Imperfeitos escrita por Felipe Perdigão


Capítulo 6
IV — Transparências




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Aquela noite estava escura e nenhuma iluminação pública parecia funcionar. Oliver estava com medo de atravessar o túnel de árvores que havia do outro lado da rua em que morava. O mesmo já fora assaltado ali uma vez e ele não fez questão de esconder o medo de seu amigo.

— Tony, to com medo de passar por aí, vou chamar um táxi pra atravessar essa coisa escura — Ele suspirou — e perigosa.

—De jeito nenhum, te levo até a porta da sua casa. — O garoto sorria e demonstrava não ter problema nenhum com isso.

— E depois você vai ter que voltar sozinho e, se algo lhe acontecer, vou me culpar. — Ele franziu o cenho, como sempre.

— Mas... — O menino pausou e deu um suspiro enquanto procurava alguma solução, ele era contra o tanto que Oliver gastava, se ele juntasse já poderia ter seu carro próprio. — Então vá lá pra casa, sei que vai inventar algum pretexto, mas saiba que ser for roupa eu lhe empresto, se for avisar pros seus pais, os meus ligam... Então tire essa cara de espanto da cara e vamos. — Sem nenhum argumento, Oliver deu de ombros e seguiu o amigo.

O caminho até a casa de Anthony foi bastante escuro, frio e um tanto quanto silencioso, os mesmos não trocaram nenhuma palavra. O caminho parecia ter diminuído mais do que a metade, ou ambos estavam com um excesso de cafeína pra perceber o quanto tinham andado.

Quando chegaram à casa de Anthony a casa toda estava silenciosa e não havia luz alguma acesa em nenhum dos dois andares. Não seria um espanto se os pais de Anthony tivessem saído, eles tinham o costume de ir à igreja bem tarde, ou pelo menos diziam ser igreja. Eles não se importaram com isso e logo foram ao quarto do garoto. Anthony procurava alguma coisa no armário que servisse em seu amigo. Um moletom, isso foi o que o amigo havia pedido, estava realmente frio. Ele estava com uma samba canção preta por baixo e não se importaria de dormir com ela, apesar da temperatura e da timidez perante seu amigo.

Anthony foi se banhar e enquanto isso Oliver ficou sentado perante a cama. Ele ainda estava de jeans e sua camisa pólo que ele quase nunca tirava do armário. Ele fuçava algo na internet pelo seu celular e o tempo havia passado bem rápido, mas ele não sabia quanto tempo ao certo, afinal, Anthony sempre demorava ao banho e desta vez ele havia saído bem rápido de baixo do chuveiro. Assim que Oliver ouviu o barulho do chuveiro cessar, correu pra tirar seu tênis – de tanta pressa ele demorou mais do que se estivesse tirando normalmente. Quando começou a desabotoar a calça, seu amigo abriu a porta do banheiro e estava apenas enrolado por uma toalha verde e seu corpo ainda estava todo molhado. O garoto, assustado, estava preparando pra ir em direção ao banheiro se trocar por lá quando o amigo lhe surpreendeu com uma voz rápida e bem mais grossa do que ele normalmente tinha.

— Fique, não há problema algum em se trocar na minha frente, e afinal, quem está nu sou eu. — Ele tinha um sorriso malicioso na face e Oliver não entendeu o que aquilo queria dizer.

Ele deu de ombros e começou a se despir. Ele estava bastante tímido, seu amigo estava de costas a ele e totalmente nu. Era a segunda vez que ele via aquela cena e ele não se sentia confortável perante a isso. Ele havia começado a tirar sua camisa pra colocar o moletom que seu amigo lhe emprestou. O perfume do seu amigo estava na roupa e só isso já lhe fez arrepiar. Ele olhou para frente e seu amigo estava de frente a ele, secando o cabelo e preparando pra colocar uma cueca. Oliver não conseguiu resistir e quando se deu em conta, ele e seu amigo estavam com ereção. Ele puxava o moletom com a mão dentro do bolso pra baixo para esconder o volume que havia crescido em suas partes, mas aquilo foi inútil, Anthony já havia percebido e caminhava cada vez mais perto de seu amigo. Sem muita demora Anthony, completamente nu, agarrou seu amigo lhe dando um beijo. Oliver foi para trás depois de sentir o gosto da boca de seu melhor amigo por alguns segundos, ele estava completamente espantado, mas logo reaproximou sua face de seu amigo lhe dando outro beijo.

Anthony já havia tirado o moletom e o samba canção de seu amigo. Oliver havia o jogado na cama e por cima dele dava pequenos beijos em seu pescoço enquanto uma de sua mão estava entrelaçada com a do seu amigo, a outra viajava pelo corpo do jovem que se contorcia na cama ao desejar mais daquilo. Os beijos de Oliver começaram a descer do pescoço até o mamilo, foram tantos que a cada três ele ia até a boca de seu amigo, dava um beijo bastante demorado e logo após voltava para o peitoral do amigo. Os beijos estavam indo de cada vez mais em direção ao umbigo de seu amigo. Ambos não sabiam por quanto tempo estavam naquela troca de energia, mas quando Oliver estava bem perto de ter contato com o sexo do amigo quando eles ouviram um barulho tomar conta do ambiente. A respiração de ambos já estava acelerada por conta da excitação, mas com o susto que tomaram, estavam um em cima do outro, bem próximos, sentido a respiração um do outro enquanto o barulho só aumentava. Parecia que uma chuva de meteoros estava caindo em sua rua, era sua mãe esmurrando a porta de seu quarto. Oliver estava se sentindo sugado e agora sua mãe gritava pelo seu nome e seu amigo havia desaparecido. Assustado, ele procurava pelo seu celular para olhar as horas e quando se deu em conta, sua mãe estava gritando: “Acorda menino! Vai se atrasar pra escola.”, ele riu e deu um soco na cama desejando voltar praquele sonho e enquanto se levantava sussurrou: “Merda. Até nos sonhos esse menino traz problemas pra mim.”


O garoto estava mais uma vez atrasado, mas dessa vez ele não estava irritado por causa disso, afinal, foi por um bom motivo. Ele já estava quase pronto e se corresse, ainda ia poder se encontrar com Oliver e Matth pra não ir sozinho a escola. Ele avistava de longe enquanto corria seus amigos já indo em direção a estação de metro e logo os gritou suplicando que o esperasse.

O trio de amigos já estava quase chegando a escola, os dedos de Oliver digitavam freneticamente as mensagens de texto que não paravam de chegar a todo instante. Oliver estava tentando demonstrar que estava tudo bem pra Matth, às vezes ele se confundia nas palavras, mas ele estava conseguindo esconder de seu amigo o que ele havia feito no dia anterior. Conseguir esconder de seu melhor aquilo tudo só não estava sendo difícil, pois ele já estava costumado a esconder o que sentia a muito tempo,  mas ele tinha certeza que quando chegasse na escola e ter que agüentar a imaturidade da maioria da pessoas de sua turma e outras coisas que irritavam completamente o menino o faria perder um pouco de concentração no seu plano de tentar fazer parecer que tudo esteja normal.


As primeiras horas da manhã estavam sendo fáceis de aturar. Parecia que a turma de Oliver estivesse sabendo sobre aquilo tudo e tirou o dia pra não ser tão chato como normalmente. Ele estava vendo que o futuro estava prestes a repetir a mesma arte que o passado havia o passado uma vez.

Era uma das aulas mais desinteressantes da semana. Oliver estava escrevendo algum texto que falava sobre perda em uma das ultimas páginas do seu caderno. Ele já estava prestes a desmoronar em lágrimas quando foi surpreendido com o sinal do intervalo avisando que eles teriam um tempo de liberdade naquela manhã.

O grupo de amigos desceu a escadas e caminhavam em direção ao mesmo local em que ficavam quase todos os dias. Oliver vinha atrás abraçado com Kyoto enquanto ela fofocava algo em sussurro com Anthony.

Jeffrey, o amigo de Anthony que Oliver não gostava nem de lembrar que existia o chamou em um canto afastado, ele resistia fingindo não ter escutado, mas Kyoto viu a encenação do garoto que acenava com a sobrancelha pra segui-lo e disse aos berros com Oliver pra ir atrás dele, assim não tinha mais jeito de não ir, afinal ele não o ignoraria na frente de todos os seus amigos. Aquela atitude de Oliver de não conseguir permanecer perto de Jeffrey desde que ele havia se aproximado de Anthony, fez com que ele criasse coragem e enfrentar o sarcasmo de Oliver que nem sempre era o dos melhores, mas quando ele queria não havia outro melhor. Ele tentou ir atrás do Oliver de várias maneiras, mas sempre o garoto o avistava de longe e mudava seu caminho, mas eles estudavam na mesma sala e tinham o mesmo grupo de amigos, uma hora ou outra iam acabar se esbarrando. Como não da pra se esconder eternamente, Oliver teve que deixar aquela birra de lado e tentar escutar o que o garoto tinha a lhe dizer, mesmo que não fosse nada de útil.


Cara, preciso falar contigo — Ele encarava o garoto esperando sua reação facial que não seria nada comum — mas temos que estar sozinhos, sei o quão você me evita, então sei que não gostará da idéia e — Oliver o fez calar a boca antes que ele continuasse tentando se explicar.

— Não precisa se explicar, se quer falar comigo deve ser algo importante e é uma atitude o tanto quanto corajosa. — O menino disse sorrindo ironicamente acenando com a cabeça pra um canto afastado dos amigos. — Pronto, estamos afastados dele, agora abra a boca.

O menino parecia estar bastante nervoso ou que não sabia ao certo o que falaria, pois demorou alguns segundos até começar a falar.

— Sei que você não gosta de mim, da pra ver no seu olhar frio e desprezível que você faz quando estou perto do Anthony. — Ele foi interrompido novamente.

— Certo. — Oliver suspirou. — Aonde quer chegar com isso?

— Você só precisa de incentivo. Eu convivo com x Gays – Oliver deu de ombros enquanto pensava “Eu não sou gay” e desdenhava o menino. — E tenho que dizer, eu sei que você gosta do Anthony e eu estou entre vocês dois, mas eu não sou um de vocês.

Oliver não estava entendendo nada, ele não sabia aonde que o menino queria chegar com aquela conversa estranha da qual o guri que ele mais desejará ver morto naqueles últimos dias estava insinuando de que ele era gay e nem qual seria o final daquele assunto. Ele estava intrigado e com uma dúvida que lhe deixou com um frio na barriga. “Se esse perdedor já percebeu sobre meu abismo pelo Anthony, imagina meus amigos?! Que vergonha”, mas logo esses pensamentos fluíram de sua mente quando Jeffrey, o nojento, voltou a falar.

— Mano, o que eu to tentando falar com você é que  —  Oliver revirou os olhos. — Sei que viver com as expectativas das pessoas é meio tenso, ainda mais quando essa pessoa é seu melhor amigo. — Ele parou de falar quando Oliver abriu a boca, mas logo a fechou, então ele acenou com as sobrancelhas falando que era pra ele continuar.

— É que as vezes parece que não sou um amigo bom o suficiente, e quando vejo ele sorrindo contigo, me da uma vontade de morrer por me sentir tão vazio e nulo. — Oliver disse parecendo um pouco desesperado, ele ainda não havia aceitado o fato do guri que ele mais desprezava saber que ele era afim de um garoto. Ele não havia problemas em aceitar sua sexualidade, apenas estava com medo que aquilo tudo se espalhasse pela escola lhe trazendo um grande problema, pois com toda certeza chegaria aos ouvidos de seus pais.

— Cara, você não sabe o quanto. – Oliver riu, pois o vocabulário do garoto era um tanto quanto fraco com aquelas incontáveis gírias, ele não sabia que Jeffrey sabia o significado de quão, mas logo fechou a cara enquanto prestava atenção no que o garoto dizia. — ele fala bem de você. Ele sempre fala de você, sempre compara as pessoas com você, e até te defende fisicamente quando as pessoas vêm falar mal de você a ele. Já tive que tirar ele de cima de umas três pessoas enquanto ele o defendia.

— Ele pausou enquanto retomava o fôlego — Por que não insiste nesse sentimento?

- Porque ele é heterossexual, porque não estou a fim de me iludir mais e essa historia de se apaixonar pelo melhor amigo é algo que quase nunca acaba bem.

— Eu não teria tanta certeza que ele não gosta de homens da mesma meneira que gosta de mulheres. Ele pode estar se descobrindo ainda ou algo assim. — Oliver revirou os olhos, como se ele já não tivesse pensado nisso antes. — Vai por mim. A gente só vai vivendo do jeito que dá pra viver, se ele acha que ainda não consegue conviver com essa idéia, uma hora, mesmo que seja daqui quarenta anos ele aceitará, ele tem que saber quem ele é.

— Ele é heterossexual. Já viu a quantidade de garotas que ele leva pra cama? — Eles riram.

Oliver estava tentando não demonstrar o nojo que ele estava de estar tão perto de Jeffrey, e talvez ele não fosse esse monstro que seu ciúmes criou.

— Nossa professora de sociologia tem cara de lesbica e mesmo assim é casada.        

Eles ficaram se encarando. O único barulho que havia ali era do grupo de amigos ao lado deles e dos outros adolescentes no intervalo. Já havia se passado cinco minutos desde que Jeffrey pedira pra conversar com Oliver e ele sempre achava um jeito de tentar atacar o outro.

— Posso lhe perguntar algo? — Oliver deu aos ombros e deu um sorriso no canto da boca que era o mesmo que ele estar afirmando e então o garoto prosseguiu. — O que você sente por ele, digo, você realmente gosta do Anthony ou é só uma grande amizade e por isso você tem esse carinho imenso por ele que te deixa com um sorriso frouxo na cara?

— Olha, você é uma das ultimas pessoas no mundo que eu quero conversar sobre isso, mas como eu permiti que perguntasse então vamos lá. — Ele suspirou e continuou. — E se eu sentir? Não vai mudar em nada. Só vou me iludir, ficar triste, não poder falar sobre isso a ninguém, vou escrever vários textos que ninguém vai conseguir interpretar e vão ficar preocupados, falar que estou ficando depressivo novamente e não to querendo isso, não novamente. E eu já perdi todas minhas esperanças com ele, bem, ainda sinto, não me culpo por sentir, não mais, mas pretendo deixar de sentir isso tudo. — Ele bufou enquanto esperava o menino dizer alguma coisa, ele parecia assustado com a rapidez e com a quantidade de palavras que o menino havia cuspido.

       — Pode até ser. — Ele fazia uma cara diferente, não muito diferente daquela cara de quem não dormiu a noite inteira — Mas eu percebo — Ele foi interrompido por uma voz grossa que Oliver só usava quando estava realmente nervoso.

       — Percebe o quê?

       — Percebo o quão estranho ele fica quando está perto de você, como ele te olha e como você consegue o fazer rir.

       — Hã? — Oliver arregalou os olhos. — Isso, divertir, é uma coisa que amigos fazem juntos. 

       — Vai negar até quando que o ama?


Oliver havia se irritado com o garoto, ele mal sabia da sua vida, o conhecia há pouco tempo e já achava que tinha liberdade suficiente pra falar essas coisas. Ele deu a mínima importância pra responder o que o garoto havia afirmado em forma de pergunta e logo mudou de assunto para que não ficasse mais constrangido que já estava. Mais uma vez chegaram ao mesmo lugar, Jeffrey questionando sobre o sentimento de Oliver por Anthony, mas dessa vez ele não teve saco e saiu andando enquanto o menino falava sozinho.

Faltavam alguns minutos para o intervalo acabar e o menino, ainda irritado, estava no canto da roda de amigos abraçado com Kyoto. Anthony e Tommy encaravam os dois enquanto uma das ginastas da equipe da escola falava alguma coisa sobre os dois estarem perto demais. Eles já estavam acostumados a ficarem abraçados, mas agora Oliver estava solteiro e, mesmo que ninguém ainda soubesse, ele estava carente e precisava do colo de sua amiga.


Já estava quase na hora de ir embora e Unknown não havia mandado mais nenhuma ameaça a ele e, pelo que parecia, a nenhum dos seus amigos. Tudo parecia estar normal, às vezes Oliver se desconcentrava um pouco pra pensar em Natalia, mas logo voltava a prestar atenção na aula. Anthony era o único que sabia sobre o termino do namoro e ele estava encarando Oliver desde que chegaram à escola. Já estava ficando difícil sorrir pra todos como se tudo estivesse bem.

A classe de Oliver estava com os últimos minutos da aula livres. A maioria de seus amigos estava em um canto rindo enquanto falavam de vários assuntos, cantavam e até mesmo jogavam algum jogo que utilizasse lógica. O garoto estava sem humor algum, às vezes passava um amigo ou outro ao seu lado o questionando porque estava tão quieto, ele afirmava que estava com sono ou que era culpa do calor. 

Não demorou muito e eles já estavam fora dos muros da escola. Oliver andava distraído com seus fones que tocavam repetidamente algumas músicas que o faziam pensar na vida, e na morte, em uma altura que dava perfeitamente pra escutar o que seus amigos estavam falando logo atrás. Ele era seguido por seus amigos que falavam sobre a matéria nova. O garoto que sussurrava a letra da música enquanto pensava no quanto ele e seus dois amigos estavam mais próximos depois que Unknown começara a brincar de Deus com eles.


O humor de Oliver havia melhorado desde que ele havia pegado o metrô. Ele ficara sabendo que sua amiga Alice estava a caminho de sua cidade e ela o convidara pra passar à tarde na praia, pois tinha muito a lhe contar e, assim, ele também poderia falar pra ela o que acontecera, sem ser por mensagem de texto ou e-mail. Ele estava realmente excitado com tudo isso, as coisas estavam realmente se ajeitando, mas assim que ele e seus amigos desceram do metrô os celulares dos três tocaram ao mesmo tempo. Uma expressão nula preencheu a face de Oliver, as narinas de Anthony estavam dilatadas e Matth mordia o lábio. Os três tiraram o celular do bolso no mesmo instante. Aqueles garotos que estavam rindo dentro do metrô enquanto botavam a conversa em dia nem pareciam mais os mesmos, enquanto liam a mensagem de texto que haviam recebido. Matth tentava decifrar o que o que “Três jogadores e nenhum ainda quis jogar comigo? Eu estava tão feliz com a ideia de acabar com a namorada descontrolada” queria dizer.

O menino fora obrigado a explicar tudo que havia acontecido no dia anterior a seu amigo. Matth não ficou tão surpreso, só sentiu um pouco de dó de Oliver. Mesmo assim não fez muita questão de ficar o bajulando.


Oliver havia chegado há pouco tempo em casa, mas já estava atrasado pra ir se encontrar com Alice. Ele estava sempre atrasado. Ele jogava dentro de uma pequena bolsa de pano tudo aquilo que achava essencial pra usar na praia. Não demorou muito e ele já estava com seus fiéis fones caminhando para a praia.  De longe ele avistara sua amiga. Ela estava com um biquíni azul e alguns detalhes em preto e outros em branco. O garoto apertou o passo andando cada vez mais rápido em direção da amiga.


— Alice!

— Oliver! Como é que você está, sua puta arrombada?  

— Olha o respeito, já disse que sou senhora de respeito! Eu estou bem, eu acho, ou tentando ficar.

— Desculpe-me senhora! Espero que vossa senhoria fique bem. — Eles riram e continuaram conversando enquanto Oliver procurava algum empregado do quiosque aparecer para abrir um guarda sol, o menino era moreno, mas sua pele era muito pálida.


O menino já havia explicado tudo que havia acontecido por mensagem, mas a menina, como sempre, não havia entendido. Ele deu um suspiro e começou a contar novamente tudo aquilo que estava fazendo seu coração doer.

Os amigos já estavam juntos na praia há alguns minutos. Eles mal se viam, então não iam perder tempo falando das coisas ruins. Poderia demorar semanas, talvez meses pra eles se encontrarem novamente, então Oliver tentou puxar assunto.

— E você, Alice, o que me conta de bom?

— Tenho uma coisa mais do que demais pra te contar! Ainda nem acredito que é verdade.

— Você perdeu a virgindade? — Ele interrompeu a menina fazendo-a ficar corada.

— Ah, claro! Só se for com meu dedo.

— Vai saber! Mas enfim... Conte-me.

— Meu pai vai ser transferido! Adivinha pra aonde!

— Pra NYC? — Os olhos do garoto brilhavam.

— NOSSA! Quem me dera, mas não, ainda não. Eles vão o mandar pra cá. Devemos nos mudar este mês ainda — havia muita felicidade no sorriso dos dois —, não é uma maravilha?

— É sim!

— E eu devo morar perto da casa do seu macho.

— Meu macho? — Ele se fez de desentendido. — E eu por algum acaso tenho macho?

— Aham, o Toninho.

— Ai, deixa de ser cagada! Nós só somos... — ele suspirou — Nós só somos amigos. 

 — Ainda.


O menino, envergonhado, logo mudou de assunto e outros milhares apareceram. A tarde já estava quase no fim. A menina precisava ir embora, Oliver a acompanhou até a rodoviária.

Como o único ônibus pra cidade de Alice sairia dali 01h30mn, os dois deram uma breve passada no shopping pra comer algo e voltaram em seguida para a rodoviária. Não havia muito a se falar, eles já tinham contado sobre tudo, ou quase tudo. Alice não sabia de Unknown. Oliver não quisera contar de modo algum, ele tinha medo de que ele/a tentasse algo com sua amiga, do mesmo jeito que Unknown fez um favor a Natalia.


Já era noite e a menina acabara de entrar no ônibus. Oliver já havia pegado uma condução até o bairro em que morava, ele estava feliz com a idéia de sua melhor amiga mudar pra sua cidade. Ele esperava que a mesma fosse pra sua escola. Ele era do terceiro ano e ela do primeiro, mas mesmo assim teriam o intervalo pra ficar juntos.


***


A noite estava abafada e os ventos que vinham do litoral eram cada vez mais quentes. Em uma trilha pequena e cheia de cascalhos no meio de uma praia freqüentada apenas por jovens, Matth corria desesperado. Sua feição não escondia o pânico que ele estava sentindo.

O menino carregava na mão uma foto do corpo do seu ex-namorado. Uma foto tirada logo após o suicídio, seus olhos ainda abertos, demonstrando angustia e dor. Cada vez que o menino olhava esta imagem, várias lagrimas que escorriam por seu rosto.

Matth mudara de direção assim que lera uma mensagem em seu celular. Ele estava indo em direção a um deck de madeiras podres que se encontrava no alto de um penhasco, aonde os jovens mais corajosos da cidade iam pra pular em queda livre no oceano.


Havia se passado muito tempo e Matth ainda estava ali, sentado no meio do deck tremendo de frio e nervosismo. O vento se agitou naquele abismo. As ondas estavam se agitando e o menino, tomado pelo desespero, não conseguia parar de tremer. Uma brisa serena veio em sua direção e o ar pode aliviar sua mente. Agora o menino estava sereno e todo seu desespero havia se perdido pelo ambiente. Uma pessoa de cabeça baixa, um moletom com capuz preto o observava. O menino se levantou e caminhava lentamente em direção ao abismo, quando chegara à borda pronunciara algumas palavras que variavam entre “quente” e “úmido”.

Em segundos o menino, com toda leveza do mundo se jogou penhasco abaixo por tamanho desespero e com um sussurro suplicou a ajuda de um elemento.

— “Saudoso ar, que com sua leveza me proteja e com sua braveza me alivie a dor”.

 Um redemoinho confortavelmente úmido veio em direção do menino aliviando sua queda.  Em pé sob uma pequena rocha encostada, ele havia se perdido em desespero mais uma vez.

O garoto olhou para o local de que havia pulado e viu uma sombra olhando em sua direção. Logo que percebeu que o garoto estava vivo deu de costas.  Mais uma vez o desespero estava tomando conta do menino, mas ele concentrou pra colocar seus pensamentos no lugar enquanto lembrava-se da historia que havia escutado de sua avó. “Não pode ser verdade”. O menino estava voltando ao seu estado tremulo. A velha historia que havia escutado algumas vezes de sua avó que relatavam coisas sobre cinco famílias envolvidas sob um laço mágico, que juntas fundariam um grande circulo Elemental e assim teriam plena força para controlar os dons concebidos a eles. “Isso era só uma historia que vovó contava antes deu dormir, não é mesmo?”. O garoto confuso se jogou no mar e nadava o mais rápido que podia até a praia.

Um questionamento enorme estava tomando conta da mente do garoto, principalmente como que ele resistiu àquela queda imensa e o mais intrigante: De onde surgiu a tal frase relacionada ao Ar e o que foi a tamanha força que o segurou diminuindo a velocidade da queda.


O menino voltou a correr em caminho da orla da praia menos movimentada da cidade. Assim que viu o primeiro telefone publico ligou para seu amigo Oliver. Seus créditos já iriam acabar, e antes que a ligação caísse o menino gritou: “Se eu não aparecer na sua casa em uma hora, chame a policia”.


***


Sem entender o que se passava naquele momento, Oliver foi para o sótão de sua casa e começou a fuçar umas caixas empoeiradas que ficavam no fundo do cômodo. Havia vários livros e objetos rústicos dentro daquelas caixas empoeiradas. “Apenas coisas velhas, não sei o porque de meus pais ocuparem esse espaço imenso aqui em cima com essas coisas inúteis”. Enquanto ignorava aquelas pilhas de entulhos, Oliver se sentou em um divã antigo de sua mãe e esperou noticias do seu amigo.

Esticado sobre o móvel, o menino, concentrado em sua imaginação, tentava ignorar seus pensamentos a respeito do termino e seu namoro se viu sobre a água. O cheiro do oceano vinha em sua narina e ele sentia sua pele molhada a cada vez mais que ele tentava abrir seus olhos e voltar à realidade. Quando o ar começou a lhe faltar e não agüentava mais mergulhar sem encontrar um nada além de água, sua mãe o gritou o fazendo despertar na mesma hora em que abria a boca desesperadamente para recuperar o fôlego.

— Desça daí Oliver! Seu amigo o espera em seu quarto.

O menino desceu aos prantos, batendo a porta estreita do sótão. Trancou a porta quando chegou ao quarto e ficou parado por alguns instantes encarando o amigo, que ainda estava um pouco molhado, em sua cama. Matth saiu correndo em direção de Oliver e deu-lhe um abraço. Sem entender nada ele retribuiu o gesto e logo se afastou enquanto se perguntava que diabo estava acontecendo.

— Azeitona — ele riu da cara desdenhosa que seu amigo fez—, tenho que te contar várias coisas e, por favor, não me acuse de estar me drogando, ok?

Oliver assentiu acenando com a cabeça enquanto andava em direção a sua cama, onde ficou vários minutos escutando tudo que seu amigo dizia. O conto que a avó de Matth costumava contar o deixara arrepiado. Pouca coisa o surpreendia e aquilo havia o deixado em êxtase. 

Ele tentava entender que espécie de milagre havia acontecido com seu amigo pra ele ter sobrevivido àquela queda enquanto criava teses sobre quem o estava perseguindo naquela noite.


F foram até a casa de Matth buscar seu material escolar, um pijama e o uniforme escolar. Oliver havia o convencido a dormir em sua casa, assim ele não correria muito risco.

Ambos já estavam deitados prontos pra dormir quando Oliver sentou na cama e pegou na cabeceira um copo com água. Ele havia se lembrado da espécie sonho que tivera algumas horas antes, no qual ele se afogava. Ele encarava o copo enquanto milhares de coisas passavam por sua mente. “Saudoso ar, que com sua leveza me proteja e com sua braveza me alivie a dor”, ele se lembrava das palavras que seu amigo havia dito antes do ar se manifestar sobre seu corpo. Deu de ombros. Aquilo era muito estranho. Tentou fazer o mesmo.

“Água soberana, com toda clareza da cura e toda fluidez, venha a nós guardar”.

O garoto caiu em gargalhada e disse a si mesmo “Mas que porra é essa que acabei de dizer”. Quando ele deu o primeiro gole, uma bolha de água envolveu a cama. Os garotos se apavoraram enquanto se viam em uma bola de oxigênio dentro de uma circunferência que representava uma cristalina correnteza tortuosa.




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