Mas eu sou estranha, Fê.

–-Tem razão.

O professor os olhará feio, e eles se calarão. Você verá. Aula voará, por incrível que pareça. Pelo menos pra Melissa. E no intervalo entre um professor e outro, mais um diálogo tenso começará.

–- Fê, cê me acha muito irresponsável?

–Sei lá. Acho que não. Por que, Mel?

–- Porque... Nada não!

–-Fala agora, Melissa Moreira!

–-É que eu... Bem, eu tô grávida!

–-PUTA QUE PARIU, MELISSA! CACETE.

–- Felipe, você não tá ajudando!

–-É que, porra, eu nem sei o que dizer. Quem já sabe?

–-Meus pais. E você.

–-Mel, esse filho é meu?

–-É, Fê!

–-Estamos fodidos.

Assim é que acabará o flash, e a menina dos cálculos, Melissa, vai sorrir, pensando em como Felipe mudou desde aquele dia. Sempre cuidadoso com ela, agora, e resolvido a assumir o filho. Já procurando casa...

É claro que eles discordam em absolutamente tudo. Você sem dúvida vai poder ver, se resolver ficar por dias olhando aquela menina. Ela quer ter uma biblioteca na casa, e ele prefere uma mesa de bilhar. Ela quer a frente de pedra, e ele diz que grafiato faria uma economia. Ela acha que será menina, e ele vê um menino com os olhos dela. E por fim, acabarão comprando um apartamento pequeno.

Mas se eu fosse você, cara, iria embora antes que pudesse se apegar. Porque esse bebê não vai nascer. Ela vai sofrer um aborto espontâneo, e a relação dos dois vai desmoronar. Eles não se verão por meses, e Felipe vai mudar de escola. Talvez até de cidade.

Ela vai pôr uma droga de sorriso no rosto, e vai até a pista de skate todas as tardes, tentando esquecer que seria mãe. Vai ser triste, cara.

Mas um dia ela vai finalmente resolver ligar pra Felipe, pra provar que a história deles não acabou. E não importa o quanto você torça, ela vai desligar no segundo toque. Graças a Deus, porém, essa pequena ligação vai fazê-lo andar até a pista, no horário em que sabe que ela estará lá. Eles se encontrarão, cara. Deu certo.

Você verá o diálogo curto e tímido começar, quando o sol de outono cegá-los, e eles tiverem de se sentar lado a lado.

–-E ai, como vai?-- Será a tentativa de Felipe.

–-Ah, sei lá, Felipe. -- Ela responderá. E fluirá.

–-E 'sei lá' lá é resposta, pequena?

–- Quando não se sabe como vai, é!

–- Ah, Mel. Mas eu sei como você vai... Morrendo de amores por mim, ainda.

–- Há! Sabe que eu superei, e você é quem ainda me ama!

–- É, pode ser. Agora repita isso até se convencer...

Ela baterá nele, e gritará um "Idiota!". Por um momento, a dor da perda vai se fazer presente, e um silêncio incomodo vai ameaçar se instalar. Mas a necessidade de conversa será ainda maior, e Melissa voltará a tentar

–- E você, como é que vai?

–- Sei lá... Bem, eu acho.

–- 'Sei lá' agora virou resposta, Felipe?

–- Foi você quem disse que era! E além do mais, eu completei a droga da resposta!

–- Tá, tá. Quem sou eu pra discordar?

–- Essa sim é a minha garota!

Mas então, uma vergonha pequenina vai surgir, por perceberem, ambos, que estão felizes demais pra quem perdeu um filho. Olharão ao longe, e perceberão que seus skates estão cruzados. E que seus corpos estão próximos. E que só a conversa impediria o mundo de parar de rodar. Então, uma nova tentativa de conversa.

–- Felipe, achei que você não viria. Já faz tempo...

–-Eu também achei, por um momento, que não viria.

–- E por que veio?

–- Sei lá, Mel. Não sei nem porque não vir.

–-Fê, nossa conversa é tão povoada de sei lá's.

–-Nossa vida sempre foi cheia deles, por que a conversa não seria?

–- Sei lá!

Eles rirão, tão felizes e livres como há muito tempo não ficavam. Você também vai sorrir, e torcer pra que a conversa continue. E seus desejos serão atendidos. Felipe vai tentar.

–-Melissa, por que você veio?

–-Porque eu sempre venho aqui. Desde que... Sempre.

–- E por que nunca mais nos vimos?

–- Porque o tempo não quis. E já chega disso, Felipe. Preciso ir.

Melissa então se levantará, descruzará os skates, e sairá em direção pra casa. Felipe ainda ficará um tempo sentado. E você saberá que eles estão juntos novamente, como sempre. E que um dia terão a menina que ela queria, e o menino com os olhos dela. E terão uma casa com a frente de pedra, e com uma mesa de bilhar nos fundos. Ah, você então suspirará, e irá embora. Perceberá que o tempo parou pra te esperar, enquanto você espiava aquela história. E talvez, quando seu menininho loiro nascer, você coloque o nome de Felipe, lembrando do cara da menina dos cálculos estranhos, e das incógnitas claramente escondidas.


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Notas finais do capítulo

Oi, de novo. Agora vocês já leram. E nesse conto, juro, as críticas são ainda mais importantes. Não me abandonem. Beijooos