Antes Que Você Vá escrita por Isabela


Capítulo 14
Capítulo 13


Notas iniciais do capítulo

Heeeeeey guys!!!

Entãããão... aqui está. Um capítulo gigantesco - esse ficou enorme mesmo! - em tempo recorde! A aparição de Theo estava sendo tão ferozmente aguardada por algumas pessoas - né Syny? - que eu jamais seria capaz de fazê-los sofrer mais com a espera. Pensei em dividir o capítulo, para não cansar vocês, mas promessa é promessa e o Theo tinha de aparecer nesse. Não vou fazer os comentários sobre o capítulo agora; lá embaixo vocês veem, depois de ler :D eu só queria agradecer MUITO, MUITO MESMO, a cada um de vocês, por seu carinho e incentivo, pelos reviews, pelas palavras engraçadas, ou por simplesmente acompanhar a história sem falar nada. Só espero satisfazer vocês, pelo menos um pouquinho. E sejam bem vindas as minhas novas leitoras; Taynná e Mah, que mesmo a história já tendo vários capítulos, leram cada um deles (: e às minhas "velhas" e não tão velhas leitoras: Pandinha, Syny, all4cyrus, Julia Valenca, Lyara... obrigada, meeesmo! Eu não sei por que estou dizendo isso agora - até parece que a fic está acabando né? KKKKKKK - mas é que nesses últimos capítulos vocês têm me alegrado e divertido muito, muito mesmo!

Então, depois de tanto me prolongar...

Boa leitura!



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Capítulo Treze


O resto da manhã passou em um borrão nebuloso. A sala de aula era enorme e lotada; e os professores, rígidos na maioria das vezes. Me senti como uma peça de quebra-cabeça que não fazia parte daquele jogo, que integrava outra paisagem. Ao mesmo tempo em que tentava prestar atenção nos professores para não pensar no lugar horroroso onde estava, ou em Theo, ou em Arthur, eu não conseguia absorver as palavras que os professores diziam. Eram como outro idioma aos meus ouvidos.

Mas quando acabou, não me senti satisfeita. Havia ainda o castigo; e eu precisava fugir para ver Theo… e precisava ser liberada logo.

Eu precisava, e precisava, e precisava…

Juntei minhas coisas mecanicamente – lápis, canetas, apostilas enormes e os cadernos nos quais eu já tinha escrito demais para uma só manhã. Ninguém tinha falado comigo a manhã toda – nem mesmo os professores – e isso me deixava aliviada, e ao mesmo tempo constrangida, porque eles trocaram prováveis palavras arrogantes por olhares de nojo.

Constrangida. Eu não devia estar constrangida. Eu não devia nem ligar, nem sentir nada! Eles eram apenas projetos de gente que se achavam reizinhos, porque seus papaizinhos eram ricos e poderosos. Grande coisa. Isso não os fazia imortais ou deuses.

Caminhei para a sala da diretora da forma mais orgulhosa que pude.

Olhem na minha cara. Vamos. Vejam o quanto sou esquisita e ridícula. Gostaram? Isso os fez se sentirem melhores e mais seguros? Tadinhos. Precisam de motivação externa para pensar que são importantes.

Eu queria gritar essas palavras na cara deles, queria poder dizer o quanto os odiava, mais do que com minha expressão, tão carregada de repulsa quanto as deles estavam.

Cheguei à sala de Tania e bati de leve. Ela murmurou para que eu entrasse, e eu o fiz.

– Senhorita Mianah, como foi a aula?

Eu ergui uma sobrancelha com sarcasmo.

– Maravilhosa – resmunguei.

Ela me olhou, e por um segundo imaginei se compreendia como era difícil para mim. Naquele segundo, sob os olhos dela, vi que a resposta era sim.

– Hoje você vai passar na lanchonete e recolher as bandejas. Como é final de ano, estamos atolados em trabalho e precisando de ajuda. De lá, vá para a biblioteca, onde encontrará três caixas de livros para catalogar. A bibliotecária vai lhe dar o que é necessário para começar seu trabalho. Faça uma caixa por dia, o que vai dar exatamente três dias, e no último dia, vai colocar os livros nas estantes. É só isso. Pode ir.

Eu absorvi as palavras da diretora de forma lenta, e me virei, meio boba, de volta para a porta.

Primeiro eu ia ser faxineira e depois…

A raiva ferveu meu sangue enquanto eu me sentia um lixo. E eu odiava me sentir um lixo. Os alunos que estavam na lanchonete – tomando refrigerante enquanto esperavam seus pais ou motoristas irem buscá-los ao fim do período – riam de mim enquanto eu juntava suas bandejas e limpava as mesas emporcalhadas.

A humilhação que eu sentia arrefeceu um pouco quando fiquei praticamente a sós comigo mesma na biblioteca. As três caixas de livros eram enormes, gigantescas, e o trabalho iminente já me deixava cansada.

Acabar antes das três… antes das três.

Meu trabalho era colocar um tipo de ficha informacional na capa de dentro do livro. Na ficha estava escrito o título, autor e ano de edição do livro, além do número da estante em que estaria e do que ele tratava. Depois que colocasse a ficha em cada livro da caixa – o que não era simples, pois as porcarias das fichas estavam misturadas e eu teria de caçar cada livro na caixa –, eu teria de passar todas as informações da ficha para o programa no computador da biblioteca, onde a bibliotecária, na hora de emprestar o livro, o localizaria na exata estante e marcaria que ele estava emprestado.

Uma droga.

Eu podia me imaginar naquele ambiente silencioso e lotado de livros velhos e novos, trabalhando sozinha até as cinco da tarde, sem nem poder mais pensar em encontrar Theo.

O pensamento me desesperou. Eu nunca conseguiria terminar uma única caixa antes das três. Demoraria muito…

Meu estômago estava reclamando de fome ao mesmo tempo em que se revirava de enjoo enquanto eu trabalhava. Tentei cantar baixinho por algum tempo, me distrair com as capas dos livros ou fazer qualquer coisa – mesmo sabendo que talvez isso só me atrasaria… mas Theo… Theo, eu não podia deixá-lo esperando, eu não podia perdê-lo… sem nem ao menos tê-lo

O tempo passou. Só me permiti olhar no relógio quando cheguei ao quinquagésimo volume. Cinquenta. Apenas cinquenta, de cem… era a metade, e quase enfartei quando dei uma olhada nos números do relógio.

Quatorze e cinco.

Quatorze e cinco.

Eram duas da tarde, eu tinha perdido duas horas com cinquenta livros, e nem tinha ido para o computador ainda!

Mais cinquenta, e seriam quatro da tarde, e mais algumas horas para passar as informações para o computador…

Eu nunca conseguiria sair dali a tempo. Nunca. Jamais. Nem morta, nem viva, nem fugida, nem se matasse alguém. Eu nunca conseguiria ver Theo…

Fechei meus olhos e apenas tentei me conformar.

Era um estranho que eu jamais conheceria. Uma história que eu simplesmente não poderia me lembrar. Não haveria um nome, um rosto… tudo logo se perderia, e tudo o que eu podia fazer era esquecer que os braços dele já tinham me envolvido quando tudo o que havia para mim era a morte.

E eu desejei, desejei ter recompensado Theo no único dia em que tive oportunidade. Se eu o tivesse recompensado, se eu o tivesse beijado, eu teria seu gosto em mim para sempre. Não só seu toque, seu cheiro, e tudo aquilo que o tempo ia diluir…

Entendi que o melhor seria esquecer.

E então, eu afundei mais nos livros.

~

Os dois dias seguintes foram torturantes. Em nenhum deles saí da escola antes das seis da tarde. O trabalho com os livros era cansativo, mas chegou um momento em que era bom me esconder atrás deles. Talvez, se eu realmente fosse obrigada a ficar naquele lugar, poderia me oferecer para trabalhar na biblioteca e ficar ali nos intervalos, mesmo que o período fosse curto.

Eu limpava as mesas na lanchonete também, como no primeiro dia. Os alunos riam, eu me espremia em um cantinho e engolia um sanduíche para matar a fome pelo resto da tarde. Quando chegava em casa, tudo o que queria era dormir, e a raiva que eu sentia de meus pais por estarem me impondo aquela vida era indescritível. Sem nenhum contato com nenhuma pessoa que fazia parte do meu mundo, sem poder tocar nas chaves de minha moto, nem chegar perto do computador ou celular. Eu não tinha energia para sair de noite, se tentasse. Ficava o dia todo trabalhando, à noite só queria dormir.

Mas eu descontei neles uma parte de minha raiva. De uma forma estranha, mas descontei, e vi o peso do remorso nos ombros deles. Eu não lhes dirigia a palavra, não expressava nada em meu rosto quando estava perto deles. E assim que eu tivesse oportunidade, eu faria ainda mais. Pensei em uma nova tatuagem, e em aumentar meu alargador, e em preparar uma pichação tão grande e revoltante que eles iam querer me prender se eu não fosse presa. Eu não me importava de ser. E eu iria voltar para o meu skate, para meus esportes radicais…

Até mesmo para uma escalada.

Pensar em Theo me fazia ficar sem ar, com o peito estranhamente apertado, e eu evitava isso como o diabo foge da cruz. Eu não iria para Theo, mesmo se eu tivesse como ir.

Eu iria para Arthur. Eu correria para ele, eu imploraria para que ele fugisse comigo. Eu me obrigaria a gostar dele, talvez até a amá-lo. Eu faria o que ele quisesse, contanto que me tirasse daquele lugar.

Tudo estava planejado. Eu arrumaria uma mochila e pularia a janela do meu quarto. Tinha de confiar que não me quebraria. Eu costumava pular o muro, e imaginava que não fosse diferente…

Então, eu iria para um lugar solitário, mas bem frequentado de dia, e faria minha pichação. Se não fosse pega, iria para o mais longe de casa possível, e no dia seguinte iria à praia, encontrar Arthur – com alguma sorte, ele estaria lá. Nós iríamos embora juntos, e eu poderia fazer todas as tatuagens que eu quisesse. Meus pais ficariam loucos, e talvez até pudessem me encontrar, mas eu jamais deixaria Arthur de novo.

Assim, o último dia de castigo no colégio foi mais cansativo que todos os outros.

E, quando eu estava saindo pela catraca, vendo o carro de meus pais na frente do colégio, esperando por sua filhinha delinquente e temporariamente quieta, eu a vi.

Luiza.

Aquilo foi como uma bomba. A garota dos recados. Ela era a garota dos recados; não havia outro motivo pelo qual ela estaria ali.

Theo tinha me mandado um recado? Como Luiza sabia que eu estudava ali?

Desci as escadas e parei diante dela. Linda, como sempre. E com um sorriso gentil, que eu não imaginava que pudesse existir em uma garota como ela. Provavelmente, meus pais achavam seguro que eu falasse com ela, então não nos incomodaram.

– Ei, como sabia que eu estava aqui? – não pude deixar de perguntar.

– Nossos pais ainda conversam, sabia? – ela não desfez o sorriso gentil.

– Ah. Eu me esqueci deles.

Fiquei olhando para os grandes olhos maquiados dela, esperando. Eu ansiava cada palavra; seria como um carinho vindo direto de Theo.

– Vou ser breve; – ela disse. – Você não o encontrou naquele dia, certo?

Meu coração acelerou, tropeçou, parou, voltou a bater e acelerou ainda mais.

– Não pude, eu estava de castigo.

– Eu disse isso a ele. E ele… bom, ele ainda está lá. Esperando por você. Ele vai lá todos os dias. E fica… fica esperando até que você possa… – ela suspirou de uma maneira que queria dizer “isso é tão romântico!”.

Eu sorri.

– Ele está lá?

De repente, todos os meus planos tinham pegado fogo. Tudo tinha virado cinzas.

E eu descobri que nunca conseguiria seguir adiante ou fazer qualquer coisa sem ele.

– Bom, ele vai lá todos os dias, às três da tarde. Ele não me pediu para contar a você; ele não sabe que estou aqui. Mas eu vim. Porque tenho certeza de que você achava que ele tinha ido embora para sempre, que você o tinha perdido.

Luiza dava a impressão de que já tinha sacado que eu estava desesperada para ver Theo. Eu não sabia exatamente todas as emoções que ela via em meus olhos, mas tinha certeza de que uma delas era uma ansiedade sem tamanho.

– Sim, eu realmente achava – confessei.

Luiza sorriu.

– Dê um jeito. Se houver algo que eu possa fazer por você…

– Não –, eu interrompi. – Obrigada. Vou me virar sozinha.

– Certo. Bom, é só isso.

Ela foi se virando em direção à rua; vi um carro vermelho parado a certa distância; provavelmente era dela. Mas não deixei que ela fosse embora daquela maneira.

Um ímpeto me tomou e eu a abracei, agradecendo-a em voz baixa. Foi um abraço breve e leve, mas que eu jamais sonharia em dar. Foi um abraço honesto e cheio de amizade.

Luiza parecia tão espantada quanto eu com minha atitude.

– De nada – ela respondeu.

Eu sorri suavemente.

– Escute – murmurei, lançando um breve olhar para o carro dos meus pais, que provavelmente viram nosso abraço. Eu já tinha entendido o que devia fazer; quanto mais próxima de Luiza eu ficasse, mais meus pais me soltariam, confiariam em mim. Eles gostavam dela, e, para dizer a verdade, eu também.

– Sim? – Luiza disse.

– Que tal você passar lá em casa um dia desses? Leve o seu namorado, se quiser. Quando seus pais forem fazer uma visita… bom, nós podemos ficar conversando.

Ela ergueu as sobrancelhas.

– Sério?

– Claro – eu dei um sorriso encorajador, que ela retribuiu lindamente.

– Ok. Eu apareço sim.

Voltei-me para o carro de meus pais e acenei para Luiza.

– Certo. Até mais. E… obrigada.

~

– Você e a Luiza são amigas agora? – meu pai se arriscou a perguntar quando chegamos em casa.

Eu nada disse; saí do carro e atravessei a sala correndo para a escada.

Ouvi meus pais suspirarem e trocarem palavras em voz baixa na sala. Minha mãe tinha plantão naquela noite. Se eu fosse fugir, provavelmente seria mais fácil.

Mas eu não ia. Eu não ia porque Theo ainda estava me esperando; porque eu não queria mais correr para Arthur. Não antes de ver Theo.

Tomei meu banho gelado e me senti melhor quando pude me deitar. Gostei de me vestir com minhas roupas de costume, ver meus cabelos soltos, meu alargador, minhas tatuagens, meu piercing, minha maquiagem. Eu. Eu inteira e completa novamente, do jeito que a maioria das pessoas não gostava que eu fosse.

Infelizmente minha fome exigiu que eu saísse de meu quarto bagunçado para procurar alguma coisa para comer. Minha mãe já estava com seu jaleco branco na sala, e meu pai fritava ovos no fogão, fazendo uma sujeira que provavelmente ia me mandar limpar, e que eu não limparia.

Eu não estava fazendo nenhum trabalho doméstico, e vi que isso deixava meus pais loucos. A única coisa que fazia era pegar comida para mim mesma e lavar meu prato – eu só não admitia ter de lavar a louça deles. Às vezes eu era obrigada a lavar algumas peças de roupa para vestir – caso contrário a situação ficaria mais constrangedora. Era só. Eu já estava me submetendo a muito; não ia fazer mais do que isso.

Meu pai e minha mãe me olharam assim que ouviram meus passos. Mantive minha expressão dura e caminhei para a geladeira. Peguei o que tive vontade e quando já estava voltando para o quarto minha mãe falou.

– Tchau, Mianah. Eu volto de manhã. E se prepare; amanhã à tarde vamos limpar o seu quarto.

Ouvi suas últimas palavras e fiquei instantaneamente irritada; corri pelo resto da escadaria e bati a porta com força, quase derrubando meu prato no chão.

Ela não ia fazer aquilo; ela não tinha aquele direito. Não podia invadir meu espaço pessoal, fuçar minhas coisas!

Soltei um grunhido baixo e quase pensei em chorar, mas depois me contive. Eu não podia ser fraca a esse ponto.

Foi difícil dormir à noite, mas estava cansada demais para pensar e me privar do sono por causa de minha mãe. Acordei na manhã seguinte com meu pai batendo na porta – eles me acordavam todo santo dia, e aquilo já era o suficiente para estragar meu dia inteiro.

Me vesti para o colégio e tomei o café da manhã pensando que não podia ficar mal humorada por causa daquilo. Não hoje.

Eu ia ver Theo, nada podia me irritar.

Eu não sabia de que maneira conseguiria esse feito, mas conseguiria. Isso foi o suficiente para me fazer esquecer a limpeza no quarto, os olhares arrogantes dos alunos, a matéria chata e os professores estúpidos.

Imaginei Theo pelo menos um milhão de vezes. Seus olhos. Os olhos profundos que eu tinha retratado de maneira tão vívida na pintura. Aqueles olhos estariam diante dos meus. Finalmente.

Claro que alertei a mim mesma para não formar ilusões sobre nosso encontro – eu já tinha me decepcionado uma vez. Era incomum de mim mesma que eu me iludisse; essa só era mais uma característica que, de algum modo, tinha surgido em mim depois que Theo apareceu.

Ele tinha me mudado mais do que era gostava de admitir. Eu tinha me tornado uma pessoa alerta, preocupada, sensível, iludida, tola, idiota e um pouco fraca até. A primeira coisa que ele me fez foi me obrigar a concordar com algo que eu não queria – e isso não podia se tornar um hábito!

Então, por que, céus, por que eu pensava tanto nele?

Eu chegava a me revoltar comigo mesma por isso. Mas não tinha mais nenhuma esperança de voltar à normalidade sem ele. Não importava quantas vezes eu o tivesse visto, ou em que circunstância. Não era algo que eu pudesse explicar.

Enfim, no final da aula, corri porta afora, aliviada por não ter de correr para a lanchonete e depois para a biblioteca. Cheguei ao carro e quase agradeci aos céus por isso.

Minha mãe estava sozinha hoje. Provavelmente meu pai ainda estava trabalhando. Eu joguei minha mochila no banco de trás do carro – ainda era minha velha mochila, pelo menos isso eu conservei – e olhei para frente, além do vidro do para-brisa, para não precisar olhar para ela.

Minha mãe pigarreou e, enquanto conduzia o carro pela rua, começou a falar.

– Mianah, não podemos mais continuar nessa situação. Você vai ter de se acostumar com a escola e com seus novos deveres, com sua nova realidade. Não pode ficar com raiva de nós para sempre.

Eu olhei para ela, estreitando os olhos.

– Eu não entendo por que vocês só me impuseram tudo isso agora. Mas já disse, não vou me render. E não, não vou ser boazinha e “perdoar” vocês. Vocês não me querem do jeito como sou, então ok. Não precisam me aceitar como sou, só me deixem em paz.

Ela estava horrorizada, vi isso em sua expressão. Mas era isso que eu fazia; eu sempre a horrorizava, então não era novidade.

– Olhe, hoje vamos arrumar seu quarto, tirar de lá todas as porcarias atulhadas e deixar tudo em perfeita ordem. Luiza e os pais dela irão jantar esta noite lá em casa, e tudo está arrumado, menos o seu quarto.

Então provavelmente ela já estava sabendo do meu convite não tão indireto a Luiza, e tinha cuidado para que a visitinha acontecesse logo. Isso me dava repulsa; por que ela tinha sempre que querer forçar a barra?

– Eu não me importo – resmunguei.

Parei para pensar melhor. Eu ia ver Luiza naquela noite, e precisava pedir a ajuda dela; montar algum tipo de esquema para fugir ou para Theo ir me ver em casa, ou para que meus pais me deixassem sair com ela… qualquer coisa.

Minha mãe me olhava enquanto eu pensava.

E as palavras simplesmente pularam para fora.

– Mãe, eu preciso ver uma pessoa hoje.

– Não vai ver ninguém – a negativa foi rápida e certeira, como eu já imaginava que seria.

Olhei para frente e o rosto de Theo veio novamente à minha mente.

– Você iria gostar dele.

Senti quando ela ficou tensa e alerta.

– É “ele”?

– Sim – eu gaguejei.

– Eu gostaria dele? – ela repetiu novamente.

– Sim, muito. Ele é o tipo de cara que você aprovaria.

Não era mentira. Theo parecia certinho, educado, gentil. O tipo de cara que minha mãe adorava.

– Ele é da escola? – uma ponta de sorriso nasceu em seus lábios.

Eu a fitei profundamente. Ela ia adorar se fosse. Pelo menos, se fosse daquele colégio de gente arrogante. Ela até poderia gostar, mas não eu. Entretanto, não menti, apenas dei uma pausa e depois continuei.

– Preciso encontrá-lo no Pão de Açúcar.

A informação verdadeira talvez não tenha sido boa ideia – se ela se lembrasse do dia de minha escalada, talvez não me deixasse ir ou pensasse que eu estava mentindo sobre “o cara”.

Mas ela não fez isso.

– Certo. Serei generosa. Eu te deixo ir.

Arregalei os olhos.

– Sério? – quase gritei.

– Sim. Desde que…

Soltei um suspiro com a segunda parte. “Desde que”. Ah, a velha condição absurda e completamente inaceitável. Que provavelmente estava por vir. Aliás, que certamente estava.

– Desde que – continuou minha mãe – você me deixe levá-la ao salão de beleza e use roupas novas. E arrume seu quarto.

Eu ofeguei.

– Não. Não, não, não. Mil vezes não. Não vou fazer isso.

Percebi que ela não estava guiando o carro para casa, e fiquei com vontade de pular dele em pleno movimento.

Ela não ia me submeter à atrocidade de mudar minhas roupas e cabelos!

– Você não vai, então. O trajeto será casa-escola, escola-casa. Sem encontros com o novo mocinho.

Mal pensei no que estava fazendo quando ela disse aquilo. Sem poder ver Theo?

– Tudo bem, eu concordo – sussurrei baixinho, me sentindo despedaçar.

~

As pessoas cometem loucuras.

Às vezes várias vezes, ao longo da vida ou numa fase dela, às vezes num momento ruim ou de revolta.

Por obsessão, fúria, paixão, e até necessidade.

Eu não sabia qual desses motivos eu podia usar.

Quando me olhei no espelho enorme do salão de beleza, tive vontade de morrer. Ou me enterrar viva, ou me jogar na frente de um carro. Bom, tudo isso me mataria, então estava valendo.

Com certeza, Theo não valia tudo aquilo, e com certeza aquele era o tipo de loucura que uma viciada em loucuras como eu não fazia.

Meus cabelos tinham ganhado um tom de castanho claro e uniforme, como mel. As mechas roxas e o tom negro tinham sumido. Todas as pontas meio ressecadas por causa dos meus muitos processos de tintura tinham sido cortadas, e os fios estavam lisos e suavemente leves. Pintaram minhas unhas com um branco claríssimo – tirando o esmalte roxo ou preto costumeiro – e me fizeram uma maquiagem leve e natural, sem marcar meus olhos. Nunca me senti mais horrível.

Não é que eu estava feia, propriamente. Mas estava horrível porque não era mais eu. Aquela garota no espelho não era eu, não podia ser, nunca seria.

E minha mãe comprou roupas. Muitas roupas. Shorts jeans novos com spikes, blusinhas coloridas, vestidos básicos, calças, casaquinhos, blusas de inverno. E sapatos; sandálias, sapatilhas, tênis novos em folha. Provavelmente tinha gastado bem mais da metade de seu salário em tudo aquilo; tudo aquilo que não servia para nada.

Ela me fez vestir um short jeans curto de lavagem escura e uma blusinha de decote V vermelha, com sandálias baixas prateadas. Almoçamos no shopping e eu quase me derramei em lágrimas quando ela colocou tudo aquilo dentro do meu guarda-roupa, ao chegarmos em casa. Foi doloroso vê-la limpar meu quarto; ela pegou um grande saco de lixo preto e jogou todas as minhas lindas roupinhas dentro dele, assim como todas as minhas bolsas velhas que eu amava, e sapatos e alguns acessórios que ela julgava “tenebrosos”. Por fim, arrumou minha cama com uma colcha lilás horrenda e colocou um grande tapete no chão. Se foram também todos os meus pôsteres de bandas de rock e sprays de tinta. Ela esquadrinhou cada canto do quarto, certificando-se de que não havia nada “perigoso” ali, e me deixou no meio de um lugar desconhecido a mim quando acabou.

Tudo estava horrível, e eu não sabia como conseguiria dormir ou mesmo ficar naquele lugar. Não era o meu quarto, não podia ser!

Por causa de Theo, eu tinha deixado que fizessem aquilo comigo. Me olhei no espelho e não me vi, olhei ao redor e não encontrei nada familiar.

Eu não podia viver uma vida que não era minha por causa dele!

E, no entanto, parecia que ia.

~

Às quinze para as três da tarde, minha mãe me deixou na praia. Ela disse que se eu não chegasse em casa até as cinco, iria atrás de mim, e que eu nunca mais sairia sozinha. A tentação de fugir era incrível, mas de alguma forma minha mãe parecia saber que eu não ia fugir. E, realmente, eu não ia.

O que estava acontecendo comigo, meu Deus do céu?!

Eu estava bem perto do Pão de Açúcar, e cada passo dado era um pequeno choque em meus músculos. Theo estaria lá, eu tinha conseguido!

Não me permiti observar a mim mesma quais foram os custos e sacrifícios que tive de fazer para que pudesse encontrá-lo, mas ainda achava que ele não valia tudo aquilo.

Mas a felicidade que eu estava tendo com certeza valia.

Um milhão de imagens passavam em minha cabeça enquanto eu chegava mais e mais perto. Eu tinha vivido tanto em menos de uma semana! Era como se a Terra tivesse girado ao redor do Sol pelo menos vinte vezes, como se o mundo inteiro tivesse explodido e se refeito novamente, sob meus olhos.

E assim eu o vi.

Theo estava de costas. Usava uma camiseta que deixava proeminentes seus músculos nos braços e nas costas, e com certeza na barriga. Ele estava de bermuda e tênis, e seus cabelos loiros balançavam suavemente na brisa praiana. O sol fazia sua silhueta resplandecer, e ele olhava para o Pão de Açúcar, provavelmente pensando…

Eu me aproximei. Queria tocar seu ombro, ou até mesmo abraçá-lo. Algo pulsava dentro de mim.

Saudade? Felicidade?

Não era como se, fisicamente, eu estivesse irreconhecível. Não era como se tudo o que eu sabia que existia, tudo com que me importava – minhas amigas, minhas loucuras, minhas ideias – tivessem simplesmente se dissipado a partir do dia em que meus pais decidiram me tirar do meu próprio mundo. Não era como se eu odiasse a maioria das pessoas e lugares que me cercavam.

Tudo estava no lugar de novo.

Eu estava a quarenta centímetros de distância dele.

Suspirei, e ele se virou quase no mesmo segundo.

Os olhos dele brilharam antes do sorriso. Eu podia estar diferente, mas ele me reconhecia. E aqueles olhos… como podiam estar mais perfeitos? Como podiam me provocar daquela maneira? Como podiam me salvar, e salvar, e salvar, me salvar do abismo em que eu estava afundada, como se depois que deixei Theo eu tivesse caído da altura da qual ele tinha me salvado naquele primeiro dia?

Ele me pegou de surpresa quando falou, mas ouvir sua voz foi delirantemente bom.

– Então quer dizer que você pintou meus olhos.


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Notas finais do capítulo

O que acharam???

*oooo* oh my God, estou louca para ver a opinião de vocês. Desculpa se foi muita sacanagem terminar o capítulo desse jeito, mas o Theo apareceu, não foi? MUAHAHAHAHHAHA.

Eu particularmente penso que a reviravolta foi quase incabível em um capítulo desse - mesmo tendo ficado enorme, três dias foram praticamente "engolidos", mas só quis mostrar como não havia mais nada para Mianah fazer; tudo tinha se tornado o trabalho no colégio. Enfim, espero que tenham gostado.

O que acharam da transformação dela? O que acham que vai acontecer em sua primeira conversa com Theo?

Eu espero não ter decepcionado (:

Reviews, please!

Beijoooos, até o próximo capítulo! ♥