É inútil sacar a espada e tentar lutar enquanto elas me levam pra dentro do chifre, e só pra constar, eu odeio essa roupa. Odeio. Não há nada pior que ser torturado pelo rosto. Gemidos agoniados de dor escapam entre meus lábios e eu não posso nem me dar ao luxo de fechar os olhos, uma vez que a pele que os reveste não existe mais. Sei que minha cara está em carne viva porque descobri uma coisa que não estava nos livros em que estudei: as línguas dessas bestas são mais como lixas. E pense só, não basta às malditas retirarem toda epiderme do seu rosto, elas ainda gostam de lixá-las.

A raiva de repente dá lugar ao pavor. Quem conduzirá Cathy para ver o meu caixão? Quem oferecerá o ombro pra que ela se apóie? A idéia de deixá-la sozinha pra sempre faz com que um líquido brote da proeminência que um dia eu pude chamar de olhos. Ah, que legal. Estou chorando. Não de dor – aliás, acho que estou me acostumando com ela. Espero que o sangue as oculte. É só quando as bestas começam a atingir os ossos de minha bochecha esquerda que eu começo a emitir gemidos roucos mais uma vez. Minha espada foi jogada pra longe por elas, mas minhas mãos estão tão ensangüentadas e deterioradas que eu duvido muito que consiga segurar alguma coisa. É só então que me dou conta.

Eu sou o clímax desse ano.

Essas são as piores horas da minha vida. Está escuro lá fora e eu não consigo deixar de choramingar. A dor física é tão excruciante quanto o aperto em meu coração que ameaça me sufocar a qualquer momento. Não achei que fosse morrer assim. Com uma pedrada, um tiro, mas não assim. O tempo se arrasta enquanto eu tenho vontade de tirar essa armadura idiota e cravar a espada em meu peito.

É isso. Cato entregou os pontos, penso. Mas não é algo que esteja em meu controle mais. A cada tentativa de movimento que faço, as bestas apenas puxam meu corpo mais uma vez para o chão e queimam as feridas já abertas com suas línguas poderosas.

Dor, dor e mais dor. Dilacerante, fazendo com que eu fique segurando a respiração por muito tempo. É tudo que consigo sentir quando a morte começa a me rondar. Minha visão está deturpada não apenas pelo sangue pegajoso que coagula em meu rosto, mas também por essa sensação de estar sendo queimado vivo a cada vez que esses animais horrendos passam a língua em minha carne viva. E eu estou morto de qualquer jeito, não estou? Não sempre estive? Apenas mais uma peça de xadrez massacrada e tirada de tabuleiro com frieza, não é isso que eles querem? Começo a ter alucinações. Caius passa um braço em torno de Clove enquanto me olham. Ela com um copo de água em uma mão e ele com a velha espada de cabo de mármore em outra.

Clove estende-me a mão e eu tento agarrá-la, sentindo os dentes das bestas empurrando meus braços pro chão de novo. Caius sorri para mim com uma cumplicidade que só ele poderia ter. Mortos. Ambos mortos. Quero ir pra onde eles estão. Quero me livrar de toda essa agonia.

Então, como um anjo, a Garota Quente – apelidada de brasinha – olha para mim. Um olhar de pena, de compaixão. Caius e Clove me encaram à distância, trocando um olhar de alívio.

– Por favor – o som escapa do que antes foi minha boca.

Então, assim que vejo sua flecha girando no ar em direção à minha cabeça, preparo para encontrar-me com eles.

Legenda: visão do Cato de sua morte. Ao fundo, Caius e Clove.