Sophia escrita por Ana Carol M


Capítulo 1
Capítulo 1




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Era junho, o frio se intensificada por todos os cantos naquela manhã, o gelo estava espalhado por todas as folhagens da cidade e a umidade irradiava dos poros de cada célula viva. O sol estava escondido por camadas espessas de nuvens, mas ainda havia um pequeno deslumbre de sua luminosidade. Era um clima perfeito, o que me fazia acordar de bom humor. Minha cidade era incrível, com toda sua imensidão por ser a Capital do Estado, mas ela ainda mantinha o frio típico da região. No entanto meu lugar favorito era a minha cidade natal, ficava no interior, era pequena e ainda caia neve de verdade todo o inverno. Diferente do gelo que se acumulava aqui.

Encarei minha imagem no espelho e quase me arrependi por ter chegado tarde na outra noite, meu rosto estava inchado e o cabelo bagunçado em ângulos impossíveis. Entrei no banho quente com cautela, deixei que a água escorresse e acelerasse meus pensamentos lentos e matinais. Era como um ritual.

Sai do banho procurando roupas limpas, da qual minha mãe colocava em uma pequena prateleira do meu quarto. Nela encontrei calças jeans, uma blusa verde musgo extremamente grossa e um casaco impermeável preto que estava jogada no chão. Recolhi toda minha bagunça para o closet e fechando aquela porta meu quarto parecia em ordem. Calcei minhas meias e desci as escadas. Encontrei meu pai sentado a mesa com seu jornal recém-entregue sorrindo ao ouvir minha mãe cantarolar uma música antiga.

Me sentei a mesa e por breves minutos reparei na mulher linda que servia o café em sua mesa retangular. E no homem bem humorado que forçava os olhos para ler uma pequena manchete no jornal.

Minha mãe era muito ocupada, por esse motivo era movida a regras e uma delas era que ela - e somente ela - faria o nosso café da manhã todos os dias. Secretamente era a parte do meu dia favorito, era o único momento em que realmente ficávamos juntos até o outro café da manhã. E eu acreditava que para eles essa também era a melhor parte. Era uma das poucas coisas que, diariamente, fazíamos em família.

Minha mãe Úrsula era uma mulher de opinião na editora em que trabalhava, ela era o tripé que mantinha toda uma revista nas ruas com boa reputação. Meu pai Robert era presidente de uma das empresas do meu avô. Isso o mantinha muito ocupado, já que nossa família tinha a tradição de não jogar todo o trabalho em cima dos funcionários.

Depois de toda a louça ser colocada na pia para aguardar a empregada que chegaria em breve, cada um de nós seguiu fazendo seus afazeres, o que tornava tudo uma correria.

Meu pai corria até a sala com a gravata meio enfiada na cabeça para atender seu telefone. Minha mãe escovava os dentes enquanto procurava o sapato embaixo da cama. E eu catava os cadernos do colégio e calçava os tênis de couro. Exatamente como todo o dia, quando nós estávamos prestes a sair, a campainha tocava e eu corria para atender.

Era Poliana, uma garota doce, de origem japonesa com seus cachos grossos e artificiais cor de carvão, seus olhos negros e puxados delicadamente acentuavam o rosto infantil. Aquela garota sorridente na porta era a pessoa mais confiável, gentil e inteligente de todos os meus amigos naquela época.

– Bom dia, os garotos estão nos esperando na cafeteria. – disse ela.

Naquele momento meu pai fez com que fossemos andando para a escola, ele tinha que fechar a porta. Minha mãe passou por nós correndo, com uma pasta na boca e várias outras nos braços, em direção ao seu carro.

Fechada a porta, eu e Poliana ficamos no gramado observando os dois atarefados entrando em seus carros e saindo com pressa.

– Eles precisam diminuir a cafeína – comentou Poliana quando seguíamos até a cafeteria.

– Precisam. – Nós olhamos para trás para ver se os dois já estavam fora de vista, acabei sentindo pena deles.

– Mas então, é hoje não é?- perguntei quando voltamos a caminhar.

– Sim, e dessa vez não vou interferir e também não vou deixar que meu irmão faça isso. Meu pai está ficando velho e logo vai estar insuportável sem ter uma mulher. Quer dizer, já faz cinco anos que minha mãe morreu, e lutar contra as outras mulheres não nos rendeu ponto positivo com ele. Só espero que essa seja mais agradável que as outras – Eu podia ver a melancolia de Poliana, era difícil para ela desistir. Ela sentia o gosto da rejeição. Jonas, seu pai a culpava pela morte de Ângela, sua mãe, porque ela a havia salvo de um acidente de carro e acabou recebendo todo o impacto do automóvel.

Eu já sabia que Ângela havia ficado em coma por três meses antes de morrer e que ninguém na família gostava de tocar no assunto na presença de Jonas.

– Vai dar tudo certo. Pelo menos se ela for uma bruxa poderemos queimá-la no quintal.

Na cafeteria do velho Baltazar era onde Thomas e Oliver geralmente tomavam seu café da manhã. Mas quando nós chegamos eles faziam mais do que isso. Eles dançavam lambada, que tocava no jukebox, um com o outro.

Thomas sorriu ao nos ver entrando, e indicou onde era a mesa em que estavam sentados, ao mesmo tempo em que empurrava Oliver pra longe.

Oliver se recuperou do empurrão e foi fazer o que mais lhe agradava na vida, perturbar Poliana, sua irmã mais nova. Ele era bem parecido com ela, com cabelo da mesma tonalidade, apenas mais curto e repicado. No entanto o que mais se destacava era o sorriso de causar inveja. Além disso, ele sempre usava um perfume masculino que já havia penetrado em sua pele tornando seu próprio cheiro.

Eu sentia que Oliver tinha um sentimento de proteção muito forte pela irmã, eu não sabia se era por que ele quase havia perdido ela uma vez ou porque sua mãe sempre fez com que ele tomasse conta dela, acho que deveria tornar quase uma promessa. Em uma das poucas conversas sérias com Oliver ele já havia admitido que não concordava com o sentimento de culpa que Poliana sentia.

– Eai criança, eu não vi você acordando – ele comentou.

– Acho que é porque você estava com os fones de ouvido estourando seus tímpanos. Quando estiver velho nem aparelho auditivo vai funcionar – disse ela com toda elegância que tinha. Ele riu, era só isso que ele sempre fazia quando ela respondia daquele jeito.

Baltazar conseguiu equilibrar nossas xícaras e levar até a mesa. Ele era o loiro mais certinho da cidade, com aqueles olhos azuis e expressivos. Um senhor de idade, gentil e que trabalhava naquele pequeno café com sua esposa que era a chefe de cozinha. Eles eram aqueles casais que todo mundo gostaria de ser, se casaram jovens e até aquele momento ainda se amavam.

– Bom dia garotas.

– Bom dia Sr. Baltazar – respondemos.

Thomas foi até nossa mesa e depois de nos beijar no rosto ele comeu de uma só vez um pedaço enorme de bolo. Ele intimidava as pessoas por que seu jeito de vestir refletia sua personalidade, ele lembrava um garoto de gangue. Ele tinha várias tatuagens pelos braços e piercings. Em alguns lugares ele era considerado só mais um, mas no bairro em que morávamos ele era uma aberração. O que não parecia perturbá-lo, já que nós também não éramos considerados normais.

– Eai baixinha – ele falou comigo com carinho ao mesmo tempo em que me empurrava para poder sentar ao meu lado.

– Eai bochechas rosadas – respondi sorrindo.

Ao contrario do que a maioria das pessoas via, eu enxergava um garoto de olhos verdes, com bochechas rosadas, brincalhão e risonho. Era um pouco adulto demais em certas ocasiões, mas a sua história explicava isso.

– Eu preciso de mais café – disse ele bebendo da minha xícara.

– Você vai ficar viciado em cafeína que nem meus pais, e isso não é um bom futuro – murmurei, quando ele ia pegar a xícara de Poliana, fazendo com que ele mudasse de ideia na hora.

Após trinta minutos já estávamos na sala de aula com Jonas, o pai de Poliana e Oliver, assistindo a aula de geografia. Já que o colégio ficava bem perto da minha casa e da cafeteria.

Jonas era um professor exigente e como dava aula na faculdade a tarde, queria que seus futuros universitários da manhã lhe apresentassem bons trabalhos. Ele estava há um ano no colégio e não tinha uma fama positiva com nós, os alunos, contudo havia respeito. Aquele era o terceiro lugar em que morava desde que sua esposa tinha falecido. Era visível que foi no terceiro lugar, naquela cidade imensa que ele havia encontrado tudo que precisava: paz. Eu o admirava por isso.

Algumas horas depois quando soou o ultimo sinal, nós quatro saímos animados pelas portas principais de entrada e saída. Mas a animação de Thomas não durou tanto. Elisa sua avó, que era médica do hospital a duas quadras do lugar onde estudávamos, estava esperando-o com seu carro prateado na frente da instituição. Uma das poucas coisas que irritavam Thomas era que ela viesse buscá-lo de surpresa. Ele enrugou o rosto em uma careta, abanou para nós e foi até o carro, batendo a porta com força.

– Hoje ele não deu sorte – disse Oliver se divertindo.

Mas Poliana havia feito à gentileza de nos lembrar do imenso trabalho que seu pai havia pedido e fomos obrigados a voltar para casa com muitas reclamações. Minha empregada fez a comida e logo depois foi embora. Passei aquela tarde toda de pijama pesquisando sobre as fontes de energias, já havia anoitecido e eu só percebi que era tão tarde quando meus pais chegaram em casa.

Infelizmente quando ia descer as escadas para recebê-los algo na conversa dos dois me fez parar no meio do caminho.

– Não podemos simplesmente chegar e dizer: “Sophia você não...” – disse minha mãe histérica – Robert, e se ela descobriu? E se acontecer alguma coisa? E se alguém descobriu? – ela não conseguia esconder o nervosismo e eu podia imaginar o rosto carrancudo do meu pai.

– Ela teria nos contado. E nós não podemos simplesmente contar. Droga, você sabe disso, é perigoso – disse ele com irritação.


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