Ela está presa num quarto escuro. Não, presa num cubículo escuro. Sozinha. Presa em si mesma. Forçada a ver apenas as coisas para as quais os olhos não podem se fechar. Vivendo do vazio. Não sente fome. A sede não pode ser curada com a água suja que depositam pelo pequeno orifício da porta super resistente. As visões chegam e lhe arrastam para o mundo de pessoas que nunca viu de verdade.

Ela choraria, se tivesse lágrimas. Gritaria, se fosse humana. Mas ela não é. É um monstro que não merece viver ao lado dos seres vivos. Uma ex-garota maluca que deveria ter guardado para si as coisas que via e que nunca deveria ter confiado naquele velho assustador. Mas ela confiou, e agora, é apenas um incômodo para seus ex-pais. Nunca irá crescer. Estará presa neste corpo pequeno e sem desenvolvimento completo. Nestes cabelos curtos de quem é refém do próprio medo. 

Ela existe em um pequeno quadrado escuro. Sua única fonte de alimento são os ratos que hora aparecem pelos buracos imundos da cela. Ela sabe que já devem ter passado anos desde que chegou ali. O velho sumiu. Seus ex-pais não a visitam e ela tem quase certeza de que estão mortos. 

Sua super-audição não lhe mostra nada. Apenas ruídos irreconhecíveis, mas ela sabe que algo está acontecendo na superfície. Não sabe o que fazer, nem o que pensar enquanto alguém se aproxima pelo lado de fora da porta. Mas ela tem certeza de que não é a liberdade, não quando já está condenada ao mundo dos mortos-vivos.

Então o rangido agonizante lhe desperta e uma claridade torturante lhe cerca. Uma sombra corajosa se aproxima e ela sente que não quer comê-lo. Bem, ele não seria mesmo comestível. 

- Olá. - A sombra se move e ela pode ver seu rosto. Um rosto de homem anormalmente, perfeito. - Gostaria de ver o mundo? 

- E... - Sua voz falha. Ela teria se esquecido de como se fala?

- Ora, sairemos daqui primeiro. Depois conversamos.

E, assim, ele lhe oferece a mão e ela, surpresa consigo mesma, a aceita. Levanta-se, cambaleando, e segue o estranho semelhante. Rumo à claridade e ao desconhecido, em busca da vida que perdera há muito tempo.