A pergunta pegara Julia de surpresa.

A primeira coisa que ela fez foi revirar os olhos e observar o que havia a sua volta, como se fosse encontrar a resposta em algum canto que seus olhos pudessem alcançar.

Depois, viu que não adiantava. Precisava pensar e chegar numa conclusão. Entretanto, nunca pensara de fato no assunto, ao passo que tudo parecia mais difícil e estranho para ela. Depois de um longo tempo analisando e avaliando tudo o que ela e Logan passaram juntos, Julia obteve, se não uma resposta, algo bem próximo disso.

Ela pigarreou e falou a Kitty tudo o que descobrira nesses pequenos intervalos de tempo:

- Bem... Nós brigamos, é verdade, e tem vezes em que eu o odeio. Mas, se amar quer dizer... Eu querer vê-lo bem, feliz, saudável, seguro, vivo e... Perto de mim, como tem sido até agora, então eu acho que tenho uma ideia sobre isso. Eu o amo.

Depois da conversa com Kitty, Julia não pode deixar de agradecê-la por ter feito com que ela descobrisse mais sobre si mesma, sobre o que sentia e sobre motivos do ódio de Jean. De certa forma, tudo ajudava.

Mas a parte da pergunta “Você ama Logan?” ainda pairava em sua mente como se a resposta estivesse sensivelmente incompleta. Julia respondera tudo o que sentia verdadeiramente dentro de si mesma. Não houve mentiras. Mas sentia que ainda faltava algo, que ainda havia muito que ser respondido e muitas lacunas a serem preenchidas. Talvez amor fosse isso mesmo. Nunca ter uma resposta realmente completa. Pensou em como seria a resposta de Logan, caso a pergunta fosse destinada a ele.

Se Logan pensaria como ela, ou se suas aspirações divergiriam. Pensou que, caso Logan não a amasse como ela o amava, se sentiria mal e magoada. Mas tentou ser positiva e refutar o assunto da sua mente. Depois de tudo o que fizera por ela durante todo esse tempo, era minimamente impossível Logan não sentir nada. Alguma coisa ele devia sentir. Aliás, pensar nisso era como adentrar em um labirinto escuro. Não se podia prever o que aconteceria, então, Julia decidiu que era melhor deixar as coisas como estavam.

Assim, quando a tarde já se aproximava, Julia encaminhou-se para o quintal atrás da Mansão, no qual havia uns bonecos de espuma que eram usados para treinamento. Kitty e Vampira estavam lá também. Julia destruiu um boneco enquanto treinava e deixava suas emoções fluírem, até que avistou Logan andando calmamente na direção da porta dos fundos da Mansão.

Ela correu e pôs-se entre ele e a porta.

- Como foi o treino de hoje, Logan? – Perguntou ela, sarcástica.

Logan crispou os lábios e falou:

- Eu já avisei ao Charles que não sirvo de professor. Você sabe muito bem disso.

- Então deveria tê-lo avisado ou avisado aos outros que não viria! Isso foi uma irresponsabilidade! – Ela gritou, pesando em quantos mutantes teriam seu treinamento prejudicado se ele continuasse a se comportar dessa maneira infantil. Se isso tivesse acontecido com ela enquanto ela precisava de treinamento, sentiria-se furiosa com o instrutor competente ao caso.

- Eu tenho coisas mais importantes pra fazer, agora sai da minha frente. – Falou ele sombriamente, afastando Julia com as mãos. Seu tom de voz mais perigoso.

- Logan, esses jovens precisam de treinamento! Se eu estivesse no lugar deles, estaria furiosa!

- Você já está furiosa. – Afirmou Logan, afastando Julia definitivamente e passando pela porta.

Eles seguiram caminho mansão adentro discutindo. Discutindo para não chegar a nenhuma conclusão, como sempre acontecia.

No caminho, esbarraram em Kitty, que entrava na Mansão para buscar equipamentos novos. Ao ouvir e presenciar a discussão infundada de Julia e Logan, ela não pôde deixar de sorrir para Julia... Sim. Apesar das discussões diárias sem fundamento e sem destino algum, eles se amavam.

Depois de brigar com Logan e perceber, sem surpresa alguma, que a discussão não surtira efeito algum sobre o comportamento dele, Julia, ainda que resignada, resolveu treinar mais um pouco.

O sol já brilhava pálido e baixo no céu. Devia ser umas cinco da tarde. Julia se dirigiu para o quintal de treinamento onde estava anteriormente a fim de estraçalhar alguns bonecos de espuma. Apenas Vampira encontrava-se lá treinando também. As duas não conversaram muito, mas ocasionalmente se ajudavam nos treinos. Dessa forma, Julia permitiu-se ficar concentrada e treinou assim durante meia hora. Foi interrompida por Kitty, que surgiu correndo desenfreada e ofegante, chacoalhando o telefone na mão:

- Julia! Julia! Te procurei pela Mansão toda! O seu pai acabou de ligar! Ele disse que está em frente à mansão, lá no portão. Ele quer ver você!

Julia sorriu e fez Kitty se sentar na mureta para descansar.

- Obrigada, Kitty. Agora descanse. Eu vou lá vê-lo um pouco...

- Você vai sozinha? – Indagou Kitty, surpresa.

- Ora, ele está bem em frente à mansão! Não há nenhum perigo, Kitty. É só o meu pai... E, além do mais, até hoje não aconteceu nada. Por que haveria de acontecer agora?

- Não posso deixá-la sair sem ninguém, Julia. – Falou Kitty com uma expressão sinceramente preocupada no rosto.

A verdade era que Julia queria ver o pai dela logo. Treinara o suficiente por hoje, tivera emoções demais por hoje, precisava conversar com alguém de fora, mas que ao mesmo tempo a entendesse e a conhecesse. Além disso, estava com saudades do pai. Não precisava chamar alguém para acompanhá-la, ou marcar um encontro futuro, no qual teria de ir acompanhada por alguém da mesma forma. Veria seu pai rapidamente e nada aconteceria, mesmo porque eles estavam na frente da Mansão. Nenhum vilão mutante são se aproximaria dali à toa.

Bom, o fato é queria ver o pai dela. E não queria acompanhantes, porque nada de ruim poderia acontecer àquela altura. Não ali, naquele momento, e muito menos naquele lugar. Ela teria de ficar em segurança.

- Relaxa, Kitty. Eu assumo total responsabilidade pelo que estou prestes a fazer.

Julia desceu correndo a estradinha de terra que levava ao portão, deixando Kitty sentada na mureta descansando e com o telefone fortemente apertado nas mãos. Deixá-la lá dessa forma, e ainda por cima, preocupada com Julia, não era a melhor coisa do mundo, mas Julia não viu outra forma de acalmá-la. Pediu a Kitty que a esperasse lá porque, assim que visse seu pai, ela voltaria em segurança e tomaria um café da tarde com a garota.

Kitty acatou o pedido na hora, parecendo ligeiramente mais tranquila. Assim, Julia dirigiu-se ao portão e colocou seu dedo no leitor de impressões digitais para que a saída fosse liberada. Assim que ela pôs os pés na calçada, viu o carro de seu pai a uns dois metros adiante, não exatamente em frente à Mansão, de modo que ficava um pouco mais afastado.

Ela observou o Ford Focus preto durante um tempo, tentando focalizar o rosto de seu pai, mas os vidros do carro eram bem pretos de um jeito que ninguém de fora poderia enxergar o interior do carro. Mas, mesmo assim, ela sorriu para um ponto onde o motorista deveria ficar. Calculou que seu pai deveria ter visto e retribuído o sorriso.

Então decidiu não mais se refrear.

Julia apressou o passo e abriu a porta do carona, entrando desesperada e rapidamente. Ela mal olhou para quem estava no banco do motorista, ao passo que entrou no carro, se sentou e logo fechou a porta para ter liberdade de conversar com seu pai. Tudo isso sem de fato focalizar a pessoa que agora jazia ao seu lado. Julia falou estridentemente, no auge de sua felicidade repentina:

- Pai!

Entretanto, na realidade, não era seu pai. Julia sentiu-se petrificada quando se deu conta de que quem estava lá era Victor Creed. Dentes de Sabre. A mesma voz ameaçadora ecoando enquanto ele travava o carro.

- Olha, não sou seu pai, garota... Mas acho que você precisa de uma lição.

Tudo ia se esvaindo da mente de Julia pouco a pouco. Poderia muito bem ter aberto a porta do carro e saído correndo, mas estava paralisada. O que teria acontecido com o pai dela, já que agora era Dentes de Sabre que estava em sua frente? E porque ela não seguiu os conselhos de Kitty para se manter em segurança? Enfim, todos os seus medos de perseguição e morte agora estavam personificados naquela pessoa ao seu lado. Julia sentiu a garganta secar e a fala vacilar, mas não que quisesse de fato dizer algo. Não saberia colocá-lo em palavras audíveis. Julia tentou captar o mínimo sinal de alguém por perto para pedir ajuda mentalmente, mas se viu incapaz mais uma vez. Dentes de Sabre deu partida no carro e a Mansão foi a última coisa de que Julia se lembrou.

- LOGAN!

Gritou Kitty, entrando loucamente no escritório de Charles Xavier, onde ele e Logan encontravam-se em reunião. Kitty tremia da cabeça aos pés e gaguejava pelo menos três vezes antes de formular uma frase completa. Logan parecia levemente irritado pelo incômodo e revirou os olhos desconcertados. Charles pareceu um pouco mais paciente e convidou Kitty a contar o que tanto a afligia.  

- O que houve, Kitty? Parece nervosa.  

- A Julia... Ela... Ela sumiu. Alguém a pegou, eu tenho certeza! Ai meu Deus, a culpa é toda minha... – Lamuriou-se Kitty.

Foi aí que Logan ficou alerta. Levantou-se da cadeira com um ar mais sério e compenetrado.

- O que aconteceu com ela? Fala aí, garota. – Murmurou Logan.

Kitty sentou-se onde antes Logan se encontrava e balbuciou, sob os olhares atentos dos outros:

- Bem... Eu recebi uma ligação do pai da Julia. Ele disse que a estava esperando na frente da Mansão. Eu contei isso à Julia e ela foi vê-lo sozinha! Sozinha! Eu não podia ter deixado, mas ela insistiu! Ela disse que voltaria logo, mas já faz mais de uma hora e nem sinal do carro do pai dela! Alguém a levou! E a culpa é toda minha!

Kitty caiu em um choro de dar dó. Charles ofereceu a ela um copo com água, mas a menina mal conseguia levar o copo aos lábios sem derramar o líquido. Logan estava com uma expressão insondável, como se estivesse digerindo a informação e arquitetando um plano mirabolante em sua mente. Charles limitou-se a consolar Kitty enquanto passava uns comandos pelo computador.

- Kitty... Não foi culpa sua. Julia foi lá porque quis, afinal, estava com saudades do pai. Ninguém tem culpa de nada e muito menos poderia prever o que houve. Mas vamos tomar providência.

- Charles tem razão Kitty. A Julia é idiota o suficiente para ter ido sozinha por vontade própria... – Comentou Logan, andando de um lado para o outro enquanto pensava.

Era bem verdade que Julia era teimosa e impulsiva o suficiente a ponto de sair da Mansão sem segurança. Ele até imaginava a expressão determinada dela quando teve a chance de infringir a lei e sair de lá. Típico.

- Já falei com os outros. Vamos iniciar uma busca. – Avisou Charles, movendo sua cadeira de rodas apressadamente. – Vamos nos preparar na Sala de Treinamento. Os outros estão esperando.

- Eu não vou para lá. Vou até a frente da Mansão, onde Julia sumiu. Devem ter vestígios por lá.

Kitty seguiu para a Sala de Treinamento, amparada por Tempestade, que ficou encarregada de acalmá-la e prepará-la, caso o momento exigisse ações inesperadas.

Logan levou Charles Xavier até o portão, guiando-o em sua cadeira de rodas. Assim que Logan parou na calçada diante do portão, farejou o ar durante segundos. Sua face foi se encrespando conforme o cheiro animal de tigre entrou pela sua narina.

O cheiro selvagem de um animal mortífero pronto para efetivar sua vingança.

- Victor.

Murmurou Logan, cerrando suas mãos em punhos e frisando os lábios em linha reta. Não conseguiu refrear o impulso de liberar suas garras assim que o cheiro penetrou novamente seu nariz.

- Tem certeza? – Perguntou Charles.

- Claro. Eu reconheceria esse cheiro nojento de tigre molhado a quilômetros daqui! – Urrou Logan, entrando a passos rápidos pelo portão e seguindo para a Mansão. Aparentemente, ignorando o fato de Charles precisar de sua ajuda para subir a rampa.

Em seguida, Charles avisou o acontecido ao grupo que esperava lá dentro por meio de um dispositivo pequeno.  Depois disso, voltou-se para Logan.

- Logan? Aonde você vai? – Perguntou Charles, lutando contra a inércia de sua cadeira na rampa inclinada, a fim de acompanhá-lo lado a lado.

- Vou pegar meu carro, ir atrás da Julia e desse filho da...

Puf! Era Kurt, que se materializara do nada na frente deles.

- Logan e Professor... Acho que tem uma coisa que vocês vão querer ver...

- Não pode sair daqui sem um plano! Não saberá achá-lo sozinho! Julia corre perigo! – O Professor Charles chamou a atenção de Logan com uma fúria discreta na voz contida.

- Eu vou sair. Vou ignorar sua ordem, Charles. – Retrucou Logan, suas palavras pontuadas de desafio, mas ainda sim, com respeito diante de Charles.

Bem, Kurt os teleportara rapidamente até à Sala de Treinamento, mas ainda assim eles seguiram discutindo. Charles tentando chamar Logan de volta à razão e Logan murmurando palavrões e xingando baixinho até a décima geração de Creed.

Kurt pigarreou e postou-se ao lado de Scott. Como sempre, a postura controlada de Ciclope exibia sua nata e segura liderança. Então todos se aquietaram e pararam de discutir ou falar.

- Logan. Professor. – Cumprimentou Scott discretamente. – Recebemos um vídeo de um email desconhecido. Achei que quisessem vê-lo para tomarmos as melhores decisões possíveis.

Scott apertou um botão pequeno e vermelho ao lado de um dos painéis da conhecida sala. Então, em uma tela média no meio da parede, a figura de Victor Creed se materializou.

Logan mal piscava enquanto via a cena. O vídeo tinha sido gravado pelo próprio Dentes de Sabre em uma câmera de resolução não tão boa, mas, mesmo assim, suficiente para mostrar que ele estava com Julia.

Parecia que estavam em algo como um barco ou lancha, porque havia água ao redor deles. Sem dúvida, Dentes de Sabre queria ser achado, porque mostrava o lugar com abrangência e facilidade, e Kurt já estava trabalhando para identificar o local com base nas imagens.

Julia encontrava-se inconsciente e amarrada em uma cadeira. Estava com os cabelos bagunçados e braços e rosto cobertos por machucados. Alguns parcialmente coagulados e outros bem recentes vertiam sangue. Victor comandava a filmagem, caminhando o tempo todo.

- Olá, X-Men. Eu disse que a pegaria, não é? Fácil demais... – Até mesmo pelo vídeo, a letalidade da situação era sentida por todos naquela sala. – Bem, Magneto me pediu um favorzinho... Como recusar, não é mesmo? Tenho uma dívida com ele. E, matando a garota, eu saio ileso...

Dentes de Sabre parou por um momento, depois, estendeu uma unha afiada e cortou lentamente o rosto de Julia, fazendo um corte fino em sua bochecha direita. Logan rugiu ao ver aquelas imagens e parecia prestes a avançar na tela e dizimá-la.

- E... Eu não sou idiota. Sei que você gosta dela. Logan. – Falou Creed ironicamente. – Aliás, irmão, faz tempo que nós não nos enfrentamos. Você não liga, não escreve... Eu estou com saudades.

Um sorrido ligeiramente infantil e traiçoeiro brincou nos lábios mortais de Dentes de Sabre. Suas presas cresciam.

- Então, acho que tenho um motivo bom o suficiente para você vir até aqui. Vamos brincar, quebrar esse gelo e relembrar os velhos tempos! Um belo de um jogo, você não acha? Veja, ela ainda respira.

Dentes de Sabre fez outro corte na testa de Julia e um gemido fraco saiu da boca dela.

Wolverine rugiu novamente. Lembrou-se do suposto destino de Kayla Silverfox. Parecia que tudo ia se repetir novamente.

- Bom... A filmagem já está ficando longa demais, não é mesmo? – Continuou Dentes de Sabre, caminho ao redor da cadeira onde Julia se encontrava. – Estou te esperando. Te cuida, irmão. E cuida também da tua garota... Ela vai precisar...